Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
322/19.7T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS
TRABALHO PRESTADO EM DIAS DE DESCANSO E FERIADOS
Data do Acordão: 05/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO DO TRABALHO DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: CLÁUSULAS 18ª, 40ª, 41ª E 74ª DO CCT CONVENCIONADO ENTRE A ANTRAM E A FESTRU, PUBLICADO NO BTE, 1ª SÉRIE, Nº 9 DE 08.03.980, COM AS REVISÕES PUBLICADAS NO MESMO BOLETIM, 1ª SÉRIE, Nº 16 DE 29.04.82 E Nº 18 DE 15.05.81; ARTº 268º, Nº 2 DO CT.
Sumário: I – O direito ao pagamento do trabalho prestado em dias de descanso e feriados não tem, na economia do CCTV aplicável e considerando as particularidades ou características muito próprias do transporte internacional de mercadorias, de ser expressamente determinado pelo empregador ou realizado de forma a não ser previsível a oposição daquele (nº 2 do artº 268º do CT).

II - No CTTV o trabalho suplementar é previsto na cláusula 18ª na qual se prevêem as condições e limites em que esse trabalho pode ser prestado, sendo tal trabalho remunerado de acordo com a Clª 40ª.

Decisão Texto Integral:

Apelação 322/19.7T8CVL.C1

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Jorge Loureiro.

                 Paula Roberto.

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – J..., casado, residente na Rua ... veio propor a presente acção de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra a ré T... - TRANSPORTES NACIONAIS E INTERNACIONAIS, LDª, com sede na ..., pedindo que seja a R. condenada a pagar-lhe a quantia de 58.412,96€ acrescida dos juros moratórios à taxa legal a contar de 01.01.2019 sobre o capital de 54.551,34€ e até integral pagamento, a título de diferenças salariais e créditos laborais devidas dos termos do CCT aplicável, sendo:

- €24,848,49 referente a capital e juros relativos a diferenças salariais no pagamento da Clª 74ª, nº 7, prémio TIR, subsídio de férias e de Natal e diuturnidades

- €15.564,47 a titulo de trabalho prestado em dias de descanso (sábados, domingos e feriados).

- €18.000,00 relativos aos períodos de repouso semanal regular e dormidas em hotéis (artº 8º, nº 8 do REG. 561/2006, de 15.03.2006, do PE e do Conselho).

Alegou sinteticamente, tal como consta da sentença impugnada, serem-lhe devidas diferenças salariais por erróneo cálculo do valor devido pela entidade empregadora nos termos da cláusula 74ª/ 7 do CCT, bem como as decorrentes da não inclusão do montante devido a título de “premio TIR” e cláusula 74ª/7 nos montantes do subsídio de Natal e de férias; reclama o pagamento dos dias de descanso e feriados trabalhados nos anos de 2014 até final do contrato, com acréscimo de 200% com prevê a cláusula 41ª do CCT aplicável (o convencionado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE, 1ª série, nº 9 de 08.03.980, com as revisões publicadas no mesmo Boletim, 1ª série, nº 16 de 29.04.82 e nº 18 de 15.05.81); reclama ainda o pagamento das diuturnidade vencidas durante o decurso do contrato de trabalho e, ainda, da compensação devida, a fixar em termos equitativas, pelos Períodos de Repouso Semanal regular de pelo menos 45 horas e das respectivas dormidas nos Hotéis.

II – Designada a audiência de partes, veio esta a frustrar-se por não ter sido possível obter a composição amigável do litígio pelo que se ordenou a notificação da ré para contestar.

Contestou esta impugnando, no geral, toda a posição jurídica plasmada na petição inicial, alegando, tal como também consta da sentença impugnada, que não deve as quantias peticionadas uma vez que acordou com o autor um regime remuneratório diferente do resultante da aplicação do IRC em vigor, acordo, esse, mais vantajoso para o autor. Mais, alega que autor trabalhou nos dias de descanso por opção própria, pois a organização das rotas permita-lhe passar todos os fins de semana em casa. Quanto às refeições e dormidas uma vez que o autor as fazia no camião, dotado de infra estruturas para o efeito, nada lhe sendo devido a este título, pois era-lhe pago, como ajudas de custo o montante de 0,06€ por km, quantia suficiente para assegurar esses gastos do trabalhador.

