Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
406/23.7T8FND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
GERENTE
DESTITUIÇÃO
ILEGITIMIDADE
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 10/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DO FUNDÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 57.º E 403.º DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS E 286.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Como regra, só os sócios de uma sociedade podem pedir a declaração de nulidade ou anulabilidade de deliberações sociais que contendam com a vida societária da mesma, excecionando-se, nos termos do art.º 286.º do CCiv., os casos em que um terceiro invoque um interesse direto, juridicamente atendível e legítimo para o fazer.

II – A destituição da gerência por deliberação da assembleia geral pode ocorrer a qualquer momento e, ainda que desprovida de justa causa, tal não acarreta anulabilidade da deliberação, mas apenas o direito à indemnização prevista no n.º 4 do art.º 403.º do CSCom..

III – O gerente destituído carece de legitimidade para instaurar procedimento cautelar comum destinado a obter a suspensão da deliberação social que determinou a sua destituição com invocada justa causa.

Decisão Texto Integral:
Relator: Arlindo Oliveira
1.ª Adjunto: Maria João Areias
2.º Adjunto: José Avelino Gonçalves

            Processo n.º 406/23.7T8FND.C1 – Apelação

            Comarca de Castelo Branco, Fundão, Juízo de Comércio

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

AA, casado, com domicílio profissional na Rua ..., ..., ..., ... ..., ..., veio, ao abrigo do n.º 1 do artigo 362.º do Código de Processo Civil, instaurar procedimento cautelar comum contra C..., S.A., sociedade comercial anónima com sede na Zona Industrial, lote..., ... ..., peticionando que seja:

a) Ordenada, com efeitos imediatos, a suspensão da deliberação social de nomeação do novo Conselho de Administração da requerida para o triénio em curso (Presidente do Conselho de Administração: BB; Vogais: CC e DD), tomada na sequência da discussão e votação do ponto três da ordem de trabalhos da assembleia geral da requerida de 16 de maio de 2023;

b) Ordenada, com efeitos imediatos, a suspensão da deliberação social de destituição com justa causa do Presidente do Conselho de Administração AA, tomada na sequência da discussão e votação do ponto seis da ordem de trabalhos da assembleia geral da requerida de 16 de maio de 2023;

c) Proferida decisão de dispensa da audiência prévia da requerida;

d) Decretada a inversão do contencioso, sendo o requerente dispensado da propositura da ação principal.

Alega, para o efeito e em síntese, que é sócio e gerente da acionista maioritária da requerida, J..., LDA, sociedade comercial por quotas, com o número único de pessoa coletiva ...; esta sociedade tem apenas dois sócios (simultaneamente gerentes), cada um titular de metade do capital social: o requerente e BB; até ao passado dia 16 de maio de 2023 o requerente era o Presidente do Conselho de Administração da requerida, mas não sendo, contudo, sócio da requerida; face ao absoluto conflito de interesses entre o outro sócio-gerente da J..., LDA (BB), tão pouco poderia ser esta sociedade, na qualidade de acionista da requerida, a instaurar os presentes autos.

Ciente de que se encontra em falta um dos pressupostos para o decretamento do procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais, uma vez que não é socio da sociedade requerida, alega o requerente que o meio processual mais adequado para tramitar os seus pedidos é o procedimento cautelar comum.

Por não lhe ter sido, ainda, disponibilizada a ata da assembleia geral do dia 16 de maio de 2023, cujas deliberações contesta, o requerente junta a transcrição da respetiva gravação e o respetivo ficheiro áudio, uma vez que a mesma, conforme acordo de todos os presentes, foi registada através de gravação de áudio.

Alega o requerente que a requerida é uma sociedade comercial anónima com o capital social de 400.000,00 €, sendo seus acionistas:

– CC, com o número de identificação fiscal ..., titular de 16, 25 % do capital social;

– DD, com o número de identificação fiscal ..., titular de 16, 25 % do capital social;

– e a sobredita sociedade J..., LDA, sociedade comercial por quotas, com o número único de pessoa coletiva ..., titular de 67, 5 % do capital social, que, por sua vez, tem como sócios e gerentes, o requerente, titular de uma quota no valor de 125.000,00 € e BB, titular de uma quota no valor de 125.000,00 €.

Mais refere o requerente que BB integrou o Conselho de Administração da sociedade requerida, como vogal, juntamente com o requerente, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, com voto de qualidade, desde 13 de julho de 2018 a 8 de agosto de 2022, concluindo que, por força desta realidade, era a sua acionista maioritária (J..., LDA) quem controlava a sociedade requerida, na medida em que os sócios- gerentes desta eram, por sua vez, os administradores da requerida; sendo que em bom rigor o responsável pela gestão da requerida foi sempre o requerente; quando ambos integravam o Conselho de Administração da requerida todos os assuntos eram submetidos à apreciação do requerente e pelo mesmo tratados; na Assembleia Geral da requerida ocorrida no dia 8 de agosto de 2022, os acionistas deliberaram a destituição com justa causa de BB do cargo de vogal do Conselho de Administração; a referida deliberação teve como pressuposto a descoberta de inúmeros atos praticados por BB em prejuízo da requerida. No passado dia 8 de fevereiro de 2023, indiciada a prática dos referidos factos, o requerente, em representação da requerida e em cumprimento da incumbência deliberada na assembleia geral de 8 de agosto de 2022, instaurou a ação declarativa de condenação tendente à efetivação da responsabilidade civil de BB, encontrando-se a correr os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio ... – Juiz ..., sob o número de processo 482/23...., estando a correr o prazo para a requerida apresentar a réplica.

