Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
444/09.2TBMGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ACÇÃO DE INTERDIÇÃO
ANOMALIA PSÍQUICA
INCAPACIDADE
Data do Acordão: 10/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MANGUALDE 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 954 CPC
Sumário: 1. Para o efeito do artº 954º do CPC, o tribunal apenas poderá/deverá, fixar a data do começo da incapacidade, se a prova produzida for inequívoca ou muito provável sobre tal data.

2. Dadas as exigências e cuidados neste particular legalmente exigidos, não pode considerar-se a data de realização de um relatório médico legal, no qual, apesar de se verificar que a examinanda tem já algumas vulnerabilidades físicas e mentais, se conclui que é ainda capaz de tomar decisões assertivas; antes devendo considerar-se a data do seu internamento hospitalar, efectivado cerca de sete meses depois, e na decorrência do agravamento de tais vulnerabilidades.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A (…) instaurou contra L (…) e mulher M (…) a presente ação especial de interdição.

Alegou, em síntese:

Os requeridos sofrem de anomalia psíquica que os torna totalmente incapaz ou convenientemente capaz de reger a sua pessoa e bens desde 12/06/2009 e 24/07/2009 respetivamente.

Pediu:

a) seja decretada a interdição de L (…) e a inabilitação de M (…) fixando-se ainda as datas de 12/06/2009 e 24/07/2009 respetivamente, do inicio das suas incapacidades;

b) sejam declarados nulos todos os negócios de disposição e/ou oneração em relação aos bens elencados no artigo 21º da pi;

c) seja ordenado o cancelamento de qualquer ato de disposição ou oneração em relação aos prédios, identificados no artigo 21º, posterior às respetivas datas de fixação da interdição ou inabilitação.

2.

Prosseguiu o processo os seus legais tramites, tendo, a final sido proferida sentença na qual se decidiu:

a) decretar a interdição, com carácter definitivo, por anomalia psíquica, M (…);

b) fixando-se a data de início da incapacidade em 16.08.2011;

c) julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade e cancelamento de registo de todos os negócios de disposição e/ou oneração em relação aos bens elencados no artigo 21º da pi.

3.

Inconformado recorreu o requerente.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A)- O objectivo deste recurso prende-se apenas e tão só com a fixação da data da qual teve inicio a incapacidade de que foi acometida como tendo sido de 16/08/2011;

B)- Recorre-se da matéria de facto uma vez que a mesma impunha resposta diversa à questão básica deste recurso: a data da incapacidade.

C) Assim tenha-se assente a alínea N), a alínea Q) da resposta dada à matéria de facto;

C)-Com interesse para a decisão da causa deu-se como provado o seguinte facto:

Quesito 5- O quadro factual referido na resposta aos pontos 1,2,3,15 e 16 perdura desde 16/08/2011. Sendo deste quesito que se discorda;

D) Salvo o devido respeito, tanto a prova produzida em julgamento como os documentos existentes nos autos, impunham resposta diversa.

E) Devendo assim ser alterada a resposta à matéria de facto e dar-se como provada que o quadro factual referido na resposta aos pontos 1,2,3,15 e 16 perdura desde inicio de Janeiro de 2011;

F)- A douta decisão considerou que a data do inicio da sua incapacidade foi a data do seu internamento hospitar ou seja 16/8/2011.

G) E que tal internamento foi consequência da sua debilidade física e deficit cognitivo …acrescentando a douta sentença ..” “a requerida encontra-se totalmente incapacidatada de gerir e orientar os seus bens designadamente de tomar decisões assertivas a esse respeito, estando desde então-.completamente dependente da vontade de outrem.”

H)-Porém a deterioração mental nomeadamente das doenças degenerativas não é um acontecimento que se estabeleça repentinemente;

I)- Mas sim um processo evolutivo, moroso, que pode durar por tempo indefinido.

J) O facto de o Srº Drº Juiz “a quo” ter estabelecido a data de 16/08/2011 como data da interdição da D. Amélia, é infundamentada e aleatória;

L) Aliás tal prespectiva está de acordo com o Relatório elaborado pelo Instituto de Medicina Legal e constante de folhas---dos autos, efectuado no dia 27 de Janeiro de 2011, através da observação directa efectuada à (…) em 13 de Janeiro de 2011;

M) Pela gravidade do seu défice cognitivo e pelo grande declínio da sua capacidade física, que potenciou também a sua função cognitiva é que se levou a (…) ao hospital e gerou o seu internamento.