Conclui pela improcedência da acção e consequente absolvição dos pedidos. Deduz pedido reconvencional querendo ser reembolsada de gastos do trabalhador com o cartão de crédito da empresa, prática de infracções e estragos e avarias causados na viatura.

III. Findos os articulados não se realizou a audiência prévia, dispensou-se a enunciação do objeto do processo e dos temas de prova e, no prosseguimento do processo veio, afinal, a ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

“Nestes termos, julgando-se parcialmente, procedente a acção decide-se condenar a ré, T... – Transportes Nacionais e Internacionais Ldª, a pagar ao autor, J...:

a) A quantia de €6.130,34 (cento e sessenta e um euros e vinte e cinco cêntimos) a título de diferenças salariais referentes à cláusula 74º do CCT.

b) A quantia de 4.567,33€, título de diferenças remuneratórias referentes ao pagamento das diuturnidades do prémio TIR e da cláusula 74ª/7, nos subsídios de férias e subsidio de Natal, desde o início até ao final no contrato de trabalho.

c) A quantia de 10.505,86 € a título de diuturnidades.

d) A quantia de €1.833,00 (mil oitocentos e trinta e três euros) a título de trabalho por este efetuado em dias de descanso semanal, complementar e feriados.

e) A quantia de 11.421,12€. relativos ao pagamento ao autor do trabalho por este efetuado em dias de descanso semanal e feriados;

f) A quantia de €5.153,95 referente a créditos laborais.

g) Num total de €39.611,60 (trinta e nove euros, seiscentos e onze euros e sessenta cêntimos).

h) Mais, se julga parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pela ré, condenando o autor a pagar-lhe €1.652.13 (mil seiscentos e cinquenta e dois euros e treze cêntimos), absolvendo-o do mais peticionado.

i) Operando parcialmente a compensação condeno a ré no pagamento ao autor da quantia de €37.959,47 (trinta e sete mil novecentos e cinquenta e nove euros e quarenta e sete cêntimos).

j) Quantia acrescida de juros de mora desde a data do vencimento das prestações, à taxa legal de 4% (artºs. 804.º, 805.º/2/a) e 3, 806.º/1 e 2, todos do C. Civil e Portarias nºs. 263/99, de 12.04 e 291/2003 de 08.04 e AUJ, STJ n.º 4/2002 de 09.05.2002 – DR, IA, de 27.06.2002).

k) Absolvendo-se a ré do mais peticionado.

l) Mais se decide relegar para incidente de liquidação o apuramento do valor das ajudas de custo devidas pela ré ao autor, referentes ao pagamento das refeições nos dias em que o autor se encontrava deslocado no estrangeiro”

IV – Inconformada veio a ré apelar, alegando e concluindo:

                    ...

Contra alegou o autor, rematando com a seguinte síntese conclusiva:

...

Recebida a apelação, o Exmº PGA pronunciou-se em fundamentado parecer pela improcedência da apelação.

Corridos os vistos legais cumpre decidir.

V – A 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:

...

Factos não provados:

Além das alegações de natureza repetitiva, conclusiva e/ou jurídica, da factualidade não relevante para a decisão da causa, considerando todas as soluções jurídicas, plausíveis, da repetição de alegações, da impugnação de factualidade invocada pela contra parte, não se provou, que:

...

VI - Conforme decorre das conclusões da alegação do recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

1. Se é inconstitucional a interpretação feita pelo tribunal do art.º 155º nº 3, do Código de Processo Civil, no sentido em que a entrega das gravações de um acto judicial impede a sua entrega posterior.

2. Se a matéria de facto deve ser alterada.

3. Se deve proceder o pedido reconvencional na parte relativa à compensação de créditos no valor de €21.235,81.

4. Se é exigível o pagamento do trabalho prestado pelo A. aos sábados domingos e feriados.

Da entrega das gravações:

Com a referência nº ... veio a T...-Transportes Nacionais e Internacionais, Lda., “requerer lhe sejam facultadas as gravações do julgamento realizado nos autos, para efeitos de impugnação de prova gravada”.

