Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
24/21.4T8VLFA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: SEGURO DE DANOS
SUBSEGURO
REGRA DA PROPORÇÃO A OBSERVAR NA FIXAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE VILA NOVA DE FOZ CÔA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 9.º, 3 E 236 E SEG.S DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 1.º, 1 A 3; 3.º, A); 5.º, 1 A 3; 6.º, 1 E 2; 7.º; 8.º; 9.º, 1 E 2; 10.º E 11.º, DO DL 446/85, DE 25/10
ARTIGOS 3.º, 1; 9.º, 1; 24.º, 1; 32.º, 2; 37.º; 43.º, 2; 49.º 1 A 3; 99.º; 102.º, 1; 123.º; 128.º; 130.º, 1 E 134.º, DO RJCS
Sumário: 1. No seguro de danos, existe subseguro (art.º 134º da RGCS) sempre que o capital seguro seja inferior ao valor do objeto seguro, o que tem como consequência uma redução da indemnização na proporção dessa diferença - o segurador, que já tinha a sua responsabilidade limitada pelo capital seguro (art.º 128º da RGCS), ficará apenas responsabilizado pelo dano na respetiva proporção, ressalvando-se cláusula em sentido contrário.
2. A regra proporcional justifica-se na medida em que pode faltar a correspetividade entre o prémio pago pelo tomador do seguro e o bem assegurado, na relação com o risco assumido pela seguradora.

3. E deverá ser aplicada se a cobertura base do seguro facultativo celebrado entre as partes garantia o ressarcimento dos prejuízos de sinistros, no edifício seguro, em consequência direta de ação de ventos, inundações e danos por água (Condições Gerais), o Tomador do Seguro/A. indicou o capital seguro (valor do imóvel à data da construção/ano da subscrição do seguro) e este foi atualizado anualmente nos termos (acordados) previstos nas Condições Particulares, sem prejuízo de o Tomador poder/dever proceder a convenientes revisões do capital seguro, além de que, na proposta de seguro, subscrita pelos representantes da A., fez-se constar, nomeadamente, que “o capital seguro deverá corresponder ao custo de substituição dos objetos seguros pelo seu valor em novo” e, em texto impresso imediatamente antes da aposição das suas assinaturas, que a A. havia “tomado conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do presente contrato” e “das condições aplicáveis ao mesmo, designadamente, as constantes das condições gerais da apólice e as constantes das suas condições especiais e particulares, com elas concordando inteiramente” e, por último, que a A./Tomador do Seguro ficava “inteiramente esclarecido sobre as cláusulas e condições do contrato, designadamente, sobre o valor do prémio do seguro, sobre as condições do pagamento e sobre as consequências contratuais da falta de pagamento do mesmo”.

4. No referido contexto, não releva a circunstância de, relativamente a Condição Geral do correspondente seguro obrigatório de incêndio, ter ficado provado, na 1ª instância, que a Ré/Seguradora “não leu nem explicou à A., nem antes nem aquando da celebração do acordo, o teor e alcance da cláusula 19ª das condições gerais, a qual não é percetível pela generalidade das pessoas que contratam com a Ré”, e que tinha o seguinte teor: “1 - Salvo convenção em contrário, se o capital seguro pelo presente contrato for, na data do sinistro, inferior ao determinado nos termos dos n.ºs 2 a 4 da cláusula anterior, o segurador só responde pelo dano na respetiva proporção, respondendo o tomador do seguro ou o segurado pela restante parte dos prejuízos como se fosse segurador”.

Decisão Texto Integral:  Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Rui Moura
                  Fernando Monteiro

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            (…)

 


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            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            I. A..., CRL, intentou a presente ação declarativa comum contra B..., S. A., pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 22 497,75, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 15.4.2020 até integral pagamento.

           Alegou, em síntese, que celebrou com a Ré um contrato de seguro multirriscos empresas, sem que tivesse negociado qualquer cláusula, destinado a assegurar o risco resultante de sinistros causados a um imóvel e que, na sequência dos danos originados por uma tempestade/intempérie, a Ré recusou pagar o valor da reparação, inexistindo fundamento para a não assunção de responsabilidade.

           A Ré contestou, concluindo pela impossibilidade de acionar as coberturas da apólice e consequente improcedência da ação. Invocou, ainda, que o capital seguro para a verba edifício era inferior ao seu valor real, pelo que, a proceder a ação, sempre seria aplicável, de acordo com as condições gerais da apólice, a franquia acordada e, nomeadamente, a cláusula 19º, que prevê a regra da proporcionalidade entre capital seguro e risco. 

           A A. respondeu, referindo, designadamente, que a Ré não leu nem lhe explicou, nem antes nem quando o seguro foi celebrado, o teor e alcance da citada cláusula 19º, não sendo expectável que dele tivesse conhecimento, pelo que deverá ser excluída, não se aplicando à relação contratual. Concluiu pela improcedência da matéria de exceção.

Foi proferido despacho saneador que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, por sentença de 09.5.2023, julgou a ação totalmente procedente, condenando a Ré a pagar à A. o montante de € 22 497,75, acrescido de juros de mora, à taxa legal fixada para os juros civis, calculados desde 28.4.2020 até integral pagamento.

            Inconformada, a Ré apelou formulando as seguintes conclusões:

            1ª - O presente recurso visa a revogação da Sentença porquanto se discorda que a recorrente é contratualmente responsável pela totalidade do valor total apurado, por se tratar de valor inferior ao capital seguro e não ter aplicação a regra da proporcionalidade prevista no art.º 134º da LCS e no art.º 19º da Condições Gerais.

           2ª - No que ao recurso interessa, o Tribunal recorrido considerou desta forma:

(...) conclui-se, pois, ter-se verificado sinistro do qual resultaram danos no imóvel segurado, ocorridos em consequência de uma tempestade de chuva, uma tromba de água e ventos fortes, sendo o sinistro enquadrável nas coberturas previstas no contrato de seguro, inexistindo fundamentos que excluam ou reduzam a responsabilidade da ré. E, assim, é a ré responsável pelo pagamento dos danos ocorridos à autora, no valor de € 22 497,75, devendo ser condenada nesse pagamento.

           3ª - A oposição da recorrente reside, fundamentalmente, em que, sendo o valor comunicado superior ao valor em risco apurado e capital seguro, teria que ser aplicada a regra proporcional, ou seja, a interpretação que a Ré efetua do clausulado fá-la chegar à conclusão de que, a impender sobre si a obrigação de pagamento por ter havido sinistro, se deverá recorrer à aplicação da regra proporcional.

            4ª - Dispõe atualmente o art.º 134º da aludida lei do contrato de seguro, sob a epígrafe subseguro, que, salvo convenção em contrário, se o capital seguro for inferior ao valor do objeto seguro, o segurador só responde pelo dano na respetiva proporção.

           5ª - Ou seja, existe a correlação entre o montante do prémio de seguro e o risco assumido. A regra é simples e resume-se assim: quanto maior o risco, maior o prémio; o segurador deve pagar indemnização correspondente ao prémio percebido e o segurado deve ser indemnizado em função do prémio suportado.

           6ª - A situação de subseguro pode derivar da vontade do segurado, por querer pagar prémios mais baixos, de erro de avaliação, de alteração de preços no decurso do contrato ou de outras circunstâncias. Não há lei que obrigue ao seguro pleno.

