Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4052/10.7TJCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: LIVRANÇA
PRESCRIÇÃO
RENÚNCIA
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 05/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 46.º, N.º 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGOS 70.º; 71.º; 77.º DA LUC; ARTIGO 302.º, 1 E 2; 217.º, 2 ; 458.º, N.º 1 DO CC.
Sumário: 1. Não configura necessariamente uma renúncia tácita à prescrição cambiária a circunstância de o oponente à execução ter optado por invocar outras excepções. É determinante verificar se o oponente deduziu uma defesa que, tomada global ou pontualmente, revele a intenção ou vontade de renunciar à prescrição.

2. Prescrita a obrigação cambiária, pode a letra, a livrança ou o cheque, servir ainda de título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, desde que o exequente alegue no requerimento executivo, a relação causal e não esteja em jogo um negócio formal.

3. O aval é um tipo de vinculação que se esgota no título cambiário, não sobrevivendo a este se a obrigação do avalista estiver ferida de morte, como é o caso de ter sido declarada prescrita nos termos dos artigos 71.º e 77.º da LULL. O aval é uma forma de obrigação única ou específica do título cambiário, a ele não se sobrepondo uma qualquer fiança do respectivo dador, como relação jurídica subjacente.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Na execução com processo comum para pagamento de quantia certa que o A..., S.A., instaurou no 3º Juízo Cível de Coimbra, contra, entre outros, B... e C..., vieram estes Executados deduzir oposição, alegando, em suma, que embora tenham assinado como avalistas as livranças dadas à execução, estas, além de rasuradas, foram abusivamente preenchidas pelo Exequente, que nunca comunicou o seu conteúdo aos oponentes, os quais, quando as assinaram, ignoravam a quantia a que correspondiam, bem como as datas de vencimento que lhes iriam ser apostas; que só prestaram tais avales em branco por isso lhes ter sido “implorado” pelo respectivo pai, procurador da gerência da sociedade subscritora, que na altura se encontrava sob grave risco de ataque cardíaco por causa de ameaças que lhe foram dirigidas pelo Exequente; e que, de todo o modo, as livranças exequendas estão prescritas.

Rematam da seguinte forma:
A. Deve declarar-se que a prescrição dos títulos exequendos, absolvendo-se os oponentes do pedido executivo;
B. Assim não se entendendo, haverá que declarar nulos os avales, com idêntica consequência;
C. Não podendo tal suceder, devem as livranças ser declaradas nulas por terem sido obtidas sob coacção grave;
D. Ainda para a hipótese de qualquer destas excepções improceder, deve declarar-se a inexigibilidade das ditas livranças.

Notificado, contestou o Exequente A... S.A. refutando a prescrição das livranças dadas à execução, à qual contrapôs a respectiva interrupção, que se teria operado pela citação dos Executados oponentes no decurso do prazo prescricional, ou, pelo menos, no quinto dia subsequente à instauração da execução. Sem prescindir, defendeu ainda que, mesmo prescritas, as livranças exequendas constituem títulos executivos válidos enquanto documentos particulares assinados pelos Executados nos quais estes reconhecem serem devedores perante a Exequente das quantias nelas inscritas.

Termina com improcedência da oposição e o prosseguimento da execução.

A final foi a oposição dos Executados julgada procedente por provada e, em consequência, julgada extinta a execução quanto a eles, prosseguindo apenas quanto aos demais executados.

Inconformado, deste veredicto interpôs recurso o Exequente A..., S.A., recurso admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

                                                                                  *

São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância, sem qualquer espécie de impugnação:

1. O exequente “ A..., S.A.” é dono e legítimo portador de quatro livranças, todas no valor de 2.000 € e com data de emissão de 20.Junho.2006, subscritas pela sociedade “E..., Ldª” e avalizadas por B..., C..., F... e G... e com datas de vencimento em 15.Fevereiro.2007, 15.Maio.2007, 15.Agosto.2007 e 15.Novembro.2007;

2. As livranças referidas não foram pagas nas datas dos vencimentos respetivos, nem posteriormente;

3. Em 27.Maio.2008 o exequente instaurou contra a sociedade “ E... , Ldª” execução com vista ao pagamento das livranças mencionadas no ponto 1. que correu termos sob o n.º 1508/08.5TBFIG, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz:

4. Execução na qual a executada veio a ser citada em 30.Maio.2008;

5. E que foi declarada extinta por sentença proferida em 25.Setembro.2008, já transitada em julgado, com fundamento em desistência da instância executiva por parte da exequente que ali não logrou cobrar os seus créditos.

