Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
589/13.4T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
APREENSÃO DE VEÍCULO
ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
ALD
LOCAÇÃO FINANCEIRA
PERICULUM IN MORA
Data do Acordão: 10/01/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA - OLIVEIRA DO BAIRRO - JMPIC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.381, 387 CPC, DL Nº 54/75 DE 24/2, DL Nº 354/86 DE 23/10, DL Nº 149/95 DE 24/8
Sumário: 1 - Ao contrato designado por “aluguer de longa duração” (ALD), não se aplica o regime da locação financeira regulado no DL n.º 149/95, de 24 de Agosto, sendo necessária a verificação do requisito relativo ao periculum in mora, decorrente da falta de cumprimento da obrigação de entrega da viatura locada.

2 - A mera alegação de que um veículo automóvel é um bem de fácil e rápida deterioração e desvalorização, e de que se a requerente tiver de aguardar pelo desfecho da acção declarativa, corre o risco de esta já não ter qualquer utilidade ou efeito prático, por entretanto a viatura já ter perdido integralmente o seu valor e a sua possibilidade de utilização, não preenche o referido requisito, se não estiver associada à alegação da inexistência de meios para a requerida solver o montante da dívida ou de que era seu intento a dissipação do veículo, não bastando a mera suposição de tal podia ocorrer.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO
1. BANCO A..., S.A., instaurou contra S (…), o presente procedimento cautelar comum, pedindo que seja decretada a providência, e, em consequência, seja ordenada a entrega judicial à requerente do veículo automóvel que identificou.
Em fundamento da sua pretensão alegou que:
Celebrou com a Requerida um contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor com o nº 2011.064224.01 o qual tinha por objecto uma viatura da marca «NISSAN», com a matrícula « (...)»;
O prazo de duração do contrato foi fixado em 61 meses;
A viatura foi entregue à Requerida na data de início do contrato;
A Requerida não liquidou os alugueres vencidos a partir de 15 de Novembro de 2012;
Em consequência do incumprimento do contrato por parte da Requerida, a Requerente, por carta registada com aviso de recepção, datada de 7 de Dezembro de 2012, comunicou a esta a resolução do contrato, ao abrigo do disposto na cláusula 9ª das respectivas cláusulas gerais;
A Requerida não recebeu a carta na qual lhe era comunicada a resolução do contrato conforme se comprova pelo envelope que se junta e do qual consta a indicação «objecto não reclamado»;
A morada para a qual foi enviada a carta é a morada constante do contrato, sendo que a Requerido nunca comunicou à Requerente qualquer alteração de morada pelo que deverá ser considerada válida a resolução;
Por força da referida resolução e de acordo com o estipulado no nº 2 da Cláusula 9ª das cláusulas gerais do contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor, ficou a Requerida obrigada a restituir à Requerente o equipamento locado, por sua conta e risco e em perfeitas condições de funcionamento;
Contudo, a Requerida não procedeu à entrega da viatura;
A propriedade do bem locado pertence à Requerente;
Este bem, quer por mero efeito do tempo decorrido, quer por efeito do seu desgaste, resultante aumento do número de quilómetros percorridos, está a depreciar-se e a desvalorizar-se, correndo o risco de extravio e deterioração, pela dificuldade em obter a sua entrega;
A situação de incumprimento da Requerida poderá provocar dano irreparável à Requerente, pois o equipamento, quando voltar à sua mão, poderá já não ter qualquer valor comercial;
Para além disso, existe o risco de o equipamento nem chegar a ser-lhe devolvido, alegando-se o seu desaparecimento;
Acresce que a Requerente se dedica ao comércio de aluguer de veículos automóveis e como tal, durante o período de vida económica útil desses veículos, pretende dar-lhes a utilização mais intensiva possível, recebendo o maior número e valor de rendas possível;
A presente providência é proposta como preparatória da acção tendente à restituição do veículo automóvel e à exigência das demais obrigações que impendem sobre o locatário, nos termos do contrato e das respectivas condições gerais;
O veículo em causa tem, actualmente, o valor aproximado de 17.000,00 €.
A requerente juntou documentos e arrolou testemunhas.