N) Foi o declínio funcional cognitivo da interdita em momentos anteriores ao seu internamento que levou os seus cuidadores a recorrerem às unidades hospitalares;

O)A perda da capacidade funcional associado à manifestada fragilidade e depência, gerou-se em fase muito anterior ao dito internamento.

P)Pois que foi a condição deficitária prévia ao infeliz internamento que gerou o próprio internamente, sendo que tal fase foi em momentos anteriores a 16 de Agosto de 2011.

Termos em que se deve manter a sentença recorrida quanto à interdição propriamente dita, alterando apenas e tão só a data do inicio da mesma como sendo de inicio de Janeiro de 2011, dando-se assim provimento ao presente recurso, revogando-se a data que consta da, aliás douta sentença.

Contra-alegou a requerida, pugnando pela manutenção do decidido com a seguinte argumentação essencial:

1 – O recorrente impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto invocando como fundamento do erro na apreciação das provas os depoimentos de quatro testemunhas

2 – Os depoimentos destas testemunhas foram gravados e como consta da acta de audiência de julgamento, os mesmos foram gravados através do sistema integrado de gravação da prova digital disponível na aplicação H@bilus Media Studio, com referência ao seu início e termo.

3 - O recorrente não indicou, nem o início, nem o termo da gravação do depoimento de cada uma das quatro testemunhas que identifica nas suas alegações, como, também, não indicou com exactidão as passagens da gravação em que se funda.

4 – Em consequência destas omissões deve decidir-se pela imediata rejeição do recurso, nos termos do disposto no nº 2, do artº 685º - B, do C.P.C.

5 – O requerente, ora recorrente, no seu pedido de declaração de interdição por anomalia psíquica da requerente, formulado por acordo na audiência de julgamento de 05/12/2012, não indicou a data a partir da qual a mesma deveria ser decretada.

6 – Deste modo, o recorrente não tem legitimidade para apelar da presente sentença de interdição que fixou a data de começo da incapacidade em 16/08/2011, como  estatui o artº 955º, nº 1, do C.P.C., sendo-lhe apenas consentido impugnar a extensão e os limites da incapacidade, o que não é impugnado no recurso.

7 – A matéria de facto impugnada, concernente ao quesito 5, mostra-se amplamente provada e o Mº Juiz explicitou de forma clara os fundamentos da sua convicção, não existindo erro na apreciação da prova, razão porque a mesma não merece qualquer censura.

8 – Do relatório da Avaliação Psicológica elaborado pela Delegação do Centro do Instituto de Medicina Legal, em 13/01/2011, na sequência do exame de avaliação psicológica efectuado à requerida, conclui-se que esta não padecia de qualquer enfermidade, sendo, pois, ao tempo, capaz de reger a sua pessoa e bens.

9 – A pretensão do recorrente viola, designadamente, o disposto no artº 685º - B, nº 2 e 955º, nº 1, ambos do C.P.C.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª – Fixação da data do início da incapacidade: 16.08.2011 ou início de janeiro de 2011?

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Tal como alega o recorrido, o recorrente não cumpriu o ónus legal de: «…indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.» - nº2 do artº 685º-A do CPC.

Tal incumprimento acarretaria, no rigor dos princípios, a imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, tal como adrede e inequívoca e impositivamente mencionado em tal segmento normativo.

Pois que, tal como constituem doutrina e jurisprudência maioritárias, in casu não há lugar à prolação de despacho de aperfeiçoamento.

Por várias razões, a saber:

- A lei é, nesta vertente, omissa, versus o que sucede com o convite ao aperfeiçoamento das conclusões: artº 685º-A nº3.