Explicita o requerente que desde o dia 8 de agosto de 2022 até ao passado dia 2 de maio de 2023 integravam o Conselho de Administração da requerida:

– O requerente (Presidente) e

– EE (vogal).

No dia 2 de maio de 2023 teve lugar uma assembleia geral da requerida com a seguinte ordem de trabalhos:

“1. Discussão e votação do relatório de gestão e das contas do exercício de 2021;

2. Proposta de aplicação de resultados referente ao exercício de 2021;

3. Tomar conhecimento da renúncia da vogal EE e exoneração de responsabilidade;

4. Eleição do novo vogal para o Conselho de Administração;

5. Remuneração dos membros dos órgãos sociais.”

Na sequência da renúncia da vogal do Conselho de Administração (EE), o requerente passou temporariamente a ser o único membro do Conselho de Administração da requerida; tratou-se de uma situação excecional, para assegurar a administração da requerida até que fosse deliberada a nomeação de um ou mais vogais para o Conselho de Administração, ou fosse deliberada a destituição ou renúncia do atual Presidente do Conselho de Administração, o requerente.

Mais alega o requerente que no dia 16 de maio de 2023 ocorreu nova assembleia geral da requerida, desta feita com a seguinte ordem de trabalhos:

“1. Discussão e votação do relatório de gestão e contas do exercício de 2022;

2. Proposta de aplicação dos resultados de 2022;

3. Nomeação e remuneração do novo Conselho de Administração;

4. Nulidade da ata da assembleia geral de 8 de Agosto de 2022;

5. Nomeação de um novo vogal do Conselho de Administração;

6. Destituição do Presidente do Conselho de Administração com justa causa;

7. Nomeação de um novo Presidente e Secretária da Mesa da Assembleia Geral”.

Na sequência do ponto três da ordem de trabalhos (“nomeação e remuneração do novo Conselho de Administração”) foi tomada a seguinte deliberação social (deliberação social n.º 1): “Constituição de um conselho de administração, um novo conselho de administração, em que o presidente seria o Senhor BB, o acionista Senhor BB, e os restantes membros do conselho de administração, o Senhor DD, e o Senhor CC”; na sequência do ponto seis da ordem de trabalhos (“destituição do Presidente do Conselho de Administração com justa causa”) foi tomada, ao que o requerente logrou compreender (já que não foi apresentada nenhuma proposta escrita e o requerente não tem ainda acesso à ata), a seguinte deliberação social (deliberação social n.º 2): “Destituição do Presidente do Conselho de Administração à data da convocatória da assembleia (2 de maio de 2023), AA”.

Na sequência do ponto três da ordem de trabalhos (“nomeação e remuneração do novo Conselho de Administração”) o senhor acionista CC apresentou, o que fez apenas em sede da assembleia, a seguinte proposta para composição do novo Conselho de Administração:

- BB: Presidente do Conselho de Administração;

- CC: Vogal;

- DD: Vogal.

Nota o requerente que a referida proposta foi aprovada com o voto favorável dos acionistas DD e CC e com a não expressão do voto da acionista J..., por divergência de posição dos seus gerentes, como já tinha salientado anteriormente.

Entende, contudo, o requerente que a deliberação social tomada na sequência do ponto três da ordem de trabalhos, relativa à nomeação do novo Conselho de Administração, é nula por ofender os bons costumes e/ou preceitos legais que não podem ser derrogados. Em primeiro lugar, porque os senhores acionistas jamais poderiam deliberar a nomeação de um novo Conselho de Administração, quando o Conselho de Administração nomeado para o triénio em curso ainda se encontrava em funções; o que poderia ter sido deliberado, quando muito, era a recomposição do Conselho de Administração por aprovação de novos membros, não a substituição do Presidente do Conselho de Administração atualmente em funções; o Presidente do Conselho de Administração não foi destituído, nem renunciou ao cargo, nem as suas funções cessaram por caducidade; não houve qualquer deliberação de destituição do Conselho de Administração em funções.

Mais considera o requerente que nomear alguém para um cargo que não está livre é um ato inexistente. A deliberação teve, assim, um objeto física e legalmente impossível (artigo 280.º do Código Civil), pelo que a deliberação é nula, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais, por ser ofensivo de um preceito legal que não pode ser derrogado.

