Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
158/07.8TBPNI-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: EXECUÇÃO
LEGITIMIDADE
CESSÃO DE CRÉDITO
VENDA
VALOR
Data do Acordão: 05/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 53, 54, 356, 357, 728, 875 CPC
Sumário:
1 – A questão da legitimidade do exequente, por motivo da transmissão do seu direito, apenas pode ser alegada e dilucidada na oposição, por embargos, à execução, - artº 728º e segs. do CPC - e não na oposição à penhora, atento o elenco previsional, taxativo, plasmado no seu preceito atinente – artº 784º.

2 - A alteração do sujeito ativo da execução, no caso de este ter cedido o seu direito na sua pendência, apenas pode efectivada através do incidente a que aludem os artºs 356º e 357º do CPC, sendo que, caso tal não aconteça, e se as partes, rectius o cessionário, sabendo da execução, não despoletar(em) tal incidente, o exequente mantém a sua legitimidade e a responsabilidade do executado cumpre-se perante ele.

3 - Realizada a venda ou adjudicação do imóvel hipotecado por valor inferior ao atribuído pelas partes em contrato de mutuo com hipoteca e, mesmo, por valor inferior ao valor base fixado por decisão, - mas dentro do valor mínimo legalmente admissível -, o exequente pode prosseguir a execução com penhora de bens, vg. dos demais co-obrigados para pagamento do remanescente do seu crédito não satisfeito.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL D A RELAÇÃO DE COIMBRA


1.
N (…) por apenso à execução que lhe moveu B (…), S.A., apresentou oposição à penhora do seu vencimento, determinada nos autos de execução.

Alegou, em síntese:
Ao imóvel hipotecado foi atribuído o valor de 100.000 € e de 59.855,74 € nas duas escrituras de empréstimo em que o ora executado/opoente se constituiu fiador.
O imóvel foi vendido em outro processo de execução, relativo à outra escritura outorgada e na qual foi reclamado o crédito ora exequendo por “H (…), venda que teve lugar pelo preço de 82.600 €, oferecido por “H (…)”, após ter sido fixado um valor mínimo de venda de 118.000 €.
Em face a tais valores, não pode o executado/opoente ser responsabilizado pelo pagamento de quaisquer outras quantias, nomeadamente pela diferença entre o valor de 82.600 € e o valor das quantias exequendas ou, subsidiariamente, pelo pagamento da quantia superior a 3.651,39 € (diferença entre 118.000 € e a soma das quantias exequendas das duas execuções, abatido o valor de 7.044,67 € atribuído ao credor reclamante na outra execução), sob pena de enriquecimento sem causa e de abuso de direito.
A quantia penhorada não pode reverter a favor do exequente B(…), uma vez que o crédito foi cedido a H (…), que reclamou créditos na outra execução e adquiriu o imóvel hipotecado.
Por fim, invocou a litigância de má-fé da exequente.

Notificado o exequente, não foi apresentada contestação.

2.
Seguidamente foi proferida sentença na qual foi decidido:
«Julga-se improcedente a presente oposição à penhora. Mais se decide absolver o exequente da condenação como litigante de má-fé.»

3.
Inconformado recorreu o oponente.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
4.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são, lógica e metodologicamente, as seguintes:

1ª - Ilegitimidade do exequente.
2ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
3ª – Excesso quantitativo da penhora.
4ª - Abuso de direito e enriquecimento sem causa do exequente.
5ª – Má fé do exequente.