            7ª - Certo que resultou provado que a ré não leu nem explicou à autora, nem antes nem aquando da celebração do acordo, o teor e alcance da cláusula 19ª das condições gerais, a qual não é percetível pela generalidade das pessoas que contratam com a ré.

            8ª - No entanto, não resultou provado nem alegado que a A. não teria acordado celebrar o contrato de seguro em causa se tivesse conhecimento da aplicação da cláusula 19ª das condições gerais.

            9ª - Estabelece o artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro que “salvo convenção em contrário, se o capital seguro for inferior ao valor do objeto seguro, o segurador só responde pelo dano na respetiva proporção”.

           10ª - Ou seja, mesmo que se desconsidere o estipulado na Cláusula 19º das Condições Gerais da Apólice, o que certo é que não foi convencionado nada que contratualmente afaste aquela imposição legal.

           11ª - Mesmo que aquela Cláusula não constasse das CGA, então ter-se-ia de aplicar o regime legal constante do art.º 134º da Lei do Contrato de Seguro, uma vez que da Apólice não consta nenhuma disposição em contrário.

           12ª - Tudo funcionaria como se tal cláusula não existisse no contrato e não existindo convenção em contrário, aplicar-se-ia o regime legal.

           13ª - Por exigência legal, ficará a cargo do Segurado a parte proporcional dos prejuízos provocados nos bens seguros sempre que o capital seguro, à data do sinistro, for inferior ao valor dos mesmos.

           14ª - O valor em risco ascendia a € 631 000; ora, pela aplicação da norma legal referida, foi apurou um coeficiente seguro de 38 %, atendendo ainda a uma área privativa de 730 m2, um valor de reconstrução por m2 de € 300, uma área dependente de 2060 m2, e um valor de reconstrução desta de € 200, e ainda aplicação de indexação automática e tolerância de 85 %.

           15ª - Resultou, ainda, provado que o valor de reconstrução do imóvel cifra-se em € 360 000, tendo por referência uma área de 1 200 m2, e um valor de € 300/m2 - vide doc. 15 junto com a petição inicial.

           16ª - Assim, o Tribunal a quo deveria ter dado razão à Ré e considerar que, aplicando aos prejuízos apurados a regra do proporcional em virtude da situação de subseguro, bem como deduzida a franquia contratual, a indemnização seria de € 8 548,86 (€ 22 497,75 x 38 %), satisfazendo o valor dos prejuízos contratualmente indemnizáveis.

           17ª - Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 128º e 134º do DL n.º 72/2008.

            A A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

           Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa decidir/reapreciar a questão da indemnização a fixar, ponderando a factualidade apurada, o regime jurídico aplicável e a eventual existência de subseguro.


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            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

           1) O prédio urbano sito no Lugar ..., ..., constituído por um conjunto de pavilhões industriais, mais concretamente instalações tecnológicas de fabrico, armazenamento e receção de uvas, vinhos, aguardentes e depósitos anexos, encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...23, em nome da A. e encontra-se inscrito na matriz predial da Freguesia ... ...08, na titularidade da mesma.

           2) O prédio referido em 1) destina-se à atividade da A., de viticultura, designadamente, a receção e transformação de uvas.

           3) A A. celebrou com a Ré, no âmbito da atividade desta, um acordo denominado “seguro Multirriscos Empresas”, titulado pela apólice n.º ...55, mediante o qual a A. transferiu para a Ré, além do mais, a responsabilidade pelos danos causados no imóvel descrito em 1), por sinistros ocorridos nas situações descritas nas coberturas definidas no mencionado acordo, nomeadamente, nas cláusulas 36ª e 39ª a 44ª das “condições gerais”.

           4) Da cláusula 36ª das condições gerais do acordo celebrado entre as partes consta que “1 – Designa-se por cobertura base do seguro facultativo a garantia de ressarcimento, nos termos previstos na secção seguinte, dos prejuízos em consequência direta de: (…) – ação de ventos (Cl. 40.ª); - inundações (Cl. 41.ª); (…) – danos por água (Cl. 43.ª)”.[1]

           5) Da cláusula 40ª das condições gerais do acordo celebrado entre as partes consta que “1 - Garante a cobertura dos danos causados aos bens seguros em consequência de: a) tufões, ciclones, tornados, granizo e toda a ação direta de ventos fortes ou choque de objetos arremessados ou projetados pelos mesmos (sempre que a sua violência destrua ou danifique vários edifícios de boa construção, objetos ou árvores num raio de 5 km envolventes dos bens seguros); b) alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício seguro em consequência de danos causados pelos riscos mencionados em a), na condição que estes danos se verifiquem 48 horas seguintes ao momento da destruição parcial do edifício seguro (…).[2]

           6) Da cláusula 41ª das condições gerais do mesmo acordo consta que “1 – Garante a cobertura dos danos causados aos Bens Seguros em consequência de: a) Tromba de água ou queda de chuvas torrenciais, precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos no pluviómetro. 2 - São considerados como constituindo um único e mesmo sinistro, os estragos ocorridos nas 48 horas que se seguem ao momento em que os Bens Seguros sofram os primeiros danos. 3 - Para além das exclusões mencionadas nas cláusulas 3ª e 38ª das presentes Condições Gerais, consideram-se ainda excluídos desta cobertura quaisquer perdas ou danos ocorridos ou provocados: a) Por subidas de marés, marés vivas e, mais genericamente, pela acção do mar e outras superfícies marítimas, naturais ou artificiais; b) Em construções de reconhecida fragilidade (tais como de madeira ou placas de plástico), assim como naquelas em que os materiais de construção ditos resistentes não predominem em pelo menos 50 % e em quaisquer objetos que se encontrem no interior dos mesmos edifícios ou construções e ainda, quando os edifícios se encontrem em estado de reconhecida degradação no momento da ocorrência; c) Por infiltrações através de paredes e / ou tetos, humidade e / ou condensação, exceto quando se trate de danos resultantes do risco previsto nesta cobertura; d) Resultantes da pesquisa e reparação de roturas, defeitos ou entupimentos; e) Em mercadorias e / ou outros bens móveis, existentes ao ar livre; f) Em muros, vedações e portões.”. [3]

           7) Da cláusula 43ª das condições gerais do mesmo acordo consta que “1 - Garante a cobertura dos danos causados aos Bens Seguros, de carácter súbito ou imprevisto, em consequência direta de rotura, defeito, entupimento ou trasbordamento da rede interior de distribuição de água e esgotos do Edifício Seguro e / ou onde se encontram os Bens Seguros, incluindo os sistemas de esgoto das águas pluviais, assim como dos aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de água e esgotos do mesmo edifício e respetivas ligações. 2 - Quando seguro o edifício ou fração autónoma, consideram-se igualmente cobertas por esta cobertura, as despesas efetuadas pelo Segurado para a pesquisa e reparação de roturas ou entupimentos, na rede interior de distribuição de águas ou esgotos, e reposição do estado do imóvel, desde que as referidas avarias tenham dado origem a sinistro indemnizável conforme previsto no parágrafo anterior. 3 - Para além das exclusões mencionadas nas cláusulas 3.ª e 38.ª das presentes Condições Gerais, ficam ainda excluídos desta cobertura, os danos resultantes de: a) Torneiras deixadas abertas, salvo quando se tiver verificado uma falta de abastecimento de água por causa não imputável ao Segurado e que seja: i. Devidamente comprovada pelos respetivos serviços abastecedores; ii. Falta de energia elétrica, devidamente comprovada pelos respetivos serviços fornecedores, nos casos em que o abastecimento de água dependa diretamente do fornecimento de energia elétrica; b) Entrada de água das chuvas através de telhados, portas, janelas, clarabóias, terraços, marquises e ainda o refluxo de águas provenientes de canalizações ou esgotos não pertencentes ao Edifício Seguro; c) Infiltrações através de paredes e / ou tetos, humidade e / ou condensação, exceto quando se trate de danos contemplados por esta cobertura; d) Perdas ou danos devidos a falta de manutenção ou conservação, bem como os decorrentes de deterioração ou desgastes naturais devidos a continuação de uso.” [4]

           8) O acordo referido em 3) contempla a cobertura de danos provocados, além do mais, por ação de ventos, inundações e água.

