Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
550/09.3TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
SOLO APTO PARA CONSTRUÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
PERITAGEM
Data do Acordão: 02/14/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU 2º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.25º, 26º, 27º, 39º C EXP., DL Nº 794/76 DE 5/11
Sumário: 1. O núcleo urbano supõe um conjunto coerente e articulado de edificações e terrenos envolventes, marginados por vias públicas pavimentadas e dotado de rede de água e de saneamento, que se apresente como pólo ou malha aglutinadora de vida urbana.

2. Para que determinado solo possa ser classificado como apto para construção não basta a verificação dos requisitos das alíneas do n.º 2 do art.º 25º, do CE, importando antes saber se nele se pode construir, quer materialmente, quer do ponto de vista legal ou regulamentar.

3. Encontrando-se o solo objecto de expropriação regulamentarmente vinculado (em instrumento de gestão territorial) a um destino diverso da construção, tal deverá ser respeitado, sob pena de violação do critério da justa indemnização e do princípio da igualdade.

4. Traduzindo-se a determinação do valor da coisa expropriada essencialmente num problema técnico, deve o juiz aderir, em princípio, aos pareceres dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal quando haja unanimidade destes (face à sua posição de imparcialidade e à garantia de uma melhor objectividade por eles oferecida).

Decisão Texto Integral:             Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

 

            I. E. P. - Estradas de Portugal, S. A., intentou expropriação litigiosa contra I (…) e A (…) para aquisição por utilidade pública urgente de uma parcela de terreno, com a área de 575 m2, a desanexar do prédio rústico com a área de 20 960 m2, sito no Lugar de Barroca Alta, freguesia de Repeses, concelho de Viseu, inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 386, descrito na Conservatória de Registo Predial (CRP) de Viseu sob o n.º 211/19970812 e aí inscrito a favor dos expropriados, necessária à obra de “alargamento e beneficiação da EN2 entre o km 176,7 e o km 178,1”.

            Por despacho de 24.01.2006 do Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas e das Comunicações [publicado no DR, II Série, de 06.02.2006 e rectificado por despacho 30.4.2007 do mesmo Secretário de Estado, publicado no DR, II série, em 22.5.2007], foi declarada a utilidade pública da expropriação da referida parcela.

            Na impossibilidade de acordo sobre o valor da indemnização, constituída a arbitragem, os Srs. Árbitros consideraram por unanimidade que a justa indemnização a atribuir aos expropriados à data da declaração de utilidade pública era de € 31 084,50.

Adjudicada a propriedade da parcela à entidade expropriante e notificada a decisão arbitral, a expropriante impugnou esta decisão e defendeu a atribuição do montante de € 342,24, alegando, em resumo, que a dita parcela, como solo florestal, deverá ser avaliada de acordo com os critérios de avaliação do”solo para outros fins”.

            Os expropriados responderam, a fls. 118 e seguintes, concluindo pela improcedência do recurso.

            Procedeu-se à avaliação, tendo sido apresentados três laudos: o perito indicado pela expropriada encontrou o valor indemnizatório de € 2 048,26; um dos peritos nomeados pelo Tribunal fixou a indemnização em € 2 950; os restantes peritos quantificaram a indemnização em € 14 725,75 (fls. 157, 175 e 184).

O perito da expropriante e os peritos subscritores do laudo maioritário prestaram esclarecimentos na sequência de reclamações apresentadas, respectivamente, pelos expropriados e pela expropriante (fls. 170, 205, 229 e 266).

Notificadas as partes nos termos e para os efeitos do art.º 64°, n.ºs 1 e 2, do Código das Expropriações (CE) [aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18.9][1], expropriante e expropriados apresentaram alegações.

Foi depois proferida sentença que julgou parcialmente procedente o recurso da entidade expropriante, fixando em € 14 725,75 (catorze mil setecentos e vinte e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) o valor da indemnização devida aos expropriados pela expropriação da referida parcela n.º 10, acrescida do valor da respectiva actualização (tendo em conta a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo INE relativamente ao local da situação do bem – art.º 24º, nº1 e 2).