- O convite ao aperfeiçoamento traduz-se, na prática, num alargamento do prazo de oferecimento da alegação;

- O convite contraria abertamente a razão que levou a lei a adstringir às partes àquele ónus: a de desmotivar impugnações temerárias e infundadas da decisão da matéria de facto – neste sentido, cfr., entre outros, o Ac. da RC de 06.12.2012, p.169487/08 e Acs. do STJ de 15.09.2011, p.455/07 e de 02.09.2012, p.1858/06 ( e os demais nele cits.), todos in dgsi.pt; Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, p. 170, nota 331, Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, p. 80, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, p. 55 e Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, ps. 141 e 142.

Não obstante, verifica-se que o recorrente transcreve no corpo das alegações a parte dos depoimentos das testemunhas que, em seu entender, impunham uma resposta diversa ao quesito 5º.

Tal postura ainda que não cumpra, expressa, formal e adequadamente, o disposto na parte final do referido nº2 do artº 685º-A do CPC, de algum modo a este ónus se assemelha.

Assim sendo e atento o dever de colaboração intersubjetiva com vista ao apuramento, na medida do processualmente possível, da verdade factual, e tendo como fito último a consecução da verdade e justiça material, apreciar-se-á a questão, apenas na consideração do teor de tais extratos.

Ou seja, apreciando e concluindo se de tal teor, concatenado com outros elementos constantes no processo e a interpretação das normas atinentes ao instituto do recurso da decisão de facto e da interdição, se a pretensão recursiva é, ou não, pertinente e aceitável.

5.1.2.

Há que considerar que no nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº655º do CPC.

Perante o estatuído neste artigo pode concluir-se, por um lado, que a lei não considera o juiz como um autómato que se limita a aplicar critérios legais apriorísticos de valoração.

Mas, por outro lado, também não lhe permite julgar apenas pela impressão que as provas produzidas pelos litigantes produziram no seu espírito.

 Antes lhe exigindo que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

Na verdade prova livre não quer dizer prova arbitrária, caprichosa  ou irracional.

Antes querendo dizer prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, posto que em perfeita conformidade com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

5.1.3.

Por outro lado há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, dgsi.pt, p.03B3893.

 Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Efetivamente, com a produção da prova apenas se deve pretender criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente num grau de probabilidade o mais elevado possível, mas em todo o caso assente numa certeza relativa, porque subjetiva, do facto. – cfr. Acórdão desta Relação de 14.09.2006, dgsi.pt, citando Antunes Varela.

Decorrentemente - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade, e, até, falibilidade, vg. no que concerne á decisão sobre a matéria de facto.

Mas tal é inelutável e está ínsito nos próprios riscos decorrentes do simples facto de se viver em sociedade onde os conflitos de interesses e as contradições estão sempre, e por vezes exacerbadamente, presentes, havendo que conviver - se necessário até com laivos de algum estoicismo e abnegação - com esta inexorável álea de erro ou engano.

O que importa, é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, tendencialmente, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

Por conseguinte: «Assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum» -Ac. da Relação de Coimbra de  18.08.04, dgsi.pt.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade -, mais importante do que a validade científica dos mesmos,  pois que o julgador pode não estar habilitado a avaliá-los nesta vertente –Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

5.1.4.

Ademais, e por simples decorrência do supra exposto, há que considerar que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas, nem pode significar a desvalorização da sentença de 1ª instância, que passaria a ser uma espécie de "ensaio" do verdadeiro julgamento a efetuar pelo Tribunal da Relação.

Nesta conformidade, em recurso compete apenas sindicar a decisão naquilo em que de modo mais flagrante se opuser à realidade, pois há que pressupor que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade que se presume já que por virtude delas na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Na verdade, a função do Tribunal da 2ª Instância deverá circunscrever-se a "apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1º grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos - Ac. do Trib. Constitucional de  3.10.2001, in Acórdãos do T. C. vol. 51º, pág. 206 e sgs e Ac. da Rel. de Lisboa de 16.02.05,  dgsi.pt.

5.1.5.

No caso vertente pretende o recorrente a alteração do arº 5ºda BI.

Tem ele o seguinte teor:

O quadro factual referido nos factos 1º a 3º iniciou-se em 24 de Julho de 2009?

Resposta do tribunal:

Provado apenas que o quadro factual referido nos factos 1º a 3º, 15º e 16º (aditados posteriormente) perdura desde o dia 16.08.2011.