Adita-se ainda o seguinte facto provado documentalmente:

6. Os avales aludidos em 1. estão escritos no verso das livranças e neles os avalistas afirmam dar o seu aval à subscritora.

 

                                                                             *

A apelação.

São duas as questões suscitadas no recurso, balizando o âmbito do conhecimento desta Relação:

A da renúncia à prescrição cambiária;

A relativa a saber, se ainda que prescritas as obrigações cambiárias resultantes das livranças, estas continuam a dispor de exequibilidade, por valerem agora como documentos assinados pelos Executados importando o reconhecimento de obrigações pecuniárias, nos termos do art.º 46, nº 1, alínea c), do CPC.

Sobre a renúncia à prescrição cambiária.

Na decisão ora recorrida considerou-se que o prazo de três anos de prescrição da acção cambiária previsto nos art.ºs 70, 71 e 77 da LUC se consumou antes mesmo da instauração da presente execução e da citação dos Executados oponentes, dado que tanto uma como outra se verificaram a partir de 7.12.2010, ao passo que os vencimentos das livranças exequendas ocorreram em 15.02.2007, 15.05.2007, 15.08.2007 e 15.11.2007.

Aceita o recorrente A... que aquele prazo se consumou sem que tenha ocorrido qualquer facto com efeito interruptivo (ou suspensivo). Diverge, no entanto, da declaração prescritiva porquanto teria havido renúncia tácita à prescrição por banda dos Executados agora oponentes.

Para alicerçar esta sua tese entende o apelante A... S.A. que se deve ver configurada a dita renúncia tácita na circunstância de os oponentes, ora apelados, terem optado por invocar as excepções constantes dos art.ºs 1 a 23 da oposição, “comportamento que em si mesmo é incompatível com a vontade de se socorrerem da prescrição”.

Mas não o podemos acompanhar.

Se não vejamos.

Sem prejuízo de os recorrentes suscitarem aquilo que diante desta 2ª instância bem pode ser considerada como uma questão relativamente nova, visto que por eles podia e devia ter sido esgrimida logo no articulado de contestação à oposição (como questão nova não poderia ser levantada em sede recursiva, sem passar pelo primeiro grau de jurisdição que justificaria o reexame ou reponderação pela Relação) temos como certo que de modo algum nos confrontamos com uma conduta ou um acto equivalente a uma renúncia tácita à excepção da prescrição.

É verdade que o art.º 302, nºs 1 e 2, do C. Civil estatui que a renúncia à prescrição é admitida depois de decorrido o prazo prescricional e que ela pode ter lugar tácitamente.

A renúncia à prescrição configura um negócio jurídico unilateral, não sujeito à aceitação do beneficiário (art.º 302, nº 2 do CC), devendo a inerente declaração de vontade ser interpretada de harmonia com as regras próprias de qualquer negócio jurídico.

Só que a declaração negocial com carácter tácito é aquela que se deduz de factos que com toda a probabilidade a revelem, de acordo com o preceituado no art.º 217, 2ª parte do CC.

Não é, por isso, qualquer acto que pode revestir esse significado, nomeadamente, o que se inscreva no explanar do normal exercício do direito de defesa em processo pendente.

Ora não se pode dizer que os oponentes hajam deduzido uma defesa que, tomada global ou pontualmente, revele a intenção ou vontade de renunciar à prescrição que expressamente invocaram no art.º 28 da respectiva oposição.