Desta decisão apelou a expropriante (pugnando pela fixação de indemnização no montante indicado pelo seu perito) que terminou a alegação com as conclusões que assim vão sintetizadas:

1ª – O PDM de Viseu classifica o prédio e a parcela como “Espaço Florestal I”, situada na UOPG1, não existindo qualquer construção no prédio nem na parcela.

2ª – O mesmo PDM impede a construção nos solos classificados como “Espaço Florestal 1”, tanto por força da alínea e), do n.º 2.1, do art.º 9º, como pelo art.º 42º.

3ª – O solo deve ser classificado como “Espaço Florestal I”, logo, solo para outros fins, não sendo permitida a construção na propriedade, inclusivamente porque não é permitida ligação directa à radial de Viseu (estrada com a qual confina).

4ª – O aglomerado de habitações situa-se a mais de meio quilómetro para Nascente.

5ª – Encontrando-se a parcela inserida em zona non aedificandi imposta pelo PDM, também por este facto estaria impedida a construção nesta parcela.

6ª – Para ser preenchido o conceito de justa indemnização é necessário atender à objectiva aptidão edificativa do terreno expropriado.

Os expropriados responderam à alegação da expropriante, concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo [delimitativo do objecto do recurso - art.ºs 684º, n.º 3 e 685º-A, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, com a redacção conferida pelo DL n.º 303/07, de 24.8, aplicável ao caso vertente], a questão a decidir respeita principalmente à classificação da parcela de terreno expropriada para efeitos de cálculo da indemnização – se solo apto para construção, se solo para outros fins – o que pressupõe caracterizar, também, o conceito de núcleo urbano, aludido na alínea b) do n.º 2 do art.º 25º.


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  II. 1. Para a decisão releva (ainda) a seguinte factualidade[2]:
a) A mencionada parcela de terreno, com o n.º 10 do respectivo “mapa DUP” e a área de 575 m2, foi desanexada do prédio rústico com a área total de 20 960 m2, sito no Lugar de Barroca Alta, na freguesia de Repeses, concelho de Viseu, inscrito na matriz predial rústica e descrito na CRP de Viseu, que confronta a Norte com Rita Loureiro Martins, a Sul com Alfredo Rodrigues Gomes, a Nascente com Delfim Fernandes e a Poente com Estrada Nacional (EN) n.º 2.
b) Trata-se de uma parcela de terreno inculto de natureza saibrosa, ocupada com uma passagem em terra batida, que na data da vistoria se encontrava vedada com uma fita a cortar o trânsito da mesma.

c) Lateralmente para Sul em relação à dita passagem, a parcela desenvolve-se numa pequena elevação onde existem em grande quantidade pinheiros nascidiços[3] praticamente agarrados ao terreno.

d) Quer o prédio, quer a parcela objecto de expropriação, têm acesso rodoviário pavimentado em betuminoso (via pública) e são servidos por rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão e rede telefónica.

e) A Norte do terreno expropriado e distando cerca de 50 a 100 metros existem construções (moradias unifamiliares) de r/c e 2 pisos; a um raio de aproximadamente 400 metros da parcela existe uma superfície comercial (“LIDL”) e a cerca de 500 metros construções para comércio e indústria, bem como a Povoação de Repeses.[4]

f) De acordo com o Plano Director Municipal (PDM) de Viseu, eficaz à data da publicação da DUP, a parcela insere-se em “Espaço Florestal I” (EFI) e na Unidade Operativa de Planeamento e Gestão 1 (UOPG1).

g) A EN 2 é considerada uma radial.

2. Conexa com esta factualidade e integrando o esclarecimento prestado pela Câmara Municipal de Viseu, e acolhido por todos os Srs. Peritos[5], importa ainda atentar que, dadas as características da mencionada via de comunicação situada junto à parcela expropriada, conforme o disposto no n.º 2.2 do art.º 9º do PDM de Viseu e, por remissão da alínea c) do mesmo art.º, as zonas non aedificandi serão de 15 metros a contar da guia exterior do passeio e nunca a menos de 10 metros da estrada correspondente à solução mais restritiva, de acordo com o estipulado na alínea b) do n.º 2.1 do citado art.º 9º.