No seguimento do requerido veio a ser proferido o despacho com o seguinte teor: “Indefere-se o requerido porquanto a pretendida gravação foi entregue aos mandatários em 19/9/2019 (conforme determinado em despacho exarado em ata em 19/09/2019 e termo de entrega refª )”.

Alega a recorrente, e passamos a citar, que “atendendo a que o pedido foi decidido já no prazo suplementar previsto no art.º 80.º, 3, do Código de Processo do Trabalho, concedido para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a decisão de indeferimento carecia de algum cuidado suplementar, ao poder inviabilizar o recurso na sua totalidade. É verdade que consta do processo a comprovação da entrega à ré das gravações do julgamento; contudo, norma nenhuma impede que sejam facultadas outra vez, tal como nada impede que uma parte possa requerer várias certidões da mesma peça processual.

E sopesados os interesses aqui conflituantes, o do tribunal em não querer repetir um acto e o da parte em querer recorrer da decisão sobre a matéria de facto, deveria ter predominado o da parte, em respeito ao art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, que garante o acesso ao direito e uma tutela jurisdicional efectiva. Essas garantias seriam vãs na interpretação feita pelo tribunal do art.º 155.º, 3, do Código de Processo Civil, no sentido em que a entrega das gravações de um acto judicial impede a sua entrega posterior, interpretação essa que é inconstitucional por violação do art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Quanto muito, que se exigisse à parte a justificação do seu pedido, que ela dissesse se tinha perdido a gravação ou se a mesma por alguma razão ficou ilegível, e depois que se taxasse pelo incidente. A solução adoptada pelo tribunal é a pior de todas, não tem justificação em nenhum interesse especialmente relevante, coarcta o exercício pela ré do direito a ver apreciada por um tribunal superior a sua pretensão e deverá ser, por isso, revogada.

Uma nota final: a regra de irrecorribilidade imposta pelo art.º 155.º, 5, do Código de Processo Civil, respeita à transcrição de gravações e não à sua simples facultação”.- fim de citação

Relativamente a esta questão pronunciou-se o Exmº PGA nos seguintes termos: “permitimo-nos, tão só, quanto ao indeferimento da entrega à Ré das gravações do julgamento, referir como o afirmado no ac. da Rel. de Coimbra, de 25.9.2018, no proc. nº 7839/15.0TBLSB-A.C1 (relator o Senhor Juiz Desembargador Falcão de Magalhães), que “Dispõe o 155º, nº 3 do NCPC: “A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respectivo ato. A disponibilização, às partes, da gravação da audiência final de acções, incidentes e procedimentos cautelares, nos termos do artigo 155.º, n.º 3, do CPC, consiste na simples colocação, pela secretaria judicial, da referida gravação à disposição das partes para que estas possam obter cópia da mesma. Tal disponibilização não envolve a realização de qualquer notificação às partes, de que a gravação se encontra disponível na secretaria judicial, nem se confunde com a efetiva entrega de suporte digital da mesma gravação às partes. Foi intenção do legislador que o procedimento tendente à obtenção de cópia da gravação pelas partes seja o mais simples possível, sem necessidade de realização de qualquer notificação pela secretaria e tendo em vista garantir que algum problema que se verifique com a gravação seja resolvido, com rapidez, no tribunal de primeira instância.

Ora, como se alcança de fls. 922 a 924, o Tribunal a quo deu cumprimento ao disposto naquele preceito legal, tendo mesmo procedido à entrega de CD com o registo da documentação da prova produzida, não tendo, sequer, a Recorrente invocado motivo justificativo para a nova entrega. Daí que, a nosso ver e no respeito por entendimento diverso, não ocorra qualquer violação do disposto no art.º 20.º da CRP (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva)

Decidindo:

Conforme a própria recorrente aceita encontra-se comprovado a entrega das gravações do julgamento.

Aparentemente inexiste norma que impeça que as gravações sejam outra vez facultadas à parte.

E dizemos aparentemente porquanto no caso concreto tal redundaria na prática de um acto inútil que é proibido por lei (artº 130º do CPC).