Fundamentação do tribunal:

«Para formação da convicção, no tocante à matéria de facto dada como provada, o tribunal serviu-se :

- da avaliação constante do relatório pericial actualizado de 4.05.2012 (fls.240-1) conjugado com os relatórios anteriores de 10.05.2010 e 27.01.2011 e respectivo esclarecimento complementar (fls.109-110, 156-162 e 169) sobre a evolução e estado clínico-psiquiátrico da requerida, seu conteúdo e efeitos;

- do testemunho de (…) 40 anos, nora da requerida, com quem esta chegou a residir, (…), 65 anos,filha da requerida, (…), 36 anos, neta por afinidade da requerida, e (…), 59 anos, com quem a requerida vive desde o dia 15.08.2011, tomando permanentemente conta desta, todas revelando conhecê-la, por manterem contacto com a mesma, as quais descreveram as capacidades e limitações fisicas e cognitivas daquela, designadamente ao longo dos últimos anos de vida, situando a sua incapacidade completa para gerir a sua pessoa e bens a partir, seguramente, do episódio de internamento hospitalar do dia 16.08.2011.»

(sublinhado nosso).

Já o recorrente funda a sua pretensão nos depoimentos das 04 testemunhas por ele indicadas e no relatório pericial de 27.01.2011.

Apreciemos.

Estatui o artº 954º nº1 do CPC, para além do mais e no que para o caso interessa, que, na sentença, o juiz: «… fixará, sempre que possível, a data do começo da incapacidade…».

Vemos assim que a data do começo da incapacidade não é obrigatoriamente, e em qualquer caso, fixada, mas apenas será fixada se tal se revelar possível perante a prova produzida.

Daqui dimana que a lei foi cautelosa e exigente no que concerne à prova necessária a tal fixação; ou seja, a lei exige uma prova inequívoca, ou, no mínimo, altamente provável, acerca da data do início da incapacidade.

O que bem se compreende atentos os  possíveis e graves/relevantes efeitos ou consequências - patrimoniais  e pessoais - que tal data acarreta ou pode acarretar.

Importando, porém, ter presente que tal data não acarreta efeitos inelutáveis, pois que: «A declaração judicial, na sentença que decreta a interdição, sobre a data do começo da incapacidade, constitui mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência, da incapacidade, à qual pode ser oposta contraprova, nos termos do art. 346º do CC.» - Ac. do STJ de 22.01.2009, p. 08B3333 in dgsi.pt.

No caso vertente e atentos os fundamentos da interdição –  incapacidade física e anomalia psíquica – mais do que a prova testemunhal, releva especialmente a prova pericial.

No entanto, e quanto aquela prova, importa salientar que dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo recorrente não ressumbra, senão com certeza, pelo menos com o elevado grau de probabilidade exigido, a data da total incapacidade  física e/ou psíquica, da requerida.

Na verdade a testemunha  (…), nora da requerida, apenas refere que antes de estar acamada, o estado de saúde desta era bastante débil e ia-se agravando, mas que, porém, ainda ia desenvolvendo, por si, algumas tarefas ou atos – comer e beber.

A testemunha (…)somente verbaliza que viu a requerida, em 2009, nas eleições para a Câmara, com duas bandeiras uma do PS e outra do PSD, a gritar.

A testemunha (…)expende que a requerida se queixava de a roubarem e que lhe pedia ajuda a si e até a quem encontrasse.

A testemunha (…) confirma tais queixas e menciona que a requerida, ainda antes da morte do esposo, pediu ao seu marido para a deixarem ir viver para sua (deles) casa, porque a tratavam mal.

Ora tais asserções, só por si, não têm dignidade e relevância bastantes para convencer no sentido de que a requerida já se encontrava incapacitada para governar a sua pessoa e administrar os seus bens, e muito menos e no que para o caso interessa,  que tal incapacidade já se verificava às datas em que elas referiram terem os factos/atitudes relatado(a)s sido praticados/assumidas.

Nem, aliás com hombridade, o recorrente tendo clamado pela fixação da data do início da incapacidade por reporte aos precoces períodos de tempo referidos pelas testemunhas.