Mesmo que se considere, o que apenas por mera cautela de patrocínio concede, que a deliberação não padece do vício de nulidade, a mesma sempre será anulável por violação de disposições da lei (em especial o artigo 280.º do Código Civil).

Por outro lado, considera o requerente que a nomeação do Senhor BB para administrador da requerida gera uma situação de conflito de interesses absolutamente irremediável e lesiva dos interesses da requerida, porquanto pretende promover a desistência da ação judicial em curso, prejudicando a sociedade em benefício exclusivo do Senhor BB; a apresentação da proposta da nomeação do Senhor BB por parte dos acionistas que promoveram a convocação duma assembleia geral realizada em 8 de agosto de 2022, na qual votaram favoravelmente a destituição, com justa causa, da sua posição de administrador, demonstra uma relação de conluio entre os atuais preponentes desta proposta de deliberação e o Senhor BB, com o propósito exclusivo de prejudicar a requerida e o requerente e satisfazer os interesses patrimoniais do Senhor BB; em consequência, a deliberação de nomeação do novo Conselho de Administração é anulável, nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais.

O requerente considera, ainda, que a deliberação é anulável por não ter sido precedida do fornecimento dos elementos mínimos de informação (artigo 58.º, n.º 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais), considerando-se elementos mínimos de informação “as menções exigidas pelo artigo 377.º, n.º 8 (artigo 58.º, n.º 4, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais).

Acresce que, nos termos do n.º 8 do artigo 377.º do Código das Sociedades Comerciais, “o aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada” e o ponto três da ordem de trabalhos não menciona, nem claramente, nem sequer minimamente, o assunto sobre o qual a deliberação seria tomada; o texto do aviso convocatório não continha sequer os nomes propostos para integrarem o novo Conselho de Administração; tão pouco continha informação quanto ao triénio a que respeitaria a nomeação (designadamente, se ao triénio em curso, se ao próximo); não resultou claro se a proposta de “nomeação do Conselho de Administração” equivaleria à sua recomposição (alterando, nomeadamente através da eleição de vogais, o Conselho de Administração atual) ou, como acabou por suceder, à nomeação de um Conselho de Administração totalmente novo.

Por fim, sustenta o requerente a invalidade da deliberação social de destituição do presidente do conselho de administração com junta causa (ponto seis da ordem de trabalhos) uma vez na sequência do ponto seis da ordem de trabalhos (“destituição do Presidente do Conselho de Administração com justa causa”) foi aprovada a destituição do requerente, com justa causa, do Presidente do Conselho de Administração, a acrescentar ao teor do referido ponto seis, nada mais foi acrescentado em sede de assembleia, nomeadamente os eventuais motivos de justa causa, consequentemente, a “deliberação” tomada em conformidade é inválida.

Considera o requerente que a deliberação é anulável por ser apropriada para satisfazer o propósito de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar (artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais); a deliberação de destituição do requerente “com justa causa” do cargo de Presidente do Conselho de Administração teve como único propósito afastar o requerente das decisões da requerida e, com esse afastamento, o novo Presidente do Conselho de Administração lograr controlar a vontade da sociedade, assumindo o leme da requerida, o novo Presidente do Conselho de Administração poderá obviar-se aos efeitos da demanda judicial tendente à efetivação da sua responsabilidade civil enquanto administrador.

Reiterando que o requerente e o novo Presidente do Conselho de Administração da requerida, BB, eram amigos e sócios e atualmente encontram-se de relações cortadas, sustenta o requerente que o objetivo de BB é nítido: afastar o requerente do leme da requerida e, por essa via, impedir a sua responsabilização, que, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, o requerente já promoveu, com a instauração da ação judicial suprarreferida; a tomada de deliberações sociais tem de visar o interesse da sociedade, nunca o seu prejuízo ou o prejuízo dos seus acionistas e/ou terceiros.

Peticiona, assim, a anulação da deliberação social de destituição do requerente com justa causa, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais.

Também relativamente a esta concreta deliberação, considera o requerente que a mesma é anulável por não ter sido precedida do fornecimento dos elementos mínimos de informação (artigo 58.º, n.º 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais), sustentando uma vez mais que por força do n.º 8 do artigo 377.º do Código das Sociedades Comerciais, o aviso convocatório peca por falta de clareza quanto ao assunto sobre o qual a deliberação seria tomada, uma vez que destituição com justa causa é um conceito demasiado amplo e que carecia de densificação. Não se indicaram, nomeadamente, os motivos da invocada justa causa de destituição; nunca, em momento algum se evidenciou a violação de deveres de cuidado ou de lealdade; nem na convocatória, como impunha o n.º 8 do artigo 377.º do Código das Sociedades Comerciais, nem na própria assembleia geral.

Como fundamento do periculum in mora, sustenta o requerente que, neste momento não terá sido, ainda, apresentado nenhum pedido de registo da nova designação do Conselho de Administração da requerida, mas que esse perigo é sério e iminente e não se compadece, por isso, com a delonga da ação principal.