2. Foi dispensado o contraditório prévio da requerida, nos termos do art.º 385.º, n.º 4, do Código de Processo Civil[1], atendendo à demonstrada inviabilidade da citação pessoal, não obstante todas as diligências empreendidas, e procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas, em conformidade com o que consta da respectiva acta.

3. Por decisão proferida em 5-7-2013, foi julgado improcedente o presente procedimento cautelar e, consequentemente, indeferido o decretamento da providência requerida.

4. Inconformada com esta decisão, a Requerente interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
«I - No caso em apreço, não deve ser exigida verificação de fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável de lesão do direito da recorrente, pelo que, encontrando-se verificados os demais requisitos legais, nos termos do nº 1 do art. 381º do Código Civil, deveria ter sido deferida providência cautelar requerida pela ora recorrente
II - O aluguer de uma viatura sem condutor por um período de 61 meses, sem o estabelecimento de qualquer tipo de opção de compra, configura um contrato a que costuma ser designado por “aluguer de longa duração” (ALD), em que, no seu termo, o incumprimento da obrigação de devolução da viatura acaba por corresponder a um incumprimento totalmente idêntico àquele que justifica o procedimento cautelar previsto no regime da locação financeira, regulado no DL n.º 149/95, de 24 de Agosto (artigo 21º), para o qual não é necessária a verificação do periculum in mora, decorrente da falta de cumprimento da obrigação de entrega da viatura locada.
III - Assim, uma vez que no ALD existe uma situação substancialmente igual à prevista no art. 21º do DL n.º 149/95, de 24 de Agosto, no que respeita à obrigação de restituição do veículo, a possibilidade de o locador obter uma providência cautelar com vista a precaver a ocorrência de danos provocados pelo incumprimento daquela obrigação deve existir em termos iguais aos que a lei prevê para o contrato de locação financeira.
IV - Consequentemente, a ausência de regulamentação expressa que preveja para o ALD uma protecção idêntica à prevista para a locação financeira configura uma violação do princípio constitucional da igualdade, na medida em que a protecção legal para as situações em que tenha sido celebrado um contrato deste último tipo não é estendida a um outro contrato que, nesta matéria, se configura como substancialmente igual.
V - Para que seja cumprido o princípio constitucional da igualdade, exige-se que o julgador encontre e aplique a interpretação que promova a situação de igualdade, o que, no caso em apreço, passa por aplicar ao ALD a aludida norma do regime da locação financeira.
VI – De todo o modo, a recorrente fez suficiente prova da existência do periculum in mora, porquanto, sendo facto público e notório que um veículo automóvel é um bem de fácil e rápida deterioração e desvalorização, a requerente, se tiver de aguardar pelo desfecho da acção declarativa, corre o risco de esta já não ter qualquer utilidade ou efeito prático, por entretanto a viatura já ter perdido integralmente o seu valor e a sua possibilidade de utilização.
VII - Encontrando-se assim verificados, em qualquer caso, todos os requisitos legais exigidos pelo nº 1 do art. 381º do Código Civil, pelo que deveria ter sido deferida providência cautelar requerida pela ora recorrente».

5. Dispensados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso[2].
As questões essenciais a decidir no presente recurso de apelação são a de saber se:
Ao contrato designado por “aluguer de longa duração” (ALD), deve aplicar-se, atenta a sua similitude, o regime da locação financeira regulado no DL n.º 149/95, de 24 de Agosto (artigo 21º), para o qual não é necessária a verificação do periculum in mora, decorrente da falta de cumprimento da obrigação de entrega da viatura locada;
A recorrente fez suficiente prova da existência do periculum in mora, porquanto, sendo facto público e notório que um veículo automóvel é um bem de fácil e rápida deterioração e desvalorização, a requerente, se tiver de aguardar pelo desfecho da acção declarativa, corre o risco de esta já não ter qualquer utilidade ou efeito prático, por entretanto a viatura já ter perdido integralmente o seu valor e a sua possibilidade de utilização.