Na verdade, após descreverem o contexto em que foi exigida a subscrição das livranças exequendas a D...– pai dos oponentes - no sentido de ter havido, segundo eles, um preenchimento abusivo, e até uma certa forma de coacção por banda da exequente, e no que aparentemente se adivinharia consistir numa linha de defesa subsidiária, acabam por encerrar o seu articulado com essa invocação (cfr. o teor do art.º 28). E utilizámos o advérbio aparentemente porquanto nos quatro itens em que finalmente os Executados-oponentes ordenam as causas de improcedência da oposição, começam justamente por  excepcionar sob a alínea a) a “prescrição das livranças exequendas”, requerendo, apenas para o caso daquela não ser atendida ou relevada, a apreciação dos restantes fundamentos (os indicados sob as alíneas b), c) e d)).

Ora julgamos ser perfeitamente legítimo e coerente, que ao lado da prescrição, e sem prejuízo da sua improcedência, os Executados agora oponentes tenham querido valer-se do que acharam constituir outros vícios dos títulos, e, nomeadamente, o que configuraram como nulidade dos avales baseada no desconhecimento do seu objecto pelos avalistas, invalidade das livranças por coacção sobre os obrigados, e inexigibilidade das obrigações cambiárias.

Nesta factualidade oportunamente aduzida e carreada para a oposição, no escalonamento da respectiva estratégia defensiva, não vislumbramos qualquer comportamento dos oponentes excludente da sua vontade de invocar a prescrição.

Donde que a questão ora suscitada não possa senão improceder.

Sobre a exequibilidade contra os avalistas dos documentos que são corporizados pelas livranças declaradas prescritas.

Em apreço está agora a questão de saber se, uma vez declarada a prescrição das quatro livranças dadas à execução, poderão as mesmas valer enquanto quirógrafos das obrigações dos oponentes pagarem ao exequente A... as quantias inscritas nesses documentos.

Questão que se reconduz, assim, ao problema de saber se a prescrição do título cambiário, extinguindo os créditos e obrigações cambiários dele resultantes, também elimina ou suprime a possibilidade de execução do documento face àquele ou aqueles que nele apuseram a sua assinatura para nele se vincularam como avalistas.

É conhecida a posição jurisprudencial, ao que cremos hoje perfeitamente consolidada no STJ, que admite a sobrevivência do valor e efeito executivo da obrigação de quem promete pagar o valor de um determinado título cambiário, agora através do quirógrafo materialmente corporizado na letra, livrança ou cheque já prescrito, à luz da redacção que passou a vigorar para a alínea c) do nº1 do art.º 46 do CPC, redacção que desde o DL 226 de 2008 de 20/11 é a seguinte:

“1. À execução apenas podem servir de base:

a) (…);

b) (…);

c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega da coisa ou de prestação de facto;

(…).”

Perante esta nova sistemática dos tipos de títulos executivos, nada obsta, por conseguinte, a que, prescrito o direito de acção contra aquele que se considera devedor da letra, livrança ou o cheque, como principal obrigado no título cambiário, possa subsistir um outro título, este agora meramente assente na relação causal que subjazia à relação cambiária, contanto que, além do mais, se verifique o decisivo pressuposto de uma assinatura que importe “constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias (…)”.

Isto significa que, sem embargo da prescrição fundada na regime decorrente da lei cambiária, ainda disporá o credor de título (ou, se se quiser, de um título remanescente) sempre que, à luz da lei, exceptuada a disciplina específica dos títulos de crédito cambiários, se possa concluir que estão preenchidos os requisitos necessários para que se tenha por plasmado o reconhecimento de uma obrigação pecuniária de certo devedor para com esse credor.

Nesta senda, pode referir-se como sendo a orientação jurisprudencial mais consistente aquela de acordo com a qual, prescrita a obrigação cambiária, pode a letra, a livrança ou o cheque, servir ainda de título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, desde que o exequente alegue no requerimento executivo, a relação causal e não esteja em jogo um negócio formal[1].

Trata-se aqui de dar expressão ao disposto no art.º 458, nº 1 do C. Civil, preceito que, no reconhecimento de uma dívida, dispensa o credor de provar a relação causal, mas não de a alegar[2].