5.
Apreciando.
5.1.
Primeira questão.
Invoca o recorrente a ilegitimidade do exequente por este ter cedido o crédito à H (…).
Neste particular conspeto foi decidido nos seguintes termos:
« Em todo o caso, importa salientar que “Tendo havido sucessão, entre vivos ou mortis causa, na titularidade da obrigação exequenda, entre o momento da formação do título e o da propositura da ação executiva, seja do lado ativo, seja do lado passivo, devem tomar, desde logo, a posição de parte, como exequentes ou como executados, os sucessores das pessoas que figuram no título como credores ou devedores. Este enunciado já comporta uma especialidade da ação executiva no que respeita ao caso de transmissão por ato entre vivos do direito litigioso: enquanto na ação declarativa o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for admitido a substituí-lo (art. 263-1), na acção executiva apenas este tem legitimidade para litigar. Compreende-se porquê. No caso de transmissão do direito na pendência da ação declarativa sem subsequente habilitação do adquirente, a manutenção da legitimidade do transmitente encontra justificação na protecção da parte contrária contra a excessiva dilação da ação em curso em consequência da dificuldade de fazer nela intervir o adquirente, maxime quando a transmissão do direito ocorra já na iminência de uma decisão favorável (cf. art. 263-2); e a formação de caso julgado quanto ao adquirente (art. 263-3) constitui obstáculo à eventualidade de nova ação declarativa instaurada por este, ou à necessidade de o autor vir a propor contra ele nova ação declarativa.
Mas na ação executiva, que visa a reparação material coativa do direito do credor/exequente, postulando por isso o emprego, efetivo ou potencial, da força, é necessário garantir, no caso de sucessão na parte ativa da obrigação, a vontade do credor atual de recorrer aos dispositivos coercitivos e, no caso de sucessão na parte passiva, a eficácia dessas medidas, pois, sendo o devedor o adquirente, apenas os seus bens estão sujeitos à execução (arts. 601 CC e 735-1)” – Lebre de Freitas, CPC…, cit., pág. 111.
Dito de outra forma, ainda que o art. 263.º, n.º 1, do CPC, possa conferir aparente legitimidade ao cedente para continuar na execução enquanto exequente, a questão deve ser devidamente equacionada, em particular face ao objectivo da acção executiva. Com efeito, se a atribuição de legitimidade ao cedente para a execução ao abrigo do art. 263.º, n.º 1, do CPC, parece concebível, em abstracto, pelo menos sempre que não seja conhecida ou, em rigor, não esteja provada a existência da cessão de créditos (o que, em princípio, pressupõe a dedução do competente incidente), parece ainda que na cobrança coerciva do crédito cedido “é necessário garantir, no caso de sucessão na parte activa da obrigação, a vontade do credor actual de recorrer aos dispositivos coercitivos”.
Por outro lado, importa salientar que, nos termos do art. 583.º, n.º 1, do CC, a cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ela a aceite. No caso concreto, isso significa que a partir da notificação da cessão ao executado/devedor (o que ocorreu, pelo menos, no âmbito do daqueloutra execução), a cessão produziu os seus efeitos.
Nesta sequência, quando a titularidade do crédito passa para a esfera do cessionário, o devedor apenas se desobriga se efectuar a este a prestação – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., Almedina, 1997, págs. 310 e segs.
Assim, no caso concreto, a cobrança coerciva do crédito exequendo, em concreto, através da realização de penhora do vencimento do executado/opoente no âmbito da execução apensa, por parte do cedente, aparentemente não garante a vontade do credor actual (“H(…) ”) de recorrer aos dispositivos coercitivos e que o executado fique desobrigado perante esse credor actual.
Todavia, com o devido respeito, entende-se que tal circunstância não deve implicar o peticionado levantamento da penhora (e sem que outra ilação se deva retirar, nomeadamente em termos de legitimidade no âmbito da execução, por extravasar o âmbito específico do incidente de oposição à penhora deduzido pelo executado/opoente), uma vez que se entende que o próprio executado/opoente, enquanto parte contrária (executado), tem legitimidade para deduzir o incidente de habilitação de cessionário, nos termos do art. 356.º, n.º 2, do CPC (a habilitação pode ser promovida pelo transmitente ou cedente, pelo adquirente ou cessionário, ou pela parte contrária).
Portanto, afigura-se que o executado/opoente, não querendo ser confrontado com a eventual circunstância do pagamento não o desobrigar perante o credor actual (“H (…)”) ou, quiçá, querendo permitir ao credor manifestar a vontade de não recorrer aos meios coercivos, deverá deduzir ele próprio o incidente de habilitação de “H (…)na qualidade de exequente.»