Uma vez que a própria convocatória da assembleia geral, proposta na assembleia geral da requerida de 2 de maio pelos acionistas CC e DD, indicia o propósito principal da convocação da assembleia geral: destituir o requerente do cargo de Presidente do Conselho de Administração no mais curto espaço de tempo possível, considera que tal visa possibilitar, também, no mais curto espaço de tempo, a desistência da ação instaurada pela requerida contra BB.

O requerente reitera que o fim daqueles autos causaria uma lesão grave e dificilmente reparável à requerida, uma vez findos, os autos não poderão ser “reabertos”, mesmo concedendo que a responsabilidade do senhor BB ainda está por apurar, nomeadamente através da produção de prova, se os autos findarem, essa possibilidade deixa de existir. Mesmo admitindo, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concede, que, a final, não lhe será imputada qualquer responsabilidade, o simples facto de ser sonegada a possibilidade da sua sindicância judicial já constitui, só por si, uma lesão grave e irreparável, alertando para o facto de estar em causa cerca de 255.914,36 €.

Para além da inaptidão do novo Conselho de Administração, que denúncia, dando exemplos vários, considera o requerente que as razões de destituição por justa causa de BB são de tal forma graves que é impensável que o mesmo volte a exercer funções sociais na sociedade, pelo menos até que o processo que, entretanto, lhe foi movido, se encontre decidido.

Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, foi proferida a decisão de fl.s 304 a 311 (aqui recorrida), na qual, foi liminarmente indeferido o requerido procedimento cautelar comum, resumidamente por falta de legitimidade do requerente, que não é interessado directo no conflito de interesses em apreço, por não ser sócio da requerida, radicando o seu interesse reflexo no facto de ser sócio da sociedade, a qual, por sua vez, é sócia maioritária da requerida, ficando as custas a cargo do requerente.

Inconformado com a mesma, interpôs recurso o requerente, AA, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 345), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

A. O presente recurso vem interposto do despacho de 2 de junho de 2023 (referência 35941681), através do qual se decidiu indeferir liminarmente o procedimento cautelar instaurado pelo recorrente.

B. Em primeiro lugar, ao considerar que o recorrente demanda a recorrida apenas na qualidade de administrador, não sendo titular dos interesses sociais que legitimariam a

impugnação das deliberações sociais cuja suspensão se requereu, o despacho recorrido

padece de erro na interpretação dos factos.

C. O recorrente não pretende a declaração de invalidade das deliberações impugnadas apenas e tão só por ter sido destituído do cargo de Presidente do Conselho de Administração.

D. O recorrente é sócio e gerente da acionista maioritária da recorrida, J..., LDA, sociedade comercial por quotas, com o número único de pessoa coletiva ... que, sendo a acionista maioritária da recorrida (detentora de 67,5% do capital social), é a principal interessada na boa atividade e nos lucros da recorrida.

E. A J..., LDA tem como únicos sócios e gerentes o recorrente e o senhor BB (50/50), apresentando-se a “gerência” deste último uma mera gerência de facto.

F. Ao considerar que o recorrente só deteria legitimidade para instaurar o procedimento cautelar se detivesse legitimidade substantiva para impugnar, através da subsequente ação declarativa, as deliberações cuja suspensão se requereu, o tribunal recorrido padece de erro na interpretação e aplicação da lei.

G. A instauração da ação declarativa é um ónus a que o recorrente da providência pode, ou não, dar cumprimento.

H. Se não instaurar a ação principal subsequentemente à instauração do procedimento cautelar, a consequência, que fica ao critério e sob decisão do requerente, é a caducidade deste último (artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil), podendo muito bem acontecer que a instauração da ação principal se venha entretanto a revelar desnecessária, designadamente por o recorrente ver a sua pretensão satisfeita com a instauração da providência ou verificar-se qualquer outra alteração da realidade, deixando de justificar-se a demanda judicial através da instauração da ação declarativa.

I. Assim, ao considerar que “para que possa recorrer àquele meio cautelar, o recorrente tem de deter legitimidade para intentar a necessária ação de anulação”, o tribunal a quo incorre em erro na interpretação da lei e na aplicação do Direito, violando o artigo 30.º, n.º 1, primeira parte, do Código de Processo Civil.

J. Foi precisamente por, diretamente, não deter a qualidade de sócio, que o recorrente recorreu ao procedimento cautelar comum (detendo a qualidade de acionista da recorrida, o recorrente teria materializado a sua pretensão sob a forma do procedimento cautelar especificado de suspensão das deliberações sociais).

K. Considerou ainda o tribunal recorrido que o recorrente não tem interesse na arguição da invalidade das deliberações sociais “pois não detendo a qualidade de sócio, não lhe pode ser reconhecido interesse directo em demandar a Sociedade por esta não o ter convocado naquela qualidade”.

L. Salvo o devido respeito, também quanto a este ponto o tribunal recorrido incorreu em erro na interpretação dos factos e na aplicação da lei.