Como advertem P. Lima e Antunes Varela[3], com esta norma “não se consagra o princípio do negócio abstracto. O que se estabelece é apenas a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental (…)”. Aquela norma cobre a validade do negócio ou da obrigação formalmente abstractos (o negócio jurídico unilateral surge formalmente abstracto relativamente à prova da respectiva causa), retirando dos ombros do credor o ónus de provar não só que ela existiu, mas que tinha o conteúdo correspondente ao reconhecimento do devedor.

A aludida disposição tem a sua relevância no plano adjectivo ou processual, facilitando a prova da obrigação pelo credor: não prescinde, porém, da relação causal. Visa apenas libertar o credor da sua prova, concedendo-lhe o benefício ou a comodidade da respectiva presunção.

Por conseguinte – como é também sublinhado pelos autores citados[4] – não são a declaração ou reconhecimento da obrigação que, em si mesmos, integram e completam a fonte da obrigação: esta reside únicamente na relação fundamental (ou causal), caindo a obrigação do declarante se ele provar que a relação fundamental espelhada na declaração recognitiva não existe ou não é válida por qualquer razão.

Isto posto, há que ter no horizonte o interesse geral que é directamente tutelado pela referida norma do art.º 458, nº1 do CC.

Esse interesse é o da simplificação do comércio jurídico, com a criação de um instrumento que actua como um título de crédito, facilitando ao credor a prova de determinada obrigação através de um documento em que o devedor reconhece a respectiva obrigação. Nas palavras de Rodrigues Bastos[5] “São negócios formalmente abstractos, mas substancialmente causais. (…) o promitente, ou aquele que se reconhece devedor, limita-se a declarar que cumprirá, ou, mais simplesmente, a declarar que existe uma obrigação que tem a sua fonte num outro acto ou facto idóneo a produzi-la, acto ou facto de que nasce justamente aquela relação fundamental a que o preceito alude”.

Diversamente se passam as coisas na disciplina cambiária própria das letras e livranças, em que, como é consabido, e tendo em conta o objectivo da circulação sem entraves dos títulos cambiários, a invocação da relação causal pelo devedor cambiário perante o portador está limitada às chamadas relações imediatas, salvo se tiver havido “aquisição com consciente detrimento do devedor” (art.ºs 17 e 77 da LULL).

Os títulos cambiários têm, portanto, um regime jurídico característico e individualizado, perfeitamente diferenciado dos demais títulos de crédito ou de reconhecimento de dívida, que se pode dizer de abstracção normalmente substancial quando entram no domínio das relações mediatas, dado que, em regra, a relação causal não é então invocável[6]. Donde que lhe não seja aplicável o regime do citado art.º 458.º. Quanto aos negócios que através deles são propiciados – os chamados negócios cartulares – já se pode falar em negócios jurídicos tendencialmente abstractos, na acepção de que em determinado condicionalismo criam obrigações autónomas da causa, tido em conta que estão vocacionados para  circular rápida e massivamente, e, com esse objectivo, primacialmente, para a preservação dos direitos dos sucessivos portadores.

Destrinçada a natureza do negócio cartular como negócio tendencialmente abstracto (na causa) da natureza do negócio jurídico unilateral do art.º 458 do C. Civil, que é meramente abstracto na forma, atentemos agora no caso concreto e na posição dos oponentes, avalistas nas livranças exequendas, mas cujas obrigações cambiárias estão extintas por força da prescrição dos títulos.      

O título executivo pode ser encarado como o documento que, por oferecer demonstração legalmente bastante da existência de um direito a uma prestação, pode, segundo a lei, servir de base à respectiva execução (Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, p. 333).

É costume definir o aval como o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou livrança garante o pagamento dela por parte de um dos subscritores (art.º s 30 e 77 da LULL).

Diante da matéria provada é insofismável que os ora oponentes se vincularam como avalistas da subscritora E..., Lda, pela expressão aposta nos versos dos títulos “dou o meu aval à subscritora”.

Extintas as respectivas obrigações cambiárias pela prescrição, há que apurar se subsiste algum tipo de obrigação causal a partir da aludida formulação.

Afigura-se-nos que não.