Os depoimentos têm, pois, de ser concatenados com a restante prova produzida e, no que para este concreto conspecto tange, apenas podem ser atendidos se por esta prova forem corroborados.

E aqui releva a prova pericial.

Nela, aliás, determinantemente o recorrente se alicerçando, rectius no relatório pericial realizado em 27.01.2011 e, com base neste, requerendo que tal data seja fixada por reporte ao dia em que, para aquele relatório, a requerida foi observada, ou seja, 13.01.2011.

E, efetivamente e como já se aludiu, tal relatório, mostra-se determinante.

Ora perante o seu teor, e versus o defendido pelo recorrente, não pode concluir-se no sentido por ele propugnado. Antes pelo contrário.

Na verdade nele, nuclearmente e no que para o caso interessa, plasma-se:

-que os coeficientes de inteligência da requerida se situam em níveis médio e médio superior – QI verbal -118 QI de realização -98 e QI da escala completa -110 -;

- que «estamos em presença de uma pessoa com um estado depressivo mínimo»;

- que «os sintomas psicopatológicos são inferiores aos do grupo de indivíduos com perturbações emocionais, podendo concluir-se que não existe  sintomatologia psicopatológica invalidante».

Tendo-se, consequente e logicamente, concluído:

«…o sofrimento emocional referido não parece ser impeditivo da tomada de decisões assertivas, mas torna-a mais carente de demonstrações de afeto e compreensão…» «…no que respeita ao funcionamento cognitivo apuraram-se parâmetros dentro da normalidade para a sua faixa etária, o que a capacita para a tomada de decisões…desde que se faça uso de boa fé e adequação quando se lhe pedem…».

Destarte, e não obstante a existência de algumas vulnerabilidades físicas e mentais constatadas à requerida e mencionadas no relatório indicado pelo recorrente, certo é que, no entendimento da Sra. Perita, as mesmas não são suficientes para se poder concluir que aquela se encontrava então psiquicamente incapacitada.

Antes a requerida possuindo então, naquela data de 13.01.2011, qualidades e capacidades de entender e querer, de inteligência e vontade, suficientes para que fosse  capaz de, desde que acompanhada e compreendida, se comportar e tomar decisões conscientemente e com alcance das respetivas consequências.

Este relatório sobrevém a outro relatório de psiquiatria forense, realizado em 10.05.2010, no qual se concluía que «a examinanda mostra-se capaz de reger, assente no seu próprio juízo (entendimento), a sua pessoa e bens, pelo que sou do parecer desfavorável à sua interdição ou inabilitação».

E apenas em outro relatório pericial realizado em 04.05.2012 se concluiu que «tornou-se evidente a existência de um agravamento da situação física e cognitiva, havendo um aumento da deterioração cognitiva já revelada anteriormente, que se traduz por incapacidades na vida diária, sendo impeditivo da tomada de decisões assertivas».

Por conseguinte se podendo concluir que, nos anos de 2010 a 2012, se verificou um agravamento do estado de saúde da requerida.

Mas o certo é que, perante os elementos de prova invocados pelo recorrente, máxime a perícia realizada em 27.01.2011, não pode concluir-se, considerando-se, como supra se aludiu, as especiais exigências probatórias neste particular legalmente exigíveis, que à data da observação da requerida em 13.01.2011, esta já se encontrava num estado de degradação física ou psíquica tal que implicasse a sua interdição.

Antes este estado melhor pode ser concluído do progressivo agravamento da sua saúde e, sensata e prudentemente, fixado na data do seu internamento hospitalar, naturalmente decorrente de tal agravamento e acentuação dos sintomas já anteriormente detetados.

Por todo o exposto se conclui que a resposta ao quesito 5º se alcança ajustada à prova produzida, ou, no mínimo, queda ainda ínsita nos parâmetros por tal prova permitidos, pelo que ela não pode ser censurada.

5.1.6.

Decorrentemente, os factos apurados são os fixados pelo Sr. Juiz a quo, a saber:

A) A requerida M (…) nasceu no dia 5 de Novembro de 1921 (cfr. assento de nascimento de fls. 12).

