Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
296/19.4GBSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO LIMA
Descritores: PENA DE MULTA
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
DIREITO DE AUDIÊNCIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL INSANÁVEL
AUDIÇÃO PRESENCIAL
ANALOGIA
Data do Acordão: 03/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA SERTÃ
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 49.º, N.º 1, 2 E 3, DO CÓDIGO PENAL
ARTIGOS 61.º, N.º 1, ALÍNEA B), 119.º, ALÍNEA C), 489.º E SEGUINTES, E 495.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I – A conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária, nos termos do artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal, configura uma alteração superveniente do conteúdo decisório da sentença condenatória, com o efeito de privação da liberdade do condenado

II – Dada a natureza de pena subsidiária e uma vez que o arguido pode demonstrar que o não pagamento da multa não lhe é imputável, é fundamental a sua audição prévia, para cumprir o princípio do contraditório, cuja omissão configura a nulidade processual insanável do artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal.

III – A lei não exige audição presencial do condenado, nem no artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal, nem em qualquer das normas processuais relativas à execução da pena de multa, dos art. 489.º e seguintes do Código de Processo Penal, pois se a exigisse teria feito constar destas normas um segmento como o ínsito no artigo 495.º, n.º 2, que em matéria de revogação da suspensão da execução da prisão reclama a presencialidade da audição do condenado previamente à decisão.

IV – Apesar da similitude das situações, na medida em que implicam ambas uma privação de liberdade por alteração da prévia decisão condenatória, não há que proceder à aplicação analógica do artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal porque as situações divergem na amplitude das ponderações que a decisão em perspectiva pode concitar.

V – A ponderação de qualquer das alternativas ao cumprimento da prisão subsidiária – suspensão da execução dela ou execução em regime de permanência na habitação -, depende da iniciativa do condenado, que há-de requerer nesse sentido, não sendo exigível que o tribunal, fora do contexto do julgamento, já depois da condenação e colocado perante o incumprimento da pena de multa, tenha de indagar oficiosamente sobre a eventualidade abstracta de verificação dos respectivos pressupostos, e mesmo pelo consentimento do condenado arredio.

Decisão Texto Integral:
I – Relatório

1. … o arguido AA … foi condenado, como autor de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do Código Penal CP), na pena de cem dias de multa, e como autor de um crime de burla informática e nas comunicações, p. e p. pelo art. 221.º, n.º 1, do CP, na pena de cento e vinte dias de multa, em cúmulo jurídico dessas duas penas sendo-lhe imposta a pena única de cento e cinquenta dias de multa, à taxa diária de 5,50 € (num total portanto de 825,00 €).

2. Uma vez que o arguido não pagou a multa em devido prazo e, notificado, nada requereu, não se lhe encontrando bens penhoráveis, promoveu o Ministério Público a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, o que, depois de notificado para pronunciar-se tendo-se o arguido uma vez mais remetido ao silêncio, foi enfim acolhido por despacho de 23/05/2022, em que nessa conformidade e o abrigo do art. 49.º, n.º 1, do CP, se determinou o cumprimento de cem dias de prisão subsidiária, consignando-se que para efeitos de evitar ainda esse cumprimento o eventual pagamento se faria à razão de 8,25 € por dia de prisão subsidiária.  

3. É desse despacho que o arguido, depois de ter ainda requerido o pagamento da multa em prestações (o que lhe foi indeferido por extemporaneidade em despacho de 21/06/2022), vem agora recorrer … Das motivações desse recurso extrai as conclusões seguintes:

«…

II – Com o presente recurso pugna pela revogação da decisão supra, devendo o tribunal recorrido, ao invés, procurar por todos os meios ao seu dispor notificar presencialmente o arguido no sentido de, também presencialmente, vir este dar conta dos motivos adjacentes à falta de pagamento da multa de € 825,00, em que foi condenado, e declarando-se a nulidade insanável da decisão recorrida (art. 119.º, al.  c), do CPP), por não ter sido dada a possibilidade de contraditório ao arguido.

III – Incorreu o tribunal recorrido em violação, por aplicação analógica à situação em apreço, do art. 495.º, n.º 2, do CPP, que prescreve que o tribunal decide por despacho sobre a revogação da pena de trabalho a favor da comunidade “…depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento…”.

V – … poderia ter o tribunal recorrido convocado o arguido para, presencialmente, dar conta dos motivos que o levaram a não liquidar a pena de multa em que foi condenado.

