Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
414/13.6TACTB.1.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: INDEMNIZAÇÃO ARBITRADA EM SENTENÇA CRIMINAL
ARRESTO PREVENTIVO CONVERTIDO EM PENHORA
INSOLVÊNCIA DO LESANTE
ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA POR INSUFICIÊNCIA DA MASSA
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º, 3; 195.º, 1; 197.º, 1; 199.º, 1, 2.ª PARTE E 200.º, N.º 3, DO CPC
ARTIGOS 88.º, 1 E 3; 149.º, 1; 230.º, 1, D); 233.º, A) E C) E 245.º, 1 E 2, DO CIRE
Sumário: i) Se o crédito exequendo provém de indemnização arbitrada por sentença judicial, pela prática de um crime doloso de burla qualificada, praticado pela executada, e que originou um arresto preventivo depois convertido em penhora, saldo que não foi apreendido no processo de falência da mesma executada, por virtude dessa infracção criminal, nem a dívida da mesma executada pode ser objecto de exoneração do passivo, então encerrado o processo de insolvência, por insuficiência da massa, não há lugar à extinção da execução e deve cessar a suspensão da mesma, prosseguindo ela com vista a satisfazer o crédito exequendo (arts. 88º, nº 1 e 3, 149º, nº 1, a), 230º, nº 1, d), 233º, nº 1, a) e c), e 245º, nº 2, b), do CIRE).
Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. AA, BB e CC, todos residentes em ..., intentaram acção executiva, contra DD, residente em ..., para pagamento de quantia certa de 369.270,69 €, com base em sentença condenatória, ao qual acrescem ainda os juros vincendos, por virtude da prática de um crime doloso de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. a), com referência ao art. 202º, al. b), todos do C. Penal, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão, com suspensão da pena por igual tempo, condicionada a regime de prova.

Nomeou-se à penhora o saldo de 2 contas bancárias, arrestadas preventivamente no âmbito do processo criminal, e um imóvel, o que veio a acontecer no valor de 30.725,66 €.

A executada veio, então, a ser declarada insolvente, pelo que foi suspensa a execução.

Na insolvência, o Administrador Judicial veio a referir, quanto à entrega do valor penhorado no presente processo 414/13.... - Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Central Criminal ..., que salvo melhor opinião, não é passível de apreensão no processo de insolvência, em virtude do disposto no art. 149º, nº 1, alínea a), pois que a penhora resulta de infração de natureza criminal. Mais propondo que fosse determinado o encerramento do processo de insolvência, por inexistência de bens, nos termos do disposto no art. 232º, nº 1 do CIRE.

Na insolvência foi proferido despacho declarando encerrado o processo, por insuficiência da massa.

*

De seguida foi proferido despacho que declarou extinta a execução.

*

2. Os exequentes recorreram, concluindo que:

1. Quanto ao encerramento do processo de insolvência foi este encerrado por insuficiência da massa,

2. Concomitantemente foi extinta a execução, Decisão de que ora se recorre.

3. Violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil que consagra o princípio do contraditório, em geral e na vertente proibitiva da decisão-surpresa.

4. O Tribunal a quo, decidiu extinguir a execução sem conceder o direito ao contraditório aos Exequentes, ora Recorrentes, uma vez que os mesmos tinham e têm um interesse legitimo na manutenção da suspensão da execução.

5. A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que seja susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre factos e respetivo enquadramento jurídico (designadamente seu alcance e efeitos).

6. Sendo nula a Douta Sentença de que ora se recorre.

7. Salvo douto e melhor entendimento, encontra-se ferida de nulidade a sentença de que ora se recorre por violação do disposto no artigo 3.º do CPC, nulidade que se argui para os devidos efeitos legais.

8. A presente execução deve prosseguir os seus termos, por três ordens de razão:

9. Em primeiro lugar o presente processo de execução não foi apensado ao processo de insolvência e o saldo bancário penhorado não foi objecto de apreensão para a massa, exactamente por se tratar de produto do crime, razão pela qual o Exequente tem direito a que lhe seja entregue o valor penhorado para satisfação do seu crédito,

10. Em segundo lugar o crédito exequendo, foi reclamado nos termos do disposto no artigo 245.º n.º 2 al. b) do CIRE, logo excluído da exoneração do passivo restante.

11. Dúvidas não podem restar de que os ora Recorrentes têm o direito a prosseguir com a execução para satisfação do seu crédito independentemente da concessão final da exoneração do passivo restante, pois o seu crédito não é abrangido por aquela, logo não se extingue.