M. A nulidade, por força do disposto no artigo 286.º do Código Civil, pode (e deve) ser oficiosamente declarada pelo tribunal e é invocável por qualquer interessado, como é o

recorrente.

N. Considerar, como considera o tribunal recorrido, que o recorrente, por não ser diretamente sócio da recorrida, não tem legitimidade nem interesse na invalidação das deliberações sociais é, salvo o devido respeito, uma perspetiva superficial e que desatende à especificidade da vida societária e da organização da recorrida.

O. O recorrente não pediu a suspensão das deliberações sociais sub iudice na posição de um simples gestor societário, não sendo a sua posição, como julgou o tribunal recorrido, apartada dos interesses sociais.

P. A própria instauração do procedimento cautelar demonstra, por si só, que o recorrente não se move em busca de uma indemnização, como seria de esperar de um “mero” administrador destituído, alheado ao interesse da recorrida.

Q. Se fosse essa a tutela – de caráter ressarcitório – almejada pelo recorrente, teria sido a ação de indemnização o meio processual escolhido pelo recorrente.

R. O recorrente preferiu socorrer-se de uma tutela de caráter preventivo, batalhando para que a execução das deliberações sociais tomadas na assembleia geral de 16 de maio de 2023 fosse sustada.

S. O recorrente, sendo sócio-gerente da acionista maioritária da recorrente, é, claramente, detentor de um interesse muito maior e mais abrangente do que o interesse de um mero gestor societário: o interesse do recorrente é o interesse da recorrida, o desenvolvimento da sua atividade, o bom andamento dos assuntos societários, as suas boas relações societárias com credores e parceiros e, em última análise, a prossecução do lucro.

T. Assim, considerando que o recorrente não tem legitimidade e/ou interesse para pedir a declaração de nulidade das deliberações sociais impugnadas, o tribunal recorrido incorreu na violação do artigo 286.º do Código Civil.

U. No dia 16 de maio de 2023 teve lugar uma assembleia geral da recorrida com a seguinte ordem de trabalhos:

“1. Discussão e votação do relatório de gestão e contas do exercício de 2022;

2. Proposta de aplicação dos resultados de 2022;

3.Nomeação e remuneração do novo Conselho de Administração;

4.Nulidade da ata da assembleia geral de 8 de Agosto de 2022;

5.Nomeação de um novo vogal do Conselho de Administração;

6.Destituição do Presidente do Conselho de Administração com justa causa;

7.Nomeação de um novo Presidente e Secretária da Mesa da Assembleia Geral”.

V. Na sequência do ponto três da ordem de trabalhos (“nomeação e remuneração do novo Conselho de Administração”) foi tomada a seguinte deliberação social (deliberação social n.º 1):“Constituição de um conselho de administração, um novo conselho de administração, em que o presidente seria o Senhor BB, o acionista Senhor BB, e os restantes membros do conselho de administração, o Senhor DD, e o Senhor CC”.

W. Na sequência do ponto seis da ordem de trabalhos (“destituição do Presidente dom Conselho de Administração com justa causa”) foi tomada a seguinte deliberação social (deliberação social n.º 2): “Destituição do Presidente do Conselho de Administração à data da convocatória da assembleia (2 de maio de 2023), AA”.

X. Ambas as deliberações estão feridas de invalidade/ineficácia, sendo contrárias à lei e aos mais elementares princípios da ordem jurídica, na medida em que:

- São apropriadas para satisfazer o propósito de conseguir vantagens especiais e de prejudicar a recorrida e o recorrente;

- Não foram precedidas do fornecimento de elementos mínimos de informação;

- São ofensivas dos bons costumes e de preceitos legais imperativos e/ou de disposições da lei.

Y. Não sendo impedida, a execução das referidas deliberações causará prejuízos graves e dificilmente reparáveis, quer na esfera jurídica da recorrida (e dos seus colaboradores, clientes e demais parceiros), quer na esfera jurídica do recorrente.

Z. A deliberação social tomada na sequência do ponto três da ordem de trabalhos, relativa à nomeação do novo Conselho de Administração, é nula por ofender os bons costumes e/ou preceitos legais que não podem ser derrogados.

AA. Os senhores acionistas jamais poderiam deliberar a nomeação de um novo Conselho de Administração, quando o Conselho de Administração nomeado para o triénio em curso ainda se encontrava em funções.

BB. O que poderia ter sido deliberado, quando muito, era a recomposição do Conselho de Administração por aprovação de novos membros, não a substituição do Presidente do Conselho de Administração atualmente em funções (o Presidente do Conselho de Administração em funções não foi destituído, nem renunciou ao cargo, nem as suas funções cessaram por caducidade).

CC. Nomear alguém para um cargo que não está livre é um ato inexistente, pelo que a deliberação teve um objeto física e legalmente impossível.

DD. Assim, decidindo como decidiu, o tribunal a quo violou o comando normativo ínsito no artigo 280.º do Código Civil.