Referiu também a mesma entidade que em qualquer parcela integrada em “EFI” e na “UOPG1” não é permitida a construção nova, incluindo a de natureza habitacional, por força do preceituado na alínea e), do n.º 2.1 do art.º 9º do Regulamento do PDM de Viseu, onde é proibido o acesso directo à radial, salvo se o mesmo assumir um carácter provisório em função da especificidade da parcela e também por força do art.º 42º do PDM de Viseu por se encontrar inserida na “UOPG1” (cf. o dito ofício de fls. 153 e seguinte).

         3. Assentes os factos, cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Lidos os relatórios de fls. 157 e seguintes, verificamos que o Perito indicado pela entidade expropriante e um dos Peritos nomeados pelo Tribunal classificaram o solo da parcela como solo para outros fins, enquanto os restantes Peritos, subscritores do laudo maioritário, o classificaram como solo apto para a construção.

Na sentença recorrida foi acolhida a posição dos Srs. Peritos que subscreveram o relatório (maioritário) de fls. 184 e seguintes, considerando o solo da parcela expropriada como solo apto para a construção, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 25º [vide, a propósito, os esclarecimentos prestados pelos Peritos subscritores do laudo maioritário, a fls. 230] e partindo dos critérios de cálculo previstos nos art.ºs 39º, n.ºs 3 e 4 e 26º, n.º 12 [cf. fls. 231].

Embora se trate de matéria não isenta de dificuldades e que, aparentemente, não colherá uma perspectiva uniforme na jurisprudência desta Relação – o presente acórdão é um dos, pelo menos, quatro arestos sobre casos relativos ao mesmo acto expropriativo e, necessariamente, com alguma similitude[6] –, afigura-se, considerados os elementos disponíveis e o direito aplicável, e salvo o devido respeito por opinião em contrário, que o recurso deverá ser parcialmente atendido.

4. Seguindo de perto o entendimento perfilhado no acórdão desta Relação de 12.4.2011-processo 4002/08.0TBVIS.C1[7], cuja realidade fáctica é idêntica à aqui em apreciação, poder-se-á afirmar que não será de adoptar o entendimento do laudo maioritário, e da sentença sob censura [quanto à classificação do solo], nomeadamente, pelas seguintes razões:

- De acordo com o disposto no art.º 9º, n.ºs 2.1, alínea e) e 2.2 alínea c), do PDM de Viseu[8], dada a natureza de radial da EN 2, com que confina a parcela expropriada, não é possível, a partir da mesma, o acesso directo a tal via;

- Existem ónus non aedificandi decorrentes da alínea b) do n.º 2.1, do mesmo art.º [ex vi alínea c) do n.º 2.2];

- Faltando, nomeadamente, as redes de abastecimento de água e de saneamento, a descrita factualidade é insuficiente para concretizar o conceito de núcleo urbano;

- Ainda que o preenchesse, seria porventura insuficiente para classificar a parcela expropriada como solo apto para a construção, dado que o PDM de Viseu integra a parcela em área florestal e, se o seu art.º 39º, n.ºs 1, alínea a) e 3, alínea a),[9] permite a edificação de habitação unifamiliar desde que a área do terreno seja igual ou superior a 10 000 m2 (área de que a parte sobrante continua a dispor), tal possibilidade, encontrando-se a parcela inserida em “UOPG 1”, poderá ser restringida ou denegada pelo art.º 42º do mesmo PDM[10].

5. Nos termos do art.º 25º, para efeito do cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em: a) Solo apto para construção; b) Solo para outros fins (n.º 1)

Preceitua-se no mesmo art.º que se considera solo apto para construção: a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede da abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir; b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente; c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a); d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº 5 do artigo 10º (n.º 2); considera-se solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior (n.º 3).