          9) O acordo celebrado entre a A. e a Ré prevê a cobertura Edifício – Multirrisco – cobertura base, com um capital seguro no montante de € 242 374, tendo sido fixados limites de indemnização por sinistro e ano.

           10) No dia 12.4.2020, domingo de Páscoa, ocorreu uma forte tempestade de chuva, uma tromba de água e ventos fortes que fustigaram o local e proximidades onde se situa o imóvel mencionado em 1), na Freguesia ....

            11) Na sequência do referido em 10), as caleiras laterais internas do edifício referido em 1), entupiram, não tendo escoado convenientemente a água da chuva acumulada.

           12) O que ocasionou o transbordamento e entrada da água no interior do edifício mencionado em 1).

           13) Em consequência do descrito em 10) a 12), parte da cobertura e das caleiras do edifício mencionado em 1) ficaram danificadas.

            14) No interior, parte do teto falso do salão de reuniões situado ao longo da parede da caleira que ficou danificada, desabou, o que sucedeu no dia 14.4.2020.

           15) Foram também sofridos danos na instalação elétrica e no piso dessa divisão composto por soalho flutuante.

           16) A A. participou a ocorrência do sinistro à Ré no dia 15.4.2020, com a descrição “Desabamento da estrutura lateral do teto da sala de reuniões, desconhecendo-se as possíveis causas”.

           17) Na sequência da participação do sinistro, a Ré iniciou um processo de averiguações tendente a apurar o preenchimento dos pressupostos de que depende a intervenção e dever de indemnizar da Ré, tendo para o efeito contratado uma empresa externa, especialista na matéria, a C..., S. A..

           18) No dia 23.4.2020 aquela entidade realizou uma vistoria ao local do sinistro, tendo sido apurados os danos ocorridos no edifício mencionado em 1), nomeadamente, que uma parte do teto falso em placas de gesso, estava caído, que os danos invocados têm alinhamento com a caleira da cobertura e o revestimento da parede em placas estava danificado no alinhamento da saída da água da caleira.

           19) A vistoria realizada pela entidade referida em 17) concluiu que a cobertura tem uma inclinação, apresentando a cobertura patologias resultantes da falta de manutenção nos remates da caleira, quer entre chapas, quer na chapa com a platibanda, onde se verifica a chapa solta e a falta de remate.

           20) Por e-mail remetido em 27.4.2020, a Ré solicitou à A. o envio de diversos elementos, alegadamente indispensáveis à regularização do sinistro.

            21) A A. disponibilizou os elementos solicitados pela Ré, através de e-mail remetido em 28.4.2020, enviando a caderneta predial do imóvel, orçamento de reparação devidamente discriminado com os trabalhos a realizar e registo fotográfico da cobertura/caleira.

           22) Finda a instrução do processo de averiguações, perante os elementos recolhidos, a peritagem efetuada pela entidade mencionada em 17) concluiu que os danos reclamados resultam de infiltrações de águas pluviais, devido a desgaste natural na zona dos remates da caleira, e à falta de realização de obras de conservação e manutenção ao nível da cobertura do imóvel seguro, e não permitia acionar nenhuma das coberturas da apólice.

            23) A Ré declinou a responsabilidade pela reparação dos danos sofridas pela A., o que comunicou à A. por carta datada de 14.5.2020, tendo alegado não ter sido possível verificar qualquer causa passível de fazer acionar as garantias da apólice subscrita pela A..

           24) A Ré invocou ainda, para justificar ter declinado a responsabilidade, que a ocorrência do sinistro se deveu a um desgaste natural na zona de remates da caleira, não fazendo acionar nenhuma das coberturas subscritas na apólice.

           25) A A. não se conformou com a decisão da Ré de declinar a sua responsabilidade pelos danos causados com o sinistro ocorrido.

            26) Na sequência do dito em 25), a A. contratou os serviços de peritagem da ADASS – Apoio, Defesa e Assessoria ao Sector Segurador, relativamente ao sinistro em questão.

            27) A peritagem realizada pelos serviços da entidade referida em 26), através de visita ao local do sinistro e observação dos danos provocados, concluiu que os danos verificados no imóvel da A. ocorreram por força da forte tempestade que ocorreu no dia do sinistro, contrariando a peritagem realizada pela entidade referida em 17).

           28) A peritagem mencionada em 26) e 27) concluiu igualmente que todos os danos se enquadram na cobertura prevista no seguro celebrado com a Ré, designadamente, sinistro causado por inundação e/ou danos por água.

           29) Os danos causados pela tempestade ocorrida danificaram, com particular incidência o salão de reuniões do imóvel da A., descrito em 1), que é o local onde se realizam as assembleias gerais da cooperativa.

           30) E, por tal facto, a A. promoveu a realização das reparações no salão, bem como dos demais danos provocados no imóvel descrito em 1).

           31) A reparação efetuada teve por objeto exclusivamente os danos ocorridos no imóvel mencionado em 1) como causa direta da tempestade ocorrida no dia 12.4.2020, e que foi objeto de participação à Ré, tendo importado a quantia de € 24 997,50.

            32) O acordo celebrado entre as partes prevê uma franquia de 10 % no caso de sinistros causados por ação de ventos, inundações e danos por água.

           33) Apesar de ter concluído pelo não enquadramento do sinistro nas coberturas do seguro, o técnico averiguador contratado pela Ré procedeu a uma estimativa dos danos para conhecimento desta, dizendo que apenas se deveriam considerar € 11 806,67.

          34) O técnico averiguador contratado pela Ré declarou que o valor em risco era superior ao capital seguro, sendo o primeiro de € 631 000 e o segundo de € 242 374.

           35) Das condições gerais do acordo celebrado entre as partes, referido em 3), mais concretamente da cláusula 19ª, que tem a epígrafe “insuficiência ou excesso de capital”, consta que “1 - Salvo convenção em contrário, se o capital seguro pelo presente contrato for, na data do sinistro, inferior ao determinado nos termos dos n.ºs 2 a 4 da cláusula anterior, o segurador só responde pelo dano na respetiva proporção, respondendo o tomador do seguro ou o segurado pela restante parte dos prejuízos como se fosse segurador”.[5]

           36) Por aplicação da cláusula 19ª mencionada em 35), e tendo em conta os valores mencionados em 34), a Ré apurou um coeficiente seguro de 38 %, atendendo ainda a uma área privativa de 730 m2, um valor de reconstrução por m2 de € 300, uma área dependente de 2060 m2, e um valor de reconstrução desta de € 200, e ainda aplicação de indexação automática e tolerância de 85 %.