EE. Ademais, tendo em conta a natureza imperativa do artigo 280.º do Código Civil, o tribunal recorrido incorreu na violação da alínea d) do n.º 1 do artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais, o qual comina com a nulidade as deliberações sociais cujo conteúdo “seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados”.

FF. Mesmo que assim não se considere, a deliberação social tomada na sequência do ponto três da ordem de trabalhos é anulável por violar disposições da lei (em especial o artigo 280.º do Código Civil).

GG. Em qualquer das situações, a deliberação social tomada na sequência do ponto três da ordem de trabalhos deve ser anulada na medida em que é apropriada para satisfazer o propósito de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar.

HH. Assim, julgando como julgou, o tribunal recorrido violou o artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais.

II. Os acionistas e demais presentes na assembleia geral da recorrida de 16 de maio de 2023 assistiram, de forma clara, a um ato de retaliação em razão da instauração da ação de responsabilidade civil contra o senhor BB decorrente, também, da sua “destituição com justa causa” (o processo encontra-se a correr os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio ... – Juiz ..., sob o número de processo 482/23....).

JJ. A nomeação do Senhor BB para administrador da recorrida gera uma situação de conflito de interesses absolutamente irremediável e lesiva dos interesses da recorrida, porquanto pretende promover a desistência da ação judicial em curso, prejudicando a sociedade em benefício exclusivo do Senhor BB.

KK. A apresentação da proposta da nomeação do Senhor BB por parte dos acionistas que promoveram a convocação da assembleia geral realizada em 8 de agosto de 2022, na qual votaram favoravelmente a destituição, com justa causa, da sua posição de administrador, demonstra uma relação de conluio entre os atuais proponentes desta proposta de deliberação e o Senhor BB, com o propósito exclusivo de prejudicar a recorrida e o recorrente e satisfazer os interesses patrimoniais do Senhor BB.

LL. Por outro lado, nos termos do n.º 8 do artigo 377.º do Código das Sociedades Comerciais, “o aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada”.

MM. Sucede que o ponto três da ordem de trabalhos constante do aviso convocatório não menciona (nem claramente, nem sequer minimamente) o assunto sobre o qual a deliberação viria a ser tomada.

NN. O texto do aviso convocatório não continha sequer os nomes propostos para integrarem o novo Conselho de Administração.

OO. Tão pouco continha informação quanto ao triénio a que respeitaria a nomeação (designadamente, se ao triénio em curso, se ao próximo).

PP. Não resultou claro se a proposta de “nomeação do Conselho de Administração” equivaleria à sua recomposição (alterando, nomeadamente através da eleição de vogais, o Conselho de Administração atual) ou, como acabou por suceder, à nomeação de um Conselho de Administração totalmente novo.

QQ. Em consequência, com a informação que dispunham, nem o recorrente, nem qualquer acionista colocado na mesma posição, ficaram habilitados com a informação necessária à preparação da assembleia geral da recorrida.

RR. Assim, julgando como julgou, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 58.º, n.º 1, alínea b) e 377.º, n.º 8, ambos do Código das Sociedades Comerciais

SS. A deliberação social tomada na sequência do ponto seis da ordem de trabalhos (“destituição do Presidente do Conselho de Administração com justa causa”), é anulável por não ter sido precedida dos elementos mínimos de informação.

TT. Podendo, como bem se consigna no mui douto despacho recorrido, deliberar-se a destituição do Presidente do Conselho de Administração sem justa causa a qualquer momento, sendo introduzido como ponto da ordem do dia a destituição “com justa causa”, essa justa causa tem necessariamente de ser discutida e votada, porque foi esse o assunto indicado na ordem do dia (e não a destituição sem justa causa).

UU. A deliberação social de “destituição do Presidente do Conselho de Administração com justa causa” padece do vício de anulabilidade, não por ter sido deliberada a destituição sem justa causa do recorrente, mas por ter sido deliberada a destituição com justa causa sem terem sido discutidos e votados os motivos que consubstanciam essa alegada justa causa (não foi discutida, provada ou sequer abordada, ainda que superficialmente, a causa de destituição).

VV. É certo que, nos termos do artigo 376.º, n.º 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais, e como bem salienta o despacho recorrido, a destituição de um administrador, mesmo sem justa causa, pode ser livremente deliberada, mesmo que tal assunto não conste da ordem do dia.

WW. Essa possibilidade, contudo, existirá apenas se, como também se destaca no despacho recorrido, a assembleia geral se destinar à apreciação geral da gestão da sociedade, o que não foi o caso da assembleia geral em questão.

XX. No caso da recorrida, se foi indicado como ponto da ordem do dia a destituição  com justa causa”, é por demais evidente que, previamente à deliberação de destituição, das duas uma:

- Ou os acionistas votavam a destituição com justa causa, discutindo e fazendo consignar em ata os respetivos motivos que consubstanciavam a aludida justa causa ou, não querendo discutir nem votar a justa causa de destituição,

- Votavam, por unanimidade, a alteração do ponto da ordem do dia, que poderia passar de “destituição do Presidente do Conselho de Administração com justa causa”

a simples “destituição do Presidente do Conselho de Administração”.