Assim, o n.º 2 do art.º 25º considera solo apto para construção, no que aqui releva, o que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir [alínea a)] ou o que apenas dispõe de parte dessas infra-estruturas, mas se integra em núcleo urbano [alínea b)].

Conceito indeterminado, não define a lei o que seja núcleo urbano.

A jurisprudência e a doutrina têm-no equiparado ao de aglomerado urbano, por sua vez definido no n.º 1 do art.º 62º do DL n.º 794/76, de 5.11 (Lei dos Solos), como o “núcleo de edificações autorizadas e respectiva área envolvente, possuindo vias públicas pavimentadas e que seja servido por rede de abastecimento domiciliário de água e de drenagem de esgotos, sendo o seu perímetro definido pelos pontos distanciados 50 m das vias públicas onde terminam aquelas infra-estruturas urbanísticas”.[11]

Outros diplomas atinentes à disciplina e gestão territorial usaram expressões como espaço urbano, perímetro urbano, desenho urbano (DL n.º 380/99, de 22.9) ou área urbana (DL n.º 334/95, de 28.12).

Nestas situações, a qualificação do solo urbano processa-se através da integração em categorias que conferem a susceptibilidade de urbanização ou edificação; para integrar tal conceito não bastará um critério de proximidade com outras habitações ou povoamento disperso[12].

Decorre do exposto que, para se poder afirmar a existência de um núcleo urbano, é necessário que haja um conjunto coerente e articulado de edificações e terrenos envolventes, marginados por vias públicas urbanas pavimentadas e dotado de rede de água e de saneamento, que se apresente como um pólo ou malha aglutinadora de vida urbana.[13]

A parcela em apreço, não obstante dispor de rede de energia eléctrica em baixa tensão e de se localizar próximo de aglomerado urbano/Repeses (a cerca de 500 metros), numa zona onde existem moradias unifamiliares dispersas, não preenche os requisitos para que se conclua que está contida num qualquer núcleo urbano, o qual, como se expôs, pressupõe determinada articulação e que, in casu, não existe.

Por conseguinte, faltando os requisitos da mencionada alínea b) do n .º 2 do art.º 25º, a parcela em questão, neste enquadramento normativo, apenas poderá ser classificada como solo para outros fins, na definição residual do n.º 3 do mesmo art.º.

6. Sustentando-se porventura a integração da dita parcela em núcleo urbano, nem assim poderíamos classificá-la como solo apto para construção, por a tanto se opor o PDM de Viseu que a situa em “espaço florestal” e estabelece limitações que afastam quaisquer expectativas quanto a uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa.

Neste contexto, tem vindo a ganhar consistência o entendimento de que para que determinado solo possa ser classificado como apto para construção não basta a verificação dos requisitos das alíneas do n.º 2 do art.º 25º, importando antes saber se a lei ou qualquer regulamento o impedem e se a construção nesse solo constitui o seu aproveitamento económico normal.

Considera-se, pois, que um solo apto para construção é aquele onde, efectivamente, é possível edificar - para se poder classificar um solo como apto para construção, tem de apresentar condições materiais/concretas e jurídicas que permitam a edificação; e a ter-se como certa aquela capacidade, partindo apenas das regras das alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 25º, tal afronta os princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização por se atribuir ao proprietário de um solo expropriado um montante indemnizatório superior ao preço que outros proprietários em idênticas situações, mas não abrangidos por uma expropriação, obteriam com a sua venda no mercado livre.[14]

7. No caso em análise, o PDM de Viseu exclui o solo da parcela em causa como solo com aptidão edificativa, caindo-se na natureza subsidiária de solo para outros fins [cf., sobretudo, II. 1. alíneas a), d), e), f) e g) e 2., supra].