           37) A tempestade mencionada em 10) causou danos noutros prédios da freguesia e nas plantações de vinha sitas na mesma freguesia, sendo vários sinistros participados à Ré no âmbito de seguros de colheita celebrados consigo, e por esta aceites e regularizados.

           38) Inexiste qualquer equipamento sito em ... que registe e disponibilize a pluviosidade ocorrida.

           39) O valor do imóvel mencionado em 1), declarado pelo técnico averiguador contratado pela Ré é excessivo e desproporcional às características e localização do imóvel.

           40) O imóvel descrito em 1) tem o valor patrimonial, apurado no ano de 2019, de € 148 089,04.[6]

           41) O valor de reconstrução do imóvel cifra-se em € 360 000, tendo por referência uma área de 1 200 m2, e um valor de € 300/m2.

          42) O acordo referido em 3) não foi negociado entre A. e Ré, tendo-se a primeira limitado a aderir ao mesmo.

            43) A Ré não leu nem explicou à A., nem antes nem aquando da celebração do acordo, o teor e alcance da cláusula 19ª das condições gerais, a qual não é percetível pela generalidade das pessoas que contratam com a Ré.

            2. E deu como não provado:

           a) Algumas das caleiras ficaram arrancadas.

           b) O orçamento apresentado pela A. apresenta verbas que se destinam à manutenção do imóvel, nomeadamente da caleira e de revisão da cobertura.

           c) Nos dias 11 e 12.4.2020, a precipitação ocorrida no local onde se situa o imóvel referido em 1) foi inferior a 10 mm em 10 minutos no pluviómetro.

           d) Os serviços técnicos incumbidos pela Ré de efetuar a averiguação, apuraram que na localidade onde se situa o imóvel referido em 1), e na data de 14.4.2020, não foram registadas ocorrências semelhantes, sendo que se a pluviosidade tivesse atingido níveis consideráveis se verificaria.

            3. Decorre ainda dos elementos documentais juntos aos autos:[7]

           a) Consta da cláusula 4ª, n.º 1 (DEVER DE DECLARAÇÃO INICIAL DO RISCO), das Condições Gerais do contrato de seguro dito em II. 1. 3) que o Tomador do Seguro ou o Segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo Segurador.[8]

           b) E a cláusula 18ª (CAPITAL SEGURO) das mesmas Condições Gerais refere que a determinação do capital seguro, no início e na vigência do contrato, é sempre da responsabilidade do Tomador do Seguro, devendo atender, na parte relativa ao bem Seguro, ao disposto nos números seguintes (n.º 1); o valor do capital seguro para edifícios deve corresponder, ao custo de mercado da respetiva reconstrução, tendo em conta o tipo de construção ou outros fatores que possam influenciar esse custo, ou ao valor matricial no caso de edifícios para expropriação ou demolição (n.º 2).[9]

           c) No tocante ao “Seguro Facultativo” objeto do mesmo contrato, relevam, entre outras, as seguintes cláusulas:

           - O Seguro Facultativo corresponde ao conjunto de outras garantias e/ou coberturas que o Tomador do Seguro pode contratar, regendo-se pelo disposto nas cláusulas seguintes e, em tudo o que aí não se encontre previsto, pelas disposições da Parte I das presentes Condições Gerais (32ª/DISPOSIÇÕES APLICÁVEIS).

            - A determinação do capital seguro, no início e na vigência do contrato, é sempre da responsabilidade do Tomador do Seguro, devendo atender, na parte relativa ao bem Seguro, ao seguinte: a) Imóveis: O capital seguro para edifícios deve corresponder, ao custo de mercado da respetiva reconstrução, tendo em conta o tipo de construção ou outros fatores que possam influenciar esse custo, ou ao valor matricial no caso de edifícios para expropriação ou demolição (68ª, n.º 1/CAPITAL SEGURO).

            - Mediante convenção expressa nas Condições Particulares, poderá ser garantida uma atualização anual do capital seguro, indexada, progressiva ou convencionada, nos termos da respetiva condição especial contratada (70ª/ATUALIZAÇÃO DO CAPITAL).

           d) Sob o ponto 02/ATUALIZAÇÃO CONVENCIONADA DE CAPITAIS, das Condições Especiais do aludido contrato de seguro, fez-se constar: sem prejuízo do previsto na cláusula 18ª das Condições Gerais Uniformes, fica expressamente convencionado que o capital seguro pela presente Apólice, constante das Condições Particulares, é automaticamente atualizado, em cada vencimento anual, ou noutra frequência temporal convencionada, pela aplicação da percentagem indicada para esse efeito nas Condições Particulares (1); o capital atualizado consta do recibo de prémio correspondente, relativo à anuidade seguinte, ou ao período contratual não anual convencionado (2); o estipulado nesta cláusula não dispensa o Tomador do Seguro de proceder a convenientes revisões do capital seguro, quer por reavaliação dos Bens Seguros, benfeitorias ou beneficiações, quer pela inclusão de novos bens (3); em caso de sinistro, não há lugar à aplicação da regra proporcional prevista no n.º 1 da cláusula 19ª das Condições Gerais da Apólice se o capital seguro for igual ou superior a 85 % do custo de reconstrução dos Bens Seguros (4); o Tomador do Seguro pode renunciar à atualização estabelecida nesta Condição Especial desde que o comunique ao Segurador, com a antecedência mínima de 60 dias em relação ao vencimento anual da Apólice.

           e) Na proposta de seguro datada de 05.12.2007 e subscrita, apenas, pela A., enquanto Tomador do Seguro, foi indicado 2007 como “ano de construção” do Edifício Seguro e que o mesmo tinha o valor de € 170 000.

           f) Antecedendo a subscrição da mencionada proposta, pelos representantes da A., fez-se constar (em texto impresso): “O signatário declara ainda ter tomado conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do presente contrato e que tomou conhecimento das condições aplicáveis ao mesmo, designadamente, as constantes das condições gerais da apólice e as constantes das suas condições especiais e particulares, com elas concordando inteiramente, bem como declara que está inteiramente esclarecido sobre as cláusulas e condições do contrato, designadamente, sobre o valor do prémio do seguro, sobre as condições do pagamento e sobre as consequências contratuais da falta de pagamento do mesmo.”

           g) Na última página da mesma proposta fez-se constar, nomeadamente: o capital seguro deverá corresponder ao custo de substituição dos objetos seguros pelo seu valor em novo.

           h) À data do sinistro (12.4.2020) constava da Apólice o capital seguro da cobertura/Edifício, indicado em II. 1. 9), supra, que integrava as sucessivas atualizações de 3 %/ano, bem como os termos da Cláusula Especial aludida em d), ali expressamente indicada sob a designação «Cláusulas Especiais / Cláusula de Atualização Convencionada: 03 %».

            4. Cumpre apreciar e decidir.

           O contrato de seguro é a convenção através da qual uma das partes (segurador) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (segurado) a assumir um risco e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado.[10]

É um contrato sinalagmático, oneroso, de execução continuada, aleatório e - em regra -  de adesão.[11]

5. Para a delimitação do objeto do contrato de seguro há que interpretar as condições gerais, especiais e particulares, que o constituem e que constam da apólice do contrato (cf. art.º 37º, n.º 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro/RJCS, aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16.4) e, porventura, ainda, da própria proposta do seguro.