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II – Fundamentos
II.1. – Na decisão recorrida foram considerados indiciariamente demonstrados os seguintes factos:
1 – A requerente, BANCO A..., S.A., e a requerida, S (…), subscreveram o escrito intitulado “CONTRATO DE ALUGUER DE VEÍCULO AUTOMÓVEL SEM CONDUTOR Nº 2011.064224.01”, datado de 24 de Outubro de 2011, a respeito do veículo automóvel com a marca NISSAN e com a matrícula (...), cuja cópia constitui o documento n.º 1 junto com o requerimento inicial e cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido;
2 – Desse escrito consta: “Prazo: 61 meses”;
3 – O veículo foi entregue à requerida em 24 de Outubro de 2011;
4 – A requerida não entregou à requerente as quantias respeitantes aos alugueres vencidos a partir de 15 de Novembro de 2012;
5 – A requerente remeteu à requerida a carta registada com aviso de recepção, datada de 7 de Dezembro de 2012, comunicando a “resolução do contrato”, em conformidade com a cópia que constitui o documento n.º 3 junto com o requerimento inicial e cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido;
6 – A requerida não recebeu esta carta, tendo sido devolvida com a indicação “objecto não reclamado”;
7 – A morada para a qual foi enviada a carta é a morada constante do escrito mencionado em 1);
8 – A requerida não comunicou à requerente alteração de morada;
9 – A requerida não procedeu à entrega do veículo à requerente;
10 – A propriedade do veículo automóvel com a marca NISSAN e com a matrícula (...) encontra-se registada a favor da requerente;
11 – A requerente dedica-se ao comércio de aluguer de veículos automóveis.
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II.2. – O mérito do recurso
A Apelante sustenta a sua pretensão de decretamento do procedimento cautelar em duas razões:
Em primeiro lugar, por a situação dos contratos de aluguer de duração dever ser equiparada à da locação financeira e, como tal, o decretamento da providência não depender da verificação do requisito exigido para os procedimentos cautelares comuns quanto à existência do periculum in mora;
Em segundo lugar, que a desvalorização do veículo é um facto notório e, como tal, fez prova desse requisto.
Vejamos se lhe assiste razão.
Os procedimentos cautelares genericamente previstos nos artigos 381.º e seguintes do Código de Processo Civil[3], são meios de tutela provisória do direito que quem os deduz se arroga, sendo dependentes de uma acção já pendente ou que seguidamente vai ser proposta pelo requerente (artigo 383.º do CPC), tendo sempre natureza urgente (artigo 382.º do CPC), porquanto visam acautelar o efeito útil da acção a que alude genericamente o artigo 2.º do CPC, impedindo “que durante a pendência de qualquer acção, declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica”[4].
Para além da demonstração do referido perigo da demora inevitável do processo, os mesmos dependem ainda da prova sumária da probabilidade séria da existência do direito a que alude o artigo 387.º, n.º 1, do CPC, não exigindo esta prova o mesmo grau de convicção que a prova dos fundamentos da acção impõe, atenta a estrutura simplificada própria do procedimento cautelar, consonante, aliás, com o respectivo fim específico, bastando consequentemente o chamado fumus boni iuris. «Trata-se de uma prova sumária que não produz a "plena convicção (moral)", exigida para o julgamento da causa, mas apenas um grau de probabilidade aceitável para decisões urgentes e provisórias, como são as próprias daqueles procedimentos»[5].
Posto este enquadramento legal, e não estando em causa a verificação de qualquer um dos demais requisitos, as dúvidas que se colocam e que são o objecto do presente recurso reportam-se apenas à questão de saber se a Requerente tinha ou que alegar factos bastantes para a demonstração do periculum in mora.
A este propósito, importa desde logo referir quanto ao concreto tipo de tutela peticionada: a apreensão de veículo objecto de contrato de aluguer de longa duração incumprido, que não existem quaisquer dúvidas que o aluguer de uma viatura sem condutor por um período de 61 meses, sem o estabelecimento de qualquer tipo de opção de compra, configura um contrato de “aluguer de longa duração” habitualmente designado por ALD que configura um contrato inominado, sendo-lhe aplicável o regime da locação previsto no Código Civil e as disposições do DL n.º 354/86, de 23/10.
 Acontece que, quanto ao de apreensão cautelar do veículo, sendo pacífico que deve ser actuado por via de um procedimento cautelar comum, não tem havido um entendimento jurisprudencial pacífico quanto ao concreto preenchimento dos seus requisitos.