12. Em terceiro lugar não pode deixar de salientar-se que apesar de o Sr. Administrador da Insolvência constatar a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente, o que, em princípio, só por si, justificaria a extinção da execução, não disse que a mesma perdeu a sua utilidade, podendo tê-la, não só pelas duas razões apontadas como pelo facto de se dever aproveitar toda a utilidade e economia de meios que emergem da cessação da suspensão da execução.

13. Andou mal o Tribunal a quo ao extinguir a execução nos termos do artigo 88.º do CIRE, antes e assim devendo manter-se a suspensão da mesma para que se possa prosseguir para cobrança do crédito exequendo, com base no mesmo título executivo que lhe deu origem, não tendo sido considerada esta execução no processo de insolvência – vide requerimento do Sr. Administrador já junto que refere o seguinte: “EE, Administrador Judicial, nomeado para intervir nos Autos do processo de insolvência em epígrafe, vem, em complemento do relatório apresentado nos autos nos termos do art.º 155.º do CIRE, referir que o proposto naquele relatório, quanto á entrega do valor penhorado no processo nº 414/13.... - Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Central Criminal ..., salvo melhor opinião, não é passível de apreensão no processo de insolvência, em virtude do disposto no art.º 149.º, n.º1, alínea a), pois que a penhora resulta de infração de natureza criminal. Nesses termos, vem o administrador da insolvência, propor que seja determinado o encerramento do processo de insolvência, por inexistência de bens, nos termos do disposto no art.º 232.º, n.º1 do CIRE”.

14. Isto porque decorre ad nauseam do CIRE que a exoneração, ou seja, a decisão final de exoneração não abrange as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos que tenham sido praticados pelo devedor e reclamados nessa qualidade, o que aconteceu in casu.

15. Pelo que estes créditos não se extinguem – artigo 245.º, n.º2 al. b) do CIRE.

16. A execução ora extinta, resultou da prática de actos ilícitos, voluntários, com culpa grave, dolosos praticados pela Devedora, reclamados e executadas nessa qualidade.

17. A sua óbvia exclusão de uma eventual concessão definitiva de exoneração do passivo, justifica-se devido à culta mais censurável da agente, pois aquela Devedora, lesou o direito de outrem, dos ora Recorrentes, com plena consciência disso e com a intenção de praticar esse dano (artigo 245.º, n.º 2 al. b) do CIRE).

18. De igual modo, aqueles actos consubstanciam a prática de ilícitos penais, pelo que nunca poderiam, não ser excluídos.

19. Tanto mais que a sua não exclusão defraudaria princípios constitucionais que também merecem um acolhimento especial, designadamente por violação dos artigos 20, n.ºs 1 e 5 da CRP ao não assegurar tutela jurisdicional efectiva para o direito infringido.

20. É na obrigatoriedade imposta ao credor exequente de reclamar no processo de insolvência o seu crédito exequendo – para que em sede de liquidação do património do devedor insolvente, o produto obtido seja repartido por todos os credores, segundo a ordem de prioridade de cada crédito ou pela forma estabelecida num plano de insolvência (artigo 1.º do CIRE) – que assenta a razão de ser da suspensão e extinção das execuções previstas no artigo 88.º do CIRE.

21. A extinção prevista no n.º 3 do artigo 88 do CIRE não implicando a declaração de insolvência a extinção das pessoas singulares apenas se aplica ás pessoas colectivas, e, a não ser que tenha sido abrangida pelo decretamento da exoneração do passivo restante (o que como antes se disse, no presente caso nunca poderia acontecer relativamente à execução da recorrente) não faz qualquer sentido que se decrete sem mais a extinção da presente execução pendente.

22. Nesta hipótese, desde que a execução não tenha sido extinta por força da concessão do benefício da exoneração do passivo restante, uma vez encerrado o processo de insolvência, o seu titular é livre para intentar ou fazer prosseguir a execução para a cobrança do seu passivo não satisfeito.

23. Sendo assim como na realidade o é, não sendo concedida a exoneração ou tendo sido e esta execução, porque abrangida pelo corpo do artigo 245.º, n.º 2 do CIRE, não foi aí contemplada, não ocorre a extinção deste crédito, podendo e devendo justificar-se a sua oportuna prossecução com base no mesmo título executivo que lhe deu origem, não devendo o encerramento da insolvência determinar a extinção da execução nem a cessação da situação da sua suspensão, pese embora o disposto no artigo 88.º, n.º 3 do CIRE deverá manter-se.

24. In casu, a sentença de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide formou caso julgado formal.

25. Fundamento esse de transito em julgado da sentença que sustenta o indeferimento da renovação da instância.

26. Instância impedida de ser renovada, pois declarada extinta por força do encerramento do processo de insolvência por força da insuficiência da massa insolvente por sentença transitada em julgado.