VI – Sem prejuízo de se aceitar que o arguido veio requerer o pagamento em prestações já com o prazo esgotado, a alegação de problemas de saúde de que padecerá não pode deixar de levantar a possibilidade de estarmos perante uma questão superveniente.

VII – … o arguido não foi notificado das guias para pagamento da multa, sem prejuízo da sua responsabilidade em face da notificação da sentença.

VIII – … quando notificado efetivamente, ou seja, quando reclamou o objeto postal tendo acesso efectivo à missiva que lhe foi remetida pelo tribunal, o arguido respondeu de imediato através de missiva de correio eletrónico.

XI – O mesmo se diga quanto ao requerido pagamento a prestações solicitado pelo arguido por missiva de correio eletrónico datada de 06/06/2022. Ao alegar uma situação de saúde que o impede de trabalhar e auferir rendimentos, importava esclarecer, convocando o arguido para estar presente em sede de diligência de tomada de declarações, quer o seu estado de saúde em concreto, quer o momento da ocorrência da alegada maleita …

XII – Motivos pelos quais, incorreu o tribunal recorrido em violação, por aplicação analógica à situação em apreço, do art. 495.º, n.º 2, do C.P.P. …

XIV – Sem prescindir … recorre-se ainda da decisão de não aplicar ao caso em concreto, nos termos do art. 43.º, n.º 1 e 2, do CP, o cumprimento da pena de prisão a cumprir pelo arguido em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, com autorização de saídas para trabalhar.

XV – Ora, atendendo ao exposto na al. c) do n.º 1 do art. 43.º do CP … deveria ter o tribunal recorrido, antes de tomar a decisão de revogar a substituição da pena de multa pela pena privativa de liberdade, notificado o arguido no sentido de vir dar o seu consentimento à aplicação da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 43.º, do CP, ou seja, em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

…».

3. Admitido o recurso, respondeu-lhe o MP, pugnando pela inteira correcção do decidido …

4. Subidos os autos, a Sr.ª procuradora-geral adjunta emitiu parecer em que acompanha e desenvolve a resposta do MP em primeira instância …

II – Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

1.1. … o recurso é movido contra o despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, de 23/05/2022, mas em boa parte das ditas conclusões e nas correspondentes motivações, o que afinal se expende são argumentos de oposição ao indeferimento do requerimento para pagamento em prestações, que consta isso sim do despacho de 21/06/2022, este não recorrido. Claro está, aqui são irrelevantes e por conseguinte não merecerão ponderação alguma tais razões; aquele segundo despacho não foi recorrido e está como tal transitado.

E isso esclarecido, as questões cujo conhecimento as conclusões na parte prestável concita, podem enumerar-se, de acordo com a precedência lógico-processual, do modo seguinte:

a) Nulidade do despacho recorrido, de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, por preterição de prévia audição presencial do recorrente; e

b) Mesmo a não ser esse o caso, então, e em substância, indevida preterição da possibilidade de determinação da execução dessa prisão subsidiária em regime de permanência na habitação.

1.2. No mais, não cabendo renovação de provas, que não foi requerida e nem se lobriga necessária, e de igual modo não sendo caso de realização de audiência, que o recorrente também não requereu, sempre o recurso deveria ser julgado em conferência (art. 419.º, n.º 3, als. b) e c), do CPP), como foi.

2. A decisão recorrida e os dados relevantes do processo

2.1. A boa apreciação da causa, nos termos acima melhor enunciados, importa que se faça aqui presente a integralidade da decisão recorrida. É o seguinte o teor respectivo:

«Por sentença proferida nestes autos e transitada em julgado, foi o arguido AA condenado na pena única de cento e cinquenta dias de multa, à taxa diária de 5,50€, num total de 825,00€.

O arguido não procedeu ao pagamento da multa, nem nada veio requerer ou informar aos autos, apesar de devidamente notificado.

Efetuadas pesquisas por bens penhoráveis, não foram obtidos resultados.

Promoveu o Ministério Público a conversão da pena de multa em prisão subsidiária.

Notificado, o arguido nada veio dizer.

Prevê o art. 49.º, n.º 1, do CP, que, se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.

Uma vez que o arguido não pagou a pena de multa, não foi a mesma substituída por trabalho e não foi possível a cobrança coerciva, o tribunal determina o cumprimento por este de cem dias de prisão subsidiária (sendo 2/3 de 150 = 100).

Consigna-se assim que cada dia de prisão subsidiária equivale a 8,25€.