Assim, à corrente que entende, como no acórdão deste TRC citado pela Recorrente[6] que «o incumprimento da obrigação de devolução da viatura, findo o contrato (designadamente por resolução deste), configura uma situação substancialmente igual às que se encontram na base dos procedimentos cautelares previstos no artº 21º do DL nº 149/95, de 24/08 (locação financeira), e artºs 15º e 16º do DL nº 54/75, de 24/02 (reserva de propriedade e crédito hipotecário referidos a viaturas automóveis)», contrapõem-se os que defendem que «pese embora alguma similitude com as situações de procedimentos cautelares como tal legalmente previstos e onde são prevalecentes os interesses dos requerentes credores sobre os dos requeridos, como o procedimento cautelar de apreensão de veículo pelo credor hipotecário ou titular do registo de reserva de propriedade regulado pelo DL n.º 74/75, de 12.12 (art.ºs 15.º a 23.º), ou a providência cautelar de entrega judicial e cancelamento de registo de bem locado (ALD) a que se reporta o DL n.º 149/95, de 24.6 (art.º 21.º), o DL n.º 354/86, de 23.10, que define o regime jurídico do aluguer de veículo automóvel sem condutor, aqui aplicável, não foi sensível à tutela cautelar do incumprimento contratual e não devolução pelo locatário do veículo subsequentemente à caducidade ou resolução do contrato»[7].
Por isso, enquanto para a primeira corrente referida «por força do disposto no art.º 17º, n.º 4 do DL n.º 354/86, de 23.10, a empresa de aluguer sem condutor, em caso de não restituição voluntária do veículo findo o contrato, pode recorrer ao procedimento cautelar comum pedindo a apreensão, sem necessidade de alegar e provar o requisito do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, por ser de presumir, juris et de jure, o periculum in mora, porquanto só assim ganha sentido útil o n.º 4 do art.º 17º do DL n.º 354/86 na parte em que diz ser lícito à empresa de aluguer sem condutor retirar ao locatário o veículo alugado no termo do contrato, já que o direito à restituição do bem locado constitui um efeito típico do contrato de aluguer estatuído, em termos gerais para a locação, nos art.ºs 1038°, alínea i), e 1043°, n.° 1, do CC, e que não carecia, por isso, de ser ali contemplado, e que a base de tal presunção radica nos dados da experiência, segundo os quais a não devolução do veículo, nessas circunstâncias, é suficientemente indiciadora da forte probabilidade do desaparecimento ou da significativa depreciação do bem locado, concluindo-se serem similares as razões que justificam o regime de apreensão imediata do veículo nos casos previstos no art.º 15° do DL n.° 54/75, de 12.02, e do bem dado em locação financeira, nos termos do art.º 21° do DL n.° 149/95, de 24.6»; para a segunda, «se é certo que a natureza perecível do automóvel foi reconhecida pelo legislador nos decretos-lei n° 54/75 de 24 de Fevereiro e 149/95 de 24 de Junho, que em ambos os diplomas previu e regulou providências que visam assegurar o não perecimento do direito de propriedade sobre automóveis, e que, inclusive, dispensam a prova do periculum in mora, por o legislador presumir que a demora da acção principal causa prejuízo grave e de difícil reparação, não menos correcto será também concluir que quer a providência cautelar de apreensão de veículo prevenida pelo DL 54/75, quer a prevenida pelo DL 149/95, contêm normas excepcionais que não permitem aplicação analógica nos termos do artigo 11º do CC e por isso, quando naqueles diplomas se faz referência aos «contrato de alienação» e de «locação financeira», não se poderá entender como abarcando outras realidades contratuais, v.g., o contrato de aluguer de longa duração, sob pena de se subverter o sistema instituído que está feito, em termos racionais e teleológicos, para abarcar situações particulares, sem embargo de se poder constatar que novas realidades se impuseram no comércio jurídico e que não se coadunam com o sistema em vigor.

Mas aqui, trata-se de um problema de jure constituendo, alheio aos Tribunais, que não têm por missão a criação de Leis (a não ser que se imponha por inexistência de Lei aplicável ao caso, nos termos do artigo 10º, nº 3 do CC, o que não acontece no caso sub judicio[8].