Este discurso argumentativo apresenta-se, na sua essencialidade relevante, em tese, curial, e, para o caso concreto, adequado, atentos os seus contornos fáctico circunstanciais.
Desde logo esta pretensão não pode ser concedida considerando a sua extemporaneidade e a inadequação do meio processual usado.
Na verdade, e como se plasmou na decisão, ela apenas poderia ser colocada em sede de embargos à execução – artº 728º e segs. do CPC - que não já em sede de oposição à penhora, pois que ela não quadra nos taxativos fundamentos para esta previstos no artº 784º do CPC.
Ademais, o disposto no artº 54º nº1 do CPC apenas vale se a sucessão, lato sensu, do direito ou obrigação, se der entre o momento da formação do título e o da propositura da ação executiva.
Se a sucessão se opera depois de instaurada a execução, a questão apenas pode ser dilucidada no âmbito do incidente de habilitação – cfr. Abílio Neto in CPC, Anotado, Ediforum, 2001, p.146.
In casu, a execução foi instaurada em 22.03.2007 e a cessão foi efectivada pelo B(…), primeiro em 10.12.2007 à L (…), e, depois, em 12.03.2008, à H (…).
Assim, no título executivo dado à execução - als. a) e b) dos factos provados – o B(...) era ainda o titular do direito nele inscrito como credor mutuante e hipotecário.
Logo, a sua legitimidade estava assegurada – artº 53º do CPC.
Constatada a posterior cedência do crédito pelos credores B(…) e B1(…), em última instância à H(…), esta passou a suceder-lhes – lato sensu – no respectivo direito, pelo que a execução por esta deveria ser tramitada no lado ativo.
Porém, instaurada a execução com certos e determinados elementos, ela assim se deve manter e estabilizar em homenagem ao princípio da instabilidade da instância quanto aos seus elementos essenciais – artº 260º do CPC.
Pois que a sua alteração, vg. quanto aos seus sujeitos ou partes, não pode ser efectivada atribiliáriamente, mas antes pelos modos legalmente admissíveis para cada caso concreto.
No presente caso tal passava por fazer emergir e despoletar o incidente de habilitação do adquirente ou cessionário nos termos dos artº 356º e 357º do CPC
No processo 156/07 já o foi.
Neste nosso processo ainda não.
Mas, como se alude na sentença, poderia tê-lo sido, designadamente pelo próprio recorrente, ou seja, pela «parte contraria» na terminologia do artº 357º nº2.
Não o tendo sido, mantêm-se a legitimidade formal do exequente.
Destarte, não estamos perante situação de ilegitimidade, e, muito menos, caso de anulação de atos processuais, como o recorrente impetra.
Ademais, o motivo fulcral, de índole substancial, invocado pelo insurgente para subsbtanciar esta sua pretensão, qual seja «com recurso à penhora …B(…). está a receber quantias que já não lhe são devidas, obtendo um duplo pagamento do mesmo crédito: aquele que lhe é proporcionado pela penhora, mais aquele que lhe foi realizado aquando da cessão de créditos.» - não colhe ou releva.
Na verdade, se o B(…) receber em duplicado, por tal o recorrente não fica afetado ou prejudicado.
É que a sua responsabilidade, em função do modo como ela está gizada, vg. desde logo quanto ao credor exequente e demais circunstancialismo envolvente – conhecimento efectivo por banda de todos os intervenientes de que a cessão foi efectivada para a H (…)a qual até já deduziu o respectivo incidente de habilitação no processo 156/07 - consecute-se pelo pagamento da dívida decorrente do título executivo dado à presente execução.
Se ele cumprir tal obrigação dela se exonera independentemente do actual, real e verdadeiro titular do correspectivo direito.
Sendo que a definição deste e os valores a que tem direito extravasa o âmbito destes autos e sendo antes res inter alios acta entre o B(…) e a H (…)
Entender-se e decidir-se o contrario em futura nova execução que abusivamente fosse instaurada pela Hefesto é que constituiria, aqui sim, manifesta má fé e abuso de direito.
Pois que todas as partes – rectius a H (…) - sabiam dos seus direitos e das sua obrigações processuais para os poder exercer.
E, assim, não podendo, depois de o executado já ter pago ao B(...) na execução apensa, em claro venire contra fatum proprium, vir novamente executar para si os montantes decorrentes do mesmo contrato de mútuo com hipoteca.
Este é, pois, um caso que vai para além das considerações vertidas na sentença no que tange à não desoneração do executado perante o cessionário.