Efectivamente, a parte não invoca qualquer razão para que se proceda a nova entrega pelo que uma segunda entrega redundaria numa mera repetição da primeira. Estar-se-ia a praticar um acto inútil pois nada de útil resultaria da nova entrega.

E não se diga que competia ao tribunal questionar a parte sobre a necessidade ou razão do pedido desta segunda entrega.

Era à parte que competia invocar e provar as razões do pedido da segunda entrega (v.g impossibilidade ou dificuldade de acesso à gravação, gravação defeituosa etc.), pelo que não pode agora vir alegar que lhe coarctaram o direito ao recurso em matéria de facto; é que a gravação foi-lhe disponibilizada ou facultada de acordo com lei, em estrito cumprimento do que dispõe o nº 3 do artº 155º do CPC).

O artº 20º da CRP garante a todos os cidadãos o direito a um processo equitativo.

Uma das vertentes desse processo equitativo consiste no direito das partes poderem recorrer das decisões tribunais, não só em matéria de direito mas também em matéria de facto.

Ora, o direito à impugnação da matéria não foi coarctada pelo facto de ser denegada a uma segunda entrega da gravação que anteriormente já havia sido disponibilizada sem que tenha sido invocada qualquer razão ponderosa para se proceder a uma segunda entrega.

Consequentemente, o despacho deve manter-se.

Da alteração da matéria facto:

De acordo com as conclusões 3ª e 4ª, pretende a recorrente que a matéria da alínea P) dos factos não provados seja considerada provada, ou seja, que “Ao longo do contrato, esses levantamentos em numerário, efetuados pelo autor, somaram o valor global de €19.305,28, o qual, acrescido da referida comissão fixa de 10%, alcançou o valor global de €21.235,81”.

A fundamentar esta sua pretensão alega que “ a documentação junta aos autos pela ré com a petição inicial, e nomeadamente os documentos 4 a 13, juntos com a contestação/reconvenção, demonstram levantamentos em numerário pelo autor com o cartão que lhe estava entregue e nesse exacto montante. É verdade que o Tribunal a quo entendeu não ser essa prova bastante, uma vez que os documentos não demonstrariam que os levantamentos tivessem sido feitos pelo autor e não por qualquer outra pessoa. Contudo, atento o dever de custódia imposto ao autor pelo art.º 128.º, 1, g), do Código do Trabalho, dever esse aproximado ao dever de administração do depositário (art.º 1204.º do Código Civil), incumbia-lhe a ele prestar contas da utilização do cartão de crédito e demonstrar quais os levantamentos em numerário que tivesse feito em benefício da ré, sua empregadora, ou quais as utilizações abusivas por terceiros desse cartão (já que era ele o seu depositário). Ao mesmo resultado se chegaria por aplicação do art.º 342.º, 2, do Código Civil, uma vez que a utilização do cartão em benefício da empregadora ou por terceiro extinguiria o direito desta em ser ressarcida desses levantamentos em numerário. O mesmo se demonstra, sobretudo, pelo depoimento de parte do autor, que ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal (11:25:48 – 12:17:00 horas) e no qual disse, em resumo, o seguinte (consignando-se que não é possível a transcrição exacta das palavras proferidas pelo autor, ou a localização mais exacta das suas afirmações na gravação, pelo facto de não ter sido facultado à ré, após requerimento de 21 de Novembro de 2019, com a referência CITIUS ..., a gravação do julgamento): que efectuava levantamentos de dinheiro com o cartão de crédito da ré que lhe estava entregue, confirmando ter à sua guarda esse cartão de crédito, que esses levantamentos de dinheiro se destinavam a comprar tabaco e para a sua vida pessoal. Note-se que, conforme referido na fundamentação da matéria de facto, o próprio autor acabou “por admitir que os levantamentos, [eram] para gastos pessoais, para comprar mantimentos, comprar cigarros, que depois trazia para Portugal”.

A 1ª instância justificou ter julgado como não provada a matéria da alínea P) dos factos não provados da seguinte forma “mais, concretamente, no que concerne à matéria de reconvenção.