Salvo o devido respeito pelo entendimento defendido pelo Recorrente e sufragado, entre outros, nos citados acórdãos, pensamos que a melhor interpretação está com a segunda corrente referida pelos seguintes argumentos essenciais:
Por um lado, não se nos afigura que a obrigação imposta ao locatário de, findo o contrato, restituir a coisa locada, nos termos dos artigos 1038.º, al. i) e 1043.º, n.º 1, do Código Civil, coincida exactamente com o direito conferido pelo n.º 4 do artigo 17.º do DL nº 354/86 à empresa de aluguer sem condutor de, no termo do contrato, retirar ao locatário o veículo alugado; e, por outro lado mas decisivamente, porque quer a providência cautelar de apreensão de veículo instituída pelo DL 54/75, quer a consagrada pelo DL 149/95, contêm normas excepcionais que não permitem aplicação analógica nos termos do artigo 11.º do Código Civil, não podendo entender-se que abarcam outras realidades contratuais, designadamente o ALD quando no diploma que o rege tal previsão não foi efectuada.
E pensamos ser decisivo este argumento porquanto anteriormente o legislador já havia consagrado especificamente a providência cautelar de apreensão de veículo no DL 54/75. Por isso, se tivesse querido que tutela cautelar semelhante fosse aplicada nos casos de ALD, teria regulado o regime em termos semelhantes.
Não o tendo feito, não pode o intérprete sobrepor-se ao legislador, presumindo um periculum in mora, cuja alegação e prova a lei faz impender sobre o requerente da providência.
Assim, para que o requerente do procedimento possa obter ganho de causa, não pode contentar-se com a alegação de meras convicções, desconfianças ou suspeições de carácter subjectivo. Tem antes que alegar e provar factos positivos e concretos que, apreciados pelo tribunal no seu verdadeiro valor objectivo, façam admitir como razoável a ameaça de perda próxima da garantia patrimonial do crédito, que o receio invocado é justificado e que a providência é necessária[9].
Como é natural, o critério de avaliação deste requisito relativo ao periculum in mora não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva[10].
Em síntese, a verificação do requisito relativo ao periculum in mora, não pode basear-se em conjecturas, suspeições, simples juízos de valor, ou temores de índole subjectiva do requerente do procedimento, havendo antes de ser feita com recurso ao critério do bom pai de família, do homem comum[11], que colocado nas circunstâncias daquele, e em face da conduta do requerido relativamente ao seu património, houvesse de temer por tal perda.
Vejamos, portanto, se a requerente alegou factos dos quais possa resultar a lesão grave e dificilmente reparável (artigo 381.º, n.º 1, do CPC) proveniente da demora na tutela da situação jurídica.
A este respeito a mesma invocou que este bem, quer por mero efeito do tempo decorrido, quer por efeito do seu desgaste, resultante aumento do número de quilómetros percorridos, está a depreciar-se e a desvalorizar-se, correndo o risco de extravio e deterioração, pela dificuldade em obter a sua entrega; a situação de incumprimento da Requerida poderá provocar dano irreparável à Requerente, pois o equipamento, quando voltar à sua mão, poderá já não ter qualquer valor comercial; para além disso, existe o risco de o equipamento nem chegar a ser-lhe devolvido, alegando-se o seu desaparecimento; acresce que a Requerente se dedica ao comércio de aluguer de veículos automóveis e como tal, durante o período de vida económica útil desses veículos, pretende dar-lhes a utilização mais intensiva possível, recebendo o maior número e valor de rendas possível.
Sendo certo que a segunda e terceira alegação ora reproduzida configura mera conjectura da Requerente “poderá”, vemos que a lesão grave e dificilmente reparável receada pela requerente se traduz na impossibilidade de dispor do veículo locado e dele retirar qualquer rendimento no âmbito do seu comércio; e também na desvalorização e depreciação rápida e significativa por cada dia que passa, devidas ao decurso do tempo e à utilização da viatura por parte da requerida, que constituem factos notórios.
Acontece que, conforme cristalinamente se afirmou no Acórdão deste TRC de 07-10-2009[12], «a requerente, como proprietária, tem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, os poderes de uso, fruição e disposição do veículo automóvel locado (artº 1305º do Cód. Civil). Não o entregando, apesar de resolvido o contrato de aluguer, a requerida impede-a completamente de exercer esses poderes, violando de forma grave o seu direito de propriedade. Mas, será essa violação dificilmente reparável? (…)
O direito da locadora a ser indemnizada pelo atraso na restituição da coisa ou pela perda ou deterioração da mesma está contemplado nos artºs 1044º e 1045º do Cód. Civil, subsidiariamente aplicáveis ao contrato de aluguer de veículos automóveis sem condutor.