Dito de outra forma, podemos concluir que o solo em causa estava regulamentarmente vinculado, em instrumento de gestão territorial, a um destino diverso da construção, limitando-se ou afastando-se, assim, a sua potencialidade edificativa, o que deverá ser respeitado, sob pena de violação do critério da justa indemnização e do princípio da igualdade.

Sendo à luz deste entendimento que o caso em análise deverá ser perspectivado, dúvidas não restam de que, para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo da parcela expropriada deverá ser classificado como “solo para outros fins” [art.ºs 25º, n.ºs 1, alínea b) e 3, e 27º].[15]

8. Resolvida a questão da classificação dos solos, resta o problema do cálculo do valor da parcela expropriada.

            A justa indemnização determina-se pelo recurso à lei ordinária, que disciplina o seu apuramento, no presente caso, essencialmente, o Código das Expropriações e os preceitos do PDM de Viseu.

A expropriação por utilidade pública de quaisquer bens ou direitos confere ao expropriado o direito de receber o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização, que não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data (art.º 23º, n.º 1).

Trata-se de um princípio geral de direito que rege a indemnização por expropriação, consistente em que esta deve ser calculada tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública (sem prejuízo da actualização à data da decisão final do processo, nos termos do art.º 24º)[16].

Segundo a doutrina e a jurisprudência dominantes, a justa indemnização, ou seja, o valor real e corrente do bem, corresponde à importância que nas condições normais de mercado livre o expropriado obteria (“valor real e corrente dos bens numa situação normal de mercado”), de modo a ser reposto no seu património o valor equivalente ao do bem de que fica privado, com referência à data da declaração de utilidade pública e considerados todos os elementos valorativos do prédio que, numa análise objectiva da situação e segundo a opinião generalizada do mercado, nunca possam nem devam ser desprezados.

9. A expropriação é, como se sabe, um processo especial no qual a avaliação aparece como diligência fundamental, inevitável (art.º 61º, n.º 2), que funciona em concreto como “rainha das provas”.

Por isso se tem entendido que traduzindo-se a determinação do valor da coisa expropriada essencialmente num problema técnico, deve o juiz aderir, em princípio, aos pareceres dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal quando haja unanimidade destes (face à sua posição de imparcialidade e à garantia de uma melhor objectividade por eles oferecida). Ponto é que se observem os critérios legais, sendo certo que o juiz decidirá segundo a sua convicção, formada sobre a livre apreciação das provas (apreciará livremente os elementos de prova, sem estar sujeito ao laudo dos peritos).[17]

O único objectivo que se pretende atingir com a indemnização por expropriação é a justa indemnização dos danos suportados pelo expropriado, em termos de não ser constitucionalmente legítimo afastar daquela quaisquer elementos valorativos ou acrescentar-lhe outros que distorçam “(positiva ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação”.[18]

Os peritos e o tribunal não poderão deixar de fundamentar adequadamente o valor da indemnização e indicar os critérios objectivos (qualitativos e quantitativos) do seu apuramento.

10. Na situação em análise, faltando os elementos a que se refere o art.º 27º, n.ºs 1 e 2, a avaliação (como solo para outros fins) deverá obedecer ao disposto no n.º 3 do mesmo art.º - o valor do solo será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo.

Vistos os relatórios subscritos pelo Perito da expropriante e pelo Perito nomeado pelo Tribunal, de fls. 157 e 175, respectivamente, e tendo-se por mais razoável e isenta a perspectiva defendida pelo segundo, nomeadamente, no tocante aos factores de cálculo “produção máxima”, preço médio para a madeira, encargos de exploração, taxa de capitalização e a valorização da parcela em função da localização (alguns dos itens coincidentes com os daquele primeiro Perito), temos por adequado o valor indemnizatório encontrado de € 2 950 [cf. fls. 179 e 180, cujo teor se dá aqui por reproduzido].

Conclui-se, assim, que as “conclusões” da alegação de recurso procedem em parte, com a consequente redução do montante a pagar pela entidade expropriante aos expropriados a título de justa indemnização.