Na interpretação das suas cláusulas, vale o regime geral do Código Civil/CC (art.ºs 236º e seguintes), com as especificidades decorrentes, v. g., dos art.ºs 7º, 10º e 11º do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais/RJCCG (instituído pelo DL n.º 446/85, de 25.10) e do citado regime jurídico do Contrato de Seguro.[12]

E por isso é que a sua interpretação haverá de ser feita em conformidade com as regras de interpretação dos negócios jurídicos. Seja nas cláusulas contratuais gerais e especiais do seguro, sejas nas cláusulas particulares, estas individualmente contratadas, deve seguir-se a regra do art.º 236º, n.º 1, do CC, onde se consagra uma teoria objetivista, na modalidade da chamada doutrina da impressão do destinatário, para a qual é relevante o sentido que um declaratário normal possa deduzir do comportamento do declarante, supondo-se aquele uma pessoa normalmente diligente e experiente e devendo atender-se aos termos do negócio, aos interesses nele compreendidos, ao seu mais razoável tratamento, ao objetivo do declarante e às demais circunstâncias do caso concreto.

Na interpretação do contrato de seguro o intérprete poderá/deverá socorrer-se de outros elementos interpretativos que não a apólice, sendo que limitar a análise do contrato de seguro à apólice seria denegar proteção à parte mais fraca.[13]

6. O contrato que, por certo, mais questões suscita quanto à sua interpretação e integração é o contrato de seguro, e a definição dos riscos assumidos (as cláusulas que definem ou delimitam claramente o risco seguro e o compromisso do segurador) é um dos elementos mais importantes, se não o decisivo, no clausulado respetivo.[14]

7. As partes não divergem quanto à qualificação da relação contratual estabelecida entre si - contrato de seguro que teve por objeto eventuais danos [consequência de sinistros – cf. II. 1. 3) a 8), supra] no mencionado imóvel propriedade da A., regulado pelas respetivas cláusulas e pelo RJCS (preceituando o art.º 1º que “por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”).

8. Para a boa decisão da causa, relevam, entre outras, as seguintes normas do RJCS:

- O disposto no presente regime não prejudica a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais, sobre defesa do consumidor e sobre contratos celebrados à distância, nos termos do disposto nos referidos diplomas (art.º 3º).

            - O contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do presente regime, com os limites indicados na presente secção e os decorrentes da lei geral (art.º 11º).

           - O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador (art.º 24º, n.º 1).

           - O segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e a entregá-lo ao tomador do seguro (art.º 32º, n.º 2).

           - A apólice inclui todo o conteúdo do acordado pelas partes, nomeadamente as condições gerais, especiais e particulares aplicáveis (art.º 37º, n.º 1). Da apólice devem constar, no mínimo, os seguintes elementos: (…) d) Os riscos cobertos (n.º 2), e deve incluir, ainda, escritas em caracteres destacados e de maior dimensão do que os restantes, as cláusulas que estabeleçam o âmbito das coberturas, designadamente a sua exclusão ou limitação (n.º 3, alínea b)).

            - No seguro de danos, o interesse respeita à conservação ou à integridade de coisa, direito ou património seguros (art.º 43º, n.º 2).

            - O capital seguro representa o valor máximo da prestação a pagar pelo segurador por sinistro ou anuidade de seguro, consoante o que esteja estabelecido no contrato (art.º 49º, n.º 1). Salvo quando seja determinado por lei, cabe ao tomador do seguro indicar ao segurador, quer no início, quer durante a vigência do contrato, o valor da coisa, direito ou património a que respeita o contrato, para efeito da determinação do capital seguro (n.º 2). As partes podem fixar franquias, escalões de indemnização e outras previsões contratuais que condicionem o valor da prestação a realizar pelo segurador (n.º 3).

             - O sinistro corresponde à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o acionamento da cobertura do risco prevista no contrato (art.º 99º).

            - O segurador obriga-se a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências (art.º 102º, n.º 1).

           - O seguro de danos pode respeitar a coisas, bens imateriais, créditos e quaisquer outros direitos patrimoniais (art.º 123º).

           - A prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro (art.º 128º).

           - No seguro de coisas, o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro (art.º 130º, n.º 1).

           - Salvo convenção em contrário, se o capital seguro for inferior ao valor do objeto seguro, o segurador só responde pelo dano na respetiva proporção (art.º 134º, sob a epígrafe “subseguro”).

            9. Enquanto contrato de adesão, aplica-se ao contrato de seguro o RJCCG:

           - As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma (art.º 1º, n.º 1). O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar (n.º 2). O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo (n.º 3).

            - O presente diploma não se aplica: a) A cláusulas típicas aprovadas pelo legislador (art.º 3º, alínea a)).

            - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las (art.º 5º, n.º 1). A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência (n.º 2). O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais (n.º 3).

           - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique (art.º 6º, n.º 1). Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (n.º 2).

            -  Consideram-se excluídas dos contratos singulares: a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º; b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo; c) As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real; d) As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes (art.º 8º).

           - Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos (art.º 9º, n.º 1). Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé (n.º 2).

           - As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam (art.º 10º).

            10. Releva para o objeto do recurso, principalmente, o seguinte quadro fático:

           - O acordo celebrado entre a A. e a Ré prevê a cobertura Edifício – Multirrisco – cobertura base, com um capital seguro no montante de € 242 374, tendo sido fixados limites de indemnização por sinistro e ano [9)].

           - A reparação efetuada teve por objeto exclusivamente os danos ocorridos no imóvel mencionado em 1) como causa direta da tempestade ocorrida no dia 12.4.2020, e que foi objeto de participação à Ré, tendo importado a quantia de € 24 997,50 [31)].

            - O acordo celebrado entre as partes prevê uma franquia de 10 % no caso de sinistros causados por ação de ventos, inundações e danos por água [32)].

            - Das “condições gerais” do acordo celebrado entre as partes, referido em 3), mais concretamente da cláusula 19ª, que tem a epígrafe “insuficiência ou excesso de capital”, consta que “1 - Salvo convenção em contrário, se o capital seguro pelo presente contrato for, na data do sinistro, inferior ao determinado nos termos dos n.ºs 2 a 4 da cláusula anterior, o segurador só responde pelo dano na respetiva proporção, respondendo o tomador do seguro ou o segurado pela restante parte dos prejuízos como se fosse segurador” [35)].

            - O imóvel descrito em 1) tem o valor patrimonial, apurado no ano de 2019, de € 148 089,04 [40)].

           - O valor de reconstrução do imóvel cifra-se em € 360 000, tendo por referência uma área de 1 200 m2, e um valor de € 300/m2 [41)].

           - O acordo referido em 3) não foi negociado entre A. e Ré, tendo-se a primeira limitado a aderir ao mesmo [42)].

          - A Ré não leu nem explicou à A., nem antes nem aquando da celebração do acordo, o teor e alcance da cláusula 19ª das condições gerais, a qual não é percetível pela generalidade das pessoas que contratam com a Ré [43)].[15]

           - No tocante ao “Seguro Facultativo” objeto do mesmo contrato, fez-se constar que a determinação do capital seguro, no início e na vigência do contrato, é sempre da responsabilidade do Tomador do Seguro, e que, tratando-se de imóveis, o capital seguro para edifícios deve corresponder, ao custo de mercado da respetiva reconstrução, tendo em conta o tipo de construção ou outros fatores que possam influenciar esse custo (cláusula 68ª, n.º 1). Foi acordada uma atualização anual do capital seguro prevista na cláusula 70ª, nos termos da respetiva condição especial contratada (02) e pela aplicação da percentagem indicada para esse efeito nas Condições Particulares, não dispensando, contudo, o Tomador do Seguro de proceder a convenientes revisões do capital seguro [II. 3. c) e d)].