B) Aquela requerida foi casada com o requerido L (…), tendo este nascido no dia 27 de Outubro de 1918 (cfr. assentos de nascimento de fls. 12 e 13).

C) O requerente A (…) é filho de ambos por nascimento de 11 de Novembro de 1943 (cfr. assento de nascimento de fls. 14).

D) O requerido L (…) foi vítima de um a acidente vascular cerebral, ocorrido em 12 de Junho de 2009, na sua residência.

E) Como consequência do referido acidente vascular cerebral, o requerido L (…) ficou com deficit cognitivo, que não lhe permite raciocinar ou decidir em consciência a forma de gerir a sua vida ou o seu património.

F) O requerido L (…) entretanto faleceu, deixando a requerida, viúva, e seus filhos, o aqui requerente e M (…).

G) A requerida M (…) encontra-se neste momento psicologicamente fragilizada com labilidade emocional manifesta (ques 1).

H) Em consequência da sua debilidade física e deficit cognitivo a requerida encontrasse totalmente incapacitada de gerir e orientar os seus bens designadamente de tomar decisões assertivas a esse respeito (Ques 2º e 16º).

I) A requerida encontra-se completamente dependente da vontade de outrem (quês 3).

J) O quadro factual referido na resposta aos pontos 1, 2, 3, 15º e 16 perdura desde o dia 16.08.2011 (ques 5).

K) Após ter solicitado que a levassem para sua casa, ainda nesse dia 12.08.2011, na agência da Caixa Geral de Depósitos em Mangualde, a requerida recusou-se a proceder à transferência bancária de dinheiros devidos ao Lar de Germil, onde estava internada há cerca de uma semana, e a regressar a essa instituição (ques6º e 7º).

L) Em 12.08.2011, por não se ter adaptado ao Lar de Germil, a requerida solicitou que a levassem para sua casa, o que aconteceu nesse dia (Ques 8º).

M) A requerida não quis proceder à transferência bancária para o Lar de Germil por não querer pagar o mês inteiro quando só lá tinha estado cerca de uma semana (quês 9º).

N) Na noite de 15.08.2011 a requerida foi encontrada desorientada na rua (Ques 8ºA).

O) No dia 16.08.2011, a requerida foi internada no Hospital de São Teotónio EPE, apresentando diagnostico de Delirium/estado confusional agudo (Ques 9ºA e 10ª);

P) ali permanecendo 3 dias, medicada com Haloperidol, Fluidoterapia, Lorazepam, Enoxaparina e Raniditina, com recomendação de toma de Haloperidol (neuroléptico, psicotrópico) em ambulatório (Ques 11º e 12º).

Q) Desde data não concretamente apurada, mas anterior ao óbito do marido, a requerida acusava os vizinhos de a roubarem, a quem pedia comida (ques 13º e 14º).

R) Em consequência da sua debilidade física e deficit cognitivo, a requerida não tem qualquer autonomia, encontrando-se acamada designadamente incapacitada de se alimentar, vestir, tratar da sua higiene e caminhar (ques 15º).

5.2.

Segunda questão.

Perante estes factos, rectius o decorrente da resposta ao artº 5º da BI  que fixou a data do início do quadro factual consubstanciador dos requisitos substantivos da figura jurídica da interdição, e inexistindo outro acervo fáctico que contrarie ou infirme tal data, é evidente que ela tem de ser mantida e, consequentemente, nela se fixar o começo da incapacidade.

Improcede o recurso.

6.

Sumariando.

I – Para o efeito do artº 954º do CPC, o tribunal apenas poderá/deverá, fixar a data do começo da incapacidade, se a prova produzida for inequívoca ou muito provável sobre tal data.

II – Dadas as exigências e cuidados neste particular legalmente exigidos, não pode considerar-se a data de realização de um relatório médico legal, no qual, apesar de se verificar que a examinanda tem já algumas vulnerabilidades físicas e mentais,  se conclui que é ainda capaz de tomar decisões assertivas; antes devendo considerar-se  a data do seu internamento hospitalar, efetivado cerca de sete meses depois, e na decorrência do agravamento de tais vulnerabilidades.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 2013.10.15

Carlos Moreira ( Relator )

Anabela Luna de Carvalho

Moreira do Carmo