5.2.
Pretende o opoente a alteração da matéria de facto.
5.2.1.
Quanto ao valor constante da al. a) ele foi rectificado, como lapso material, aquando do despacho de admissão de recurso, o que infra se acolherá.
Relativamente aos factos pretendidos aditar mencionados na conclusão 1ª, eles já não têm interesse para a boa decisão desta causa.
Pois que os quids nucleares a eles atinentes que importavam apurar, quais sejam, a fixação do modalidade da venda e do valor base dos bens, já se encontram definidos.
Ademais estão definidos por decisão transitada em julgado.
Na verdade, e como alega o recorrente, ele participou no incidente tendente a fixar tais elementos.
Tal processado seguiu, assim, a ritologia legal, e terminando numa decisão.
Contra esta ele não alega ter-se insurgido.
Logo, a questão quedou definitivamente assente.
5.2.2.
Mais se insurge o recorrente contra a fixação do valor da penhora em € 91.850,55, pugnando pela quantia de € 55.288,25.
A julgadora, neste particular conspeto, expendeu o seguinte:
«note-se que efectivamente consta na notificação dirigida à entidade empregadora um valor diverso do que consta no auto de penhora – 55.288,25 € vs 91.850,55 € – o que, segundo se alcança, encontra a explicação do auto de penhora referir o valor da quantia exequenda originária (52.655,48 €) acrescidas das despesas prováveis (2.632,77 €) enquanto a notificação menciona o valor provável da quantia exequenda actualizada e demais acréscimos legais (uma rápida operação aritmética permite antever que a quantia exequenda actualizada, tendo em conta os juros de mora entretanto vencidos, à taxa indicada no r.e., ascenderá a uma ordem de grandeza situada em cerca de 90.000 €).»
(sublinhado nosso)
Já o recorrente entende que a julgadora violou o n.º 4 do artigo 607º do CPC,
«Devendo, pelo contrário, prevalecer a quantia de € 55.288,25, porquanto, além do mais:
a) Foi esta aquela que foi notificada ao executado no âmbito do exercício do direito de oposição à penhora;
b) Essa notificação é enviada um (1) mês depois da notificação para penhora de retribuição que é dirigida à entidade patronal do executado, pelo que se o valor a penhorar fosse, efectivamente, os € 91.850,55, seguramente que aquela notificação ao executado tê- la-ia mencionado e não os € 55.288,25.»
Está bom de ver que o recorrente invoca meros argumentos formais atinentes às notificações com valores diferentes e dos quais, só por si, não pode concluir-se no sentido por ele pretendido.
Já a julgadora aduz um elemento substancial concreto: a consideração dos juros de mora.
E, aplicando este elemento à quantia exequenda originária, concluiu que o seu valor actualizado ascende a «cerca de 90.000euros».
Ora, quanto aqueles formais argumentos, a objecção, que está ínsita na decisão, é óbvia: a notificação com o valor de 55.288,25 euros deveu-se à não consideração daquele elemento actualizador.
Descortinada a falha pela Srª Juíza e por ela actualizado o valor inicial, o recorrente, quanto à invalidade da consideração de tal elemento e à inadequação das contas feitas pela julgadora, disse nada.
Logo, não tendo sido ele colocado em crise e inexistindo nos autos elementos que nos permitam contrariar a aplicação da taxa de juro moratória e as contas da decisão, é evidente que esta não pode ser censurada.
5.2.3.
Decorrentemente, os factos a considerar são os seguintes:

