Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
390/16.3T8MBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: LEGITIMIDADE ACTIVA
ACÇÃO DE INVALIDADE POR SIMULAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL
ADMISSIBILIDADE DE PROVA POR CONFISSÃO
REQUISITOS DA SIMULAÇÃO
PRAZO DE ARGUIÇÃO
Data do Acordão: 02/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MOIMENTA DA BEIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 240.º, 242.º, 2, 285.º, 286.º, 287.º, 353.º, 2, 358.º, 1, 361.º, 364.º, 392.º E 394.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 154.º, 1, 615.º, 1, D), DO CPC
Sumário: 1. - Tem legitimidade ativa para a ação de invalidade por simulação um filho que pretende a nulidade da venda simulada de património imobiliário por seus pais, agindo os simuladores no escopo de esse património reverter para outro filho, em prejuízo daqueloutro em sede de futura partilha por morte dos progenitores.

2. - A Relação apenas deve alterar a decisão de facto no caso de os factos assentes ou os dados probatórios disponíveis imporem decisão diversa (art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.).

3. - Na ação de invalidade por simulação é admissível a prova testemunhal, mesmo quanto à matéria do acordo simulatório e do negócio dissimulado, se o autor for um terceiro.

4. - Nesse âmbito, também é admissível a prova por depoimento confessório de alguns dos diversos réus, embora uma tal confissão, por se tratar de situação de litisconsórcio necessário, seja ineficaz (como tal), o que não impede que o reconhecimento, assim ocorrido, de factos desfavoráveis, valha como elemento de prova a apreciar livremente, nele podendo, por isso, o tribunal fundar a sua convicção.

5. - A demonstração da simulação implica a verificação simultânea dos requisitos da intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, do acordo simulatório e do intuito de enganar terceiros, cabendo o ónus probatório da respetiva factualidade de suporte a quem invoca a simulação.

6. - A ação de invalidade por simulação, tendente à declaração de nulidade do negócio, não está sujeita a prazo de arguição do vício, sendo manifestamente improcedente uma invocada exceção de «caducidade/prescrição» nesse âmbito.

Decisão Texto Integral: Apel. 390/16.3T8MBR.C1

2.ª Secção – Cível


Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório

AA (casado no invocado regime de comunhão de adquiridos com BB), com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa, com processo comum, contra

1.ºs - CC e mulher, DD,

2.ºs - EE e marido, FF,

3.ª - “M... Unipessoal, Ld.ª”,

4.º - GG e

5.ª - HH,

todos também com os sinais dos autos,

pedindo:

a) A declaração de nulidade, por simulação, com todas as consequências legais, das escrituras de compra e venda identificadas nos art.ºs 5.º e 6.º da petição inicial;

b) E, consequentemente, o cancelamento dos registos efetuados em decorrência daqueles negócios jurídicos.

Para tanto, alegou, em síntese:

- os 1.ºs RR., pais do A. e do R. GG (4.º R.), foram, até 08/02/2012, proprietários dos cinco prédios urbanos identificados no art.º 3.º da petição inicial, não possuindo quaisquer outros bens de equiparado valor;

- na data referida, por escritura pública realizada na Conservatória do Registo Predial ..., os 1.ºs RR. declararam vender à 2.ª R. EE todos os seus ditos prédios, sendo que esta última e marido (2.ºs RR.), em 14/02/2013, também por escritura pública, celebrada na mesma CRP ..., declararam vender à 3.ª R. (M...), os mesmos prédios;

- os RR. fizeram inscrever no registo predial as respetivas aquisições, sendo, porém, que o valor da venda correspondeu ao valor matricial dos prédios, tendo os intervenientes declarado terem recebido o respetivo preço, facto que não é verdadeiro;

- após a realização dos negócios, os 1.ºs RR. continuaram a residir e a usar os prédios declaradamente alienados;

- a 3.ª R., que teve o seu início de atividade a 23/08/2012, tem como sócio único II, casada que foi, e atual companheira, do 4.º R. (irmão do A. e filho dos 1.º s RR.);

- embora aquando da realização da escritura de compra e venda a sócia única da 3.ª R. se encontrasse formalmente divorciada do 4.º R., a verdade é que estes se mantiveram como um casal, como sempre, residindo na mesma casa, com o seu filho, partilhando leito e mesa e vivendo das mesmas contas e negócios, sendo o 4.º R. quem, na prática, gere toda a atividade da 3.ª R., com a qual faz face às despesas da sua família;

- por isso, os negócios subjacentes às escrituras públicas celebradas são negócios simulados, tratando-se, apenas, de um plano dos RR. destinado a esvaziar o acervo patrimonial dos 1.º RR., de modo a que, por sua morte, o A., na qualidade de herdeiro legitimário dos 1.º s RR., nada recebesse, enquanto o 4.º R. obteria todo o património dos pais;

- apenas recentemente o A. teve conhecimento da celebração dos negócios aludidos, tendo em conta que, na prática, os 1.º RR. mantiveram o gozo e fruição dos prédios.

Somente os RR. HH e CC contestaram.

A 5.ª R. (HH), excecionou a sua ilegitimidade para a ação, alegando ainda que é funcionária pública e que, no exercício da sua profissão, elabora centenas de escrituras, desconhecendo, sem obrigação de mais, os intervenientes e as suas circunstâncias, limitando-se a aferir da sua legitimidade para a celebração do negócio jurídico e demais requisitos atinentes ao prédio, sendo que, quanto ao preço, atende apenas ao que é manifestado pelas partes.

