Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
196/09.6T2VGS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
ÁREA EXPROPRIÁVEL
Data do Acordão: 01/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INSTÂNCIA CÍVEL DE VAGOS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 483º E 1305º DO C.CIVIL
Sumário: I – O processo de expropriação não é claramente aquele onde se possa tomar qualquer decisão de alteração de área da parcela objecto da expropriação.

II - Como forma de protecção dos legítimos interesses dos expropriados – área expropriada superior à constante da DUP e correcções cadastrais – a lei aponta-lhes o caminho de poderem exigir, em acção própria, da entidade expropriante a respectiva indemnização escorada nos artigos 483º e 1305º do CC por clara violação do direito de propriedade.

Decisão Texto Integral:             Acordam os juízes que constituem a 3ª secção do tribunal da relação de coimbra.

            1. Relatório
Nos presentes autos de expropriação litigiosa em que é expropriante “EP – Estradas de Portugal, S.A.” e são expropriados M… e mulher, C…, residentes na Rua …, na qualidade de proprietários da parcela de terreno a seguir indicada:
v Parcela n.º 16 – com a área de 791 m2, a destacar do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, omisso na CRP, situado na freguesia de Ouca, concelho de Vagos, actualmente descrita sob a ficha n.º … da Conservatória do Registo Predial de Vagos.
*
Mostra-se devidamente instruído o processo.
*
A expropriante tomou posse administrativa da referida parcela.
*
Por despacho de fls. 55/56 foi adjudicada à entidade expropriante a parcela de terreno supra referida, com a área indicada.
*
Os expropriados interpuseram recurso, recebido por despacho de fls. 109.
*
Procedeu-se a diligências instrutórias, tendo sido realizada a avaliação, constante de fls. 209 a 218 e esclarecimentos de fls. 260 a 265.
*
            2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com base nos elementos recolhidos, designadamente nas respostas dadas pelos Senhores Peritos aos quesitos formulados, no relatório de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” e nos documentos juntos aos autos, resulta provada a seguinte factualidade:
...
*
            Analisado o aspecto jurídico da causa foi proferida decisão que julgou improcedente o recurso interposto pelos expropriados e consequentemente fixou a indemnização global devida a pagar pela entidade expropriante no montante de € 4.200,00 fixado à data da DUP, sem prejuízo da actualização a que se refere o artigo 24º do Código das Expropriações.
*
            Notificados da decisão, os expropriados interpuseram o necessário recurso que instruíram com as respectivas alegações que remataram formulando as seguintes conclusões:

...


*

            A entidade expropriante não contra alegou.

*

            Por despacho de folhas 320, o recurso foi admitido como apelação, com subida imediata e nos autos e efeito devolutivo.

*

            2. Delimitação do objecto do recurso

            A questão a decidir na presente apelação e em função da qual se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 684º, nº 3 e 685ºA, todos do Código de Processo Civil, é a seguinte:

v Área expropriada. Seu cálculo no âmbito de um processo de expropriação.


*

            3. Colhidos os vistos, aprecia-se e decide-se

            Começamos por manifestar os nossos respeitos por termos sobre esta questão uma visão completamente distinta do modo e forma como foi tratada a área da parcela a expropriar.

Diz-nos o artigo 1º do Código das Expropriações que os bens imóveis e os direitos podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objectos da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do presente Código, para se seguida o artigo 2º mandar observar os princípios da legalidade, justiça, proporcionalidade, imparcialidade e boa fé.

            Em anotação ao artigo 12º do Código das Expropriações escreve o Exmo. Conselheiro Salvador[1] da Costa – declaração de utilidade pública – que se trata de um acto administrativo vinculado porque envolve limites legais, incluindo, além, do mais a competência administrativa do seu autor e o interesse público e deve, nos termos do artigo 286º nº 3 da Constituição, conter fundamentação expressa (…).

            Feito este breve intróito, o acto administrativo de declaração de utilidade pública só produz efeitos com a publicação no Diário da República – ou Jornal Oficial das Regiões Autónomas – conforme os casos – artigos 17º, nº 1 e 90º do C.E. e artigo 130º, nº 2 do CPA.

            Visitando os autos, dúvidas não existem quanto ao facto do acto administrativo ter sido praticado por quem tinha competência para o acto – Exmo. Secretário de Estado das Obras Públicas – e publicado no Diário da República – II Série, nº 183 de 9 de Agosto de 2002, despacho que respeita a previsão do artigo 13º do C. E. e expropria, entre outras, a parcela nº 16 pertencente aos aqui expropriados conferindo-lhe a área de 501m2 – cf. folhas 53 – área que não corresponde à realidade expropriada na medida em que os Srs. árbitros – folhas 7 – dão conta do seguinte: «mais informa a entidade expropriante, no ofício de remessa do processo, que a área efectivamente expropriada é de 791m2, derivada de duas correcções de cadastro, a primeira após a declaração de utilidade pública e a segunda e definitiva após a vistoria “aprm”». Ou seja, os Srs. árbitros estão a valorizar a correcção levada a cabo no auto de vistoria «ad perpetuam rei memoriam» na qual estiveram representados os expropriados e a expropriante e fizeram constar o seguinte: segundo elementos fornecidos pela entidade expropriante, a área – não é a que consta da DUP – da parcela a expropriar é de 1103m2, reduzindo o prédio em cerca de 47,50%, uma vez que a área total do prédio mãe (…) é de 2300m2.