Quanto aos levantamentos de numerário, alegadamente efetuados pelo autor, do cartão de crédito que lhe foi facultado pela entidade empregadora, não resulta da documentação bancária que tenha efectivamente sido o autor a fazê-los, inexistindo, outrossim, no processo qualquer elemento de onde decorra o alegado pagamento de €5.000,00 efetuado pelo autor, para repor tais levantamentos, não sendo, como parece natural, suficiente para tal demostração a listagem de fls. 101 v.º e seguintes que não se encontra assinada, inexistindo qualquer outro suporte do alegado pagamento efetuado pelo trabalhador. Ouvido a tal respeito o TOC referiu, apenas, a existência de uma disparidade de €500,00 a este respeito... Além disso, o cartão foi entregue ao autor para efectuar o pagamento de despesas discriminadas pela própria ré no seu articulado, não havendo qualquer meio de prova nos autos que nos permita concluir que, mesmo que os levantamentos tivessem sido efetuados pelo autor, se destinavam ao pagamento de despesas não autorizadas”.

Decidindo:

Como temos vindo a decidir, o recorrente fáctico deve nas alegações proceder a uma apreciação crítica dos elementos de prova que invoca em benefício da sua pretensão recursiva, apresentando as concretas razões pelas quais desses meios de prova se impunha retirar conclusões fácticas diversas daquelas a que chegou o tribunal recorrido, sendo que no domínio da prova testemunhal essa apreciação crítica não se basta com a invocação de alguns depoimentos e com a mera transcrição dos mesmos[1].

No caso de estarem em causa depoimentos gravados, devem igualmente constar pelo menos das alegações, por imposição dos arts. 639º, nº1 e 640º, nº 2, al. a) do NCPC, com exactidão, os depoimentos e as correspondentes passagens das gravações em que o recorrente funda o seu recurso, sem prejuízo da faculdade do recorrente proceder às respectivas transcrições.

O recorrente assenta o seu desacordo relativamente à decisão sobre a matéria de facto no teor dos documentos 4 a 13, juntos aos autos com a contestação/reconvenção e no teor do depoimento de parte do autor.

No que a este depoimento concerne, limita-se a indicar o início e fim do depoimento sem delimitar as passagens da gravação e sem proceder a qualquer transcrição, ou seja, não deu cumprimento ao disposto na alínea a) do nº 2 do artº 640º do CPC, o que implica a rejeição da impugnação na parte em que esta se baseia no teor do depoimento de parte do autor, o que se decide.

Diga-se ainda complementarmente que destinando-se o depoimento de parte a obter a confissão do depoente, consta da assentada constante da acta de julgamento (artº 463º do CPC), os factos da contestação sobre os quais houve confissão, sendo que o tribunal a quo fez reflectir na decisão que proferiu sobre a matéria de facto.

Resta, pois, saber se o teor dos documentos são susceptíveis de infirmar o decidido pela 1ª instância, importando relembrar que a reapreciação da matéria de facto por parte do tribunal superior não pode nem deve constituir um segundo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas sim, e apenas, remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, a indicar expressamente pelo recorrente.

Em princípio, a alteração da decisão da matéria de facto só deve ocorrer quando se configure o denominado erro de julgamento, ou seja, quando possa ser detectada uma flagrante discrepância entre os elementos de prova e a decisão sobre a matéria de facto, devendo o tribunal de recurso apenas controlar a convicção do julgador de 1ª instância quando tal convicção se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.

E dizemos em princípio porque a possibilidade da modificação da decisão da matéria de facto não deve estar limitada de forma absoluta à verificação de erros manifestos de reapreciação pois “desde que a Relação acabe por formar uma diversa convicção sobre os pontos de facto impugnados, ainda que por interferência de presunções judiciais extraídas a partir de regras da experiência deve reflectir esse resultado em nova decisão” - Abrantes Geraldes “in” Recursos no Processo do Trabalho, novo regime, 2010, págª 67[2].

Assim, sempre sem prejuízo desta convicção, em princípio só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1ª instância é que deve o tribunal superior alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento.

Ora os documentos juntos com a contestação reconvenção (folha de cálculo e extractos dos cartões de crédito emitido pelo B...) são documentos particulares sem força probatória vinculativa, sujeitos à livre apreciação por parte do tribunal.

