Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5730/06.0TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: REIVINDICAÇÃO
PODERES DE FACTO
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
Data do Acordão: 03/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 343º/1 DO C.C. E ART. 7.º DO C.R. PREDIAL.
Sumário: 1 - Para apurar dos poderes de facto exercidos sobre porções de terreno em disputa, os documentos das finanças, da conservatória e as escrituras não dão contributos categóricos e concludentes; aliás, não existindo (no caso, como na maior parte do país) um cadastro geométrico da propriedade, é relativamente acessível fazer constar das inscrições fiscais e das descrições prediais os elementos estimados como mais favoráveis, na convicção errónea de que se deu um passo decisivo para alcançar/segurar “direitos”.

2 - Ciente da “criatividade” na configuração predial – facilitada pelo modo como se obtêm artigos matriciais favoráveis, pelo modo como se fazem justificações notariais e pelo modo como se descrevem prédios – e na definição/configuração autónoma das “coisas” reivindicadas, resta ao tribunal um escrutínio atento e perspicaz sobre os poderes de facto ao longo do tempo sobre as “coisas” reivindicadas.

3 – A impugnação da escritura de justificação notarial, uma vez que está em causa declarar sem efeito – isto é, inexistente – o direito afirmado em tal escritura, é uma acção de simples apreciação negativa; sendo, de acordo com o art. 343º/1 do C.C., ao impugnado que compete provar os factos constitutivos do direito que se arrogou na escritura de justificação.

4 – Ainda que o justificante/impugnado tenha logrado o registo de aquisição a seu favor por usucapião, não ocorre qualquer inversão do ónus da prova; uma vez que a aquisição por usucapião afirmada na escritura de justificação e, com base nela, levado ao registo passa a estar incerta com a impugnação deduzida, não podendo assim o justificante beneficiar da presunção do art. 7.º do C.R. Predial..

5 – A usucapião é uma forma de aquisição originária do direito real, não é o direito anterior, que tão só se extingue; não se podendo pois dizer que pela sua invocação se realiza um destaque, um loteamento ou uma divisão de prédios com área inferior à unidade de cultura, uma vez que a coisa é possuída como autónoma e é essa posse dessa coisa possuída, como autónoma, que é causa de usucapião.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... , residente na Rua (...) , Leira, prosseguiu – devidamente habilitado em substituição dos seus pais, B... , também conhecido por BB..., e C... , também residentes na Rua (...) , Leira, falecidos no decurso dos autos – na presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário (hoje, comum), que os habilitandos intentaram contra D..., residente na Rua (...) , Cascais – entretanto também falecida e de que foram habilitados para prosseguir, em sua substituição, E... , F... , G... , H.... e I... , todos com os sinais dos autos – contra “J... , Lda.”, com sede na Av.ª (...) , em Leiria, e contra L... e mulher, M... , residentes na Rua (...) , Leiria; em que terminaram pedindo sejam condenados:

«a) a R. D... a reconhecer que nunca foi dona nem legítima possuidora dos prédios identificados no art.º 12.º desta petição, em relação aos quais outorgou escritura de justificação notarial em que se arrogou sua legítima proprietária, por efeito de usucapião, devendo tal escritura ser declarada nula e de nenhum efeito;

 b) todos os RR. a reconhecer que os prédios inscritos na respectiva matriz predial sob os arts. 24.389.º, 24390.º e 24392.º são os mesmos prédios que se encontram inscritos na matriz predial sob os arts. 6920.º e 6922.º;

 c) todos os RR. a reconhecer que estes prédios pertencem aos AA.;

 d) todos os RR. a ver ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos efectuados com base na mencionada escritura de justificação e escrituras de compra e venda a que se lhe seguiram;

 e) todos os RR. a verem declaradas nulas e nenhum efeito as escrituras de compra e venda a que se alude nos arts. 28 e 29

 f) a R. D... a pagar aos AA. a quantia de € 5.000,00 a título de indemnização, acrescida de juros calculados à taxa legal desde a citação até integral pagamento».

Para tanto, alegaram os primitivos AA., em síntese:

Quanto ao prédio inscrito na matriz sob o art. 6920.º, que o (primitivos AA.) compraram, no início de 1979, a N..., não tendo, no entanto, formalizado tal negócio, sendo que, desde o início de tal ano de 1979, o vêm retendo e fruindo, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de exercerem um direito próprio, tratando o pinhal, cortando o mato, resinando e pagando a respectiva contribuição; sucedendo que, em 1980, familiares da primitiva R. D... cortaram 70 % do arvoredo de tal prédio, tendo sido o filho dos primitivos AA., A... , quem impediu o abate completo das árvores, não mais ali voltando a entrar quem quer que fosse.

Quanto ao prédio inscrito no artigo 6922.º, que, tratando-se de terreno que foi baldio, desde há mais de 50 anos, os primitivos AA. o vêm retendo e fruindo, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de exercerem um direito próprio, tratando o pinhal, cortando o mato e resinando, pagando a respectiva contribuição.

Mais alegaram:

Que, no dia 16/7/2004, a primitiva R. D... justificou a aquisição, por usucapião, de três prédios rústicos – inscritos, respectivamente, na matriz sob o artigo 24389.º, 24390.º e 24392.º – por os ter adquirido verbalmente em partilhas por óbito de seus pais, porém, as declarações prestadas em tal escritura são falsas, uma vez que os prédios ali mencionados nunca pertenceram ao pai da primitiva R. D... ; uma vez que os prédios com os artigos 24389.º e 24390.º correspondem ao prédio inscrito no artigo 6920.º e o prédio com o artigo 24392.º corresponde ao prédio inscrito no artigo 6922.º.

Que, em Fevereiro e Abril de 2005, a primitiva R. D... , ou alguém a seu mando, cortou, nos referidos prédios 6920.º e 6922.º, cerca de 250 pinheiros, parte deles resinados e outra parte pinheiros com 20 anos, e ainda alguns eucaliptos, o que causou um prejuízo nunca inferior a € 5.000,00.

E que, por escritura de 23/12/2005, a primitiva R. D... vendeu à R. “IJR” o prédio inscrito na matriz sob o artigo 24389.º e, por escritura de 20/1/2006, vendeu aos RR. L... e mulher o prédio inscrito na matriz sob o artigo 24390.º; em ambos os casos, como resulta do antes referido, bens alheios.

Os primitivos RR. apresentaram contestação conjunta, em que impugnam a generalidade dos factos alegados pelos primitivos AA., deduzindo, em harmonia com a impugnação, reconvenção em que pedem sejam os AA. condenados a:

«a) reconhecer a R. D... como legítima possuidora e proprietária do prédio inscrito na matriz sob o artigo 24392.º da freguesia de x(...) e identificado em 3.º lugar do artigo 12 da petição inicial, por o ter adquirido por usucapião;

«b) reconhecer a R. “IJR” como legítima possuidora e proprietária do prédio inscrito na matriz sob o artigo 24389.º da freguesia de x(...) e identificado em 1.º lugar do artigo 12 da petição inicial, por o ter adquirido por compra à R. D... , que por sua vez o tinha adquirido por usucapião;

«c) reconhecer os RR. L... e mulher como legítimos possuidores e proprietários do prédio inscrito na matriz sob o artigo 24390.º da freguesia de x(...) e identificado em 2.º lugar do artigo 12 da petição inicial, por o ter adquirido por compra à R. D... , que por sua vez o tinha adquirido por usucapião»

Se assim não se entender, subsidiariamente, pedem:

«d) que os AA. sejam condenados a reconhecerem a R. “IJR” como legítima proprietária do prédio inscrito na matriz sob o artigo 24389 da freguesia de x(...) e identificado em 1.º lugar do artigo 12 da petição inicial, por o ter adquirido por usucapião;

«e) que os AA. sejam condenados a reconhecerem os RR. L... e mulher como legítimos proprietários do prédio inscrito na matriz sob o artigo 24390 da freguesia de x(...) e identificado em 2.º lugar do artigo 12 da petição inicial, por o ter adquirido por usucapião»

Em qualquer dos casos:

«f) que os AA. se abstenham de entrar e/ou praticar quaisquer actos físicos e/ou utilizarem os prédios dos RR. identificados em 12 da petição inicial

«g) que os AA. vejam declaradas nulas e de nenhum efeito as declarações de posse e exercício de direito de propriedade na escritura de justificação de 22/6/2005, no Cartório de Q..., exarada de fls. 58 a 59v do Livro 6-A e que a mesma seja declarada nula e de nenhum efeito;

«h) que os AA. vejam ordenado o cancelamento das descrições constantes dos registos n.º 6862/20050824 e n.º 6863/20050824 e respectivas inscrições G-1, ambos da freguesia de x(...) descritos na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria.»

 i) que os AA. sejam condenados como litigantes de má fé, em indemnização a favor dos RR., correspondente às despesas e honorários ao mandatário destes, de montante não inferior a € 10.000,00.

Alegaram para tal – quer em sede meramente impugnatória quer a título reconvencional – que os prédios identificados no artigo 12 da PI, desde o início da década de 1950, estão na posse e propriedade de K... (pai da primitiva R. D... ) e herdeiros deste; que tais prédios, juntamente com outro circundante (artigo 24391.º) faziam parte do prédio inscrito na matriz sob o artigo 2563.º, correspondente à verba 525 da escritura de partilhas, que foi adjudicado à primitiva R. D... ; e que, com o alargamento e abertura de caminhos e a transformação destes em estradas alcatroadas, os prédios tornaram-se autónomos em área, composição, confrontações, destino e forma de os possuir, pelo que a primitiva R. D... participou-os à matriz como omissos e fez a justificação para proceder ao registo a seu favor.

Assim, desde a década de 50 do século passado, até aos dias de hoje, os pinheiros de todos os prédios identificados no artigo 12 da PI foram resinados a mando e por autorização de K... e família deste, que recebiam o valor da resina, autorizavam a venda e o corte do mato ali existente, mandavam limpar o terreno dos pinhais; sendo considerados pelos habitantes da freguesia de x(...) como donos e possuidores daqueles prédios. Aliás, acrescentam, nos anos 80, a primitiva R. D... mandou cortar as árvores existentes nos prédios identificados em 12 da petição inicial, o que foi do conhecimento do A. que nunca se opôs; e porque estava em negociações com o primitivo A. marido não cortou as árvores do prédio 21392.º, negociações que foram retomadas no início da década de 1990 e que não se concretizaram, uma vez que, no dia 15/4/2005, o filho do primitivo A. marido (o habilitado) disse a T..., representante da primitiva R. D... , que já não estavam interessados no negócio e que “ia resolver as coisas de outra maneira”.

Os primitivos AA. replicaram, mantendo o alegado na PI, impugnando o conteúdo da reconvenção e pedindo a condenação dos RR. em litigância de má fé e em «multa a favor dos AA. correspondente às despesas e honorários a advogado que, nesta altura, não sendo susceptíveis de cálculo, se relegam para liquidação.»

Os RR. treplicaram mantendo o antes alegado.

Admitida a reconvenção, foi proferido despacho saneador – que julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa.

Instruído o processo, procedeu-se a julgamento – já à luz do NCPC – que decorreu com observância do legal formalismo, após o que foi proferida a seguinte sentença:

“ (…) pelo exposto,

a) julgo improcedente, por não provada, a acção e, em consequência, absolvo os RR. e Habilitados dos pedidos contra si formulados pelos AA. e Habilitado;

b) julgo procedente, por provada, a reconvenção e, em consequência, - condeno o Habilitado A... a reconhecer D... legítima possuidora e proprietária do prédio inscrito na matriz sob o artigo 24.392.º da freguesia de x(...) e identificado em terceiro lugar no artigo 12 da petição inicial, por o ter adquirido por usucapião;

- condeno o Habilitado A... a reconhecer a R. “IJR” como legítima possuidora e proprietária do prédio inscrito na matriz sob o artigo 24.389.º da freguesia de x(...) e identificado em primeiro lugar no artigo 12 da petição inicial, por o ter adquirido por compra à R. D... , que por sua vez o tinha adquirido por usucapião;

- condeno o Habilitado A... a reconhecer os RR. L... e mulher como legítimos possuidores e proprietários do prédio inscrito na matriz sob o artigo 24.390.º da freguesia de x(...) e identificado em segundo lugar no artigo 12 da petição inicial, por o ter adquirido por compra à R. D... , que por sua vez o tinha adquirido por usucapião;

- condeno o Habilitado A... a abster-se de entrar e/ou praticar quaisquer actos físicos e/ou utilizar os prédios identificados no artigo 12 da petição inicial;

- declaro inexistente o direito de propriedade invocado por B... e C... na escritura de justificação notarial, lavrada no Cartório Notarial de Q... , em 22 de Junho de 2005, exarada de fls. 58 a 59 v. do Livro 6-A, a que se refere o número 3 dos factos provados;

- ordeno o cancelamento de todos os registos eventualmente feitos, ou a fazer, com base na mesma escritura.

c) julgo improcedente o pedido de condenação dos RR. como litigantes de má fé;

d) julgo procedente o pedido de condenação dos AA./Habilitado A... como litigantes de má fé e, em consequência, condeno-os no pagamento de 3 (três) U.C. a título de multa e no pagamento aos RR. da indemnização que, oportunamente, se fixará. (…)”

Inconformado com tal decisão, interpôs o A/habilitado recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que revogue/inverta o decidido, julgando procedente a acção e improcedente a reconvenção.