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III. Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogando nessa medida a sentença recorrida, condena-se a expropriante a pagar aos expropriados a indemnização de € 2 950 (dois mil novecentos e cinquenta euros), mantendo-se no mais o decidido.

Custas, na 1ª instância, segundo o decaimento, e, na apelação, na proporção de 4/5 e 1/5, por expropriados e expropriante, respectivamente.


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Fonte Ramos ( Relator )

Carlos Querido

Virgílio Mateus


[1]Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem, aplicável ao caso vertente, já que o facto constitutivo da relação jurídica da expropriação (a declaração de utilidade pública) ocorreu na vigência deste diploma – cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 18.6.1974, 02.12.1975 e 20.11.1986, e da RE de 12.5.1994, in, respectivamente, BMJ n.ºs 238º, 160; 252º, 83 e 361º, 490 e CJ, XIX, 3, 269.

    De resto, nos termos da lei, o montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública (cf. art.º 24º, n.º 1, do código vigente).
[2] Considerados os documentos juntos aos autos, designadamente, o mapa anexo à declaração de utilidade pública, o auto de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” de 08.3.2006 (fls. 24 – documento que, no entanto, indicou erradamente a área da parcela), os relatórios periciais (sobretudo, as respostas aos quesitos apresentados pelas partes) e o ofício da Câmara Municipal de Viseu de fls. 153.
[3] Rectificou-se, sendo que o termo tem o significado de “nativo” ou “natural” [cf. Dicionário de Língua Portuguesa, 5ª edição, Porto Editora, pág. 987], in casu, quererá significar que surgiram espontaneamente no terreno em causa.
[4] Concretizou-se a factualidade mencionada nas respostas aos quesitos apresentados pelas partes, retirando-se a seguinte “conclusão”, que integrava a factualidade considerada pelo Tribunal recorrido e fora extraída do “laudo maioritário” (fls. 187, in fine): “A parcela está integrada em núcleo urbano consolidado, em fase de crescimento, com a implantação na sua envolvente de diversas moradias unifamiliares, espaços comerciais e de armazenamento.
[5] Cf., quanto aos peritos subscritores do laudo maioritário, fls. 185.
[6] Cf. os acórdãos desta Relação de 05.5.2009-processo 1698/06.1TBVIS.C1, 21.12.2010-processo 4001/08.2TBVIS.C1 [cf., a respeito deste acórdão, “nota 15”, infra], 12.4.2011-processo 4002/08.0TBVIS.C1 e 13.9.2011-processo 2427/08.0TBVIS.C1, o primeiro, não publicado, e os restantes, publicados no “site” da dgsi.
[7] Cf. “nota 6”, supra.
[8] Ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 173/95, I Série-B, de 19.12.1995, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 10-F/96, DR, I Série-B de 31.5.1996 e alterado pela Declaração n.º 306/2000, DR, II Série, de 23.9.2000.

[9] O regulamento do PDM prevê no n.º1 do art.º 39º [art.º com a epígrafe “Espaço Florestal I”] que “O uso permitido será predominantemente florestal, sendo permitida a construção de edificações ou de instalações relacionadas com as seguintes áreas ou actividades: a) Edificações de habitação unifamiliar, reconstrução e ampliação de edificações; b) Instalações de apoio exclusivamente agrícola ou de apoio à produção florestal; c) Instalação agro-pecuária; d) Edificações referentes ao turismo rural, turismo de habitação e unidades de exploração hoteleira; e) Instalações industriais; f) Instalações comerciais ou de armazenagem”.
[10] Preceitua o art.º 42º [com a epígrafe “Restrições”]: “As disposições constantes do espaço florestal I referentes aos n.ºs 1, alíneas a) (salvo quanto à reconstrução e ampliação de edificações da natureza habitacional), c), d), e) e f), e 2, alíneas d) e e), do artigo 39º, bem como as disposições constantes do espaço florestal II referentes ao n.º 1, alíneas d) e e), do art.º 40º, não serão aplicáveis desde que as mesmas se encontrem inseridas na UOPG 1”.
[11] Cf., de entre vários, os acórdãos da RL de 08.4.1986 e da RG de 16.3.2005, in CJ, XI, 2,108 e XXX, 2, 287 e F. Alves Correia, in A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre as Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, RLJ, 133º, pág. 50, nota (93).
[12] Cf. o cit. acórdão da RG de 16.3.2005.
[13] Cf., neste sentido, o citado acórdão desta Relação de 12.4.2011-processo 4002/08.0TBVIS.C1, louvando-se no ensinamento de Melo Ferreira, Código das Expropriações, Anotado, 4ª edição, pág. 185.
    Vide, ainda, de entre vários, os acórdãos da RL de 05.12.1991-processo 0044412 e 18.4.1996-processo 0029706, publicados no “site” da dgsi.