YY. O que não poderia ter ocorrido, como ocorreu, foi a votação de destituição do Presidente do Conselho de Administração com justa causa, sem qualquer causa (justa ou injusta) ter sido discutida ou sequer abordada, muito menos consignada em ata.

ZZ. Assim, mais uma vez, decidindo como decidiu, o tribunal recorrido violou o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º e no n.º 8 do artigo 377.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais.

AAA. O próprio facto de a “justa causa” da decisão de destituição do recorrente do cargo de Presidente do Conselho de Administração, pese embora tenha sido indicada como ponto da ordem do dia, não ter sido desenvolvida em assembleia, indicia que a invocada “justa causa” foi precisamente um pretexto para aplicar uma “sanção” ao Presidente do Conselho de Administração da recorrida.

BBB. A deliberação de destituição do recorrente “com justa causa” do cargo de Presidente do Conselho de Administração teve como único propósito afastar o recorrente das decisões da recorrida e, com esse afastamento, o novo Presidente do Conselho de Administração lograr controlar a vontade da sociedade.

CCC. Assim, decidindo como decidiu, o tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 58.º, n.º 4, 377.º, n.º 8 e 376.º, n.º 1, alínea c), todos do Código das Sociedades Comerciais.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que:

d) Ordene, com efeitos imediatos, a suspensão da deliberação social de nomeação do novo Conselho de Administração da recorrida para o triénio em curso (Presidente do Conselho de Administração: BB; Vogais: CC e DD), tomada na sequência da discussão e votação do ponto três da ordem de trabalhos da assembleia geral da recorrida de 16 de maio de 2023;

e) Ordene, com efeitos imediatos, a suspensão da deliberação social de destituição com justa causa do Presidente do Conselho de Administração AA, tomada na sequência da discussão e votação do ponto seis da ordem de trabalhos da assembleia geral da recorrida de 16 de maio de 2023;

f) Dispense audiência prévia da recorrida.

Não há contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é de aferir se o requerente tem legitimidade para intentar o presente procedimento cautelar comum.

A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório que antecede.

Se o requerente tem legitimidade para intentar o presente procedimento cautelar comum.

Defende o requerente que a sua legitimidade para pedir a nulidade das deliberações que considera nulas deriva do facto de ser sócio da sociedade, por sua vez, é sócia maioritária da requerida o que lhe confere um interesse maior e mais abrangente do que o de um simples gestor societário.

De igual modo, considera ter legitimidade para arguir a nulidade das demais, porquanto não poderia ser nomeado novo Conselho de Administração, nem se verifica justa causa para a sua destituição da gerência da requerida e por não ter sido apreciada tal destituição, tendo sido violados os preceitos legais que invoca e radicando a mesma (legitimidade) no facto de ser o gerente destituído e no facto de ser sócio da sociedade que controla a requerida, sendo que esta, por sua vez, nada faz porque está dividida em duas quotas iguais (uma do recorrente e outra do outro sócio), e os seus sócios se “encontram desavindos” e é do interesse do outro sócio a inacção da mesma.

Na decisão recorrida e no que se refere às deliberações a que o recorrente assaca o vício da nulidade, considerou-se que o mesmo carece de legitimidade para o fazer, porque, nos termos do disposto no artigo 57.º, do CSC, se exige a qualidade de sócio ou, assim não sendo, nos termos do disposto no artigo 286.º, do Código Civil, que o requerente tenha um interesse concreto na arguição do vício, o que, no caso, não se verifica, porque da sua, ainda que ilegal destituição como gerente, apenas resulta o direito a ser disso indemnizado, nos termos legais, para além de que um gerente pode ser destituído a todo o tempo.

No que se refere às invocadas anulabilidades mais se reforça a falta de legitimidade do requerente, porque todas as deliberações tomadas não se reflectem na sua esfera jurídica, mas na da sociedade ou de quem com ela contrata.

A decisão recorrida analisou, exaustiva e correctamente, todas as questões colocadas pelo recorrente em termos que consideramos assertivos e a que aderimos, para cujos termos se remete, ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC, com que concordamos e, por isso, desde já, adiantamos que a mesma é de manter.

Ainda assim, não deixamos de referir mais o seguinte:

Como decorre do artigo 57.º, do CSC, como regra, só um sócio da sociedade em causa poderá peticionar a declaração de nulidade e/ou anulabilidade de deliberações sociais que afectam a respectiva vida societária.

Sem embargo de que, como resulta do disposto no artigo 286.º do Código Civil, a nulidade pode ser invocável a todo o tempo por qualquer interessado, caso em que, a legitimidade para tal é conferida a terceiros, mas em termos mais apertados do que os previstos para os sócios, em que se prevê a concessão de legitimidade activa, por exemplo aos credores e trabalhadores da sociedade quando esteja em causa deliberação de distribuição de lucros fictícios – neste sentido, Coutinho de Abreu CSC Em Comentário, Vol. I, 2.ª Edição, a pág. 703.