E dizemo-lo já afoitamente porque o aval é um tipo de vinculação que se esgota no título cambiário, não sobrevivendo a este se a obrigação do avalista estiver ferida de morte, como é o caso de ter sido declarada prescrita nos termos dos art.ºs 71 e 77 da LULL.

Com efeito, o aval é uma forma de obrigação única ou específica do título cambiário, a ele não se sobrepondo uma qualquer fiança do respectivo dador, como relação jurídica subjacente.

Como bem se nota na sentença recorrida, não há nenhuma relação fundamental ou causal do aval. Este tem a sua razão de ser no título cambiário e cessa quando este título desaparece do mundo jurídico.

Não se ignora que já se produziu alguma jurisprudência e mesmo doutrina que propendeu a ver no aval uma figura decalcada da fiança do direito civil, sustentando que aquele se apresentava essencialmente como uma fiança, aplicando-se-lhe os princípios reguladoras desta “desde que disposições cambiárias da lei cambiária os não afastem de modo explícito”[7].

Este decalque foi, todavia, magistralmente desmontado pelo Prof. Ferrer Correia[8] do seguinte modo:

“Mas tão pouco a teoria da fiança (a qual se pode dizer que é latina, enquanto a anterior é germânica) justifica cabalmente o regime jurídico do aval. Ela não explica porque é que nulidade intrínseca da obrigação avalizada não se comunica à do avalista (art.º 32 da LULL); a este só aproveita aquela nulidade que proceder de um vício de forma. Não assim na fiança: na fiança, a nulidade da obrigação principal aproveita ao fiador. É a doutrina do art.º 632 do Cód. Civil, que só conhece uma excepção: o caso de incapacidade do obrigado. Também a teoria da fiança não nos explica o direito de regresso do avalista contra os signatários anteriores ao avalizado. (…) Temos, portanto, de concluir que o aval, sendo uma garantia, não é rigorosamente uma fiança (…)”.

E não podendo sobejar do aval uma fiança, como negócio jurídico que lhe estaria subjacente, nenhuma relação obrigacional ou reconhecimento de dívida se pode extrair da fórmula “dou o meu aval ao subscritor”, a qual não é passível de comportar um reconhecimento de dívida fora da vinculação e significação que lhe é emprestada pela Lei Uniforme, mais precisamente nos respectivos art.º 30 a 32.

De sorte que não sendo apurada um fonte obrigacional diversa da do aval cambiário, as assinaturas apostas nas livranças exequendas pelos Executados-oponentes, agora apelados, sob a fórmula “dou o meu aval ao subscritor”, não podem, por conseguinte, ser aproveitadas como obrigações exequíveis nos termos do art.º 46, nº 1, alínea c) do CPC.

Daí que, no acerto da opção a este propósito assumida na decisão recorrida, a questão levantada não possa ser acolhida.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam o saneador-sentença recorrido.

Custas pelo apelante.

                                    

Freitas Neto (Relator)

Carlos Barreira

Barateiro Martins


[1] Cfr., entre outros, Acs do STJ de 10/7/08 (Nuno Cameira), Pº 08A1582, de 4/12/07 (Mário Cruz), Pº 07A3805, de 27/11/2007 (Santos Bernardino), Pº 07B3685, de 5/7/2007 (Fonseca Ramos), Pº 07ª1999 e de 22/5/2003 (Ferreira Girão), Pº 03B1281, todos in www.dgsi.pt.
[2] Pois aí se prescreve que “Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume, até prova em contrário.”
[3] Código Civil Anotado, 2ª ed., V. I., p. 385.
[4] Ob., ed. e loc. citados.
[5] Notas ao Código Civil, V. II. P. 252.
[6] Ao contrário, no plano das relações imediatas a obrigação cambiária como que se funde com a relação fundamental.
[7] Disso nos dá notícia desenvolvida Abel Delgado, Lei Uniforme das Letras e Livranças, 5ª Ed., Petrony, a páginas 193 e seguintes.
[8] Lições de Direito Comercial, Lex, ed. de 1994, p. 522 e seguintes.