Embora o autor tivesse na sua posse um cartão de crédito que lhe era fornecido pela ré, emitido pelo B..., destinado a pagar despesas de portagens, multas da responsabilidade da ré, reparações e outras despesas indispensáveis, para além dos documentos em referência não provarem que todos os levantamentos tenham sido efectuados pelo autor, há a dizer que, ainda que assim não fosse, sempre tais documentos não provam que os levantamentos se destinavam ao pagamento de despesas não autorizadas pela ré.

Daí que apenas podia ter sido dado provado, como o foi, a matéria que consta dos pontos 64º, 78º e 79º porquanto os elementos de prova não apontam inequivocamente para uma resposta diferente, não se configurando o denominado erro de julgamento.

Consequentemente mantém-se inalterada a matéria de facto.

Da reconvenção:

A procedência da reconvenção na parte objeto do recurso pressuponha ou estava dependente da alteração da matéria de facto.

Daí que deva subsistir a nesta questão decisão proferida pela 1ª instância.

Do trabalho prestado aos sábados domingos e feriados:

Alega a ré que atento o horário de trabalho do autor é suplementar o trabalho prestado em sábados, domingos e feriados, sendo que o autor não demonstrou qualquer necessidade da ré no trabalho suplementar prestado, assim como se não demonstrou a autorização ou sequer o conhecimento da ré da sua prestação.

Acrescentou que é ónus do trabalhador a prova dos pressupostos da exigibilidade do pagamento da retribuição do trabalho suplementar , ou seja, tem de provar a verificação de ordens da empregadora nesse sentido ou a prestação desse trabalho de modo a não ser previsível a oposição por parte do empregador.

Por fim, alega ainda que é ónus do trabalhador a prova da necessidade do trabalho suplementar, o que o autor não cumpriu, pelo que não é exigível o pagamento do trabalho suplementar.

A este propósito a 1ª instância entendeu que “…este pagamento é devido, apenas pela circunstância de o autor ter trabalhado nestes dias, sendo ónus da entidade empregadora impedir que tal ocorresse, para obviar ao pagamento peticionado.

Ora não decorre da matéria de facto provada que a entidade empregadora tivesse impedido, ou sequer tentado, impedir o autor que prestasse o seu trabalho em dias de descanso ou feriados, não sendo crível, dada a frequência da sua prestação e intensidade da mesma, que o mesmo o fizesse por sua livre iniciativa, mesmo que não quisesse ir para casa nos dias de descanso e feriados… decerto teria alternativas menos cansativas do que empreender viagens para França ao volante de veículos pesados transportando mercadorias, que ainda, para mais não eram devidamente pagas pela entidade empregadora. Ora, não se tratando, e isso não é alegado, de trabalho suplementar, não cabia ao autor o ónus da alegação e da prova dos respectivos pressupostos, sendo o pagamento dos dias em causa devido sem mais”.

Decidindo:

Perfilhamos o entendimento que o direito ao pagamento do trabalho prestado em dias de descanso e feriados não tem, na economia do CCTV aplicável e considerando as particularidades ou características muito próprias do transporte internacional de mercadorias, de ser expressamente determinado pelo empregador ou realizado de forma a não ser previsível a oposição daquele (nº 2 do artº 268º do CT).

No CTTV[3] o trabalho suplementar é previsto na cláusula 18ª na qual se prevêem as condições e limites em que esse trabalho pode ser prestado, sendo tal trabalho remunerado de acordo com a Clª 40ª.

Por seu turno, o trabalho prestado em dias de descanso e feriados é previsto na Clª 41ª sendo a sua prestação remunerada (em 200%) em termos diferentes relativamente ao trabalho suplementar.

Por isso, ainda que não isento de dúvidas, verdadeira e rigorosamente o trabalho prestado nestes dias não poderá ser tratado como suplementar.