Notifique, sendo o arguido com a advertência de que poderá pagar total ou parcialmente a quantia devida a título de multa, com vista a evitar o cumprimento da prisão (art. 49.º, n.º 2, do CP), bem como poderá vir alegar e demonstrar que o incumprimento não lhe é imputável nos termos e para os efeitos do art. 49.º, n.º 3, do CP.

Após trânsito:

- Remeta os competentes boletins, nos termos do art. 6.º, al. a), da Lei de Identificação Criminal;

- Emita mandados de detenção e condução do arguido ao estabelecimento prisional

2.1. Outros dados relevantes do processo

Igualmente útil para a ponderação que aqui se impõe, é ter presente, consoante se extrai da consulta dos autos, o que segue:

a) O MP promoveu a conversão da multa em prisão subsidiária a 19/04/2022 e em face dessa promoção foi determinada, por despacho de 21/04/2022, a notificação do arguido e da sua ilustre defensora para na matéria se pronunciarem, em dez dias;

b) Ambos foram com efeito notificados nessa conformidade, ambos por ofícios de 26/04/2022, no caso do arguido expedido para o endereço constante do termo de identidade e residência e ali depositado a 27/04/2022; e

c) Nada tendo sido requerido ou sequer tomada posição alguma, foi enfim a 23/05/2022 decidida a conversão da multa em prisão, no ora recorrido despacho e sem audição presencial do arguido.                                  

3. Enfim apreciando

3.1. Seguindo nisto jurisprudência que damos por pacífica, começamos por notar que a conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária, nos termos do art. 49.º, n.º 1, do CP, configura uma alteração superveniente do conteúdo decisório da sentença condenatória, com o efeito de privação da liberdade do condenado; dada a natureza de pena subsidiária e porque o arguido pode demonstrar que o não pagamento da multa não lhe é imputável, requerendo nomeadamente a suspensão daquela prisão subsidiária (art. 49.º, n.º 3, do CP), é fundamental a sua audição prévia, no sentido de cumprir o princípio do contraditório, dando-lhe oportunidade processual de efectivar o direito a ser ouvido (art. 61.º, n.º 1, al. b), do CPP); e a omissão dessa audição prévia configura a nulidade processual insanável do art. 119.º, al. c), do CPP (exactamente por violação daquela al b) do n.º 1 do art. 61.º), sendo porém que não tem de ser presencial (neste sentido, e exemplarmente, o Ac. TRC de 11/09/2019, proferido no processo 31/15.6IDCTB.C2, relator Luís Teixeira, que seguimos de muito perto, mas ainda, e além dos ali citados, os Acs. TRC de 04/05/2011, proferido no processo 189/09.6GASPS-A.C1, relator Jorge Jacob, de 29/06/2016, proferido no processo 113/12.6GBALD, relatora Elisa Sales, e de 13/10/2021, proferido no processo 85/19.6PTLRA-A.C1, relator João Novais).

3.2. Desde logo, a lei não exige essa audição presencial, nem no art. 49.º, n.º 1, do CP (cujos termos literais apontariam até para uma certa automaticidade da conversão, uma vez verificada a não substituição por trabalho, a falta de pagamento da multa e a sua inexequibilidade), nem em qualquer das normas processuais relativas à execução da pena de multa (art. 489.º e ss. do CPP), afigurando-se-nos que a ter sido essa a intenção do legislador, então não teria deixado de fazer constar daquelas normas um segmento como o ínsito no art. 495.º, n.º 2, do CPP, que justamente e em matéria de revogação da suspensão da execução da prisão reclama essa presencialidade da audição do condenado previamente à decisão – e se o não fez, nem determinou remissivamente essa aplicação (como todavia expressamente fez, no art. 498.º, n.º 3, do CPP, em se tratando de revogação da pena de prestação de trabalho), então parece forçoso concluir que desse modo pensou e resolveu a questão (cfr. o Ac. TRC de 06/01/2021, proferido no processo 21/16.1GAVZL-A.C1, relator Jorge França). O recorrente não terá deixado de ter isto presente, uma vez que precisamente apela a uma aplicação analógica daquele art. 495.º, n.º 2, do CPP, mas o que não desenvolve é porque haveria de impor-se essa analogia, sendo certo que não obstante a similitude das situações na medida em que implicam ambas uma privação de liberdade por alteração da prévia decisão condenatória, onde elas precisamente divergem é na amplitude das ponderações que a decisão em perspectiva pode concitar.