a) Na execução apensa foi objecto de penhora o vencimento auferido pelo executado/opoente, na proporção de 1/3, constando no respectivo auto de penhora o seguinte (ref. 1071640 da execução):
- Dívida exequenda: 52.655,48 euros; – Despesas prováveis: 2.632,77 euros; - total: 55.288,25 euros.
- bens penhorados – 1/3 do vencimento ilíquido do executado; - valor 1.191,02 euros.
b) A penhora referida em a) foi realizada através de notificação dirigida à entidade empregadora onde consta, entre o mais (ref. 974735 da execução):
- Valor total previsto: 91.850,55 euros;
- identificação do executado: N….
c) Na execução apensa, instaurada em 22/03/2007, foi dada à execução a escritura pública denominada “Mútuo com Hipoteca e Fiança”, outorgada em 12/05/2004, mediante a qual, entre o mais, o B (…)S.A. (B(...)) concedeu um empréstimo de 40.000 € aos mutuantes C (…9 e I (…), com a constituição por estes a favor daquele de hipoteca sobre a fracção autónoma “G” do prédio descrito sob o n.º (…), a que atribuíram o valor de cem mil euros, assumindo o ora executado/opoente (e outra) a qualidade de fiador e principal pagador, com renúncia ao benefício de excussão prévia.
d) A hipoteca a que alude a escritura referida em c) mostrava-se registada pela Ap. (…) a favor de “B(...)”, até ao montante máximo de 52.016 €.
e) Na execução que correu termos sob o n.º 156/07.1TBPNI no extinto Tribunal Judicial da Comarca de Peniche, 1.º Juízo, instaurada por B (…), S.A. (B1(...)), em 21/03/2007, contra o ora executado/opoente e outros, para pagamento da quantia exequenda de 53.339,48 €, à data, foi dada à execução a escritura pública denominada “Mútuo com Hipoteca e Fiança”, outorgada em 09/12/1998, mediante a qual, entre o mais, o “B1(...)” concedeu um empréstimo de Esc.: 9.690.000$00 (por despacho de rectificação de fls. 606) à mutuante C (…) com a constituição por esta a favor daquele de hipoteca sobre a fracção autónoma “G” (…)), a que atribuíram o valor de Esc.: 12.000.000$00, assumindo o ora executado/opoente (e outro) a qualidade de fiador e principal pagador, com renúncia ao benefício de excussão prévia.
f) A hipoteca a que alude a escritura referida em e) mostrava-se registada pela Ap. (…) de 10/09/1998 a favor de “B1(...)”, até ao montante máximo de Esc.: 13.156.113$00.
g) Na execução n.º 156/07 foi objecto de penhora registada em 30/01/2008 a fracção autónoma referida em c) e e).
h) Na execução n.º 156/07 foi deduzido, por apenso, incidente de habilitação de cessionário por parte de H (…) S.A., para assumir a posição do exequente “B1(...)” (fls. 303), o que foi julgado procedente mediante sentença proferida em 14/09/2009, nos termos e fundamentos que constam a fls. 390/392 e aqui se são por reproduzidos.
i) Na execução n.º 156/07 foi apresentada, por apenso, reclamação de créditos por parte de H (…) S.A., com base nos créditos emergentes da escritura referida em c) e na hipoteca referida em d), no valor global, à data, de 64.135,78 €, invocando aquela assumir a posição do “B(...)” por cessão de créditos (fls. 398), tendo sido julgados verificados e graduados tais créditos com o crédito exequendo mediante sentença proferida em 05/07/2010, nos termos e fundamentos que constam a fls. 571/574 e aqui se dão por reproduzidos.
j) O crédito exequendo na execução apensa corresponde ao crédito cedido a H (…), S.A., e reclamado por esta na execução n.º 156/07.
k) Na execução n.º 156/07 foi determinada a venda mediante abertura de propostas da fracção autónoma “”G”, tendo sido fixado, após pronúncia do executado e da exequente (fls. 262/269), e por decisão judicial datada de 09/02/2010, o valor base de venda em 118.000 €, nos termos e fundamentos que constam a fls. 270/271 e aqui se dão por reproduzidos.
l) Na execução n.º 156/07 foi realizada em 10/05/2010 a abertura de propostas para venda da fracção autónoma “G”, não tendo sido apresentadas propostas, seguindo a venda por negociação particular (auto de fls. 159).
m) No âmbito da venda por negociação particular referida em l), a fracção autónoma “G” foi adjudicada à exequente/credora reclamante “H (…)” pelo preço oferecido de 82.600 €, nos termos do então art. 875.º do CPC (fls. 277/279).
n) Na sequência do referido em m), foi elaborada a liquidação da responsabilidade dos executados que se encontra a fls. 299 e aqui se dá por reproduzida, mediante a qual o crédito exequendo (e demais encargos) no montante de 73.408,11 € foi considerado pago na totalidade e o crédito reclamado pela credora “H (…)” foi considerado pago no montante de 7.044,67 €, estando a execução extinta.
o) Mostrava-se registada a aquisição do direito de propriedade a favor de H (…) S.A., sobre a fracção autónoma “G”, por adjudicação em processo de execução.
p) Por acordo escrito de 10/12/2007, “B(...)” e “B1(...)” declararam, entre o mais, ceder os créditos identificados no anexo, nos quais se inclui o crédito ora exequendo e o crédito exequendo da execução n.º 156/07, a “L (…), que declarou aceitar.
q) Por comunicações escritas de 12/03/2008, “L (…)” declarou ceder a “H (…)”, que declarou aceitar, os direitos e obrigações resultantes do acordo referido em p).
r) Por escritura pública outorgada em 01/04/2008, “B(...)” e “B1(...)” declararam, entre o mais, transmitir as hipotecas identificadas no documento complementar, nas quais se incluíram as hipotecas referidas em c) a f), a “H (…), que declarou aceitar.
s) Mostrava-se registada a transmissão das hipotecas referidas em c) a f) a favor de H (…) S.A., por cessão (Aps. 28 e 29 de 21/05/2008).
t) O exequente “B(...)” sabe ter cedido o crédito exequendo a “H (…)”.
u) O exequente “B(...)” não invocou na execução o resultante dos factos mencionados em h) a n), apesar de ser conhecedor dos mesmos.

