Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
257/12.4T2ILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
Data do Acordão: 12/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE PEQUENA INSTÂNCIA CRIMINAL DE ÍLHAVO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 141º, DO C. DA ESTRADA
Sumário: O artigo 141º, do Código da Estrada, estabelece o regime de suspensão da execução da sanção acessória (inibição de conduzir), que se restringe a contra-ordenações graves, estando excluídas do mesmo as contra-ordenações muito graves.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:

A..., devidamente identificado nos autos, impugnou judicialmente a decisão administrativa da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que lhe aplicou, no que importa considerar, a sanção acessória de inibição de conduzir, especialmente atenuada, pelo período de 30 dias, pela prática da contra-ordenação p. p. pelos arts. 27.º, n.º 4, 136.º, 146.º, alínea i) e 147.º, n.º 2, todos do Código da Estrada.


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Por despacho proferido em 17 de Setembro de 2012, a impugnação foi julgada totalmente improcedente e mantida, nos seus precisos termos, a decisão administrativa recorrida.

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Inconformado, o arguido interpôs recurso, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª - O Recorrente admite a prática da contra-ordenação;

2.ª - A decisão proferida não pondera devidamente todas as circunstâncias da infracção, sendo a sanção acessória aplicada ao Recorrente desadequada e desproporcional à gravidade objectiva da infracção e ao comportamento subjectivo do agente;

3.ª - A decisão não fundamenta a necessidade concreta da aplicação ao Recorrente da sanção acessória de inibição de conduzir;

4.ª - Apesar de o Recorrente ter efectivamente excedido o limite de velocidade permitido no local em que circulava, é de salientar que a conduta do mesmo não causou qualquer perigo concreto ou potencial e, muito menos, qualquer dano para os utentes da via e para a circulação automóvel;

5.ª - O Recorrente actuou com mera negligência, não tendo, pelo seu comportamento, manifestado uma intenção de desrespeito pelas disposições legais ou pela segurança alheia;

6.ª - O Recorrente sempre conduziu e conduz com todo o zelo e diligência, não dando causa a situações ou manobras de perigo;

7.ª - A decisão em causa foi aplicada de forma automática, assim contrariando a exigência constitucional e legal de fundamentação de todas as limitações aos direitos fundamentais, como sejam o direito à liberdade e à livre circulação;

8.ª - Determina o art. 141.º, n.º 2, do Código da Estrada, que “se o infractor não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de seis meses a um ano”, pressupostos esses que se verificam in casu;

9.ª - O Recorrente necessita da carta de condução para o desempenho da sua actividade profissional.

Deverá, assim, ser proferido acórdão que revogue parcialmente a decisão recorrida, substituindo-a por outra que dispense o Arguido da sanção acessória de inibição de conduzir ou, caso assim não se entenda, que suspenda a execução da referida sanção, nos termos e ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 141.º do Código da Estrada; ou caso assim também não se entenda, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, que suspenda a sanção de inibição de conduzir, mediante a prestação de caução de boa conduta, nos termos da alínea a) do n.º 3 do art. 141.º do Código da Estrada, assim se fazendo inteira justiça!


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O Ministério Público respondeu ao recurso, conclusivamente nos termos infra transcritos:

Em face do exposto e porquanto, em nosso entender, a decisão a quo não violou qualquer preceito legal, antes se demonstrando devidamente fundamentada e acertada, deverá a mesma ser mantida e, em consequência, ser declarado improcedente, por não provado, o recurso interposto pelo arguido.


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Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em parecer de fls. 113, pronunciou-se, de igual modo, no sentido do não provimento do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.


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II. Fundamentação:

As questões postas para decisão neste Tribunal da Relação, delimitativas do objecto do recurso, versam apenas direito e consistem em saber; se o arguido deve ser dispensado da sanção acessória de inibição de conduzir veículos com motor; a não ser assim entendido, se a referida sanção acessória deve ser suspensa na sua execução, singelamente, ou, em último caso, condicionada à prestação de boa conduta.