           - Na proposta de seguro datada de 05.12.2007 e subscrita, apenas, pela A., enquanto Tomador do Seguro, foi indicado 2007 como “ano de construção” do Edifício Seguro e que o mesmo tinha o valor de € 170 000 [II. 3. e)].

           - Antecedendo a subscrição da mencionada proposta, pelos representantes da A., fez-se constar (em texto impresso): “O signatário declara ainda ter tomado conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do presente contrato e que tomou conhecimento das condições aplicáveis ao mesmo, designadamente, as constantes das condições gerais da apólice e as constantes das suas condições especiais e particulares, com elas concordando inteiramente, bem como declara que está inteiramente esclarecido sobre as cláusulas e condições do contrato, designadamente, sobre o valor do prémio do seguro, sobre as condições do pagamento e sobre as consequências contratuais da falta de pagamento do mesmo.” [II. 3. f)].

           - Na última página da mesma proposta fez-se constar, nomeadamente: o capital seguro deverá corresponder ao custo de substituição dos objetos seguros pelo seu valor em novo [II. 3. g)].

           - À data do sinistro constava da Apólice o capital seguro da cobertura/Edifício, indicado em II. 1. 9), supra, que integrava as sucessivas atualizações de 3 %/ano, bem como os termos da Cláusula Especial sob a designação «Cláusulas Especiais / Cláusula de Atualização Convencionada: 03 %» [II. 3. h)].

            11. A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, atendendo ao contrato de seguro celebrado entre as partes, ao preço da reparação dos danos e à franquia acordada [factos provados 3), 31) e 32)], concluiu que “o valor pelo qual a ré é responsável cifra-se em € 22 497,75”.

           Pese embora o teor da citada cláusula 19ª das “condições gerais” do contrato de seguro em causa, e tendo ficado provado que o valor do capital seguro foi de € 242 374, mas o capital de risco se cifra em € 360 000, concluiu, contudo, pela não aplicação da regra da proporcionalidade e que a Ré será responsável pelo pagamento daquela importância dos danos, deduzida do valor da franquia, pela simples razão de que o contrato dito em II. 1. 3), supra, “não foi negociado”, tendo a A. “apenas aderido” ao contrato, além de que a Ré “não leu nem explicou à autora, nem antes nem aquando da celebração do acordo, o teor e alcance da cláusula 19ª das condições gerais, a qual não é percetível pela generalidade das pessoas que contratam com a ré, ou dito de outro modo, com conhecimentos médios”.

            Ou seja, no entendimento do Tribunal a quo, aplicando, in casu, “o aludido regime das cláusulas contratuais gerais”, face à factualidade descrita em II. 1. 42) e 43), supra, a dita “cláusula 19ª” é excluída do contrato, o que implica que a indemnização a suportar pela Ré não sofre qualquer limitação em função do capital de risco ser superior ao capital seguro.

           12.  A resposta encontrada pela 1ª instância poderá ser tida como a que retira a “consequência imediata” decorrente dos factos provados 42) e 43), conjugados, entre outros, com os art.ºs 5º, 6º e 8º do RJCCG.

           Salvo o devido respeito por entendimento contrário e vistos e ponderados os ensinamentos da doutrina e da jurisprudência sobre casos com alguma similitude (com a situação presente)[16], pensamos, contudo, que o caso em análise apresenta particularidades que desaconselham o afastamento da regra supletiva prevista no art.º 134º do RJCS, de resto, não enjeitada pelo disposto no art.º 9º, n.º 1, o RJCCG[17], sendo que, ao fim e ao cabo, se encontra de algum modo acolhida ou apoiada pelas (demais) normas do seguro facultativo a que importa atender.

           Na verdade, o sinistro dos autos encontra-se coberto pelo seguro facultativo atrás indicado, celebrado entre uma Cooperativa e uma Sociedade/Seguradora.

           Lembrando alguns dos factos descritos em II. 3., supra, verifica-se que a determinação do capital seguro, no início e na vigência do contrato, é sempre da responsabilidade do Tomador do Seguro[18], e, quanto a edifícios, deve corresponder, ao custo de mercado da respetiva reconstrução; a importância que a A. atribuiu ao imóvel, no “ano de construção” (e da celebração do contrato de seguro), foi de € 170 000, valor que veio a ter atualizações anuais conforme acordado, sem prejuízo de o Tomador do Seguro poder efetuar as convenientes revisões do capital seguro; na última página da proposta de  seguro fez-se constar, nomeadamente: o capital seguro deverá corresponder ao custo de substituição dos objetos seguros pelo seu valor em novo; à data do sinistro, o capital seguro da cobertura/Edifício integrava as sucessivas atualizações, nos termos acordados – cf., sobretudo, II. 3., alíneas c) a e), g) e h), supra.

           13. Não importando, aqui, analisar as circunstâncias e os resultados da especulação imobiliária verificada ao longo dos últimos anos (mas com especial incidência no tempo subsequente ao sinistro destes autos) - talvez com alguma repercussão nas disparidades decorrentes, por exemplo, dos factos provados 34), 39), 40) e 41) -, retira-se da factualidade provada, designadamente, que o valor do capital seguro (€ 242 374) representa 67,33 % do valor de reconstrução do imóvel (€ 360 000), e que aquele mesmo valor equivale a 163,67 % do respetivo valor patrimonial, apurado no ano de 2019 (€ 148 089,04).

            Considerada a data do sinistro (12.4.2020) - próxima da data da avaliação para efeitos tributários -, e sabendo-se que o valor seguro traduz, claramente, a soma do valor inicial indicado pelo Tomador do Seguro com os acréscimos da atualização anual acordada, e atentos os demais elementos disponíveis atinentes ao mencionado contrato de seguro facultativo (mormente, cláusulas 32ª, 68ª e 70ª)[19], afigura-se, pois, que no cômputo da indemnização devida, se deverá atender ao valor do capital seguro à data do sinistro conjugado com o da reconstrução do imóvel, tudo, à luz da regra proporcional, ditada pelo legislador, pelo que, deduzida a franquia acordada, encontramos a indemnização de € 15 146,86 [(242 374 x 24 997,50 : 360 000) x 0,9].

            14. A regra proporcional justifica-se na medida em que pode faltar a correspetividade entre o prémio pago pelo tomador do seguro e o bem assegurado, na relação com o risco assumido pela seguradora.[20]

           São dois os requisitos para a aplicação da regra da proporcionalidade: o valor do interesse seguro ser superior ao valor seguro (o capital seguro é inferior ao valor do objeto seguro, existindo, assim, subseguro) e ocorrer no bem um dano parcial.