27. A extinção da execução nestes autos é um efeito salvaguardado pela força de caso julgado formal que não pode ser negado á sentença de que ora se recorre em observância do disposto no artigo 620.º do CPC.

28. Assim, a renovação da execução extinta e porque obedece a um regime excepcional, por razões de economia processual não comtempla a extinção da instância não comtempla a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide como causa geral, ou seja, sem ser por desconhecimento da existência de bens penhoráveis.

29. A renovação da execução extinta só é possível nas hipóteses enumeradas no artigo 850.º do CPC, o que não é o caso judice.

30. Nem tampouco podem os recorrentes lançar mão ao princípio da economia processual e da proibição de actos inúteis, pois estes princípios não se sobrepõem à força do caso julgado de ma Decisão e á aplicação de uma norma que não contém na sua previsão a situação concreta.

31. Termos em que deve a Sentença ser revogada e substituída por outra que mantenha a suspensão da execução.

Termos em que e nos melhores de direito deve ser dado provimento ao presente recurso,

De todo o modo, sempre farão Vossas Excelências a costumada Justiça!

3. A executada contra-alegou, e conclui como segue:

1- A sentença recorrida não enferma dos vícios que lhe são imputados pelos recorrentes.

2- A Sentença sob recurso mostra-se suficientemente fundamentada, aplica corretamente o direito ao caso concreto, com base nos factos existentes, concretamente que a executada DD foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º 546/22.... – do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Comércio ... – tendo entretanto, o referido processo sido declarado encerrado por insuficiência da massa.

3- Ainda que suscintamente, a sentença recorrida explica de forma lógica e adequada o raciocínio efetuado que determinou a decisão, não se descortinando qualquer erro objetivo de julgamento ou falta de fundamentação, devendo, consequentemente, ser julgado improcedente o recurso interposto pelos exequentes.

4- No processo de insolvência, os recorrentes reclamaram o mesmo crédito que reclamam no processo executivo, que foi ali reconhecido e verificado por sentença.

5- Se o Tribunal a quo ordenasse pura e simplesmente a suspensão da instância, em vez da extinção da instância, configuraria, isso sim, a prática de um acto inútil e, nessa medida, proibido (art. 137º do Código de Processo Civil), uma vez que a instância não pode efetivamente prosseguir.

6- Não sendo permitida por lei o prosseguimento da instância, verifica-se uma situação de impossibilidade superveniente que conduz, necessariamente, à extinção da instância, nos termos do art. 287.º, al. e), do Código de Processo Civil.

7- Tendo, assim, o Tribunal a quo decidido conforme o Direito.

8- Termos em que deve manter-se na íntegra a Sentença recorrida.

Assim se fazendo JUSTIÇA

II – Factos Provados

A factualidade a considerar é a que decorre do Relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC).

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade por não audição da exequente antes do despacho final.

- Não extinção da acção executiva.

2. Vêm os apelantes alegar que foi extinta a execução, sem que o Tribunal tenha concedido o direito ao contraditório aos mesmos, inobservância do contraditório que constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, pelo que é nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre factos e respetivo enquadramento jurídico (designadamente seu alcance e efeitos), nos termos do disposto no art. 3º do NCPC (conclusões 1. a 7.).

Concordamos que a omissão do contraditório, ao abrigo do art. 3º, nº 3, gera uma nulidade processual, como os recorrentes defendem (embora também mencionem, menos compreensivelmente, a nulidade da decisão, pois ou é uma coisa ou é a outra).

Só que as nulidades processuais que influem no exame/decisão da causa, devem ser arguidas no próprio processo, em 1ª instância, perante o juiz que as cometeu, no prazo geral de 10 dias (arts. 195º, nº 1, 197º, nº 1, 199º, nº 1, 2ª parte, e 200º, nº 3, do NCPC), o que não aconteceu, não podendo ser arguidas em recurso. O recurso serviria, sim, para apreciar a decisão da 1ª instância que recaísse sobre tal arguição. 

Não procede, pois, esta parte do recurso.

3. Na decisão recorrida escreveu-se que:

“De harmonia com o disposto no artigo 88.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º53/2004, de 18 de Março, na redacção introduzida pela Lei n.º16/2012, de 20.04:

1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.

2 – (…).

3 - As ações executivas suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.

Por seu turno, nos termos do artigo 230.º/1, do CIRE, prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento:

a) Após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 239.º;

b) (…)

c) (…)

d) Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente;

e) (…).