Como se lê no AC. do STJ de 17.12.2009, procº 949/06.7TTMTS.S1 in www.dgsi.pt/stj “…que, o mencionado C.C.T. confere aos motoristas de transportes internacionais de mercadorias, quando deslocados no estrangeiro, o direito a que o trabalho prestado em dias feriados ou de descanso semanal ou complementar, seja remunerado com acréscimo de 200% (cláusula 41.ª, n.º 1). Por via de regra, o reconhecimento do direito à retribuição por trabalho suplementar pressupõe a alegação e prova de dois factos, que dele são constitutivos:- a prestação efectiva de trabalho suplementar;- a determinação, prévia e expressa, de tal trabalho por banda da entidade patronal ou, pelo menos, a sua efectivação com conhecimento (implícito ou tácito) e sem oposição dessa entidade.

Todavia – e como bem pondera a Exma. Procuradora-Geral Adjunta – “… tratando-se de um motorista de transportes internacionais rodoviários de mercadorias, se a entidade patronal o encarrega de realizar um serviço no estrangeiro e trabalha em dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, intercalados entre outros que correspondem a dias de trabalho semanal, é lícito inferir – tendo em conta o normal funcionamento e o desenvolvimento económico de uma empresa de transportes internacionais de mercadorias – que a entidade empregadora sabia que aquele se encontrava a prestar serviço no seu interesse e que não se opôs a que tal serviço fosse prestado (sublinhado nosso).

De resto – e como sublinha, desta feita, o Acórdão desta secção de 22/11/2007, na Revista n.º 1935/07 – “… a actividade objecto do contrato de trabalho em causa envolve, nas deslocações, não apenas a condução da viatura, mas também a sua guarda e manutenção em boas condições e, particularmente no estrangeiro, a permanente disponibilidade ao serviço do empregador, perdendo o trabalhador … a auto-disponibilidade para usufruir os dias de descanso com a família e os amigos, que só se adquire com o regresso.

Daí que … os dias de sábado, domingo ou feriado, em que o motorista está retido no estrangeiro, por razões de organização ou por imperativo da legislação rodoviária, têm de ser encarados como de prestação de trabalho efectivo, uma vez que o motorista está disponível para o fazer”. (sublinhado nosso).

Neste contexto, o direito à reclamada compensação apenas exigia do Autor a alegação e subsequente prova de que as viagens efectuadas – necessariamente por determinação da Ré – coincidiram com os dias de descanso semanal e feriados a que reporta a sua pretensão.”[4]

No caso, o autor provou que as viagens, necessariamente efectuadas por determinação da ré, coincidiram com os dias de descanso semanal e feriados.

E tanto basta para que o autor tenha direito a ser remunerado pelo trabalho prestado nesses dias de acordo com o disposto na Clª 41ª do CCTV.

VII - Termos em que se decide julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da sentença impugnada.

Custas a cargo da apelante.


Coimbra, 22 de Maio de 2020

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

(Paula Maria Roberto)

***



[1] Acórdão do STJ de 3/12/2015, proferido no processo 1348/12.7TTBRG.G1.S1, acórdão do STJ de 9/7/2015, proferido no processo 961/10.1TBFIG.C1.S1, este último com sumário disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Mensais/civel2015_07.pdf, acórdão do STJ de 9/7/2015, proferido no âmbito do processo 961/10.1TBFIG.C1.S1, acórdão da Relação do Porto de 17/3/2014, proferido no processo 3785/11.5TBVFR.P1, acórdão da Relação de Coimbra de 24/2/2015, proferido no processo 145/12.4TBPBL.C1, acórdão da Relação de Guimarães de 2/3/2017, proferido no processo 97/12.0TBVRM.G1.
[2] No domínio do novo Cód. Proc. Civil escreve este autor in Recursos no Novo Cód.Proc. Civil, 2013, págª 224 que “quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre a apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência
[3] Contrato Colectivo de Trabalho vertical convencionado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE, 1ª série nº9 08.03.980, com as revisões publicadas no mesmo Boletim, 1ª série, nº 16 de 29.04.82 e nº 18 de 15.05.81 aplicável às entidades patronais do mesmo sector económico e a todos os trabalhadores, mesmo que não inscritos naqueles sindicatos, por força das Portarias de Extensão publicados no BTE, 1ª Série, nº30 de 15.08.80 e nº 33 de 08.09.82 - cfr. Ac. do STJ in BMJ 480,179
[4] Negrito nosso.