5.3.
Terceira questão.
A julgadora decidiu alcandorada no seguinte, essencial, discurso argumentativo:
«Com o devido respeito, apesar das várias considerações tecidas pelo executado a respeito do valor do imóvel hipotecado, ponderando o valor que lhe foi atribuído em ambas as escrituras de mútuo e face ao valor de venda naqueloutra execução (n.º 156/07), considera-se que não existe alegação relevante de matéria susceptível de colocar em causa a penhora realizada, incluindo quanto ao respectivo valor.
…importa salientar, desde já, conforme escrito no Ac. da RL de 11/10/2012, disponível em www.dgsi.pt, que este tipo de questões parece ter “como pano de fundo as questões que foram levantadas por algumas decisões judiciais, bem como as críticas às leis em vigor e os fundamentos que têm sido invocadas em defesa de novas leis – designadamente em defesa de uma que dispusesse que a entrega do imóvel hipotecado ao banco saldasse a dívida contraída para a compra do mesmo”.
Conforme resulta da factualidade acima mencionada, o imóvel anteriormente hipotecado foi avaliado nas escrituras de mútuo com hipoteca em 100.000 € (“B(...)” – execução apensa) e em 59.855,75 € (contravalor em euros; “B1(...)” – execução n.º 156/07), concluindo o executado/opoente que os contraentes consideravam que o imóvel tinha um valor de 159.855,75 €. Note-se, todavia, que os mutuantes, à data da escritura, não eram sequer os mesmos – numa escritura tratou-se do “B(...)” e noutra do “B1(...)” (ainda que, entretanto, ambos os créditos tenham sido transmitidos a “H (…)
O valor base de venda do imóvel hipotecado foi fixado, na execução n.º 156/07, em 118.000 € (em 2010), mediante decisão judicial (e sobre esta matéria as partes haviam tomado a posição que se encontra vertida a fls. 262/269). Por outro lado, à data, o valor mínimo de venda do imóvel (que não é o valor base) correspondia a 70% do aludido valor base (art. 889.º, n.º 2, do CPC), ou seja, 82.600 €. O imóvel foi adjudicado naqueloutra execução pela exequente/credora reclamante precisamente pelo referido valor mínimo de 82.600 €, após a frustração da venda através de abertura de propostas em 2010 (por inexistência de propostas) e no decurso da venda por negociação particular.
Neste circunstancialismo e face à matéria invocada pelo executado, entende-se, em grande resumo, que “A pretensão do exequente de prosseguir a execução depois de lhe ter sido adjudicado o imóvel hipotecado, no âmbito de venda judicial (…), por preço inferior à dívida exequenda, com a finalidade de obter a satisfação do restante crédito, não configura, por si só, abuso de direito” e que “O prosseguimento da execução nas condições descritas não configurará, em princípio, enriquecimento sem causa” – cfr. Ac. da RL de 12/12/2013 e, bem assim, o citado Ac. da RL de 11/10/2012, cuja argumentação, com a devida vénia, aqui se dá por reproduzida.
A este respeito ainda, e novamente a propósito da inexistência de abuso de direito (art. 334.º do CC) ou de enriquecimento sem causa (art. 473.º do CC), escreve-se Ac. da RC de 01/03/2016, disponível em www.dgsi.pt, que “Se o preço proposto pelo Exequente para a adjudicação do imóvel fosse aquém do seu valor na ocasião, por certo que surgiriam proponentes a oferecer valores mais elevados, o que não sucedeu”, sendo que “o preço a considerar foi, com observância dos normativos pertinentes, o oferecido na proposta de adjudicação do Exequente e era esse valor que para todos os efeitos haveria de considerar para apurar se estava ou não satisfeita a quantia exequenda e demais despesas e, consequentemente, se a execução haveria, ou não, de prosseguir com penhora dos bens”.
No mesmo contexto, agora nas palavras do Ac. da RE de 11/06/2015, também disponível em www.dgsi.pt, “O facto de, numa escritura de hipoteca, se atribuir um dado valor ao prédio não significa que ele tenha esse valor e que só possa ser vendido, em posterior execução movida pelo credor hipotecário, por esse valor. A adjudicação ao exequente do imóvel hipotecado, por um valor inferior ao indicado na referida escritura, não impede a penhora em outros bens, nos termos do art.º 875.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil”…
Note-se ainda que a quantia exequenda em ambas as execuções não pode ser encarada da forma estática como aparentemente o faz o executado/opoente, visto que ao longo dos vários anos (mais de dez anos desde a instauração da execução apensa) continuaram a vencer-se juros de mora e não foi alegado qualquer outro pagamento (o executado/opoente, querendo evitar tais vicissitudes, poderia/deveria ter efectuado o pagamento da quantia em dívida, mesmo antes da venda do imóvel, ficando sub-rogado – art. 644.º do CC – ou, na eventualidade de incapacidade económica para o efeito, teria ao seu dispor o recurso aos mecanismos previstos no âmbito do CIRE). Mesmo que se considere o valor de 7.044,67 € obtido na outra execução, facilmente se verifica que o mesmo não se mostrou sequer suficiente para o pagamento dos juros de mora vencidos à data do r.e. (22/03/2007), que eram de 9.439,08 €, conforme consta no campo “liquidação da obrigação”, sendo que por ocasião da reclamação de créditos na execução n. º 156/07 (05/05/2010) ascendiam já a 20.556,30 €, segundo consta na respectiva p.i. (fls. 398 e segs.).
Assim, mesmo nesta perspectiva, nada mais vindo alegado, sempre se entende, com o devido respeito, que o invocado pelo executado não poderá determinar qualquer outra consequência quanto ao prosseguimento da execução e à possibilidade de penhora do seu vencimento para pagamento da quantia exequenda (capital e juros de mora vencidos e vincendos e demais despesas, a que respeita a quantia de 91.850,55 € indicada pela AE), implicando também aqui a improcedência do peticionado nos pontos 1), 2) e 3) do petitório.»
Mais uma vez nada há a censurar à decisão.
Antes de mais, a argumentação do recorrente assenta em premissas não verdadeiras, como seja o entendimento de que o imóvel tem o valor conjunto atribuído nos dois contratos de mútuo.
Mas nada permite a conclusão pela cumulação de valores, antes pelo contrário: os contratos são diferenciados e feitos com vários anos de intervalo.
Depois, e mesmo que fosse como o recorrente diz, reitera-se que o valor atribuído pelas partes ao imóvel nos contratos de mútuo e o valor pelo qual o imóvel pretendia ser vendido – aliás, e ademais, porque este foi fixado dentro dos limites da lei por decisão judicial - , nada relevam para obstar ou diminuir a responsabilidade do obrigado no pagamento da dívida.
O que importa é o valor pelo qual a venda, ou a adjudicação, é realizada.
Se este não for suficiente para pagar a quantia exequenda pode o exequente fazer prosseguir a execução noutros bens pertença do devedor ou dos demais co- obrigados, como o fiador.
O que, aliás, meridianamente se alcança natural, intuitivo e justo.
Como se alude na sentença, e foi referenciado noutros arestos, esta questão tem sido levantada jurisdicionalmente por influência de uma certa corrente de jaez politico social.
Porém, e ainda que de jure constituendo possa ser discutível, perante o direito constituído, na adequada interpretação das normas pertinentes deste, ela não tem cabimento.
Destarte, peregrina, rebuscada e desajustada se mostra esta pretensão recursiva, designadamente nos termos em que ela é plasmada nas conclusões 7ª e 8ª.