3.3. Nem mesmo falando da maior gravidade do que por regra estará em causa quando se trate de revogação da suspensão de execução da prisão, por comparação com a conversão da multa em prisão subsidiária, ali estará em causa não somente a verificação das causas determinantes da perspectiva da revogação, como ainda conclusões valorativas sobre a culpa do condenado nelas e/ou a subsistência ou não do juízo de prognose favorável que fundara a suspensão (art. 56.º, n.º 1, als. a) e b), do CP), o que tudo justifica a audição do técnico de reinserção social que apoia e fiscaliza as condições de suspensão, quando seja o caso, e o especial cuidado de facultar ao condenado a possibilidade de dialecticamente facultar esclarecimentos, fazer alegações e, enfim, tomar posição, em moldes susceptíveis de apreensão pelo tribunal com imediação e oralidade que só a audição presencial consentem. Isto é aliás o mesmo que pode dizer-se em se tratando de revogação da prestação de trabalho (o que explica a remissão do art. 498.º, n.º 3, do CPP, para o art. 495.º, n.º 2, do CPP), mas já não é esse o caso da conversão da multa em prisão subsidiária, em que se trata simplesmente de comprovar pressupostos objectivados tais como a não solicitação de substituição por prestação de trabalho, o não pagamento voluntário e a não exequibilidade coerciva, ao condenado não cabendo mais, em tal situação, do que porventura invocar razões de lhe não ser imputável o não pagamento e, nesse caso, pedir a suspensão de execução da prisão subsidiária (art. 49.º, n.º 3, do CP).

3.4. Uma tal diversidade de situações legitima amplamente a opção do legislador no sentido de impor a audição presencial no caso de revogação da suspensão (ou da prestação de trabalho), mas não no de conversão da multa em prisão, não cabendo aplicação analógica da regra do primeiro a este segundo, com o que de resto resultaria simples e voluntaristicamente frustrada aquela opção legislativa, e para mais com custo significativo sobre a funcionalidade do sistema. Breve: aplicada uma pena de multa cujo pagamento não seja autorizado em prestações ou com prazo diferido (art. 47.º, n.º 3, do CP) nem substituída por prestação de trabalho (art. 48.º, n.º 1, do CP), o condenado deve ou pagá-la no prazo respectivo, de quinze dias (art. 489.º, n.º 1 e 2, do CPP), ou, alternativamente, requerer então o pagamento em prestações (art. 47.º, n.º 3, do CP), ou a substituição por trabalho, no mesmo prazo (art. 490.º, n.º 1, do CPP); nada disto fazendo, então procede-se à cobrança coerciva, executivamente, se for viável (art. 491.º, n.º 1 e 2, do CPP), e não o sendo, ou frustrando-se a execução, então a multa é convertida em prisão subsidiária (art. 49.º, n.º 1, do CP), restando ao condenado, se provar (e, claro está, previamente invocar…) que lhe não é imputável a falta de pagamento, obter a suspensão da execução da prisão subsidiária, coisa a decidir com prévia audição do MP, se não for o requerente (art. 49.º, n.º 3, 491.º, n.º 3, do CPP).

3.5. Esclarecido quanto antecede, o que no caso em apreço temos como indisputável é que o recorrente não pagou no prazo devido a multa em que foi condenado, e nem durante ele pediu a substituição por prestação de trabalho ou o pagamento diferido ou em prestações, de resto mantendo-se silente depois de em face dessas circunstâncias ser notificado para dizer ou requerer o que lhe aprouvesse (objectivamente se lhe tendo assim concedido mais prazo…); vista essa postura foram feitas as averiguações pertinentes em vista da cobrança coerciva da multa, que todavia se mostrou inviável, por ausência de bens penhoráveis; e por último, determinou-se a conversão da multa em prisão subsidiária, mas não sem antes dar ao condenado e sua ilustre defensora contraditório, notificando-os para se pronunciaram, o que nenhum fez. Em tal contexto, e embora como acima referido essa não seja matéria a conhecer neste recurso, tornou-se obviamente extemporânea e como tal insusceptível de ser atendida a solicitação para pagamento em prestações que o arguido fez já depois até do despacho de conversão da multa em prisão! Mas o que aqui verdadeiramente releva é que nenhum vício se lobriga nessa recorrida decisão de conversão, e o que jaz sob a alegação do recorrente a respeito de uma putativa falta de contraditório não é afinal mais do que a expressão do seu próprio (e censurável) alheamento em relação à pena que lhe fora aplicada, seu cumprimento e alternativas.