[14] Vide Pedro Elias da Costa, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, 2ª edição, págs. 281 e seguintes.

    Cf. ainda, sobretudo, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 37/2011, de 25.01.2011, in DR, II Série, de 28.3.2011, que julgou inconstitucional, por violação do critério da “justa indemnização” (artigo 62.º, n.º 2, da Constituição) e do princípio da igualdade (artigo 13º), a norma do artigo 25º, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, com as alterações posteriores), quando interpretada no sentido declassificar como solo apto para construção um solo abrangido em plano director municipal por área florestal estruturante”, com total desconsideração desta vinculação administrativa e, depois, o acórdão do STJ n.º 6/2011, de 07.4.2011 (publicado no DR, I Série, de 17.5.2011), através do qual, e com a unanimidade dos Senhores Juízes Conselheiros, foi uniformizada a jurisprudência nos seguintes termos: “Os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como «solo apto para construção», nos termos do art.º 25º, n.º 1, alínea a), e 2 do Código das Expropriações, aprovado pelo art.º 1º da Lei 168/99, de 18 de Setembro, ainda que preencham os requisitos previstos naquele n.º 2”.

[15] Atendendo a que na decisão recorrida, e na resposta à alegação de recurso, foi invocado, em defesa do decidido, o expendido no cit. acórdão desta Relação de 21.12.2010-processo 4001/08.2TBVIS.C1, impõe-se precisar o seguinte: neste aresto, com diversa factualidade, foi considerada a capacidade edificativa à luz do disposto no art.º 25°, n.º 2, alínea a), do CE, e que “os elementos recolhidos nos autos não permitem vislumbrar que algum inconveniente ou impedimento a tal se verifique”, tendo-se por prejudicado/desnecessário tomar posição sobre a controvertida temática do que deva entender-se por “núcleo urbano” e “aglomerado urbano”, suscitada pela apelante/expropriante na alegação de recurso; mais se ponderou que para a classificação do solo como apto para construção não basta que se verifique qualquer dos requisitos que o legislador estabeleceu nas alíneas do n.º 2 do art.º 25º, do CE, os quais só constituem prova da aptidão construtiva de um solo desde que tal não seja afastado por lei ou regulamento especial e a construção nesse solo constitua o seu aproveitamento económico normal - daí, de resto, a primeira das conclusões deste aresto, ao referir que “um solo apto para construção é aquele que apresenta condições materiais e jurídicas que permitam a construção, não tendo essa potencialidade edificativa, necessariamente, de ser imediata, podendo, outrossim, ser muito próxima”.

[16] Cf., entre outros, F. Alves Correia, RLJ, 134º, pág. 99.
[17] Vide, neste sentido, designadamente, os acórdãos da RE de 09.12.1993 e da RL de 30.6.2005, in BMJ, 432º, 449 e CJ, XXX, 3, 116, respectivamente, e os diversos arestos referidos por F. Alves Correia em A Jurisprudência do Tribunal Constitucional, cit./RLJ, 133º, pág. 16, notas 87 e 88.
[18] Vide F. Alves Correia, Estudo cit., RLJ, 132º, págs. 235 e seguinte e RLJ, 134º, pág. 98.