5.4.
Restantes questões.
Em função do que ora se acaba de dizer, na reiteração, repete-se, do bem decidido na sentença, e porque outros factos não apontam nesse sentido, conclui-se que as questões do abuso de direito e do enriquecimento sem causa não colhem qualquer respaldo ou sustentação.
Nem, inclusive, a imputação de má fé ao exequente.
Quando muito relevaria o facto provado em U).
Mas ele não tem força e dignidade bastante para o efeito.
Neste particular verteu-se na sentença:
«quanto à transmissão do crédito, ainda que conhecido pelo exequente e não invocado, cabe notar que a iniciativa das diligências de penhora pertence ao AE (art. 719.º, n.º 1, do CPC), afigurando-se inexistirem elementos suficientes que permitam concluir que o exequente “B(...)” – cuja pretensão exequenda foi legitimamente deduzida à data do r.e. – tenha requerido expressamente a realização da penhora do vencimento, apesar de conhecer a cedência do crédito, ou que tenha omitido a informação pertinente, com vista a obter a seu favor um benefício ilegítimo e/ou provocar um qualquer prejuízo ao executado…».
E, de facto e de direito, assim é.
Sendo concomitantemente de frisar que a partir de uma certa data, com a presente execução ainda a tramitar, todos já sabiam da cessão do crédito.
E que e a execução apensa, pelos motivos aduzidos, cumpre definitivamente a responsabilidade do executado perante o título executivo que a alicerça.