Terminou a sua alegação com “algo” (10 páginas) que designou como conclusões – ao arrepio da “forma sintética” exigida pelo art. 639.º/1 do CPC – e que aqui transcrevemos até para se ver que são longas e que não são verdadeiras conclusões:

1ª - O prédio composto de terra, pinhal e mato, com a área de 18.000 m 2 , sito em y(...) , freguesia de x(...) , a confrontar do Norte com Rua Principal, Sul com (...) , Nascente com Estrada Municipal e Poente com a Junta de Freguesia de x(...) , encontra-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 6920.º e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º 6862/20050824, a favor dos AA., B... e mulher C... , por usucapião, através da Ap. 54 de 24/8/2005 – alínea A) dos Factos Assentes;

2ª - O prédio rústico composto de terra com eucaliptos, pinhal e mato, atravessado por caminho, com a área de 7.327 m2, sito no y(...) , freguesia de x(...) , a confrontar do Norte com (...), Sul com Rua Principal, Nascente com Estrada Municipal e Poente com caminho, encontra-se inscrito a matriz predial rústica sob o artigo 6922.º e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º 6863/20050824, a favor dos AA., B... e mulher C... , por usucapião, através da Ap. 54 de 24/8/2005 – alínea B) dos F.A.;

3ª - Tais prédios conservam hoje os mesmos artigos matriciais à data da entrada em vigor da matriz predial rústica da freguesia do x(...) em 1960.

4ª - Os mesmos correspondem às seguintes cores do “Croqui” dos RR: apresentado às testemunhas e sobre as quais incidiu a sua inquirição:

- O artº 6920 à cor azul e vermelha

- O artº 6922 à cor verde e salmão

5ª - O artigo 6920 consta na mesma matriz, e desde 1979, em nome do autor B... através do pagamento do imposto de sisa por compra a N... seu anterior titular na mesma.

6ª - O artº 6922 sempre esteve em tal matriz em nome do Autor marido, o mesmo B... .

7ª - Tais prédios correspondentes a tais artigos matriciais foram objecto de escritura de justificação notarial outorgada pelos autores em 22/6/2005 e registados a favor destes conforme supra descrito.

8ª - No dia 16/7/2004, no Cartório Notarial de Pombal, T..., na qualidade de procurador da R. D... , justificou a aquisição por usucapião por parte daquela dos seguintes imóveis, situados na freguesia do x(...) : (…)

6ª - Na dita escritura de justificação, a R. D... declarou, através do seu mencionado representante, que os referidos imóveis lhe pertencem “por ter acertado verbalmente a sua partilha por óbito de K... e mulher S... com a respectiva entrega, há mais de 20 anos, o que nunca chegou a ser formalizado, posse essa que se tem exercido sem a menor oposição de quem quer que seja, desde o seu início sem interrupção e ostensivamente com conhecimento de toda a gente e traduzida em actos materiais de fruição, nomeadamente pagando as respectivas contribuições e amanhando os mesmos, sendo portanto uma posse pacífica, contínua e pública pelo que a referida mandante aos adquiriu por usucapião.

7ª - Os artigos 24.392, 24.389 e 24.390, referidos, foram inscritos pela Ré D... – na matriz no ano de 2003 alínea G);

(…)

9ª - Por escritura outorgada em 15/6/1990, no Cartório Notarial de Ansião, foram partilhados os bens que pertenceram a K... e mulher; e à Ré D... foram adjudicados, entre outros bens, os imóveis situados na freguesia de x(...) , correspondentes os artigos matriciais 2.504, 2.563 (“Terra de pinhal e mato sita em Atalho, com área de trezentos e cinquenta e quatro mil trezentos metros quadrados, que confronta do norte com (...) , (...) e outro, do nascente com caminho, do sul com estrada, caminho e Mata Nacional, e do poente com caminho, (...) , e (...) ”) e 2.573 - alínea J);

10ª - Sendo esta escritura um documento autêntico não se vê como se pode concluir como se fez na sentença que só foram partilhados “parte” dos bens do K... já que dela consta apenas que se procede à partilha da herança do mesmo. A herança é composta pela totalidade dos bens.

11ª - Não se pode concluir como se concluiu que haja correspondência entre os prédios adjudicados à Ré D... e os participados e objecto de justificação por esta e em questão nos autos. Os mesmos não mantêm qualquer semelhança nem de localização, nem de áreas nem de confrontações.

12ª - A mesma Ré não podia afirmar, como o fez, que eles pertenciam à referida herança como ainda que tinha a posse dos mesmos por mais de 20 anos designadamente pagando os respetivos impostos. Face à participação matricial dos mesmos apenas em 2003 não tinha tal posse nem pagou qualquer imposto sobre os mesmos até a essa data. Ao participá-los como omissos quis dizer isso mesmo: que não provêm de outros.

13ª - Logo a sua posse (a existir) é apenas desde 2003, o que necessariamente conduz à improcedência do pedido reconvencional na sua totalidade.

14ª - Não foi dado por provada a correspondência entre os prédios (e artigos matriciais) objecto de justificação notarial entre as escrituras outorgadas quer pelos autores quer pela Ré D... através de procurador.

15ª - A manter-se esta matéria de facto como não provada a não coincidência entre os prédios inscritos na matriz sob os artigos 6920 e 6922 com os 24308, 24390 e 24392, não pode a sentença decretar nesta parte procedente a reconvenção. Aliás os RR. Nem contestam que os AA. sejam donos de prédios com os referidos artigos 6920 e 6922. A tese dos RR. É a validade do seu direito sobre os art. objeto da escritura de justificação outorgada pela Ré D... os referidos 24389, 24390 e 24392 por esta participados e inscritos na matriz em 2003. Em lado algum (pelo contrário, ver artº 4º da contestação) os RR. Admitem a correspondência e a inerente colisão de direitos de propriedade sobre os mesmos prédios (aliás esta matéria consta expressamente na sentença dos factos não provados).

16ª - O que dizem é que são coisas diferentes e que naquele local e com as características enunciadas pelos AA., nenhum prédio eles lá têm. Daqui não se pode concluir que há essa sobreposição de prédios e artigos vai, no ver do recorrente, uma distância intransponível que não permite anular a escritura de justificação porque realizada apenas em relação aos artigos 6920 e 6922 bem como as correspondentes descrições registrais de que, face destas, até goza da presunção de ser seu o direito de propriedade, cabendo, por isso, o ónus aos RR. da tese contrária, o que não lograram fazer.

17ª Assim, e pelo menos nesta parte, tem de ser revogada a sentença e manter-se a escritura de justificação outorgada pelos autores quanto a esses artigos e as inerentes descrições registrais, pedido que aqui se formula para a hipótese (e sem conceder) de vir a ser improcedente a ação.

18ª - Face aos depoimentos testemunhais supra transcritos, e embora a inquirição em sala de audiências não seja apropriada ao esclarecimento pela testemunha das questões em apreço sobretudo porque normalmente não conseguem identificar os prédios pelos documentos e até pelo “croquis”, é credível e suficientemente claro o depoimento do X..., Z..., W... (filho do vendedor N... ), R... o, Y..., AA...e CC... e, ainda, algumas testemunhas dos RR. Como o próprio T...e DD... (pessoa que trabalhou com a matriz durante décadas e residente perto do local) a que permitem responder afirmativamente aos nºs 1º a 18º e 76º a 104º da Base Instrutória. Designadamente quanto à compra pelo Autor a N... (artº 1º da Base Instrutória)

19ª - Mas podemos, ainda, concluir que as testemunhas dos autores tinham conhecimento da generalidade dos factos alegados por estes tendo infirmado que os arts. 6920 e 6922, pertencem a estes, e os RR não põem em causa, encontram-se inscritos na matriz desde 1960. Ao contrário, os arts. 24389, 24390 e 24392 foram inscritos na matriz em 2003. Obviamente com vista à celebração da escritura de justificação outorgada em 16 de Julho de 2004 e posterior venda aos RR;

2. O pagamento da sisa em 1979 pelo autor não deve ter sido obra do caso e vontade de gastar dinheiro em impostos. Ao tempo usava-se assim. A testemunha N... , filho daquele N... vendedor; referiu expressamente ter este prédio pertencido ao avô que tinha uma dívida ao U... e que, foi o pai que pagou essa dívida, razão pela qual ficou ele com o prédio; porque a testemunha não o quis comprar ao pai, este vendeu-o ao B... ; Esta asserção doi confirmada por Z... e GG... (netos do N... ) e por X... ( a justificar também a alteração da matéria de facto dada por provada na sentença e com base na resposta que deveria ter sido positivamente dada aos artºs 1º a 18º quanto á aquisição e posse pelos autores).

3. No seguimento da resposta positiva a dar aos mesmos artigos da base instrutória temos o depoimento das testemunhas R.. , Y..., AA...e ZZ.. .

4. de notar o depoimento de DD... que disse saber que o U... tinha ali muitos terrenos; no entanto, foi peremptório a afirmar que o terreno assinalado a azul não era do U...; confrontado com a planta, foi seguramente a testemunha que melhor identificou os locais, distinguindo a zona do Atalho do y(...) ;

20ª - Quanto aos factos constantes dos artigos 19 (este na palavra “parte”) a 75 da base instrutória não foram confirmados com nenhum rigor por qualquer testemunha. É completamente anómala a matéria de facto constante de múltiplos artigos e de que é mero exemplo o artº 44º. Então em 1986 a Ré não cortou as árvores porque queria vender o prédio 24392 aos AA?! Bom, mas este artigo foi criado em 2003 pela mesma… e o 39º (se ao tempo não havia ainda as estradas alteradas em os artigos matriciais ora em questão)?

21ª - E daí em diante nada convence quanto a negociações, preços (sempre diferentes, veja-se o 48, 52 e 57) e o 50º já que a carta junta aos autos e não marca nem convoca os AA. para qualquer escritura e ao ponto 37 da sentença não pode dar por provado o que não consta de tal documento Doc. 6 da Réplica e 7 do apenso).

22ª - Acresce que, em relação a estes artigos da base instrutória, ou interpretamos mal ou há contradição em alguns dos factos provados, designadamente: - Pontos 30 cortaram árvores nos 3 artigos; Ponto 33 não cortaram no 24392 porque estava prometida a venda.

23ªª - As certidões emitidas pela Junta de Freguesia do x(...) , as certidões matriciais com a identificação de áreas, local e titulares desde a existência de tais matrizes, matriz sempre titulada no local certo (O y(...) e não o Atalho), o pagamento da sisa ao N... pelo Autor em 1979 sendo aquele o tilular inscrito desde a origem da matriz. Não faz nenhum sentido que um homem rico e poderoso como era o K... não pusesse em seu nome os seus prédios aquando da passagem da atual matriz em 1960. Pôs uns e não pôs outros?

24ª - A compra ou dação ou seja qual foi a causa da aquisição do prédio ao N... é incompreensível. Então comprou e não fez (como se fazia antigamente) um documento ao dinheiro? Nunca pagou a sisa? Alguma vez pagou a décima ou posterior contribuição autárquica ou o ainda posterior IMI? O prédio que alegadamente o U... comprou ao N... situa-se no Sorraiposo. O que tem a ver o Sorraiposo com o y(...) ? Nada. Se comprou foi outro e não o 6922º.

25ª - No artigo 66ª da Contestação dizem os RR que os prédios identificados no artº 12 da pi e o 24391 pertenciam a K... tendo sido desmembrados do artº 2563º. Ora, não se vê como já que alegadamente tinha uma área de pelo menos 35 hectares o que não corresponde à soma dos artigos em questão. Contudo os novos prédios têm todos área inferior à unidade de cultura de sequeiro para aquela freguesia e concelho de Leiria e que é de 20.000m2, Portaria nº 202/70 de 21 de Abril. Logo, esta divisão em 2003 a que procedeu a Ré D... é ilegal e nula e de nenhum efeito já que ofende o disposto nos artºs 1376º com a anulablidade decorrente do artº 1379º e como tal a escritura de justificação outorgada em sua representação também terá de ser declarada inválida, bem como as subsequentes transmissões e registos lavrados com base na mesma.

26ª - Quanto ao artº 6920 dizem os RR. que o U... o recebeu em dação em pagamento de N... , prédio que corresponde hoje ao 24390. Contudo, o que o N... transmitiu foi no Sorraiposo e não no y(...) conforme certidão junta aos autos e declarações da testemunha W... (depoimento ao minuto 06:55 a 12:54).

Acrescentam que há um erro original na matriz na atribuição da titularidade a N... (artº 12 da contestação). Já temos então 3 erros: o Local do prédio, o dono do prédio e o pagamento da sisa pelo B... .

27ª - Quanto ao 6922 nem se compreende a posição dos RR. já que o mesmo tem aquisição originária por ocupação, tem a titularidade matricial do autor desde que há a matriz não se percebendo qual a título aquisitivo do mesmo, ou seja do atual 24392.

Acresce em relação aos prédios objeto de justificação notarial que a testemunha principal dos RR., o solicitador Poiares, depôs dizendo que desde 1982 e até 1985 não praticou qualquer acto material em tais prédios. Ora, de 1982 a 2005 passaram mais de 20 anos o que significa que a Ré D... não possuiu tais prédios nos últimos 20 anos à data de entrada da presente ação em Juízo (ver registo magnético 8:52 a 9:30 e 21:45 a 22:30).

28ª - Tem, assim, de se reconhecer do direito de propriedade ao Habilitado sobre os prédios inscritos na matriz sob os artigos 6920 e 6922 (este nem é contestado pelos RR.) e, consequentemente, aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 24389, 24390 e 24392 o que conduz a que a Ré D... não seja, nem tivesse sido, titular do direito de propriedade sobre qualquer deles e daí que tenha vendido bens alheios aos demais RR., venda essa nula por força do disposto no artº 892º do Código Civil.

29ª - Beneficiavam e beneficiam os AA. (e o ora habilitado) da presunção do respectivo direito de propriedade face aos artºs 6920 e 6922 face ao registo predial a seu favor (artº s 6º e 7º do CRP).

30ª - Esta presunção a favor dos AA. não foi ilidida pelos RR..

31ª - Devendo estes ser considerados titulares do inerente direito de propriedade.

32ª - E alterados concretamente os factos provados sob os nºs 10 (na palavra “parte”) 20, 21, 22 23, 29 a 47 e dados por provados os factos constantes da base instrutória 1 a 18 e 76 a 104, sendo que em relação aos artigos 1 a 18 se fundamentam na certidão de pagamento da sisa (doc.2 junta com a providência cautelar), nas inscrições matriciais desde 1960 para cá-doc.3 junto com a pi, na certidão matricial, escritura de partilhas doc. 2 junta com a pi; no depoimento testemunhal, de, entre outros, W..., Z..., HH..., R... , Y..., AA..., CC..., X..., T..., DD... não foram devidamente valorados, e referente ao objecto do recurso identificado, impondo-se desta forma a reapreciação da matéria de facto dado como provada e não provada.

33ª - Que quer pela memória que têm por conhecerem o local, quer pela exibição do croqui, declararam com suficiente segurança que o K... nunca teve qualquer prédio no y(...) mas sim no Atalho pelo que a Ré D... ao participar os artigos matriciais 24389, 24390 e 24392 com a área (somadas perfazem os artigos 6920 e 6922= 18.000m2) e confrontações coincidentes com os artºs 6920 e 6922 e tendo cortado as árvores nos mesmos quis apropriar-se dos prédios dos autores já que continua a ter no Atalho o seu prédio a que corresponde o artigo 2563 com a área de 35.430 ha onde está o arieiro. No y(...) (onde se situa tb o polidesportivo) nunca o U... teve qualquer prédio. O 2563 é o prédio mãe de que derivaram os que participados como omissos em 2003 e lá continua a permanecer e sobre o qual o Recorrente nada reclama, mas apenas sobre estes que a Ré pretende fazer coincidir com os do recorrente de tal modo que cortou os pinheiros, mantendo na mesma como seu o 2563, somando os artigos novos a este artigo.

34ª - Sendo que o depoimento que sustenta a tese dos RR. Assenta na testemunhas T...(procurador da Ré D... ) e que, ao contrário do afirmado na contestação sob os artºs 77º e 79º em que reportam o corte das árvores a 1986 no ver do recorrente de não permitirem assim os 20 anos de posse até 2005, até à entrada desta ação em juízo, tal testemunha afirma ter “olhado por esses terrenos desde 1982 e que, ainda antes dele os pinheiros tinham sido cortados pelo Sr. LL... em duas propriedades (ver depoimento do minuto 8:52 a 9:30 e 21:45 a 22:30). Portanto tal corte foi antes de 1982, tendo decorrido de lá para 2005 muito mais que 20 anos.

Ademais nada convence, nada é concreto, nas respostas aos quesitos extraídos dos articulados dos RR.. Não se vê nada que mereça reproduzir aqui sendo que a testemunha CC... (inquirida a 7/1/2014 minuto 20:30 a 21:10) disse que via por lá o autor e quem em relação ao verde (referindo-se ao croquis de fls. 105) disse que aquilo era dele.

35ª - Ao conhecer das alíneas G) e H) do pedido reconvencional a sentença enferma de uma nulidade prevista no artº 615º-1-d), assim como sofre do mesmo vício ao não se pronunciar sobre a ilegalidade da divisão do prédio mãe em 3 novos prédios realizada pela Ré D... ao criar, justificar e alienar os mesmos sendo que cada um tem área inferior à unidade de cultura de 20.000m2 fixada para o sequeiro na região.

36ª - Foram, assim, e com o devido respeito que é muito, violados os art. 7º do CRP, 892º, 1287 a 1296º e 1376 do Código Civil e artºs 607º-4 e 615º-1-d) do CPC.

Termos em que e no muito que V. Exas. se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso, e em consequência:

a) ser revogada a douta sentença em apreço e ser substituída por nova decisão que condene os recorridos nos termos requeridos na petição e na Réplica e absolvido o habilitado do pedido reconvencional por este ser considerado improcedente por não provado.

b) Mesmo que assim não seja entendido, e sem conceder, tem de ser declarado improcedente o pedido reconvencional no que concerne às alíneas g) e h) da contestação/reconvenção dado que não foi provada a correspondência entre os artigos objecto da escritura de justificação outorgada pelos autores e os da escritura de justificação outorgada pelo representante da Ré D... , facto indispensável à anulação dessa escritura por sobre os mesmos prédios não poderem incidir direitos incompatíveis, no caso o direito de propriedade.

c) Em qualquer caso, deve ser revogada a sentença na parte em que condenou o habilitado como litigante de má fé em multa e indemnização dado que este herdou o processo no estado em que estava e não fez dele qualquer uso reprovável, não omitiu nem adulterou factos ou deduziu pedido cuja improcedência fosse manifesta. A falta de prova não tem que corresponder a má fé não preenchendo qualquer dos requisitos do artº 542º do CPC. Ora, o habilitado tinha testemunhas e documentos suficientes, designadamente pela sua antiguidade, que o fizessem supor poder ter êxito na sua pretensão. Não se vê dolo nem negligência grave, nem ao menos um comportamento temerário. Não nos esqueçamos que a Ré D... participou os prédios, alegadamente seus apenas, em 2003 reportando-se a inscrição matricial dos do habilitado a 1960, à origem da matriz embora a titularidade de um seja de 1979, mas tendo como titular ab initio o alegado vendedor.

Os RR. responderam, sustentando, em síntese, que não violou a sentença recorrida as normas processuais e substantivas referidas pelo A/recorrente, pelo que deve ser mantida a sentença nos seus precisos termos.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – “Reapreciação” da decisão de facto

Como “questão prévia” à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do recurso do A./habilitado/apelante, delimitado pelas conclusões da respectiva alegação – analisar as questões a propósito da decisão de facto colocadas a este Tribunal.

No caso vertente, os diversos depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª instância se baseou para decidir a matéria de facto, foram gravados; constando assim do processo todos os elementos probatórios com que aquela instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto, pelo que e é possível modificar aquela decisão, se enfermar de erro de julgamento[1].

Faculdade – de modificar a decisão de facto – em cujo uso, costumamos “avisar”, é nosso dever ser contidos, cautelosos e prudentes, uma vez que existem elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo de exteriorização e verbalização dos depoentes, não importados para a gravação, susceptíveis de influir, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhes. O que, porém – salienta-se e enfatiza-se, para que não haja quaisquer equívocos interpretativos sobre o que se acabou de dizer – não significa que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto apenas envolve a correcção de pontuais, concretas e excepcionais erros de julgamento; efectivamente, a Relação, quando aprecia as provas – e pode para tal atender a quaisquer elementos probatórios – faz um novo julgamento da matéria de facto, vai à procura da sua própria convicção, assegura o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto (ou seja, a actividade da Relação não se pode/deve circunscrever a um mero controlo formal da motivação efectuada na 1.ª Instância).

Efectuados tais prévios e “tabelares” esclarecimentos, debruçando-nos sobre as concretas questões – tendo presente as posições assumidas pelas partes nos articulados, analisados os documentos juntos e ouvido o registo, efectuado em CD, das várias sessões de julgamento – concluímos, antecipando desde já a solução, que não assiste razão, no essencial, ao A./apelante.

Vejamos:

Ao contrário do que é algo recorrente e compreensível em acções reais – por a prova, fundamentalmente testemunhal, se revelar bastante variável e de “leitura” dificultosa e problemática – estamos perante um caso em que a apreciação/valoração da prova é relativamente cristalina.

Não queremos com isto dizer que a “reconstituição do passado” tenha sido feita sem brechas e que estejamos em condições de descrever com detalhe e absoluta certeza tudo o que ocorreu, nos últimos 60 anos, com respeito às porções de terreno identificadas nos autos.

Apenas queremos dizer que a prova produzida – maxime a testemunhal – é de apreciação/valoração relativamente pacífica, isto é, que não suscita dúvidas no que diz respeito aos factos fulcrais (sobre que incide a impugnação/reapreciação da decisão de facto) que, em termos de direito, relevam para a posse/usucapião.

E é justamente apenas sobre tais factos fulcrais – respeitantes aos poderes de facto exercidos ao longo das últimas décadas sobre as porções de terreno em disputa – que nos vamos debruçar e pronunciar; tudo o mais é meramente instrumental e, por conseguinte, apenas será tomado em conta, focado e chamado à liça para fazer raciocínios e retirar ilações (ou não) tendo em vista a fixação dos factos fulcrais/essenciais.

Como já se referiu no relatório inicial, o julgamento dos autos decorreu à luz do NCPC, tendo a sentença sido elaborada nos termos do art. 607.º, segundo o qual (n.º 4) “ (…) o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”; o que significa que não temos nem nos vamos pronunciar, ponto por ponto, sobre os quesitos da base instrutória (efectuada nos autos no âmbito do anterior CPC) referidos como incorrectamente julgados pelo A/apelante.

O que é decisivo/essencial/fulcral para o litígio dos autos (acção e reconvenção), repete-se e enfatiza-se, são os pontos de facto respeitantes aos poderes de facto exercidos ao longo das últimas décadas sobre as porções de terreno em disputa; não estamos a dizer – acrescenta-se ainda, para que não subsistam dúvidas – que os diversos factos instrumentais referidos nos autos não possam/devam deixar de ser analisados e ponderados, porém, não têm que ser acrescentados (e não o faremos) ao elenco dos factos provados e não provados.

O que se acaba de dizer, não o escamoteamos, não é irrelevante no contexto da alegação recursiva do A./apelante (da sua impugnação da decisão de facto); uma vez que uma parte importante da sua argumentação recursiva se estriba no que consta das inscrições fiscais, das descrições da conservatória e das escrituras de justificação.

Só que – é um ponto que, de início, importa esclarecer – documentos das Finanças, da Conservatória e até escrituras dão, como é habitual em litígios como o presente, contributos pouco relevantes e/ou concludentes[2].

As descrições/inscrições fiscais servem tão só de suporte à relação (pública) jurídico-tributária e as descrições da conservatória têm apenas por fim “a identificação física, económica e fiscal dos prédios” (art. 79.º do C. Reg. Predial), não sendo concludentes em termos da configuração/formato/área dos prédios; mais, nem sequer garantem que não sejam a repetição/duplicação duma descrição predial anterior e já existente.

Efectivamente, não existindo, na zona de Leiria[3], um cadastro geométrico da propriedade, é relativamente acessível fazer constar das inscrições fiscais e das descrições prediais os elementos factuais estimados como mais favoráveis; na convicção – nuns casos mais ou menos dolosa e noutros meramente errónea – de que se deu um passo decisivo para alcançar/segurar “direitos”.

Não se está a dizer ou sustentar, acrescenta-se ainda, que os documentos das Finanças ou da Conservatória – em tese e/ou no caso – são completamente irrelevantes ou imprestáveis (apresentam-se e servem, em certos casos, para alicerçar e concatenar raciocínios relevantes na apreciação da prova e na formação da convicção).

O que se está a dizer, isso sim, é que raramente se configuram e/ou apresentam como uma última e definitiva “palavra”; como argumentos/contributos categóricos e definitivos num sentido ou noutro[4].

É justamente o caso.

Tanto o A. como os RR. “agitam” e invocam “palavras escritas” em tais documentos em favor das suas teses; o que só por si é bem ilustrativo do mérito, em geral e no caso, de tais documentos para o fito pretendido: delimitação/criação de prédios.

Atente-se no seguinte:

“Acusa” o A. a primitiva R. D... de, invocando serem omissos, ter “criado” nas Finanças os prédios 24.389.º, 24.390.º e 24.392.º para depois “justificar” as suas aquisições por usucapião.

“Acusam” os RR. os primitivos AA. de terem procedido às alterações das confrontações nas Finanças dos prédios 6.920.º e 6.922.º para depois “justificar” as suas aquisições por usucapião.

“Acusações” mútuas decerto não completamente descabidas[5]; uma vez que ambas as partes “ajeitaram” a realidade fiscal ao que, a seguir, pretendiam “justificar”.

“Escrituras de justificação” que, assim, também padecem, como não raras vezes sucede, da mesma linha “criativa”.

Veja-se que, no caso, os primitivos AA. disseram na “sua” justificação que os prédios justificados “vieram à sua posse por doação verbal, de PP.. e mulher RR.. ” e aqui, na acção, dizem sem grande perturbação[6] coisa completamente diferente sobre a aquisição da sua posse; e a primitiva R. D... disse, em 2004, na “sua” justificação, que está na posse dos prédios que justificou, há mais de 20 anos, “por ter acertado verbalmente a sua partilha por óbito de K... e mulher S... ”, sendo certo que a sua mãe ainda teve intervenção, em 1990, na partilha referida no ponto 36.

Verdadeiramente – não há como ocultá-lo – acções e reconvenções como as presentes são peças processuais em que impera uma grande “criatividade”; a posse e a usucapião também se prestam a isso.

Pode mesmo dizer-se que a usucapião, como forma de aquisição originária de direitos reais, confere àquele que dela pretenda lançar mão uma “liberdade/criatividade” quase ilimitadas (porventura, dirão alguns, até excessivas).

É aparentemente admissível e acessível a quem quer que seja invocar a posse sobre uma qualquer coisa, que, em termos autónomos, ele próprio define/identifica/configura/cria (designadamente, alterando confrontações ou áreas duma matriz fiscal propícia ou simplesmente declarando que tal coisa está omissa), e acrescentar-lhe as características e o lapso de tempo indispensáveis para usucapir.

Com a usucapião, dirão alguns, nada é impossível; e, observarão outros, as regras/limitações colocadas ao fraccionamento, loteamento e por razões de interesse público de pouco valem (em face do fraccionamento e loteamento “ad libitum” obtido com a usucapião).

É este invariavelmente o contexto – quase sempre com um vasto recurso sobre a decisão de facto – das apelações em processos/litígios como o presente.

Assim, cientes da “criatividade” na configuração predial – facilitada pelo modo como se obtêm artigos matriciais favoráveis, pelo modo como se fazem justificações notariais e pelo modo como se desenham plantas e se descrevem prédios – resta-nos pois acreditar na ideia daqueles que dizem que a usucapião acaba sempre por ter que passar, ou por poder passar, pelos tribunais, o que, evidentemente, coloca um não negligenciável efeito dissuasor à “liberdade/criatividade” predial; porque – fechando o círculo do raciocínio e retomando o que começámos por dizer – o que é essencial, o que decide, são os poderes de facto – a disponibilidade fáctica – exercidos ao longo das últimas décadas sobre as porções de terreno que estão em disputa.

Porções de terreno em disputa em que, assenta-se, não há divergências significativas entre as partes sobre a sua real e efectiva identificação; a diferença está que para o A. tais porções de terreno correspondem aos art. 6.920.º e 6922.º e para os RR. estavam omissas e são agora os art. 24.389.º, 24.390.º e 24.392.º[7].

Sendo justamente nos poderes de facto exercidos ao longo das últimas décadas sobre tais porções de terreno – independentemente dos números das suas descrições na administração fiscal – que a prova produzida pelo A. e pelos RR. é/foi diferente.

Aliás, contextualizando ainda, importa ter presente:

Que a prova dos poderes de factos não é, no momento actual – em que há um evidente e generalizado abandono dos campos, em que a maioria dos proprietários não exerce regulares poderes de facto (poderes materiais) sobre as suas propriedades, em que quase não há quem conheça, de ciência certa, os prédios e os seus limites – tarefa fácil; porém, não há, na maioria dos casos, outro caminho para solucionar os conflitos reais, pelo que temos que nos satisfazer e considerar bastante, no confronto das provas apresentadas, a prova “menos má”.

Que depoimentos feitos em cima de plantas e levantamentos topográficos, embora perfeitamente audíveis, são, num mero registo sonoro, bastante incompreensíveis[8]; mais, não raras vezes, percebe-se que depor com a planta/levantamento como “pano de fundo” tem um valor muito diminuto, uma vez que está lá toda a versão factual da parte (funcionando a planta/levantamento como uma espécie de “cábula” para o depoimento, que se pretende e supõe espontâneo e revelador de uma ciência que ultrapasse uma boa e imediata leitura de plantas e levantamentos).

Em face de tudo isto, concorda-se com as seguintes observações e raciocínios que a Exma. Juíza a quo externou na motivação de facto da sentença a quo:

 “ (…) testemunhas houve, das arroladas pelo Habilitado, que disseram que o terreno dos pais deste que N... dizia ter vendido, fica à direita quando se vem do x(...) e se vira à direita para o polidesportivo ( FF... , filho da testemunha W... e neto de N... que, porém, não conseguiu orientar-se no esboço de fls. 105, nem no de fls. 138 desconhecendo de quem são os terrenos assinalados), sendo inequívoco que o terreno identificado a rosa/salmão no esboço de fls. 105 é reconhecido pelos RR. como pertencente aos primitivos AA.. Esta mesma testemunha acabou por dizer que, afinal, o que o avô lhe dizia que vendeu era as zonas marcadas a vermelho, verde e rosa, nada sabendo a respeito do terreno marcado a azul.

Enfim, os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Habilitado não foram convergentes, nem são passíveis de se harmonizar, referindo-se a realidades distintas entre si, não permitindo sustentar os factos tal como alegados pelos AA.

A título meramente exemplificativo, Y... desconhece se o pavilhão [refere-se ao construído pela R. “IJR”] está construído em terreno pertencente ao A. B... .

GG... (filha da testemunha W...) depois de muito discorrer sobre os factos que lhe foram perguntados, depois de muitas insistências por parte da Ilustre mandatária do Habilitado acabou por dizer, perante o esboço de fls. 138, que o terreno vendido pelo avô N... é o que está assinalado a verde. Confrontada com as divergências entre a localização que antes de lhe ser exibido o esboço afirmou para o prédio vendido e aquele que, perante fls. 138, indicou, acabou por confessar que, afinal, não sabe onde ficam os terrenos; nunca ouviu falar de K... ; nunca ouviu falar de corte de árvores; não se lembra de ter havido alteração na configuração das estradas.

Perante o relato desta testemunha, o Tribunal conclui que nenhum préstimo pode ter para o convencimento do Tribunal.

R... produziu, igualmente, um depoimento confuso, escasso em conhecimento de factos concretos sob litígio.

X... foi autor de um depoimento que pode apodar-se de “muito palavroso”, falou muito, mas, talvez por isso, dispersou-se nas respostas, sendo que, nalguns casos, deu mostras de desconsiderar o que lhe perguntavam.

Outrossim, os depoimentos das demais testemunhas arroladas pelo Habilitado não permitiram clarificar quais os terrenos que o A. B... dizia que eram seus; o modo como os adquiriu, bem como a correspondência entre as matrizes prediais.

De igual sorte, nenhuma prova foi produzida quanto ao corte de árvores, nos termos postulados pelos AA. e Habilitado – data, número, espécie e valor.

Pelo contrário, foi produzida prova consistente acerca da versão fáctica pugnada pelos RR.

A testemunha T..., administrador, desde 1982, dos bens pertences à família U... situados na região centro, explicou as circunstâncias em que foram elaborados os documentos de fls. 88 a 93 do Apenso, revelando as negociações havidas, primeiro, com o A. B... e, depois, por indicação deste com o Habilitado, seu filho, apresentando tais negociações como justificação para que não tivessem sido cortadas as árvores que cresciam no prédio em negociação (o inscrito na matriz sob o artigo 24392). A testemunha revelou ainda, que logo após ter iniciado, funções foram cortadas as árvores nos outros prédios (não conseguindo situar tal corte como ocorrido exactamente em 1986), embora o negócio tivesse sido firmado antes do início de tais funções.

De relevante afirmou ser o autor do escrito de fls. 91, revelando que no dia 15/4/2005, o Habilitado o informou que tinha perdido o interesse na compra do prédio assinalado a verde no esboço de fls. 105, porque iria resolver o assunto de outra forma. Nunca até então, os AA. ou o Habilitado disseram ser donos dos prédios assinalados a vermelho, verde e azul – o que demonstra que bem sabiam que estes pertenciam a K... e à herança que este deixou.

Deste modo, em face deste depoimento, pormenorizado e espontâneo da testemunha, conjugado com o teor daqueles documentos, considerando, também, as datas em que o A. (e o Habilitado que assinou os requerimentos a rogo de seu pai) pediu as alterações na matriz (fls. 75-79 e 130-132 do Apenso), o Tribunal considera contrariado, em absoluto, o depoimento de parte do Habilitado que negou os factos sobre os quais depôs.

Aqueles documentos surgem consentâneos com os factos narrados pela testemunha T..., bem como pela testemunha CC... (comerciante de madeiras) que explicou a que se destinou o cheque cuja cópia consta de fls. 92 do Apenso, que entregou a T...para pagamento da madeira de pinheiros e eucaliptos que cortou no prédio assinalado a verde no esboço de fls. 105, na altura em que o emitiu.

JJ..., 72 anos de idade (nascido em 1941), explicou que, sempre ouviu o pai contar, que o terreno onde, actualmente, a R. “IJR” tem o pavilhão pertenceu a um primo da mãe da testemunha – OO..., conhecido por MM... -; a testemunha descreveu sem hesitações os diversos prédios em litígio e, perante o esboço de fls. 105, indicou, com convicção e firmeza, os donos de cada um dos prédios nele desenhados (os coloridos e os outros).

Relatou que chegou a ver pinheiros que cresciam nos prédios coloridos a azul, verde e vermelho a serem resinados pelo “Sapo”, que prestava contas a K... . Sabe que o terreno que foi do Oliveira (a testemunha refere-se ao colorido de vermelho) foi terreno de amanho porque os seus pais diziam que lá tinham andado a amanhar, e só passou a pinhal depois de pertencer a K... .

Em sentido essencialmente idêntico, o depoimento prestado pela testemunha FF..., 76 anos.

NN..., neto de MM..., explicou as circunstâncias que conduziram à elaboração do documento de fls. 398 (os tios ao saberem que a compra que o U... havia feito a MM... não fora escriturada tentaram tirar-lhe o terreno e aquele para não ficar sem o terreno pagou-lhes um preço e escreveram um documento), esclarecendo que este refere-se ao prédio onde actualmente está o pavilhão da R. “IJR”.

V..., resineiro, esclareceu ter trabalhado muitos anos na propriedade onde está o pavilhão da R. “IJR”, tirava resina que levava para a fábrica em Pombal, o que fez até o pinhal ser cortado; recolheu também resina nos prédios assinalados a verde e vermelho no esboço de fls. 105 que também eram de K... , sendo que sempre pagou a resina à, assim designada pela testemunha, “Casa U...”.

EE..., filho de EE..., empregado dos U... durante muitos anos, até cerca de 7/8 anos antes de falecer (o que ocorreu em 2000) – e a este se referem as testemunhas quando disseram que K... tinha capatazes para cuidarem dos terrenos – revelou que, durante muitos anos, acompanhou o pai na venda de mato e árvores e na contagem das bicas da resina. Por isso, descreveu os terrenos que pertenciam a K... e que estavam sob responsabilidade do pai.

Aliás, todas as testemunhas que revelaram ter conhecimento sobre os factos, afirmaram que os terrenos do U... eram zelados por capatazes da zona, designadamente por um indivíduo com alcunha de “Sapo”.

Todas as testemunhas arroladas pelos RR. negaram ter conhecimento de alguém que contestasse que os terrenos assinalados a verde, vermelho e azul fossem do U..., que sempre conheceram como pertencentes a K... .

A factualidade não provada, para além do que já se disse a respeito da versão fáctica invocada pelos AA. e Habilitado, é consequência da absoluta falta de prova sobre a mesma, que não resulta dos documentos juntos aos autos, nem dos depoimentos prestados pelas testemunhas. (…)”

Observações, raciocínios, reflexões – enfim, análise crítica da prova produzida – que, repete-se, merecem a nossa concordância; que, em resumo, podemos sintetizar no seguinte:

Verdadeiramente, a única testemunha do A/habilitado que disse algo de relevante foi a 1.ª ( W..., filho do N... que, na tese factual do A./apelante, foi quem vendeu aos primitivos AA. o art. 6920.º)[9], porém, em termos de poderes de facto sobre as porções de terreno em disputa quase se ficou pelo “roçar mato” dos primitivos AA..

Referiu ainda que o avô (também como o nome de N... ) teve uma dívida para com o Sr. U... e que o pai da testemunha a pagou e ficou com a propriedade que vendeu ao primitivo A.; o que até confere credibilidade ao documento de fls. 400, ou seja, o Sr. U... foi certamente credor do seu avô, estando a divergência no modo como tal dívida terminou: liquidada pelo filho (pai da testemunha) ou paga com um prédio do avô/devedor.

Seja como for, insiste-se sempre, o que quer que aconteceu há cerca de 60 anos, a tal propósito, serviria apenas para explicar/justificar o modo e o início dos poderes de facto sobre tal porção de terreno e, a tal respeito, a prova do A. não foi além do “roçar mato”; que foi o que também referiram os netos Z... e GG..., acrescentando que o avô (das duas testemunhas), sempre que “lá” – o que identificaram de modo vago e impreciso[10] – passava dizia que tinha vendido aquilo aos primitivos AA; mais não acrescentando, em termos persuasivos, as restantes testemunhas do A./apelante.[11]

Tanto mais que – é o aspecto decisivo da análise crítica da prova produzida – os RR. fizeram prova do exercício de poderes de facto próprios/típicos de quem é dono de terrenos de pinhal/floresta.

Estamos a falar do corte da madeira e do resinar dos pinheiros.

Os RR. fizeram ouvir a pessoa ( T...) que assistiu ao corte e vendeu madeira, por conta dos U..., daquelas porções de terreno, nos anos 80 e mais recentemente (em 2005); fizeram ouvir a pessoa ( CC...) que comprou a madeira em 2005; fizeram ouvir pessoas ( V... e EE...) que resinaram (durante décadas, o António) aquelas porções de terreno para os U...; fizeram ouvir a pessoa ( JJ...) que foi ali criada (na casa desenhada na planta de fls. 105) e que sempre reputou aquelas porções de terreno como sendo dos U... e via lá o encarregado dos U... a pôr e dispor sobre aquelas porções de terreno (o mesmo dizendo o FF... e LL...)[12]; e fizeram ouvir um neto do MM... ( NN...), que confirmou/explicou (como dizendo respeito à porção de terreno correspondente ao 24.389.º) o negócio espelhado no documento de fls. 398/9.

Mais, o T...(que era uma espécie de procurador da família U... na zona centro desde 1982, no que, como explicou, sucedeu a um tal FF... [13]), referiu em termos, na forma e no tom, persuasivos a “história” dos primitivos AA. querem comprar, por mais duma vez, a porção de terreno correspondente ao art. 24.392.º, terem mesmo chegado a acordo de valores com ele e no final o ora habilitado ter-lhe dito “que o prédio do pai ia até ao caminho e que não precisavam de comprar[14].

Em face de tudo isto – que a motivação da decisão de facto a quo, supra transcrita, também refere – e das atinentes regras da experiência, o sentido e a avaliação da prova produzida, em termos de análise crítica, não poderia ser outro senão o que enformou a decisão de facto; que assim reflecte e exprime a prova produzida, não padecendo de qualquer deficiência contradição ou obscuridade.

Em todo o caso, haverá mais fidelidade quer à prova produzida quer à própria convicção da decisão a quo (com que concordamos) se, onde nos factos provados 20 a 23, 30, 31, 33, 39 a 41, 44 e 47 da sentença recorrida se alude a “prédios inscritos na matriz sob os art. 24.389.º, 24.390.º e 24.392.º”, se passar a aludir e a referir “porções de terreno que correspondem aos prédios hoje inscritos sob os art. 24.389.º, 24.390.º e 24.392.º”; daí que, nos lugares próprios[15], se vá proceder às respectivas e devidas alterações de redacção.

É quanto basta para afirmar a improcedência do recurso de facto.

*

III. – Fundamentação de Facto:

Lógica e cronologicamente (tanto quanto possível) alinhados são os seguintes os factos provados[16]:

1. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 6920.º da freguesia de x(...) o seguinte: “ prédio composto de terra, pinhal e mato, com a área de 18.000 m2, sito em y(...) , freguesia de x(...) , a confrontar do Norte com Rua Principal, Sul com (...) , Nascente com Estrada Municipal e Poente com a Junta de Freguesia de x(...) ”; o qual está descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º 6862/20050824, com inscrição de aquisição a favor dos primitivos AA., B... e mulher C... , por usucapião, através da Ap. 54 de 24/8/2005 – alínea A) dos Factos Assentes;

2. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 6922.º da freguesia de x(...) o seguinte: “prédio rústico composto de terra com eucaliptos, pinhal e mato, atravessado por caminho, com a área de 7.327 m2, sito no y(...) , freguesia de x(...) , a confrontar do Norte com (...), Sul com Rua Principal, Nascente com Estrada Municipal e Poente com caminho”; o qual está descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º 6863/20050824, com inscrição de aquisição a favor dos primitivos AA., B... e mulher C... , por usucapião, através da Ap. 54 de 24/8/2005 – alínea B) dos F.A.;

3. Em 22/06/2005, os primitivos AA. outorgaram escritura de justificação (a fls. 58 do livro 6-A no Cartório Notarial de Q... ) em que alegaram, além do mais, que os prédios mencionados em A) e B) (artigos 6.920 e 6.922) vieram à sua posse por doação verbal, de PP.. e mulher RR.. , residentes que foram em Assenha, x(...) , ocorrida no ano de 1970 – alínea C) dos F.A.;

4. Os primitivos AA. declararam no pedido da certidão negativa da Conservatória do Registo Predial de Leiria que o PP.. e mulher RR.. eram os 1.os antepossuidores daqueles prédios, desconhecendo os 2.os antepossuidores – alínea D) dos F. A. e doc. de fls. 85-87 do Apenso;

5. No dia 16/7/2004, no Cartório Notarial de Pombal, T..., na qualidade de procurador da primitiva R. D... , justificou a aquisição por usucapião por parte daquela dos seguintes prédios, situados na freguesia do x(...) :

“1. Prédio rústico, composto de pinhal, sito em Atalho, com a área de 12.800 m2, a confrontar do Norte com estrada camarária, do Sul com Junta de Freguesia, do Nascente com (...) e do Poente com caminho, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo n.º 24.389 (…).

2. Prédio rústico, composto de pinhal, sito em Atalho, com a área de 3.500 m2, a confrontar do Norte com herdeiros de (...) e outros, do Sul com estrada camarária, do Nascente com FF... e do Poente com Joaquim de Jesus Duarte, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo 24.390 (…).

3. Prédio rústico, composto de pinhal, sito em Atalho, com a área de 6.660m2, a confrontar de Norte com caminho, do Sul com estrada camarária, do Nascente com (...) e do Poente com (...) , inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo 24.391 (…);

4. Prédio rústico, composto de pinhal, sito em Atalho, com a área de 7.800 m2, a confrontar do Norte com estrada camarária, do Sul com (...), do Nascente com caminho e do Poente com (...), inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo 24.392 (…) - alínea E) dos F. A.;

6. Na dita escritura de justificação, a R. D... declarou, através do seu mencionado representante, que os referidos imóveis lhe pertencem “por ter acertado verbalmente a sua partilha por óbito de K... e mulher S... com a respectiva entrega, há mais de 20 anos, o que nunca chegou a ser formalizado, posse essa que se tem exercido sem a menor oposição de quem quer que seja, desde o seu início sem interrupção e ostensivamente com conhecimento de toda a gente e traduzida em actos materiais de fruição, nomeadamente pagando as respectivas contribuições e amanhando os mesmos, sendo portanto uma posse pacífica, contínua e pública pelo que a referida mandante aos adquiriu por usucapião (…)” – alínea F) dos F. A.;

7. Os artigos 24.392, 24.389 e 24.390, referidos em 6), foram inscritos na matriz no ano de 2003 – alínea G) dos F. A.;

8. A primitiva R. D... , por escritura outorgada, em 23/12/2005, no Cartório Notarial a cargo de Q... , declarou vender à R. “IJR -Sociedade de Investimentos Imobiliários, Lda.” o prédio inscrito na matriz sob o artigo 24.389 e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o número 6572, registado a favor daquela R. pela inscrição G, correspondente à AP 53/19112004 – alínea K);

9. A R. “IRJ” registou a seu favor a dita aquisição, por compra, mediante a Ap. 6 de 2005/12/29 – alínea Q;

10. Por escritura outorgada, em 20/1/2006, no Cartório Notarial a cargo de KK..., a primitiva R. D... declarou vender ao R. L... o prédio inscrito na matriz sob o artigo 24.390, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º 6.573, aí registada a aquisição a favor daquela R. pela inscrição G, correspondente à AP. 53/19112004 -alínea L);

11. Os RR. L... e mulher registaram a seu favor a dita aquisição, por compra, mediante a Ap. 30 de 3/8/2006 – alínea Q;

12. O prédio descrito na Conservatória sob o número 6.574/20041119 (artigo 24392), tem registo de aquisição por usucapião a favor da primitiva R. D... , mediante a AP. 53 de 2004/11/19 – alínea Q;

13. A porção de terreno correspondente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 24389 (e assinalado no esboço de fls. 105) foi adquirido por K... , por compra verbal, cerca de 1950, a OO..., conhecido também por MM...;

14. A porção de terreno correspondente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 24390 (e assinalado no esboço de fls. 105) foi adquirido por K... a N... (falecido em 1957), em data não apurada mas anterior a 1957;

15. No tempo de N... essa porção de terreno era um terreno de amanho e oliveiras, tendo sido K... quem o transformou em pinhal;

16. A porção de terreno correspondente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 24392 foi adquirido por K... nos anos 50 do século passado;

17. Foi na convicção de exercer um direito próprio de propriedade que desde a década de 50 até ao corte das árvores ocorrido em data não apurada dos anos 80, mas posterior a 1982, que a R. D... , e antes, K... , mandaram resinar os pinheiros existentes nos prédios em litígio e receberam o valor da resina;

18. E que, desde os anos 50 até hoje, K... e os seus herdeiros, autorizaram o corte de mato, mandaram limpar o terreno dos pinhais e mandaram cortar as árvores existentes nas porções de terreno que correspondem aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 24.389.º, 24.390.º e 24.392.º;

19. Os habitantes da freguesia de x(...) e dos lugares vizinhos, desde os anos 50 até esta data (da contestação/reconvenção), sempre consideraram K... e os herdeiros deste, como legítimos possuidores e donos das porções de terreno correspondente aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 24.389.º, 24.390.º e 24.392.º;

20. Durante pelo menos 50 anos, K... e mulher e depois a R. D... , usaram, mandaram amanhar, resinar e cortar árvores e mato, nas porções de terrenos correspondentes aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 24.389.º, 24.390.º e 24.392.º (quanto aos dois primeiros até à data em que os vendeu), à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, na convicção de que eram donos de cada um daqueles prédios;

21. Ao tempo da compra, respectivamente, dos prédios inscritos na matriz sob os artigos 24389 e 24390, a R. “IJR” e os RR. L... e mulher ignoravam que os AA. se arrogassem donos dos mesmos;

22. Após a compra do prédio inscrito na matriz sob o artigo 24389, a R. “IJR” limpou o terreno, fez um morro com cerca de 1 metro de altura, arrancou os cepos, à vista de toda a gente, apenas com a oposição dos AA. à data do Embargo, na convicção de que era dona do respectivo terreno;

23. Os AA. sabem e sabiam que as porções de terrenos correspondentes aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 24.389.º, 24390.º e 24.392.º, desde pelo menos os anos 50, que pertencem a K... e aos respectivos herdeiros, após a morte daquele.

24. O A. B... teve conhecimento do corte das árvores ocorrido nos anos 80 e nunca se opôs;

25. Na altura do corte das árvores nos anos 80, a R. D... não cortou as árvores da porção de terreno correspondente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 24392.º porque estava prometida a sua venda ao primitivo A. B... ;

26. No início dos anos 90, T..., representante da R. D... , contactou o primitivo A. B... para saber da manutenção do interesse deste na compra daquele prédio;

27. O primitivo A. B... informou T...que seria o seu filho, o Habiliado A... , a comprar o prédio;

28. Mais tarde, em data não apurada, mas anterior a Maio de 1998, o Habilitado A... reuniu-se em Pombal com T...e F... , irmão da R. D... , e ficou assente que fariam o negócio por 700.000$00;

29. Em Maio de 1998, T...enviou uma carta registada com aviso de recepção ao A. B... , com vista à marcação da escritura;

30. Em Julho de 1998, T..., o A. B... e o Habilitado renegociaram o preço;

31. Nessa altura, T...informou-os que se pretendessem comprar a porção de terreno correspondente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 24389.º deveriam apresentar uma proposta de preço;

32. Como o primitivo A. e o Habilitado nada fizeram, no início de 2005, T...mandou cortar as árvores da porção de terreno correspondente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 24392.º;

33. Após o corte das árvores, o Habilitado foi ter com T...a fim de, definitivamente, efectuar a escritura para compra da porção de terreno correspondente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 24392.º;

34. Nessa altura, firmaram o preço de € 6.234,97 (descontando ao preço anterior o valor da madeira entretanto cortada) e o Habilitado forneceu o seu bilhete de identidade e o cartão de contribuinte fiscal para tirar cópia, indicou o nome da mulher e residência para efeitos de celebração da escritura de compra e venda;

35. Passados uns dias, a 15 de Abril de 2005, pelas 10,30 horas, o Habilitado disse a T...que já não estava interessado no negócio porque iria resolver as coisas de outra maneira;

36. Por escritura outorgada em 15/6/1990, no Cartório Notarial de Ansião, os herdeiros do K... (falecido em 17/02/1972) e a viúva procederam à partilha de bens que constituíam o património comum do casal procedendo-se à respectiva adjudicação, ali constando que a meação da S... ficava integralmente preenchida com o recebimento de tornas – alínea I);

37. Nesta escritura foram partilhados parte dos bens que pertenceram a K... e mulher;

38. À primitiva R. D... foram adjudicados, entre outros bens, os imóveis situados na freguesia de x(...) , correspondentes os artigos matriciais 2.504, 2.563 (“Terra de pinhal e mato sita em Atalho, com a área de trezentos e cinquenta e quatro mil trezentos metros quadrados, que confronta do norte com (...) , (...) e outro, do nascente com caminho, do sul com estrada, caminho e Mata Nacional, e do poente com caminho, (...) , e (...) ”) e 2.573 - alínea J);

39. N... (filho de NN... e de O... ) faleceu em 18/4/1957, na freguesia de x(...) , no estado de viúvo de P... , com 72 anos de idade – alínea M);

40. N... (filho de NN... e de P... ) faleceu em 16/6/2000 – alínea N);

41. O A. pagou imposto de sisa em 2/2/1979, segundo declarado, relativa à compra do artigo 6.920.º – alínea O);

42. As confrontações do prédio inscrito na matriz sob o artigo 6.920.º da freguesia do x(...) , existente no Serviço de Finanças de Leiria, antes da alteração requerida em 8/6/2005 pelo A. B... , eram as seguintes: Norte com caminho, Sul com (...) , Nascente com (...) e Poente com DD...;

43. De acordo com a matriz predial respectiva existente no Serviço de Finanças de Leiria, as confrontações do prédio inscrito na matriz sob o artigo 24.389.º são as seguintes: Norte com estrada camarária, Sul com Junta de Freguesia, Nascente com herdeiros de (...) e Poente com caminho;

44. As confrontações do prédio inscrito na matriz sob o art. 6.922.º da freguesia do x(...) , existente no Serviço de Finanças de Leiria, antes da alteração requerida em 1/4/2005 pelo A. B... , eram as seguintes: Norte com (...), Sul com caminho, Nascente com K... e Poente com A... Moço;

45. Em consequência da alteração na matriz requerida pelo A. B... , em referência ao prédio inscrito sob o artigo 6922, este passou a confrontar do Nascente com “estrada municipal” a qual corresponde ao limite Nascente do prédio inscrito sob o artigo 24.392.º, conforme doc. junto a fls. 105;

46. Os prédios inscritos na matriz da freguesia de x(...) sob os artigos 2854.º, 2561.º, 2564.º, 2845.º, 2846.º, 6932.º e 6922.º (este nas confrontações anteriores à alteração pedida pelo A. marido em 2005) contêm nas suas identificações matriciais a alusão a que confrontam com “ K... ” ou “herdeiros de K... ”;

*

IV – Fundamentação de Direito

A apreciação da parte de direito (estritamente substantivo) do recurso, delimitada pelas conclusões da alegação do A/apelante, circunscreve-se no essencial à aplicação do direito ao novo recorte factual que, segundo o A/apelante, teria que ser dado como provado.

Sucede, porém, como explicámos, que não há novos factos, uma vez que a decisão da matéria de facto não mereceu qualquer alteração relevante.

Assim, em termos estritamente jurídicos – de aplicação do direito substantivo aos factos provados – nada há de distinto a acrescentar ao que foi exposto na decisão impugnada; em todo o caso, não deixa de referir-se o seguinte:

Estamos em ambos os casos (acção e reconvenção), como se explicou na sentença recorrida, perante acções reais; perante acções em que o que está em causa é o direito de propriedade.

Não configuram “puras” “reivindicações”, uma vez que nem na acção nem na reconvenção se pede a restituição da coisa[17]; configurando antes, no âmbito das acções reais, uma “espécie” de acções negatórias, uma vez que em ambas se afirma a titularidade do direito de propriedade sobre os prédios que se identificam, pedindo-se que tal seja declarado em termos de apreciação[18], tendo em vista extrair de tal apreciação positiva, como efeito útil, a declaração negatória, implícita, de que não é a outra parte o titular do direito de propriedade sobre os prédios em causa.

Configuração conceitual esta que releva – do mesmo modo como numa perfeita e “pura” “reivindicação” – para se dizer que se está perante acções reais.

Não se ficam, porém, por aqui a acção e a reconvenção.

Em ambas se pede também a impugnação da escritura de justificação notarial feita pela contraparte (o apelante a referida no ponto 5 e os apelados a referida no ponto 4) e, nessa parte, ambas se apresentam como acções de simples apreciação negativa (art. 10.º/2/a) do NCPC), uma vez que está em causa declarar sem efeito – isto é, inexistente – o direito afirmado numa escritura de justificação notarial (bem como o declarar sem efeito o registo feito com base em tal escritura); ou seja, de acordo com a regra do ónus da prova constante do art. 343º/1 do CC, é aos impugnados que compete provar os factos constitutivos do direito de que se arrogam na “sua” escritura de justificação.

O que se acaba de escrever – sobre a impugnação da escritura de justificação notarial ser uma acção de simples apreciação negativa – é absolutamente pacífico, quer na doutrina quer na jurisprudência.

Divergências houve – mas já não haverá, após Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2008, de 4-12-2007[19] – quando, como é o caso, os impugnantes não lograram (ou por terem intentado a acção 30 dias após a publicação do extracto da escritura ou por qualquer outra razão) “impedir” a passagem da certidão da escritura de justificação, isto é, quando os justificantes lograram, com base na escritura de justificação, efectuar a descrição do prédio na C. do Reg. Predial e a consequente inscrição de aquisição a seu favor.

Em tal hipótese, houve quem entendesse[20] que tal operava uma “espécie” de inversão do ónus da prova (mercê da presunção que deriva do art. 7.º do C. Reg. Predial), passando, em tal hipótese, a ser o impugnante da justificação notarial que teria que fazer a prova de que não se verificou a causa de aquisição constante da escritura de justificação (teria o impugnante que provar que não se verificou a usucapião a favor do justificante), porém, o entendimento contrário[21] fez vencimento no referido Acórdão Uniformizador.

Ou seja, ainda que o justificante tenha logrado o registo de aquisição a seu favor por usucapião, não ocorre qualquer inversão do ónus da prova; é certo que, em tal hipótese, o prédio objecto da justificação está descrito na Conservatória do Registo Predial e encontra-se com inscrição de aquisição a favor da justificante, porém, importa não esquecer que tal inscrição foi feita, exactamente, com base na escritura de justificação impugnada, que apenas vale (a escritura de justificação), com as declarações nela contidas, para efeitos de abrir tal descrição e inscrição.

Efectivamente, a escritura de justificação notarial – não será despiciendo mencioná-lo aqui[22] – tem apenas em vista o estabelecimento de trato sucessivo no registo predial (e está prevista no artigo 116.º/1 do C.R. Predial e nos artigos 89.º, 96.º/1 e 101.º do C. Notariado[23]); sendo um “expediente técnico” que substitui, para efeitos de registo, a falta de “títulos”, que responde às dificuldades, em termos de “títulos”, colocadas pelo princípio do trato sucessivo, possibilitando registos que de outro modo seriam impossíveis.

Trata-se de uma forma especial de titular direitos sobre imóveis, para efeito de descrição na conservatória do registo predial, baseada em declarações dos próprios interessados, embora confirmadas por três declarantes; mas, como é evidente, não oferece cabais garantias de segurança e de correspondência com a realidade, potenciando, mesmo, a sua utilização fraudulenta e permitindo que o justificante dela se sirva para titular direitos que não possui, com lesão de direitos de terceiros[24].

Não constitui acto translativo, pressupondo sempre, no caso de invocação de usucapião, uma sequência de actos a ela conducentes, que podem ser impugnados, antes ou depois de ser efectuado o registo, com base naquela escritura.

Impugnação – acção de impugnação do facto justificado – a que o referido art. 101.º/1 do Código do Notariado não fixa qualquer prazo; e em que os justificantes não podem beneficiar da presunção (art. 7.º do C. R. Predial) derivada do registo a que procederam.

É que, insiste-se, o registo é feito exactamente com base na escritura de justificação sob impugnação; daí que, impugnada a escritura de justificação com base na qual foi lavrado o registo, por impugnado também se tem de haver esse mesmo registo, não podendo valer contra o impugnante a referida presunção, que a lei concede no pressuposto da existência do direito registado[25].

Enfim, a escritura de justificação notarial, com as declarações que nela foram exaradas, apenas vale para efeito de descrição do prédio na conservatória do registo predial[26], se não vier a ser impugnada (artigo 101.º do Código do Notariado); pelo que, sendo o registo foi feito com base em escritura de justificação, não pode tal registo, na acção que impugna tal escritura de justificação, constituir qualquer presunção de que o direito existe, já que é esse mesmo direito cuja existência está a ser apurada e declarada na impugnação[27].

Em síntese, as aquisições por usucapião afirmadas numa escritura de justificação notarial e que, com base nela, foram levados ao registo não beneficiam, na acção de impugnação de tal escritura de justificação notarial, da presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial; dito doutra forma, a aquisição declarada na escritura de justificação e, com base nela, levado ao registo, passou a estar incerta com a impugnação deduzida, pelo que o justificante não pode beneficiar da presunção contida no art. 7º do C. Reg. Predial[28].

Afastada assim a presunção derivada do registo (que ambas as partes têm) e regressada a incerteza dos direitos de propriedade por ambas as partes invocados, a cada uma das partes competia provar os factos conducentes à ocorrência da usucapião (forma originária de aquisição do direito de propriedade), por ambas as partes invocada, quer na “sua” escritura, quer nos autos; assim cumprindo o seu ónus probatório de parte passiva da “sua” justificação notarial impugnada e o seu ónus probatório de parte activa na “sua” “reivindicação”.

Em suma, em termos úteis e práticos, tudo – acção e reconvenção – acaba por se reconduzir a uma típica “acção real”; em que está em causa o reconhecimento do direito de propriedade de uma parte, para, assim, por esta via, se dar como negado o direito incompatível de que a contraparte se arroga; e na extracção das legais consequências.

Vale isto (estando-se perante acção em que o que está em causa é o direito de propriedade) por dizer – pese embora o disposto no art. 1316.º do C. Civil, segundo o qual o direito de propriedade se adquire por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão – que estamos colocados perante questões respeitantes à posse e à usucapião; atento o papel que ambas desempenham na dinâmica dos direitos reais, mais exactamente, na sua constituição/aquisição, extinção e defesa.

Efectivamente, na acção real, a prova do respectivo direito não pode/deve limitar-se à invocação e prova do título de aquisição do direito do autor – à v. g. escritura/contrato de compra e venda ou de doação – uma vez que tal título só prova que, sendo o alienante o legítimo titular do direito alienado, o autor adquiriu bem; mas não prova, em definitivo, a bondade do título de aquisição do alienante; e podendo esta objecção fazer-se em cadeia e para o passado, fica o autor da acção real sujeito a uma verdadeira prova diabólica ou mesmo impossível.

É justamente aqui que se situa o interesse e a relevância da posse; que resulta da atenuação que, para essa prova diabólica, decorre do regime da usucapião e da presunção possessória.

Como a usucapião é uma forma de aquisição originária do direito real, destrói qualquer outro direito anterior[29]; assim, feita a prova da posse boa para usucapião, fica provado o direito real de que o autor se arroga.

Por outro lado, como a presunção possessória[30] inverte o ónus da prova, a parte que dela beneficia coloca a cargo da outra parte a prova que a ilida.

Por tudo isto, o enorme relevo[31], o papel decisivo, que a posse e a usucapião continuam a ter no desfecho de litígios, como é o caso, respeitantes ao domínio sobre uma coisa.

Posse – 1251.º do CC – que se traduz no exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos do direito de propriedade ou de outro direito real, integrando dois elementos: o corpus – seu elemento material – que consiste no domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela, ou na possibilidade física desse exercício; e o animus, que consiste na intenção de exercer sobre a coisa como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto[32].

Significa isto que também alinhamos em dizer[33] que a nossa lei consagra, em matéria de posse, a concepção subjectiva[34]; isto é, possuidor é apenas aquele que, além do corpus, tem também o animus possidendi – a intenção de exercer sobre a coisa um direito real próprio; pelo que, para se beneficiar do regime possessório, não bastará a prova do corpus, mostrando-se necessário, além disso, a existência do animus.

Afirmação que, embora conceitualmente rigorosa[35], não tem, entre nós, qualquer utilidade e relevo práticos, uma vez que, estabelecendo a lei uma importante presunção destinada a facilitar a prova do animus (art. 1252.º, n.º 2, do CC), não existe visível diferença prática entre o nosso sistema, teoricamente subjectivista, e os que consagram a concepção objectiva[36].

Usucapião – 1287.º do CC – que se baseia na posse, do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, com determinadas características e durante certo lapso de tempo.

Posse, enquanto poder que está na origem de todo o “domínio” e “apropriação”, que é também – sendo o furto e o roubo tão velhos como a apropriação e em face dos poderes conferidos por tais usurpações – uma contínua força de subversão e contestação do direito real.

Mas, da mesma maneira em que contribui para subverter, também colmata as brechas existentes na ordenação dominial definitiva, pondo fim a situações de indefinição, decidindo do estatuto dos bens.

Posse que cumpre assim uma dupla função e papel: cobre a lacuna, suprindo a falta do direito real; e permite o trânsito para um direito novo, reconstituindo a ordenação dominial definitiva

Posse que existe logo que a coisa entra na órbita de disponibilidade fáctica, que existe logo que sobre ela se pode exercer, querendo, poderes empíricos (a disponibilidade fáctica/empírica sobre o bem)

Mas que, por outro lado, implica intencionalidade e voluntariedade; é sempre a expressão de uma autoridade fáctica

Daí a noção de posse do art. 1251.º do C. Civil: exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real

Posse que – sublinha-se – se pode adquirir pela “usurpação”, aqui se incluindo todas as formas de aquisição originária contra a vontade do possuidor, designadamente, “pela prática reiterada, com publicidade, de actos materiais correspondentes ao exercício do direito” (1263.º, a), do C. Civil), modo mais comum e vulgar de se adquirir a posse (que comece por ser formal).

Actos materiais que são os actos que integram o corpus, que exprimem o poder de facto[37]; actos que são normalmente materiais e físicos, mas não necessariamente, uma vez que para o corpus basta que a coisa esteja na esfera de disponibilidade fáctica.

Reiteração que significa que em princípio não basta um acto para a posse ser adquirida; que exige repetição, o que não significa actuação ininterrupta, contínua ou a prática periódica dos mesmo actos[38].

Actos materiais que, dependendo da coisa objecto da posse, exigem, segundo o consenso público, que se traduzam no exercício dum direito real, sendo essencial que tais actos se dirijam ao estabelecimento duma relação duradoura com a coisa.

Publicidade que exige algum consenso público no círculo social em que o domínio se exerce[39].

E o que acaba de ser dito, em termos genéricos[40], significa, revertendo ao caso sub judicio, o seguinte:

Do elenco factual constante dos pontos 17 a 20 dos factos provados deste acórdão resulta que, desde os anos 50 até hoje, “a R. D... , e antes, K... , mandaram resinar os pinheiros existentes nos prédios em litígio e receberam o valor da resina”; que “autorizaram o corte de mato, mandaram limpar o terreno dos pinhais e mandaram cortar as árvores existentes nas porções de terreno que correspondem aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 24.389.º, 24.390.º e 24.392.º; que “ os habitantes da freguesia de x(...) e dos lugares vizinhos, desde os anos 50 até esta data (da contestação/reconvenção), sempre consideraram K... e os herdeiros deste, como legítimos possuidores e donos das porções de terreno correspondente aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 24.389.º, 24.390.º e 24.392.º; e que, “durante pelo menos 50 anos, K... e mulher e depois a R. D... , usaram, mandaram amanhar, resinar e cortar árvores e mato, nas porções de terrenos correspondentes aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 24.389.º, 24.390.º e 24.392.º (quanto aos dois primeiros até à data em que os vendeu), à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, na convicção de que eram donos de cada um daqueles prédios”

Perante tais factos, é inquestionável a caracterização, como posse, como expressão da autoridade fáctica, da relação que, durante mais de 50 anos, foi estabelecida pela primitiva R. D... e pelos seus antecessores com as porções de terreno que correspondem aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 24.389.º, 24.390.º e 24.392.º.

A propósito da aquisição da posse, o art. 1263.º e ss. do C. Civil enumere e caracterize as situações[41] que levam à aquisição – originária e derivada – da posse.

E a 1.º delas – o modo mais comum e vulgar de se adquirir a posse que comece por ser “formal” – é justamente a aquisição originária pela prática reiterada de actos materiais (art. 1263.º, a), do C. Civil).

Terá sido o caso; porventura até por “usurpação”[42] – principalmente, no caso da porção de terreno correspondente ao prédio inscrito na matriz sob o art. 24.392.º – o que não impede a aquisição da posse; o pai da primitiva R. D... terá começado a agir como possuidor, posse essa que, com a sua morte, se transmitiu (art. 1263.º, b), do C. Civil) aos herdeiros e a tal primitiva R. D... (sucessão na posse – 1255.º do C. Civil).

Estando-se perante uma posse que não foi iniciada com violência (segundo o 1261.º/ 2, considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física ou de coacção moral nos termos do art. 255.º) e que foi exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados (1262.º)[43], impõe-se concluir – presumindo-se iniciada tal posse de má-fé, por ser não titulada (art. 1259.º/1 e 1260.º/1 do C. Civil) – que a usucapião operou, a favor dos herdeiros do falecido K... e da primitiva R/reconvinte D... , nos anos 80 do século passado; uma vez que se provaram os 2 elementos de que depende a usucapião: a posse com determinadas características e dignidade (que tem que ser pública e pacífica – 1293/a), 1297.º e 1300.º); e o decurso de certo período de tempo (não os 20 anos do art. 1296.º/2.ª parte do C. Civil, mas os 30 anos do art. 529.º do C. Civil de Seabra, por aplicação da lei no tempo – cfr. art.12.º do C. Civil[44]).

E, invocada e operada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (cfr. 1288.º e 1317.º c) do C. Civil).

Significa isto que a primitiva R./reconvinte D... , enquanto sucessora na posse e possuidora de tais terrenos/prédios, como efeito da sua posse, não goza apenas e só da presunção da titularidade do direito (1268.º, n.º 1, do CC)[45], uma vez que, no caso, a tutela provisória que lhe é conferida, enquanto possuidora, se converteu em definitiva pela usucapião.

E, provada a usucapião, quaisquer outros direitos anteriormente constituídos, incompatíveis com tal aquisição originária emergente de tal usucapião, ficaram automaticamente extintos; assim como “presumíveis” direitos incompatíveis que porventura estivessem conferidos pelo registo predial[46], que não confere com a sua tutela senão uma presunção iuris tantum (art. 7.º do C. Registo Predial)[47], também ilidida pela prova da usucapião.

O que determina – conforme foi decidido na sentença recorrida – a procedência dos direitos de propriedade dos RR/reconvintes; e, como consequência, a procedência do pedido reconvencional formulado em f), bem como a procedência dos pedidos reconvencionais formulados em g) e h) – ou seja, o êxito da impugnação da justificação notarial efectuada pelos primitivos AA..

Na verdade, percorrendo os factos provados, não encontramos – praticados pelos AA. – um único facto que, em qualquer momento ou lapso temporal, exprima, ainda que incipientemente, o seu poder empírico, o seu poder de facto, a autoridade fáctica que caracteriza a posse sobre os mesmos terrenos/prédios[48].

E era esta prova que também ao apelante incumbia; quer para impedir o êxito da impugnação da “sua” justificação notarial, quer para ter sucesso na sua reivindicação.

Como já se explicou, impugnadas as escrituras de justificação, tinham as partes justificantes, aqui e agora, que provar o que haviam justificado – o mesmo é dizer a sua usucapião, os factos reveladores dos poderes de facto sobre os prédios/terrenos; uma vez que a escritura de justificação notarial, que se encontra prevista nos artigos 116.º/1 do Código do Registo Predial e 89.º e 101.º do Código do Notariado, não constitui um acto translativo de direitos, visando tão-somente suprir a falta de um título para se lograr proceder à realização do registo predial obrigatório; registo esse – da aquisição a favor dos justificantes – que, tendo por base as escrituras de justificação notarial e sendo estas, como foi o caso, impugnadas, nos remete para a situação sobre que se pronunciou o já referido A.U.J. n.º 1/2008, de 04/12/2007, em que se firmou o seguinte entendimento: “na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos artigos 116.º, n.º 1 do Código do Registo Predial e 89.º e 101.º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7.º do Código do Registo Predial”.

Significa isto – representandos o pedidos formulados em a), d) e e) (da acção) a impugnação da justificação notarial da primitiva R. D... e constituindo a “impugnação” uma acção de simples apreciação negativa – que se encontrava invertido o regime regra do direito probatório (constante do artigo 342º/1 do C.C, em que se diz que “aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”), em harmonia com o estipulado pelo artigo 343º/1, do Código Civil, segundo o qual, em tais acções, competia à justificante a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga[49].

Prova essa que, como supra se analisou, os apelados fizeram (sendo irrelevante a imprecisão de tal escritura decorrente da data do óbito da mãe da justificante[50]); é o que resulta a contrario dos pontos de facto 17 a 20, já analisados, que representam a exclusividade de “domínio” sobre as porções de terreno em litígio por parte da primitiva R/Reconvinte D... e do seu pai, afastando assim a possibilidade de poder ficar provado um “domínio” (que seria incompatível/inconciliável com o deles) por parte dos primitivos AA., durante o mesmo lapso temporal, sobre as mesmas concretas porções de terreno.

É que – resulta claramente dos articulados (e dos desenhos/plantas que as partes juntam para ilustrar as suas posições) – as partes “reivindicam”, fora de qualquer dúvida, as mesmas concretas porções de terreno; não sendo o relevante e decisivo, para o desfecho substantivo do litígio, saber se os art. matriciais 6.920.º e 6922.º correspondem à primeira inscrição de tais porções de terreno na matriz predial da freguesia de x(...) .

Ainda que os art. 6.920.º e 6.922.º correspondem à primeira inscrição de tais porções de terreno na matriz predial da freguesia de x(...) , sempre a “reivindicação” dos primitivos AA. seria improcedente e a impugnação da justificação notarial pedida na reconvenção seria procedente, uma vez que o A/apelado não provou quaisquer poderes de facto sobre tais porções de terreno[51].

Mas, mais, não é sequer seguro – não está provado – que os art. 6.920.º e 6.922.º correspondem às porções de terrenos em litígio; uma parte do que, segundo o apelante, é o 6.922.º (a parte a salmão na planta de fls. 105) não faz sequer parte das porções de terreno em litígio; e o 6.920.º até pode corresponder a outro terreno/local da freguesia.

Em todo o caso, o que é importante e relevante, no contexto do litígio, é saber/apurar quem exerceu os poderes materiais e de facto – a autoridade fáctica – sobre as porções de terrenos em litígio (independentemente do que consta das matrizes e de quem pagou os respectivos impostos); e nisto, como já referimos de diversas maneiras, a “resposta” dos factos é claramente favorável aos apelados, o que explica a improcedência da acção e a procedência da reconvenção.

Em conclusão, improcede tudo o que o apelante invocou e concluiu na sua alegação recursiva, o que determina o naufrágio do recurso e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece quaisquer reparos[52], não padece de quaisquer nulidades, nem viola qualquer uma das disposições indicadas.

O que significa que se concorda com a improcedência do pedido indemnizatório formulado pelos primitivos AA. e com o desfecho dos pedidos de condenação em litigância por má fé.

Tendo-se provado que as porções de terreno em litígio eram/são propriedade dos RR., logo fica por demonstrar o requisito da ilicitude; o que basta para o pedido indemnizatório dos AA., dada a exigência de verificação cumulativa dos requisitos do art. 483º do CC, ter que ser – como foi – julgado improcedente[53].

Quanto à litigância de má fé:

Deve ser considerado litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver, designadamente, deduzido oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou quem tiver alterado a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa.

É sabido, em face do que se dispõe no art. 456º do CPC = 542.º do NCPC, que a mera falta de razão – quer quando a parte não demonstra a sua versão factual quer ainda quando se demonstra a versão factual oposta – não é por si só suficiente para legitimar uma condenação como litigante de má fé (em tal hipótese, a “sanção” está justamente na improcedência da acção).

É necessário, para poder ser proferida uma condenação como litigante de má fé, que a oposição entre a versão alegada e a que resultou provada seja subjectivamente imputável ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração intencional ou, pelo menos, consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes exige a negligência grave, grosseira.

O que – o supra referido – é justamente o caso do comportamento processual dos primitivos RR.; como resulta do ponto 23 dos factos provados e do que, instrumental e explicativamente, consta como provado entre os pontos 24 e 35 dos factos provados.

Basta para tal lembrar que se deu como provado que os “AA. sabem e sabiam que as porções de terrenos correspondentes aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 24.389.º, 24390.º e 24.392.º, desde pelo menos os anos 50, pertencem a K... e aos respectivos herdeiros, após a morte daquele”; e não obstante “reivindicaram” tais porções de terrenos (alegando os factos conducentes às suas aquisições por usucapião), tendo, antes, procedido à justificação notarial de tais porções de terreno.

Por conseguinte, em face do que ficou provado nos autos, não pode deixar de concluir-se que os primitivos AA. faltaram ostensivamente à verdade; e que o fizeram de forma voluntária e deliberada, tentando criar uma aparência de direito que não ignoravam não existir.

Litigaram pois de má-fé nas modalidades de alegação de factos que sabiam não corresponderem à realidade e de dedução de pretensão cuja falta de fundamento era por eles bem conhecida, nos termos do art. 456º/1 e 2, al. a) e b) do CPC = 542.º/1 e 2, al. a) e b) do NCPC.

Não merece pois qualquer censura a condenação do apelado como litigante de má fé[54], quer em multa, quer em indemnização à parte contrária (esta, a liquidar/fixar posteriormente).

Multa que, ao ser fixada em 3 UC, o foi com extrema prudência e moderação (a multa vai de 2 a 100 UC, cfr. art. 27.º/3 do RCP); uma vez que estamos perante uma situação – de ostensiva alteração de factos relevantes – que revela uma má-fé de alguma intensidade; convindo ponderar, na sua justa fixação, as condições económicas daqueles que com ela serão sancionados, a extrair e a deduzir dos elementos dos autos e que, à míngua de elementos concludentes, deve respeitar o princípio da proibição do excesso, sem necessidade do recurso a uma específica averiguação sobre a sua situação económica.

Multa em que o apelado é condenado por ter sido habilitado como sucessor dos primitivos AA., seus pais; razão pela qual, justamente por estar na lide como único titular das heranças abertas por óbito dos seus pais, responde – esclarece-se o sentido da sua condenação – pelo montante da multa e indemnização a tal título e no limite das forças de tais heranças.

*

V - Decisão

Nos termos expostos, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida (esclarecendo-se que pela multa e indemnização, respeitantes à má fé, o habilitado responde como titular das heranças abertas por morte dos seus pais, os primitivos AA., e no limite das forças de tais heranças).

Custas, em ambas as instâncias, pelo A/habilitado/apelante.

*

Coimbra, 03/03/2015

(Barateiro Martins - Relator)

(Arlindo Oliveira)

(Emídio Santos)


[1] Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 154 e António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 1997, pág. 254.

[2] Chama-se a atenção que, ao dar-se como assente o que consta das primeiras alíneas da “Matéria Assente”, apenas se estava a dar como assente que na matriz ou na descrição constam prédios com tal configuração e não que tais prédios existem mesmo enquanto efectiva realidade predial; e diz-se isto por ficar a ideia que se está convencido que estava/á assente a configuração dos prédios; insiste-se, apenas estava provado, em tais alíneas, que das descrições constava aquilo.
[3] Assim como em quase todo o país.

[4] E – chama-se a atenção – o que resulte das finanças, conservatórias e escrituras também não constitui, demonstra ou vale como o exercício de poderes de facto sobre uma coisa (como expressão da autoridade fáctica sobre uma coisa); pagar uma sisa, as antigas contribuição predial ou autárquica ou o actual IMI não significa nem envolve qualquer poder material e imediato sobre a coisa, pelo que, naturalmente, tais pagamentos também não são, só por si, um sinal de corpus possessório.

[5] Veja-se, por ex., que, antes da alteração efectuada pelos primitivos AA, da confrontação nascente do prédio 6.922.º constava K... , o que foi mudado para Estrada Municipal.
[6] Veja-se o que dizem nos art.24.º e 25.º da Réplica: confessam que “as declarações não correspondem à verdade dos factos”, sendo a culpa do solicitador que “mais não fez do que é usual, ou seja, justificar a titularidade por via da doação dos progenitores do justificante”

[7] De tal maneira que logo no início do depoimento da primeira testemunha ( W...) e dali para a frente as partes (mais exactamente, os seus mandatários) se permitiram, sem qualquer recíproca oposição, fazer perguntas às testemunhas quer a partir da planta de fls. 105 (junta pelos RR.) quer a partir da planta de fls. 138 (junta pelos AA), que, indiscutivelmente, retratam as mesmas porções de terreno (embora com números/matrizes diferentes).
[8] A título de exemplo, o depoimento da 1.ª testemunha do A/apelante ( W...), feito durante largos minutos a partir da planta de fls. 105 e do levantamento de fls. 137, está prenhe de “isto”, “este”, “aqui”, etc.; a ponto de a Exma. Juíza ter advertido, por mais de uma vez, “eu consigo perceber porque eu vi onde o Sr. estava a assinalar”, mas para quem nos vai só ouvir não vai perceber.
[9] Embora grande parte do seu depoimento tenha sido com a planta à frente, a responder ao que se lhe apontava/sugeria na planta.
[10] Aliás, num dado momento (daqueles em que, quem, como nós, só tem acesso ao registo sonoro, não compreende o que a testemunha está a dizer por estar a ser questionada e a responder sobre a planta), a Exma. Juíza diz mesmo “a testemunha já colocou os terrenos em vários locais” (e explica mesmo porque é que a testemunha não sabe o que está a dizer).
[11] E, intui-se do que está dito, a escritura de partilhas do Sr. U... – e o facto de não estarem incluídas na mesma as porções de terreno em disputa (dizendo-se na mesma que se partilhavam todos os seus bens) – também não fornece qualquer contributo relevante para os poderes de factos sobre os terrenos.
[12] O que fizeram – estas 3 últimas testemunhas – em termos, pelo registo sonoro, credíveis e espontâneos.
[13] Tio do que foi ouvido com o mesmo nome.

[14] Aliás, é bom não esquecer, numa análise crítica em que é suposto usar-se de argúcia e perspicácia, que foram os primitivos AA. a “confessar” o corte de 70% da madeira do maior parte das porções de terreno em disputa (de fora, só terá ficado a porção correspondente ao art. 24.392.º) por parte dos U..., nos anos 80; invocando, em favor da sua tese factual, que impediram o corte dos restantes 30% e que naquela ocasião o primitivo A. estava internado no hospital. Ora – sem prejuízo do primitivo A. poder ter estado internado, nos anos 80, no hospital – não provaram que tal corte aconteceu no momento do seu internamento e, mais relevantemente, em relação a um pinhal/eucaliptal, o que é concludente é o acto de cortar/vender a respectiva madeira e não porventura o acto de tal corte/venda não ter “varrido” toda a madeira/árvores existentes.
[15] Que neste acórdão correspondem a pontos de facto com outra e diversa numeração.
[16] Alinhamento de que não se excluíram os factos meramente instrumentais dados como provados na sentença recorrida; relegando-se, todavia, os mesmos para o fim (pontos 23 e ss.).

[17] Na acção de reivindicação, é sabido, pode dizer-se que há um “pedido” principal e um secundário. O principal é o do reconhecimento da titularidade do direito; o secundário, o da restituição da coisa reivindicada.

[18] Evidentemente, às clássicas modalidades de acções reais, ditas negatórias e confessórias, correspondem hoje (nos termos do art. 10.º/1/a) do NCPC) as acções de simples apreciação.
[19] In CJ, Acórdãos Uniformizadores, pág. 12 a 16.
[20] V. G. Ac. Rel de Lisboa de 15-5-1997, in CJ, Tomo II, pág. 85; e Ac. Rel. de Coimbra de 25-11-1997, in CJ, Tomo V, pág. 23.

[21] Que foi sempre a nossa posição pelas razões constante do Ac. do STJ de 3-3-1998 (in CJ, tomo I, pág. 115).
[22] Em face de alguns argumentos e raciocínios constantes da alegação recursiva.

[23] Em que se dispõe:

Artigo 116.º, n.º 1, do Código do Registo Predial:

«O adquirente que não disponha de documento para prova do seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação previsto neste capítulo.»

Artigo 89.º do Código do Notariado:

«1 - A justificação para efeitos do n.º 1 do artigo 116.º do Código do Registo Predial consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais.

2 - Quando for alegada a usucapião, baseada em posse não titulada, devem mencionar-se expressamente as circunstâncias de facto que determinam o início da posse, bem como as que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião.»

Artigo 96.º, n.º 1, do Código do Notariado:

«As declarações prestadas pelo justificante são confirmadas por três declarantes.»

Artigo 101.º do Código do Notariado:

«1 - Se algum interessado impugnar em juízo o facto justificado, deve requerer simultaneamente ao tribunal a imediata comunicação ao notário da pendência da acção.

2 - Só podem ser passadas certidões de escritura de justificação decorridos 30 dias sobre a data em que o extracto for publicado, se dentro desse prazo não for recebida comunicação de pendência da impugnação.

3 - O disposto no número anterior não prejudica a passagem de certidão para efeito de impugnação.

4 - Em caso de impugnação, as certidões só podem ser passadas depois de averbada a decisão definitiva da acção.

5 - ...»
[24]Apesar das reservas que alguns notários põem na sua aceitação e muito embora alcunhadas pelo público de escrituras de mentira, elas têm vingado e proliferado, pelo seu forte cariz de ordem prática” – assim se lhes referiu Isabel Pereira Mendes, in Estudos sobre o Registo Predial, 1997, pág. 100.
[25] Com o que se responde directamente ao que se diz nas conclusões 29 a 31 da alegação do apelante.
[26] A escritura de justificação é apenas um meio de suprir a falta de um título para registo.

[27] Dantes (até ao DL 116/2008, de 04/07), se os registos já se encontrassem lavrados, o impugnante ainda tinha que pedir também o seu cancelamento (cfr. art. 8.º/1 do C. Reg. Predial), como fizeram ambos os impugnantes no processo, mas, actualmente, o art. 8.º o C. Reg. Predial até dispõe que “a impugnação judicial de factos registados faz presumir o pedido de cancelamento do respetivo registo”.
[28] A posição do impugnante não pode variar consoante o justificante do seja mais ou menos lesto a requerer o registo.

[29] Sendo também por isto que não é pertinente o que o apelante invoca na conclusão 35.ª.

A usucapião é uma aquisição originária, genética e endógena baseada na sua causa (posse). Não se pode, pois, dizer, com rigor, que pela invocação da aquisição do direito (usucapião) se realize um destaque, um loteamento, uma divisão em prédios com área inferior à unidade de cultura: já que a coisa é possuída como autónoma e é essa posse dessa coisa possuída, como autónoma, que é causa de usucapião.

A causa da usucapião é tão só a posse. O direito que se adquire é originário: não é o direito anterior da relação jurídica; este, tão só se extingue.

Como refere Durval Pereira, in Posse e Usucapião, pág. 532 e 533:

“ (…) é da essência normativa da usucapião, à face do direito constituído, que tal instituto – como a posse, que o origina – é agnóstico. Como resulta do art. 1287.º do C. Civil; da razão de ser e função do interesse público da sua introdução; e dos referidos art. 1294.º e 1298.º que doutro modo seriam ininteligíveis.

Consequentemente, face ao direito constituído, seria violar o conteúdo normativo do usucapião, a sua norma, ajuizar-se sequer que a sua invocação (ao abrigo dos art. 1287.º e ss.), ou da sua posse que a causa, possa ser ilícita ou nula, justa ou injusta, ou que contrarie disposições legais de carácter imperativo, a ordem pública ou os bons costumes. (…)

É certo que pela relevância da posse e do usucapião pode prejudicar-se o interesse público dum correcto ordenamento do território. Mas, como referiu Ihering a propósito da razão que avançou para a justificação do instituto da posse – É uma desvantagem, mas a solução tem de apreciar-se em globo, pela comparação de vantagens e desvantagens, e não pela consideração simples de que estas existam. Estas são na vida o preço daquelas    Também a chuva rega tanto as plantas que precisam, como as que dela não necessitam”.

[30] Assim como a presunção registral – cfr. art. 7.º do C. Registo Predial, segundo o qual “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

[31] Que, por certo, continuará a ter por muitos e longos anos, designadamente, enquanto não tivermos, por todo o nosso país, um cadastro geométrico e rigoroso da propriedade (que torne o conflito sobre a propriedade menos aleatório, moroso e ineficiente).

[32] Cfr. Henrique Mesquita, Direitos Reais, pág. 66 e 67.

[33] Como a generalidade da jurisprudência e doutrina nacionais.

[34] Cfr. art. 1251.º e 1253.º, ambos do CC.

[35] Na controvérsia entre a orientação subjectivista (Savigny) e objectivista (Jhering).

[36] Ausência de diferença acentuada pela ampliação da tutela possessória ao locatário (1037.º), ao comodatário (1133.º) e ao depositário (1188.º).

[37] Daí que raciocínios a partir de áreas/m2 que estão mencionados na descrição predial dos prédios são alheios e irrelevantes para a prova dos poderes de facto em que o corpus possessório se traduz.

Pode/deve mesmo acrescentar-se (em face de certas afirmações constantes do recurso) que as áreas/m2 mencionados na descrição predial dos prédios (quer do registo predial quer das matrizes fiscais) não estão “cobertos” pela presunção derivada do registo. É completamente pacífico que a presunção registal de titularidade constante do art. 7.º do C. Registo Predial – preceito em que se diz que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” – não abarca os elementos da descrição registal, mas apenas o que resulta do facto jurídico inscrito tal como foi registado. É o que deriva com cristalina clareza da finalidade e função do registo predial, o que, por consequência, torna o “resultado” do facto jurídico inscrito (isto é, o direito que resulta do facto jurídico inscrito, a situação jurídica publicitada) o único quid susceptível de ser reportado à presunção de titularidade constante do art. 7.º do C. Registo Predial.
[38] Nos direitos menos densos, como a servidão, tal repetição/identidade dos mesmos actos até pode acontecer; nos mais densos, como a propriedade, a regra será a complexidade e a diversidade.

[39] Os actos clandestinos não merecem protecção, dado que os interessados em contrariar a posse não têm deles conhecimento.
[40] E em que se seguiu de perto o que já escrevemos noutros idênticos processos.
[41] Enumeração que, não sendo taxativa, contém as hipóteses mais comuns e vulgares.
[42] Ou seja, o que se diz nos pontos 14 e 15 dos factos provados não é sequer imprescindível.

[43] A publicidade mede-se pelos padrões de cognoscibilidade e não pelo efectivo conhecimento; a posse é cognoscível se um interessado razoável (medianamente diligente e sagaz) colocado na posição do real interessado, dela puder ter percepção, pelo que, quanto aos imóveis, dificilmente se “concebe” uma posse que seja oculta.
[44] Quando o actual Código Civil entrou em vigor (01/06/1967), o prazo de 30 anos do C. de Seabra ainda não se havia completado, pelo que, tendo já decorrido mais de 10 anos (diferença do prescrição aquisitiva nos dois códigos), a usucapião só operou ao fim de 30 anos sobre a data do seu início.

[45] Importante, uma vez que, em muitos casos, é a única forma do proprietário fazer valer o seu direito.
[46] Que, já explicámos, não existe no caso.
[47] Diz-se que o registo tem uma função meramente declarativa; que não dá ou constitui direitos.
[48] Repete-se, pagar a sisa e outros impostos não exprime, só por si, autoridade fáctica.

[49] Daí o dizer-se, a propósito das impugnações das justificações, que ao A. apenas cabe a alegação e prova do que o R. se arrogou extrajudicialmente na escritura (isto é, basta juntar a escritura), competindo ao R., inversamente, a alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito, sob pena da procedência da acção.

[50] Aliás, por causa de tal imprecisão, o registo nem sequer enfermará de deficiência/inexactidão, que sempre seria susceptível de rectificação.

[51] Mais exactamente, sobre as porções de terrenos correspondentes aos prédios 24.389.º, 24.390.º e 24.392.º.

[52] A observação que faríamos à sentença – de mera forma e não de substância e por isso sem relevo – é que não terminaríamos a condenar o habilitado a reconhecer os direitos de propriedade dos RR. (uma vez que tal “condenação” não é, efectiva e rigorosamente, uma condenação); terminaríamos tão só a declarar os direitos de propriedade dos RR.. Efectivamente, à expressão “reconhecimento do seu direito”, constante do art. 1311.º do C. C., corresponde, em termos processuais, a declaração do direito; ou seja, numa acção, quando se declara um direito, o respectivo réu (no caso, o reconvindo), contra quem a decisão passa a fazer caso julgado material, passa a estar, sem mais, obrigado a reconhecer o direito e a abster-se de praticar actos que o prejudiquem.
[53] Pedido indemnizatório que, com rigor, nem fará parte do objecto da apelação.
[54] Oportunamente pedida, o que “dispensou” o cumprimento do contraditório imposto pelo art. 3.º do CPC/NCPC.