            Não pode afastar-se que a situação de subseguro resulte de uma vontade consciente do segurado, que pondere a aplicação de prémios mais baixos, ou que haja procedido em erro de avaliação, que à seguradora não cumpre sindicar – a questão é mesmo de que a regra da proporcionalidade só funciona no momento do sinistro; então, a seguradora responde na proporção existente entre o valor segurável e a quantia segura.[21]

           15. Esta, cremos, a solução exigida pelo direito enquanto validade normativa, uma resposta normativamente adequada às circunstâncias do caso concreto[22] e aos interesses em presença, sabendo-se que “o objeto problemático da interpretação jurídica não é a norma como objetivação cultural (...), mas o caso decidendo, o concreto problema prático que convoca normativo-interpretativamente a norma com seu critério judicativo (...), o que significa, evidentemente, que é o caso e não a norma o ´prius` problemático-intencional e metódico”.[23]

           16. A solução encontrada decorre das concretas e descritas circunstâncias de todo o relacionamento contratual das partes (com particular relevo para o objeto e termos do acionado seguro facultativo) conjugado com a ratio legis (elemento da interpretação que estabelece o contacto entre a lei e a vida real)[24] de uma norma “precisa, concisa e clara[25], justamente, o citado art.º 134º do RJCS - se o capital seguro for inferior ao valor do objeto seguro, o segurador só responde pelo dano na respetiva proporção”; inexiste convenção em contrário aplicável -, tudo, suportado, ainda, pelo entendimento de que se deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (art.º 9º, n.º 3 do CC) e que “na fixação do sentido e alcance da lei, há de ser sempre na contemplação do facto ´sub specie iuris` que o julgador encontra a fonte mais pura do autêntico pensamento legislativo”.[26]

           17. Procedem, desta forma, parcialmente, as “conclusões” da alegação de recurso.


*

           III. Pelo exposto, na parcial procedência da apelação (e consequente revogação da decisão recorrida), condena-se a Ré a pagar à A. o montante de € 15 146,86 (quinze mil cento e quarenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos), mantendo-se o demais decidido.

           Custas pela A. e Ré, nas instâncias, na proporção do decaimento.


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09.01.2024



[1] Cf. documento reproduzido fls. 11 e seguintes (fls. 16 verso).
[2] Ibidem (fls. 17).
[3] Ibidem (fls. 17 verso).
[4] Ibidem (fls. 18).
[5] Ibidem (fls. 15).
[6] Cf. documento de fls. 8.

[7] Cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes e se mostra importante ou essencial à boa decisão da causa – cf., principalmente, documentos de fls. 9, 10, 11, 62 e 65.
[8] Reproduz o art.º 24º, n.º 1 do DL n.º 72/2008, de 16.4 (que estabelece o Regime Jurídico do Contrato de Seguro/RJCS).
[9] Esta cláusula e a anterior respeitam à “PARTE I – DO SEGURO OBRIGATÓRIO DE INCÊNDIO”.
   A partir da cláusula 32ª, inclusive, surge o clausulado referente à “PARTE II – DO SEGURO FACULTATVO”.

[10] Vide, entre outros, Pedro Romano Martinez, Contratos Comerciais, Principia, 2006, pág. 73 e José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, pág. 20, e os acórdãos do STJ de 02.10.1997 e 10.12.1997 in CJ-STJ, ano V, 3, págs. 45 e 158.
[11] Cf., designadamente, os acórdãos da RP de 15.3.1999, da RL de 09.11.2010-processo 1870/08.0TVLSB.L1-7 e da RG de 31.10.2018-processo n.º 648/17.4T8BGC.G1, publicados, o primeiro, na CJ, XXIV, 2, 182 e, os restantes, no “site” da dgsi.
[12] Vide Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 80.
[13] Cf., nomeadamente, J. C. Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro, Estudos, Coimbra Editora, 2009, págs. 116 e seguintes e, sobre a parte final deste segmento da exposição, o acórdão do STJ de 11.3.1999, in CJ-STJ, VII, 1, 156.

[14] Cf., entre outros, J. C. Moitinho de Almeida, ob. cit., págs. 93 e seguintes e o acórdão da RC de 15.10.2013-processo 73/12.3TBLRA.C1, publicado no “site” da dgsi.

   Sobre a matéria dos pontos II. 4. a II. 6., cf., entre outros, acórdão da RC de 09.10.2018-processo 335/17.3T8GRD.C1, publicado no “site” da dgsi.

[15] No entanto, além desta cláusula integrar o seguro obrigatório de incêndio, é evidente que a A. nunca alegou o seu desconhecimento, e, aquando da proposta inicial, declarou ter pleno conhecimento das cláusulas e condições do contrato – cf. II. 3. f), supra.

[16] Cf., entre outros, o acórdão do STJ de 21.6.2022-processo 5511/19.1T8PRT.P1.S1 [com o sumário: «I - É aplicável o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (DL n.º 446/85, de 25-10), designadamente as normas dos artigos 5º, 6º e 8º do citado diploma, às cláusulas dos contratos de seguro não negociadas pelas partes, pré-determinadas ou de pura adesão, que se repetem sistematicamente em relação a contratos da mesma índole. II - Assim, consideram-se excluídas do contrato de seguro (artigo 8º, al. ´a)`, do DL n.º 446/85, de 25-10), cláusulas relativas à insuficiência do capital seguro, que não tenham sido comunicadas ao tomador do seguro, nos termos do artigo 5º do citado diploma. III - Estamos perante uma situação de subseguro sempre que o capital seguro seja inferior ao valor do objeto seguro, o que tem como consequência, em caso de danos parciais, uma redução da indemnização na proporção dessa diferença. IV - Reportando-se o subseguro e os efeitos da regra proporcional ao ´âmbito das coberturas`, deve este regime jurídico ser comunicado ao segurado e as apólices devem incluir estas´ cláusulas escritas em carateres destacados e de maior dimensão do que os restantes` (al.´b)` do n.º 3 do artigo 37º da LCS). V - A natureza supletiva da norma que consagra a regra proporcional, em caso de subseguro, não dispensa o segurador do dever de informar e explicar, ao tomador do seguro, o significado deste regime jurídico, cujo conhecimento é essencial para que o segurado possa calcular o montante da indemnização a que terá direito em caso de sinistro. VI - Nos seguros do ramo multirriscos habitação, é inequívoco que a seguradora deve informar o segurado, aquando da celebração do contrato, do valor seguro do imóvel e dos critérios da sua atualização, para efeitos de cálculo do prémio e da indemnização (artigo 135º, n.º 2, da LCS). VII - Não o tendo feito, incorre em incumprimento, o que determina a não aplicação da regra da proporcionalidade prevista no artigo 134º da LCS, tal como consagrado no artigo 135º, n.º 3, da LCS. VIII - Para uma correta aplicação do direito, deve atender-se à desigualdade de poder entre a seguradora e o segurado, bem como à profunda assimetria informativa existente entre ambos, sobretudo, quando o segurado é um consumidor leigo em direito.»; nesse caso, além das especificidades referidas no sumário, verificou-se, ainda, nomeadamente, que somente cerca de um ano após o acidente a seguradora enviou à autora as “condições particulares da apólice atualizada”], publicado no “site” da dgsi.

   Relativamente ao subseguro e sublinhando, em geral, os seus “aspetos negativos”, vide, designadamente, Arnaldo Costa Oliveira, Lei do Contrato de Seguro anotada, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, págs. 130 e seguintes; Francisco Rodrigues Rocha, Do Princípio Indemnizatório no Seguro de Danos, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 142 [considera que cláusulas-surpresa de subseguro, quando inseridas em contratos de adesão, devem ser consideradas excluídas do contrato pelo art.º 8º, als. a) e c), da LCCG, por força do artigo 3º da RJCS, sendo que “não é expectável que um tomador médio saiba de antemão qual o correto funcionamento da regra proporcional, assim como não raras vezes o segurador – ou quem o represente -, além de não informar, não esclarece sobre o efetivo teor da cláusula.»]; Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro, Estudos, Coimbra Editora, 2009, pág. 24 [critica a regra da proporcionalidade, porquanto «Colhe, porém, frequentemente os segurados de surpresa, vítimas de erro de avaliação ou desatentos à evolução do valor da coisa segura»] e Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 808 [considera que no subseguro impõe-se às seguradoras informar bem o tomador de seguro das consequências do subseguro, regime claramente favorável ao segurador, e acrescenta que «(…) esta defesa a outrance do segurador terá de ser contrabalançada pela supervisão e pela informação»].