Não foi alegado, nem está, portanto, indiciado, que a situação económica da requerida seja tal que o eventual direito de indemnização da requerente fique desprovido da garantia patrimonial integrada pelo conjunto dos bens penhoráveis da potencial devedora.
A reparação da lesão do direito da requerente não assume, pois, dificuldade especial, não havendo fundamento sério para o seu invocado receio».
Ou dito de outra forma: «o risco de deterioração ou perda de um veículo automóvel objecto de um contrato de aluguer sem condutor é um risco normal do próprio contrato, que tem a sua contrapartida na indemnização por incumprimento contratual convencionada em cláusula contratual.
A requerente, para o êxito da providência cautelar não especificada, teria de alegar factos e não meras conjecturas de onde pudesse concluir-se que o locatário, que não procedeu à devolução do veículo uma vez caducado o contrato, tornou impossível ou assaz difícil o ressarcimento dos prejuízos à locadora, em consequência da demora na entrega da viatura que continua a utilizar ou que era seu intento dissipá-la».
Não o tendo feito, incumpriu o ónus que sobre si impende nos termos do disposto nos artigos 384.º, n.º 1, do CPC e 342.º, n.º 1, do CC, já que para obtenção da pretendida tutela cautelar haveria a requerente que ter concretizado que a falta de pagamento das rendas devidas e dos prejuízos decorrentes do uso abusivo e demora da entrega e desvalorização do veículo, estava associada à inexistência de meios para a requerida solver o montante da dívida ou de que era seu efectivo intento a dissipação do veículo, não sendo tal falta de alegação suprível pelo facto notório de que os veículos se desvalorizam com o uso ou a mera suposição de perda do veículo.
Como assim, soçobram todas as conclusões do presente recurso.
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II.3. Síntese conclusiva:
I - Ao contrato designado por “aluguer de longa duração” (ALD), não se aplica o regime da locação financeira regulado no DL n.º 149/95, de 24 de Agosto, sendo necessária a verificação do requisito relativo ao periculum in mora, decorrente da falta de cumprimento da obrigação de entrega da viatura locada.
II - A mera alegação de que um veículo automóvel é um bem de fácil e rápida deterioração e desvalorização, e de que se a requerente tiver de aguardar pelo desfecho da acção declarativa, corre o risco de esta já não ter qualquer utilidade ou efeito prático, por entretanto a viatura já ter perdido integralmente o seu valor e a sua possibilidade de utilização, não preenche o referido requisito, se não estiver associada à alegação da inexistência de meios para a requerida solver o montante da dívida ou de que era seu intento a dissipação do veículo, não bastando a mera suposição de tal podia ocorrer.
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III - Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
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  Coimbra, 1 de Outubro de 2013 
                                                                                 
Albertina Pedroso ( Relator )
Carvalho Martins
Carlos Moreira

[1] Doravante abreviadamente designado CPC.
[2] Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, pág. 23.
[5] Cfr. Ac. STJ de 22-03-2000, Agravo n.º 154/00 - 7.ª Secção, disponível in www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[6] Proferido em 23.09.2008 no processo n.º 1247/08.7TBFIG.C1, e disponível em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. o recente Acórdão deste TRC de 13-11-2012, proferido no processo n.º 460/12.7T2ILH.C1, e disponível em www.dgsi.pt, na esteira dos Acórdãos desta Relação de 19-10-2010 e de 07-09-2010.
[8] Cfr. Ac. TRP de 11-09-2008, Proc.º n.º 0736163, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Ac. STJ  de 04-10-2000, Revista n.º 156/00 - 2.ª Secção, disponível in www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[10] Cfr. António Geraldes, in Temas da Reforma de Processo Civil, vol. 4.º, 2.ª ed., págs. 186 e 187.
[11] Cfr. Ac. STJ de 11-01-2001, Agravo n.º 3479/00 - 2.ª Secção, disponível in www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.

[12] Proferido no processo 713/09.1T2AND.C1 e disponível em www.dgsi.pt.