Improcede, brevitatis causa, o recurso.

6.
Sumariando - artº 663º nº7 do CPC.
I – A questão da legitimidade do exequente, por motivo da transmissão do seu direito, apenas pode ser alegada e dilucidada na oposição, por embargos, à execução, - artº 728º e segs. do CPC - e não na oposição à penhora, atento o elenco previsional, taxativo, plasmado no seu preceito atinente – artº 784º.
II - A alteração do sujeito ativo da execução, no caso de este ter cedido o seu direito na sua pendência, apenas pode efectivada através do incidente a que aludem os artºs 356º e 357º do CPC, sendo que, caso tal não aconteça, e se as partes, rectius o cessionário, sabendo da execução, não despoletar(em) tal incidente, o exequente mantém a sua legitimidade e a responsabilidade do executado cumpre-se perante ele.
III - Realizada a venda ou adjudicação do imóvel hipotecado por valor inferior ao atribuído pelas partes em contrato de mutuo com hipoteca e, mesmo, por valor inferior ao valor base fixado por decisão, - mas dentro do valor mínimo legalmente admissível -, o exequente pode prosseguir a execução com penhora de bens, vg. dos demais co-obrigados para pagamento do remanescente do seu crédito não satisfeito.

7.
Deliberação.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 2018.05.22

Carlos Moreira ( Relator )
Moreira do Carmo
Fonte Ramos