Ou seja, se é certo que nem só ao sócio de uma sociedade é lícito requerer a suspensão de deliberações sociais, também se concedendo tal direito a “qualquer interessado”, resulta, porém, que relativamente a este se exige a existência, por parte deste, de um interesse concreto e atendível, para que tal possibilidade lhe seja conferida.

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24/01/2018, Processo n.º 874/10.7TYVNG.P1, disponível no respectivo sítio do Itij (citado na decisão recorrida), citando Lebre de Freitas, ob. aí cit.:

“… o direito de invocação da nulidade não pode ser conferido a todos, dado que não é (nem pode ser) qualquer pessoa a quem dê jeito, de alguma maneira, a declaração da nulidade, que preenche os requisitos para ser considerado interessado.

De facto – de acordo, aliás, com a própria inserção sistemática do próprio art. 286º -, o interesse que atribui a uma pessoa legitimidade para invocar o vício é um interesse de direito substantivo, que pressupõe a oponibilidade do negócio jurídico ao seu titular, porque o negócio nulo prejudica a consistência jurídica, ou a consistência prática ou económica, de um direito seu. O sujeito legitimado deve, assim, ter um interesse direto na nulidade e não apenas um interesse reflexo, vago e indireto”.

Nos ensinamentos de P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, pág. 261, a nulidade pode ser invocada “por qualquer interessado, isto é, pelo titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afectada pelo negócio”.

No mesmo sentido se expressa Rodrigues Bastos, in Notas ao Código Civil, II, pág. 286, ao referir que “interessado” são as partes no negócio “… e qualquer outra pessoa que tenha, relativamente ao reconhecimento da nulidade, um interesse directo, legítimo e juridicamente protegido”.

Por último (sem esgotar todas as referências doutrinárias a esta questão), refere Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª Edição, pág. 735 que, no que se refere à definição de “qualquer interessado” que nos é fornecida pelo artigo 286.º, do Código Civil, se deve entender que “… tem legitimidade qualquer pessoa que esteja interessada na declaração de nulidade. O interesse não deve ser apreciado objectiva, mas antes subjetivamente. No caso concreto, deve ser aferido se aquela pessoa obtém alguma utilidade ou remove alguma desvantagem com a declaração de nulidade. Se assim for, é parte legítima”.

Ora, descendo ao caso concreto e, aderindo ao que quanto a tal se refere na decisão recorrida, não se pode olvidar que a única decisão que, directamente, afecta o recorrente foi a sua destituição de gerente, que este reputa de ilegal, porque o anterior Conselho de Administração ainda não tinha esgotado o prazo para que foi eleito; que a mesma não foi deliberada e porque inexiste justa causa.

No entanto, como decorre do disposto no artigo 403.º, do CSC, a destituição da gerência por deliberação da assembleia geral pode ocorrer a qualquer momento e ainda que a mesma seja desprovida de justa causa, tal não acarreta qualquer anulabilidade da deliberação, mas apenas e tão só o direito à indemnização prevista no n.º 4 do citado artigo 403.º - neste sentido Coutinho de Abreu, ob. cit., Vol. VI, 2.ª Edição, pág. 410.

Todas as demais vicissitudes que o recorrente assaca às deliberações que pretende impugnar não o afectam na sua esfera jurídica. Trata-se do âmbito das relações societárias da requerida, a que o recorrente é alheio.

De resto, neste domínio irreleva tudo o que o recorrente alega e que decorre do facto de ser sócio da sociedade que detém a maioria do capital da requerida. Trata-se de sociedades diferentes, que não se confundem e se o recorrente quer que esta passe a exercer os poderes que dessa posição decorrem, relativamente à requerida, terá de usar dos meios legais que tem à disposição para por cobro à alegada situação de impasse que se vive na sociedade “dominante”.

O próprio recorrente reconhece que só por via de tal situação recorreu aos presentes autos, como forma de obviar a tal situação.

Contudo, nos termos expostos, por não ter interesse directo e juridicamente protegido no reconhecimento da nulidade que invoca, carece de legitimidade para o poder fazer.

Mutatis mutandis quanto ao que demais invoca, uma vez que, como já acima referido, se trata de questões da vida societária da requerida, a que o requerente é alheio, por não deter a qualidade de sócio da requerida.

Em suma, como regra, só os sócios de uma sociedade podem pedir a declaração de nulidade ou anulabilidade de deliberações sociais que contendam com a vida societária da mesma, excepcionando-se, nos termos do artigo 286.º, do Código Civil, os casos em que um terceiro invoque um interesse directo, juridicamente atendível e legítimo, para o fazer, o que in casu, como decorre do exposto, não se verifica, o que acarreta a ilegitimidade activa do requerente para os pedidos que formula, pelo que é de manter a decisão recorrida.

Consequentemente, o presente recurso tem de improceder.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Coimbra, 10 de Outubro de 2023.