            A vistoria «ad perpetuam rei memoriam» está datada de 20 de Novembro de 2002 e o auto de posse administrativa por referência à parcela 16 é de 5 de Fevereiro de 2003 – folhas 32 – onde consta o seguinte: a Eng.ª M… na qualidade de representante do IEP – Instituto das Estradas de Portugal toma posse administrativa da parcela de terreno com a área de 1103m2 a destacar do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 5.304.


Artigo 148. º
Rectificação dos actos administrativos

1 - Os erros de cálculo e os erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos, podem ser rectificados, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do acto.

2 - A rectificação pode ter lugar oficiosamente ou a pedido dos interessados, tem efeitos retroactivos e deve ser feita sob a forma e com a publicidade usadas para a prática do acto rectificado.

            A propósito deste artigo escreve o Exmo. Cons. Salvador da Costa que «os erros de cálculo e os erros de materiais na expressão da vontade dos órgãos administrativos, quando manifestos, podem ser rectificados a todo o tempo pelos órgãos competentes para a revogação dos actos, podendo a rectificação ter lugar oficiosamente ou a pedido dos interessados, sob a forma e publicidade usadas para a prática do acto rectificado»[5].

            Se bem compreendemos estes ensinamentos, a rectificação da área deveria ter seguido as regras vazadas naquela norma e o órgão com competência administrativa para o acto proceder à respectiva rectificação da área a expropriar e publicá-la em Diário da República. Sabemos que nada disto foi feito, antes se adensou a delimitação da efectiva área efectiva expropriada.

            Senão vejamos:

            A Exma. Juíza no âmbito do artigo 51º do CE fixou a área a expropriar em 791m2 – folhas 56 – os Srs. peritos no relatório de folhas 209 a 218 entendem que a área a expropriada foi de 1.103m2 e calcularam o valor da justa indemnização a partir daquela área.

            Sucede que a Exma. Juíza através do seu douto despacho de folhas 227 determinou que os Srs. peritos procedessem à medição da efectiva área da parcela expropriada, o que motivou que a expropriante atravessasse nos autos o requerimento de folhas 231 considerando ter transitado em julgado o despacho de folhas 55, pese o facto dos Srs. Peritos surgirem a área de 1.103 m2 como a efectivamente expropriada, tomando posição, igualmente, os expropriados.

            Chamados a tomar posição o que disseram os Srs. peritos: primeiro que não levaram em linha de conta o despacho de adjudicação da parcela de folhas 55, por outro lado não é possível a medição da área da parcela concluindo por unanimidade e de acordo com os fundamentos expressos no relatório complementar de folhas 260 a 265 que efectivamente a área expropriada é de 791m2 e não de 1.103m2.

            Elaborada a sentença objecto da discórdia fixou a área expropriada em 791m2 e calculou a justa indemnização tendo por base o laudo unânime do relatório complementar, o que sabemos ter merecido forte oposição por parte dos expropriados.

            Sobre este aspecto – não coincidência de áreas – impõe-se o esclarecimento que fixada a área na sentença recorrida não pode, até por falta de competência em razão da matéria[6], na medida em que estamos no campo das competências dos Tribunais Administrativos e o processo de expropriação não é claramente aquele onde se pode tomar qualquer decisão de alteração de área expropriada.

            Serve isto para dizermos que não colocamos nem deixamos de colocar em causa as razões invocadas pelos expropriados tanto mais que existem elementos contraditórios relativamente à área expropriada, dando a Exma. Juíza relevo à área que emana do relatório complementar e do despacho de folhas 55, desconsiderando a área constante da posse administrativa e do relatório pericial elaborado antes do complementar que alterou a área e fixou-a em 791m2, área esta que foi adoptada pela Exma. Juíza na sentença recorrida.

            Existindo discórdia quanto à área expropriada e sendo legalmente tutelados os direitos dos expropriados que sustentam que a área expropriada é de 1.103 m2 e até pela qual já receberam uma determinada quantia, então, não podemos deixar de formular as seguintes conclusões:

1. Manter e confirmar a decisão recorrida, já que o processo de expropriação não é claramente aquele onde se possa tomar qualquer decisão de alteração de área da parcela objecto da expropriação.

2. Como forma de protecção dos legítimos interesses dos expropriados – área expropriada superior à constante da DUP e correcções cadastrais – a lei aponta-lhes o caminho de poderem exigir, em acção própria, da entidade expropriante a respectiva indemnização escorada nos artigos 483º e 1305º do CC[7] por clara violação do direito de propriedade.


*

            Decisão

            Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.


*

            Custas pelos expropriados – artigo 446º do CPC.


JACINTO MECA (Relator)
FALCÃO DE MAGALHÃES
REGINA ROSA


[1] Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Almedina, 2010, pág. 85
[2] Decisão Arbitral
[3] Vistoria ad perpetuam rei memoriam
[4] Posse Administrativa da parcela
[5] Obra citada, pág. 92.
[6] Não esqueçamos que a área a expropriar é fixada por membro do Governo através da Declaração de Utilidade Pública e publicação em Jornal Oficial, pelo que as rectificações subsequentes deveriam ter seguido o mesmo formalismo o que sabemos não ter sucedido no caso em apreço, já que na DUP foi fixada a área de 501m2, área que passou para 791m2 por via de duas correcções de cadastro – cf. decisão arbitral de folhas 7.
[7] Exmo. Conselheiro Salvador da Costa, obra citada, pág. 93.


            Existe em três momentos essenciais do processo de expropriação – DUP/DA[2]/APRM[3]/PA[4] – três áreas distintas da parcela expropriada, ou seja, 501m2, 791m2 e 1103m2, respectivamente, sem que se vislumbre dos autos que em algum momento se tenha lançado mão do artigo 148º do CPA que declara: