Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2640/05.2TBACB-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA
CRÉDITO
Data do Acordão: 06/01/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.860 CPC
Sumário: A execução instaurada contra o terceiro devedor, nos termos do art.860 nº3 do CPC, é acessória e não autónoma da execução principal.
Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. S (…) & L (…) SA, com sede em (…), (....), intentou a presente acção executiva para pagamento de quantia certa, contra A (…) & A (…), Lda, com sede em (…), (...).

Em 6.12.2005, as partes requereram a suspensão da execução, pelo período de 13 meses, ao abrigo dos artigos 882º e seguintes, uma vez que acordaram num plano de pagamento, pela executada, em 13 prestações mensais, da quantia exequenda, que fixaram em 21.748,62 €, e que o não pagamento de uma dessas prestações acarretaria o vencimento das restantes.

Mais acordaram, nos pontos 5. e 6., que:

5. O presente acordo é garantido pelos sócios gerentes da executada D (…), (…) e por sua mulher M (…)  (…).

6. Em caso de incumprimento do presente acordo, a exequente reserva-se o direito de requerer nos termos do nº 5 do art. 828º do CPC e nos próprios autos, execução contra os acima garantes, os quais renunciam desde já e para esse efeito, ao benefício da excussão prévia.

Este acordo mostra-se assinado pela exequente, executada e mencionados garantes.

Posteriormente, em 13.9.2006, a exequente invocando ter havido pagamento de apenas parte do devido, requereu o prosseguimento dos autos para penhora.

E mais tarde, em 22.9.2008, apresentou requerimento executivo contra os indicados D. (…)e H. (…), por o dito acordo ter sido apenas parcialmente cumprido, estando em divida 18.473,95 €, o que lhe conferia o direito de executar os garantes, os quais renunciaram ao benefício da excussão prévia.

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Tal requerimento executivo foi liminarmente indeferido, por se ter entendido estar-se perante uma situação de coligação de executados sucessiva, por serem diferentes os executados em ambas as execuções bem como os títulos executivos, que a lei não consente e por isso uma excepção dilatória de conhecimento oficioso.

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2. A exequente interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

A lei admite a possibilidade de coligação sucessiva passiva, nos termos que decorrem dos arts. 53º, nº 1, 54º, nº 1, que não são afastados pelas diferentes normas do art. 58º, e que são de resto, concretizadas nas várias possibilidades previstas no art. 828º, todos os artigos do CPC;

b)Assim, a questão da coligação sucessiva passiva (contra outras pessoas como executados) não levanta qualquer problema à face da lei, admitindo-a esta nos termos latos e gerais que decorrem do art. 54º, do CPC;

c)Deve, por isso, ser revogado o despacho recorrido e substitui-se por outro que receba e admita essa execução.

3.Não houve contra-alegações.

II – Factos Provados

Os factos provados são os resultantes do relatório.

III – Do Direito

1.Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC).

Nesta conformidade a única questão a resolver é a seguinte.

-Admissibilidade liminar da execução.

2. Na decisão recorrida entendeu-se estar perante uma situação de coligação de executados sucessiva, “por serem diferentes os executados em ambas as execuções bem como os títulos executivos”, o que a lei proíbe.

A recorrente defende abnegadamente que a lei permite tal situação.

O nosso entendimento é outro, pois no processo executivo ocorrem várias hipóteses em que “nasce” uma execução naquela que está a correr, que assim passa a envolver uma pluralidade de executados e diferentes títulos executivos.

Expliquemos melhor.   

Nos casos em que é penhorado um direito de crédito do executado e este devedor do executado declara reconhecer a dívida ou nada diz, entendendo-se neste caso que ele reconhece a existência da obrigação (art. 856º, nº 2 e 3, do CPC), fica o mesmo devedor obrigado a depositar a prestação devida. Se ele não o fizer pode o exequente exigir a prestação, com base num novo título executivo (a declaração de reconhecimento do devedor, e a notificação efectuada e a falta de declaração) – art. 860º, nº 3, do CPC. Se o crédito já estiver vendido ou adjudicado é o próprio adquirente que pode exigir a prestação devida (art. 860º, nº 2 e 3, do CPC).

Apesar de haver autores que consideram a execução contra o devedor do executado como uma execução autónoma (Neste sentido Teixeira de Sousa, Acção Executiva Comum, pág. 274, e Remédio Marques, Penhora de Créditos na Reforma de 2003, Themis, ano V, nº 9, pág. 159), não sem que outros levantem objecção a tal entendimento (“…fica, porém, a dúvida sobre a compatibilidade desta posição com o facto de o efeito útil desta execução aproveitar à execução que legitima”, afirma M. Januário da Costa Gomes, Penhora de Direitos de Crédito, Breves Notas, Themis, ano IV, nº 7, pág. 119), consideramos mais correcta a posição tradicional.

Tradicionalmente, tal execução tem sido considerada como não autónoma, com carácter incidental, acessória e instrumental da execução principal.

Assim, Castro Mendes qualificava este tipo de execuções como ‘execuções acessórias, que se enxertam na principal’ (Acção Executiva, AAFDL, 1980, pág. 113). Por sua vez, o STJ referiu-se à intervenção do devedor como introdução de “uma relação processual incidental”, que “esse terceiro vem a assumir a posição de parte na relação processual incidental” e que “o devedor de crédito penhorado é parte na execução, estando sujeito à disciplina processual nessa qualidade” (vide ponto 8, do Assento 2/94, in DR, de 8.2.94, págs.625 e 626). E Anselmo de Castro (Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., 1977, pág. 139, nota (1), refere que o tribunal competente será o próprio tribunal da execução em que se formou o título).

Na verdade, o processo executivo visa facultar ao exequente a satisfação da prestação que o executado não cumpriu voluntariamente (art. 4º, nº 3, do CPC) mediante a realização coactiva da prestação, designadamente pela execução do património do executado (art. 817º do CC).

Ora, no desenvolvimento do mesmo, na sua dinâmica de execução do património do executado, podem surgir diversas situações e conflitos que importa resolver, quer no domínio das relações internas exequente/executado, quer no domínio das relações entre estes e outros intervenientes que se vêem afectados pela execução.

Essas questões são múltiplas e encontram-se reguladas no próprio processo executivo (por exemplo, a liquidação, a oposição à execução e à penhora, a graduação de créditos, a anulação da venda), ou fora dele (os embargos de terceiro),

Caracteriza-as, todavia, visarem ainda directamente os fins da execução. Isto é, são de índole instrumental e auxiliar desta e, por isso, confinadas a esse fim.

No caso que estamos a expor, de penhora de crédito do executado não satisfeito pelo devedor deste, a falta de autonomia dessa relação incidental em relação à execução principal resulta indubitável, se atentarmos a que a extinção do crédito por vontade do executado ou do devedor não é oponível à execução (art. 820º, do CC), mas se o exequente desistir da execução principal ou se nesta o executado fizer o pagamento voluntário isso implica a extinção da execução acessória.

Por outro lado, a formação do título executivo emerge em consequência de posição processual desenvolvida no processo principal pelo devedor do executado.

Eis, desde logo, um caso típico em que na própria execução “nasce” uma nova execução, com executados diferentes (e no caso atrás mencionado do adquirente com exequente diferente), com base em títulos executivos diferentes (no mesmo sentido vão os Acds. da Rel. Lisboa de 3.4.2008, Proc. 1385/2008, e de 16.9.2008, Proc.3838/2008, in www.dgsi.pt, e da Rel. de Coimbra, de 20.11.2007, CJ, T. 5, pág. 23).

O carácter acessório, instrumental, incidental é, aliás, expressamente inculcado por várias disposições legais em lugares paralelos.