3.6. Aqui chegados, cremos não carecer de mais explicações a conclusão de que com decidir a conversão da multa em prisão subsidiária sem audição presencial do recorrente, mas não deixando de dar-lhe oportunidade de pronunciar-se previamente, o tribunal recorrido não incorreu em violação alguma dos art. 61.º, n.º 1, al. b), e 495.º, n.º 2, do CPP (este último nem ao caso vindo), não enfermando aquela decisão da nulidade prevista pelo art. 119.º, al. c), do mesmo CPP, cuja arguição improcede. E com isto, o que sobra, é a alegação ainda de violação do art. 43.º, n.º 1 e 2, al. c), do CP, a qual o recorrente procura configurar com a sustentação de que ao tribunal recorrido se imporia tê-lo previamente notificado para dar o seu consentimento à execução da prisão subsidiária em regime de permanência na habitação e, infere-se, averiguado dos demais pressupostos respectivos. Damos por indiscutível, face ao teor literal do dito art. 43.º, n.º 1 e 2, al. c), do CP, que a execução da prisão subsidiária em regime de permanência na habitação teria sido em tese uma possibilidade, mas uma vez mais falece em tudo o resto a argumentação do recorrente, também aqui improcedendo as razões de recurso.

3.7. Na verdade, começará por notar-se que ao contrário do que algo obliquamente implica, o recorrente, na sequência da promoção do MP para a conversão da multa em prisão subsidiária, e antes da tomada de decisão sobre isso, foi com efeito notificado, ele e a sua ilustre defensora, com prazo para na matéria se pronunciar, e se encarava a eventualidade de essa prisão subsidiária ser executada em regime de permanência na habitação, então seria a ocasião processual própria para suscitar a questão, prestando o seu consentimento e alegando o que nesse sentido tivesse por conveniente (em vista do juízo que o n.º 1 daquele  art. 43.º reclama), e o tribunal então deveria averiguar (como o deveria a respeito da suspensão de execução da prisão subsidiária se isso tivesse sido perspectivado). Sucede que, tal como nada manifestou a respeito de eventual suspensão da execução dessa prisão subsidiária (art. 49.º, n.º 3, do CP), o recorrente também absolutamente nada referiu quanto a essa outra hipótese, mantendo-se no alheado silêncio que já referimos. A única coisa que fez, já depois de decidida a conversão, foi requerer extemporaneamente o pagamento da multa em prestações, sob alegação genérica e conclusiva (por isso vácua) de um “estado de saúde débil”, desacompanhada de concretização mínima e menos ainda de comprovativos de qualquer espécie.

3.8. Ora, contrariamente ao que parece supor o recorrente, afigura-se-nos que a ponderação de qualquer daquelas alternativas ao cumprimento da prisão subsidiária (suspensão da execução dela ou execução em regime de permanência na habitação), depende da iniciativa do condenado, que há-de requerer nesse sentido (coisa que quanto à suspensão até resulta explícita do teor literal do art. 49.º, n.º 3, do CP), não sendo exigível que o tribunal, fora do contexto do julgamento, já depois da condenação e colocado perante o incumprimento da pena de multa, tenha ele de oficiosamente indagar sobre a eventualidade abstracta de verificação dos respectivos pressupostos, e mesmo, no caso em que neles se inclui, pelo consentimento do condenado arredio do processo e da pena – porventura estimulando-o especificamente a manifestá-lo, apesar desse alheamento… Por outras palavras, damos por igualmente satisfeito o dever de explicitar porque concluímos também não se verificar violação alguma do art. 43.º, n.º 1 e 2, al. c), do CP, com o que, enfim, chegamos à integral negação de provimento ao recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida, nos seus precisos termos; daí restando ao recorrente, em querendo evitar total ou parcialmente a prisão, já apenas, mas ainda, a eventualidade de pagamento total ou parcial da multa (art. 49.º, n.º 2, do CP).          

III – Decisão

À luz do exposto, decide-se negar provimento ao recurso do arguido AA, mantendo-se integralmente o despacho recorrido, de 23/05/2022.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em três UC’s (art. 513º, n.º 1 e 3, do CPP, e 8.º, n.º 9, e Tabela Anexa III, do Regulamento das Custas Processuais).

Notifique

*

Coimbra, 08 de Março de 2023

Pedro Lima (relator)

Jorge Jacob (1.º adjunto)

Maria Pilar Oliveira (2.ª adjunta)

Assinado eletronicamente