Assim, e no que ao caso interessa, havendo agora notícia de que a executada DD foi declarada insolvente no âmbito do processo nº 546/22.... – do Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Comércio ... – tendo, entretanto, o referido processo sido declaro encerrado por insuficiência da massa, ao abrigo do sobredito normativo, declaro extinta a presente execução.”.

Os recorrentes discordam, pelas razões que avançam nas suas conclusões de recurso (8. a 23.), pugnando para que a execução prossiga os seus termos. E têm razão. Vejamos então.

Os normativos legais a considerar são os arts. 88º, nº 3, e 230º, nº 1, d), do CIRE, referidos e transcritos no despacho recorrido.

Devem ainda ser convocados os seguintes preceitos, todos do CIRE:

Art. 149º, nº 1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido:

a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social;

Art. 233º, nº 1 - Encerrado o processo, …:

a) Cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, …;

(…)

c) Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, …;

Art. 245º, nº 1 - A exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, …

2 - A exoneração não abrange, porém:

(…)
b) As indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade;

No nosso caso, temos que nos termos do art. 230º, nº 1, d), o juiz declarou o encerramento do processo de insolvência, por o administrador da insolvência ter constatado a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas e dívidas da massa insolvente.  

Aparentemente, pois, seguir-se-ia, como aconteceu, por aplicação do art. 88º, nº 3, que as acções executivas suspensas nos termos do n.º 1 se extinguem, quanto ao executado insolvente.

Mas não tem necessariamente de ser assim, como os dados peculiares, fornecidos pelo processo, conjugados com aqueles preceitos legais, nos demonstram. Antes, concluímos que a presente execução deve prosseguir os seus termos, pelos seguintes motivos jurídicos, aliás realçados, em parte, pelos apelantes.

Em primeiro lugar, o presente processo de execução não foi apensado ao processo de insolvência e o saldo bancário penhorado não foi objecto de apreensão para a massa, nos termos do art. 149º, nº 1, a), atrás transcrito, por se ter entendido que se tratava de penhora de saldo, após conversão de arresto preventivo, resultante de infração de natureza criminal. Tal saldo não integrava, pois, a massa insolvente.

Em segundo lugar, o crédito exequendo, foi reclamado nos termos do disposto e transcrito no art. 245º, nº 2, b), logo excluído da exoneração do passivo restante, nos termos do apontado normativo. Ou seja, o crédito exequendo, relativo às indemnizações, arbitradas na sentença crime, devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor/executada, e que foram reclamadas nessa qualidade na presente execução, nunca poderão levar, nesse concreto aspecto, à exoneração do passivo da insolvente, ora executada.

Em terceiro lugar, como dimana do indicado e transcrito art. 233º, nº 1, a), pois o plano previsto na c) não se tem conhecimento que exista, encerrado o processo de insolvência, cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, podendo os credores da insolvente exercer livremente os seus direitos contra o devedor, neste caso a executada (vide L. Carvalho Fernandes e J. Labareda, CIRE Anotado, 2ª Ed., nota 6. ao referido artigo).

Ora, cessados todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência cessa a suspensão da instância do processo executivo, que foi determinada nos autos, ao abrigo do art. 88º, nº 1.

O que é perfeitamente lógico e adequado ao aproveitamento de toda a utilidade e economia de meios – principio da economia processual - que agora reemergem da cessação da suspensão da execução, para que se possa prosseguir para cobrança do crédito exequendo, com base no mesmo título executivo que lhe deu origem. Aproveitamento útil que é patente para o credor, pois está penhorada quantia nos autos que ascende a cerca de 31.000 € !

Procede, pois, a apelação dos recorrentes/exequentes.

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Se o crédito exequendo provém de indemnização arbitrada por sentença judicial, pela prática de um crime doloso de burla qualificada, praticado pela executada, e que originou um arresto preventivo depois convertido em penhora, saldo que não foi apreendido no processo de falência da mesma executada, por virtude dessa infracção criminal, nem a dívida da mesma executada pode ser objecto de exoneração do passivo, então encerrado o processo de insolvência, por insuficiência da massa, não há lugar à extinção da execução e deve cessar a suspensão da mesma, prosseguindo ela com vista a satisfazer o crédito exequendo (arts. 88º, nº 1 e 3, 149º, nº 1, a), 230º, nº 1, d), 233º, nº 1, a) e c), e 245º, nº 2, b), do CIRE).

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando a decisão recorrida, devendo a sua tramitação prosseguir.

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Custas pela executada/recorrida.

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                                                                           Coimbra, 16.1.2024

                                                                           Moreira do Carmo