Assim, no art. 859º, nº 2 e 4, quando o executado não cumpre a prestação de que depende a prestação do seu devedor, permite-se que a prestação possa ser exigida, por apenso, no mesmo processo (hoje na redacção do nº 4, emergente do DL 226/08, de 20.11, afirma-se que é “na mesma execução”). No art. 854º, nº 2, do CPC (hoje nº 3, conforme DL 226/08), quanto à não apresentação dos bens pelo depositário, refere-se que este é executado, no próprio processo. No art. 828º, nº 2 e 5, do CPC, referente à execução instaurada apenas contra devedor subsidiário que invoca benefício da excussão prévia, e apenas contra o devedor principal em que os bens se revelem insuficientes, declara-se que o exequente pode requerer, no mesmo processo, execução contra o devedor principal ou subsidiário (hoje na redacção actual, emergente do referido DL 226/08, afirma-se que pode o exequente “fazer prosseguir a execução”).

Conclui-se, pelo exposto, pela natureza acessória e não autónoma da execução em todos estes casos referidos.

A solução para o nosso caso não é diferente, não tendo a decisão recorrida atentado à particularidade do mesmo.

Relembre-se que ocorreu um acordo de pagamento a prestações da dívida exequenda (art. 882º, do CPC). No mesmo, exequente e executada consolidaram a divida, tendo a mesma sido garantida pelos sócios gerentes da executada D (…) e por sua mulher M (…), os quais renunciaram ao benefício da excussão prévia.

Por outro lado, como garantia do crédito exequendo vale a penhora já feita na execução, salvo convenção em contrário (art. 883º, nº 1, do CPC), mas podendo, ainda, as partes convencionarem outras garantias adicionais, ou substituir a resultante da penhora (seu nº 2).

Foi o que as partes fizeram, tendo acordado uma garantia adicional, em que ampliaram a garantia patrimonial, que passou a abarcar o património dos sócios-gerentes da executada/devedora.

Estas garantias podem ser as mais diversas. Podem ser garantias pessoais (ex: fiança subsidiária ou fiança solidária, como ocorrerá neste último caso nos termos dos arts. 640º, a), do CC ou 101º, do CSC), reais (ex: hipoteca constituída pelo devedor ou terceiro), aparentes (assim denominadas, pois têm uma mera eficácia obrigacional, só produzindo efeitos entre o devedor e o credor, nada acrescentando à garantia geral do credor comum, sendo ineficazes em relação aos demais credores – vide P. Romano Martinez, Garantias do Cumprimento, 5ª Ed., pág. 57 - servindo de exemplo o acordo fiduciário ou o cheque de garantia) ou indirectas (assim chamadas, pois apesar de não tradicionalmente enquadradas como garantias de cumprimento das obrigações, poderem ser usadas com essa finalidade de garantia do crédito – mesmo autor e obra, pág. 235 - servindo de exemplo a assunção cumulativa de dívida, nos termos do art. 595º, nº 2, 2ª parte, do CC).

Não interessa agora tomar posição a saber se a garantia prestada pelos sócios-gerentes foi uma fiança, ou uma assunção de dívida, ou outra semelhante, mas sim realçar que, de acordo com a permissão legal, os mesmos constituíram uma garantia adicional a favor da exequente.

Podendo, por isso, ser executados para satisfação do crédito exequendo.

Se a lei, nos casos que anteriormente expusemos, possibilita a execução, no próprio processo, por maioria de razão se deve entender para o terceiro que voluntária e negocialmente se tornou devedor. É que ele, ao garantir a dívida do executado, torna-se parte na acção executiva, cumulando-se a execução contra o executado com o novo título executivo.

No caso em apreço, os referidos garantes, que renunciaram ao benefício da excussão prévia, tornaram-se parte na acção executiva, e até acordaram que ficava reservado à exequente o direito de requerer nos termos do nº 5 do art. 828º do CPC e nos próprios autos, execução contra os mesmos garantes.

Pelo que a exequente S (…) & L (…), SA, poderá executar, no processo, os aludidos D. (…) e M. (…), com base no novo título executivo e pelas garantias prestadas.

Procede, pois, o recurso, embora por razões ligeiramente diferentes das invocadas pela recorrente.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso, e consequentemente revoga-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que permita o prosseguimento da execução.

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Sem custas.