[17] Diversamente da situação objeto do citado acórdão do STJ de 21.6.2022-processo 5511/19.1T8PRT.P1.S1 (onde se afirma: «Ora, a partir do momento em que se condena a seguradora por violação dos deveres de informação e de esclarecimento quanto ao âmbito de cobertura e à repercussão do subseguro na prestação de seguradora, admitir a aplicação da regra da proporcionalidade como um regime supletivo, seria uma forma de contornar a lei que impõe à seguradora especiais e exigentes deveres de informação para tutela dos interesses do segurado.»), no caso vertente, não se trata de um seguro do ramo multirriscos habitação, não está em causa uma cobertura por seguro obrigatório de incêndio, mas um seguro facultativo (coberturas facultativas), e está demonstrada uma realidade contratual - à data da subscrição da proposta de seguro e relativa à declaração inicial do valor seguro e subsequente atualização anual - bem diversa do caso ali apreciado.

   Cf., ainda, “nota 18”, infra.

[18] Segundo Pereira Morgado, Lei do Contrato de Seguro – Anotada, Almedina, 2011, pág. 259, a “melhor interpretação (do art.º 49º do RJCS) deve ser a seguinte: - no âmbito dos seguros obrigatórios o capital ou valor mínimo a segurar decorrerá, em princípio, da lei que institua cada um deles ou de normativo que o regulamente; - no âmbito dos seguros facultativos plenamente regidos pela autonomia privada a solução regra é a de que cumpre ao tomador do seguro indicar, de forma explícita e clara, o valor ou capital a segurar” (sublinhado nosso).

   Neste tipo de seguros de danos facultativo, não se vê disposição legal ou contratual que imponha à seguradora o dever prévio de avaliar a coisa a que respeita o contrato, mas já se encontra disposição legal que impõe ao tomador de seguro o dever de indicar o valor da coisa e de prestar todas as informações verídicas à seguradora, para que esta possa calcular o risco e o prémio a cobrar – cf. acórdão da RC de 14.6.2022-processo 507/19.6T8LMG.C1, publicado no “site” da dgsi.
[19] Referindo-se ao art.º 37º da RJCS, que fixa o conteúdo mínimo da apólice, nele incluindo o âmbito de cobertura, e o dever de informação do segurador, Margarida Lima Rego afirma que «Nalguma das matérias enunciadas no preceito, as partes podem não ter afastado o regime supletivo, nada tendo acordado. Ainda assim, na ausência de uma disposição contratual, cabe ao segurador introduzir na apólice uma explicação sobre o regime legal supletivo, para dar cumprimento a este dever de informar» (“O Contrato e a Apólice de Seguro” - Temas de Direito dos Seguros, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 30; sublinhado nosso).
[20] Vide, nomeadamente, Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 88.

[21] Cf., cf., nomeadamente, acórdãos do STJ de 07.11.2006-processo 06A2874 [concluindo-se: «A regra proporcional (...), aplicável quando, no momento do sinistro, o valor seguro for inferior ao valor do objecto do seguro ou segurável (sub-seguro ou infra-seguro), respondendo o segurador na proporção existente entre os dois valores, relaciona-se com o princípio do equilíbrio das prestações, tendendo a fazer equivaler o risco coberto ao prémio efectivamente pago.»], 22.9.2011-processo 710/06.9TCGMR.G1.S1 [perante legislação anterior similar, concluiu-se: «1. No contrato de seguro têm particular relevância os deveres do tomador do seguro, em especial o dever de prestar informações corretas relativas ao seu objecto, decorrentes do princípio da boa fé. Devendo esclarecer a seguradora de tudo o que respeita ao objecto segurado. Incluindo-se tais informações, em princípio, nas chamadas “Condições Particulares”. 2. O denominado seguro de valor em novo corresponde à derrogação do princípio segundo o qual a indemnização será medida pelo valor do bem à data do sinistro (art.º 439º, § 1º do CComercial), passando antes a mesma a fixar-se a partir do valor de substituição. 3. Sendo o seguro inferior ao valor do objeto (sub-seguro), responderá o segurado, salvo convenção em contrário, por uma parte proporcional às perdas e danos (art.º 433º do CComercial). 4. Havendo, assim, no caso do sub-seguro, implicações prejudiciais para o seu tomador, devido à designada “regra proporcional”, que determina o pagamento de uma percentagem sobre o valor dos danos sofridos. (...)»] e 27.4.2023-processo 15975/21.8T8PRT.P1.S1 [assim sumariado: «I - No seguro de danos, existe subseguro (art.º 134º da LCS) sempre que o capital seguro seja inferior ao valor do objeto seguro, o que tem como consequência uma redução da indemnização na proporção dessa diferença - o segurador, que já tinha a sua responsabilidade limitada pelo capital seguro (art.º 128º da LCS), ficará apenas responsabilizado pelo dano na respetiva proporção, ressalvando-se cláusula em sentido contrário. II - No quadro-base da sinalagmaticidade do contrato, não pode afastar-se que a situação de sub-seguro resulte de uma vontade consciente do segurado, que pondere a aplicação de prémios mais baixos, ou que haja procedido em erro de avaliação, que à seguradora não cumpre sindicar. III - O valor a atender para aplicação da regra proporcional é o valor real do equipamento objecto do seguro.»], da RP de 29.4.2021-processo 2411/19.9T8PNF.P1 e 14.11.2022-processo 2270/21.1T8PNF.P1 e da RC de 14.6.2022-processo 507/19.6T8LMG.C1 [concluindo-se: «I - A aceitação, pela seguradora, da proposta apresentada pelo tomador de seguro com indicação do capital seguro, não constitui convenção expressa para fixação do valor da coisa uma vez que “não existe um dever geral de verificação dessa exatidão por parte do segurador”, devendo a seguradora avaliar o valor do bem à data do sinistro. II - Sendo o valor do capital seguro inferior ao valor da coisa, existindo, assim, uma situação de subseguro, não existindo convenção em contrário, a seguradora só responderá pelo dano, na proporção entre o valor do interesse em risco e o valor do capital seguro, deduzido do valor da franquia acordada.»], publicados no “site” da dgsi.
[22] Vide A. Castanheira Neves, O direito como validade, in RLJ, 143º, 175.

[23] Vide A. Castanheira Neves, O Actual Problema da Interpretação Jurídica, in RLJ, 118º, págs. 257 e seguinte.
[24] Vide Manuel de Andrade, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, Arménio Amado-Editor Sucessor, Coimbra, 1987, pág. 22.
[25] Nas palavras de Antunes Varela, proferidas numa conferência de imprensa realizada em 14.5.1966.
[26] Vide Antunes Varela, RLJ, 122º, pág. 248, nota 1.
   Sobre a interpretação do art.º 9º do CC, cf., ainda, do mesmo Autor, RLJ, 127º, pág. 308 e, de entre vários, acórdão do STJ de 08.12.2008-processo 08B3907, publicado no “site” da dgsi.