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No despacho recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:

- No dia 12/6/2010, pelas 11h45, na A17, ao Km 99, sentido Norte/Sul, A... conduziu o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula … , à velocidade de pelo menos 184 Km/hora;

- O arguido não actuou com o cuidado de que era capaz e a que estava obrigado enquanto condutor, abstendo-se de ultrapassar o limite de velocidade previsto para a via em que circulava.

- A velocidade permitida nessa via é de 120 Km/hora;

- Pagou voluntariamente a multa;

- Da conduta do arguido não resultou qualquer acidente de viação;

- Não tem antecedentes pela prática de infracções estradais;

- É sócio-gerente da sociedade “ … .”.


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O acto condutivo por que o arguido foi condenado ocorreu na vigência da actual redacção do Código da Estrada, decorrente do DL n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, e configura a infracção contra-ordenacional muito grave, a que corresponde a coima de €300,00 a €1500,00 – paga voluntariamente pelo mínimo legal – e sanção acessória de inibição de conduzir por período compreendido entre 2 meses e 2 anos [cfr. arts. 136.º, n.ºs 1 e 3, 138.º, n.º 1, 146.º, al. i), e 147.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código da Estrada].

Como expressamente foi consignado pelo legislador no preâmbulo do citado DL n.º 44/2005 – no uso da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro [concedida com o sentido privilegiado de “… proporcionar elevados índices de segurança rodoviária para os utentes” (cfr., maxime, respectivo art. 2.º)] –, a segurança rodoviária e a prevenção dos acidentes constituem, na actualidade, prioridades essenciais, no contexto nacional e europeu –, mobilizadoras de toda a sociedade (como aí também se diz) –, para cuja realização foi considerada necessária – a par de várias outras em diversos planos (como a educação do utente e a criação de um ambiente rodoviário seguro) – a adopção e consagração de um mais rigoroso e eficaz quadro legal, com aptidão sensibilizadora dos utentes viários à responsável modificação comportamental, designadamente pelo cumprimento da legislação adequada.

A coberto destes princípios orientadores, não permite a lei a dispensa de aplicação de sanção acessória no caso evidenciado nos autos e, por outro lado, apresenta-se como axiomática a vontade e opção legislativa de geral agravamento sancionatório dos comportamentos contra-ordenacionais rodoviários de risco, particularmente os qualificados de graves e muito graves (normativamente tipificados sob os arts. 145.º e 146.º, do Código da Estrada), e, naturalmente, de expressa alteração do regime anterior de suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir, até então aplicável aos autores de infracções contra-ordenacionais graves e/ou muito graves (vide art. 142.º do Código da Estrada aprovado pelo DL n.º 114/94, de 03/05, republicado pelos Decretos-Lei n.ºs 2/98, de 03/01, e 265-A/2001, de 28/09, e alterado pela Lei n.º 20/2002, de 21/08), restringindo-o apenas aos agentes de infracção rodoviárias graves, e desde que seja voluntariamente paga a referente coima e se verifiquem os demais pressupostos legais (cfr. o citado art. 141.º, n.ºs 1,2 e 3, do actual CE).

Ou seja, como bem está explicado no parecer do Sr. Procurador-geral Adjunto, o disposto no n.º 2 do artigo 141.º do Código da Estrada está numa relação de subordinação/conjugação com o seu n.º 1 que, em abstracto, apenas permite a suspensão da pena acessória quando haja sido aplicada uma sanção acessória grave.


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A manifesta improcedência prevista no art. 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, visa as situações nas quais, em face das conclusões da motivação e da letra da lei, o recurso, por razões processuais ou de mérito, está votado ao insucesso, como sucede no presente caso, em que as questões suscitadas pelo recorrente são patentemente infundadas.
«Se é desde logo manifesta a improcedência, não há razão para prosseguir com o processo (...). Trata-se de uma simplificação determinada por razões de economia processual»[1].

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III. Dispositivo:
Termos em que se rejeita o recurso, dada a sua manifesta improcedência.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça de 3 UC [artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, ambos do CPP; artigo 8.º, n.º 5, e tabela anexa, do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26-02)], a que acresce a importância de 3 UC, por força do n.º 3 do art. 420.º do CPP.
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(processado e revisto pelo signatário)
Coimbra, 12 de Dezembro de 2012

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(Alberto Mira)


[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 361.