O R. CC, por sua vez, defendeu-se por impugnação, alegando ainda:

- ser livre de vendar, doar e onerar o seu património, sendo que o A. apenas terá direito à herança, se existir, aquando da sua morte;

- pretendendo doar o seu património, a legítima do A. fica salvaguardada com a redução da liberalidade por inoficiosidade, pelo que pode dispor dos seus bens;

- ocorrer «caducidade/prescrição» da ação, concluindo pela improcedência desta.

No despacho saneador, foi a R. HH julgada parte ilegítima, com a decorrente absolvição da instância, enquanto os demais RR. e o A. foram considerados partes legítimas.

Enunciados objeto do litígio e os temas da prova, foi depois realizada a audiência final, seguida de prolação de sentença, julgando a ação procedente, com o seguinte dispositivo relevante:

«a) Julgam-se nulos e sem qualquer efeito os contratos de compra e venda melhor identificados nos factos 5) e 6) do elenco dos factos provados;

b) Em consequência, ordena-se o cancelamento dos registos sobre os prédios melhor descritos no facto 3) do elenco dos factos provados tiveram origem nestes negócios, designadamente, a aquisição do direito de propriedade sobre os referidos prédios, primeiro, pelos RR. EE e marido FF e, subsequentemente, pela R. M..., Unipessoal, Lda.

c) Absolve-se o R. GG do pedido de condenação como litigante de má-fé.».

De tal sentença vem a R. “M...” interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões ([1]):

«1) Com presente recurso pretende-se impugnar parte dos factos dados como provados.

2) Pretendendo-se a inclusão daqueles factos dados como provados no elenco de factos dados como não provados.

3) Pretendendo-se ainda impugnar a matéria de Direito.

4) E suscitar a existência de nulidades da sentença.

5) Foi dado como provado pelo Tribunal a quo que “Os 1.ºs RR. não possuíam, nem agora possuem, outros bens imóveis, nem móveis ou outros de equiparado valor” – Facto 4.

6) Na motivação para a formação daquela conclusão o tribunal a quo teve em consideração apenas as declarações de duas testemunhas, netos dos 1.ºs RR. e filhos do A.

7) Nesta motivação é ainda feita alusão a uma testemunha de nome JJ que não se encontra identificada em parte alguma dos autos.

8) Para a formação daquela convicção o tribunal a quo não se podia socorrer apenas e só de prova testemunhal, pois que a verificação da existência de património na esfera dos 1.ºs RR, deveria ter sido realizada por outros meios de prova, nomeadamente documental, por exemplo por recurso a certidões comprovativas da existência ou inexistência de bens sujeitos a registo.

9) Para além de que sendo as referidas testemunhas filhos dos AA. Sempre terão interesse no desfecho dos presentes autos, e não poderão por isso ser tidas como “desinteressadas” no desfecho dos autos.

10) Pois que seja em benefício dos pais, ou seguindo o raciocínio do tribunal a quo, que salvo o devido respeito nos parece de todo errado, futuros herdeiros legitimários dos AA. E por isso com interesse directo em que o património dos seus pais possa aumentar.

11) Pelo que o facto 4 dos factos dados como provados deverá ser dado como não provado.

12) Relativamente ao facto 10º dos factos dados como provados “o que nunca aconteceu”,

13) Facto 15º “Os 1.ºs, 2.ºs e 3.ª RR. nunca quiseram vender nem comprar, respectivamente, os prédios referidos em 3”.

14) Facto 16º “Tendo aqueles combinado outorgar tais escrituras públicas,”

15) Facto 17º “Com o intuito de ocultar a doação dos referidos prédios pelos 1.ºs RR. ao 4.º R”

16) Facto 18º “Que, assim, e através da 3.ª R.. passaria a dispor de todo o património dos seus pais,”

17) E facto 19º “Em prejuízo do A. que, na qualidade de herdeiro legitimário dos 1.ºs RR., e tendo em conta o vertido em 4., nada teria a receber por herança aberta por óbito daqueles.”

18) Estes factos deverão igualmente ser dados como não provados, pois que a sua prova resulta de declarações prestadas sobre elementos constantes de documento autêntico.

19) A prova testemunhal não é admissível para prova de factos trazidos ou suscitados pelos próprios simuladores, que é o caso presente, no que concerne aos 2.ºs RR.

20) Sendo que a formação da convicção do tribunal suportou-se nas declarações produzidas por estes RR.

21) Acresce que fundando o tribunal a quo o seu entendimento sobre o interesse e os motivos subjacentes à celebração do negócio em premissas, que salvo o devido respeito, em nosso entendimento são erradas.

22) Pois que um suposto futuro herdeiro legitimário que alega estar em perigo a sua parte da herança, quando se encontra provado e consta da douta motivação da sentença que este autor já recebeu por partilha efectuada pelos 1.ºs RR outros terrenos,

23) Não terá legitimamente medo de ver frustradas as suas expectativas de vir a herdar.

24) Sendo que a expectativa, que aquando da propositura e discussão e julgamento da causa não passava disso mesmo, não é fundamento que legitime a tutela do direito.

25) Pelo que não sendo admissível o alegado na motivação para prova daqueles factos, deverão os mesmos ser dados como não provados.

26) Já no que concerne ao facto dado como provado sob o n.º 20, inexiste qualquer referência à motivação subjacente aquele facto ter sido dado como provado.

27) A motivação é omissa sobre o facto dado como provado sob o n.º 20 dos factos provados.

28) Inexistindo motivação, aquele facto 20 “O A. teve conhecimento da celebração dos negócios referidos em 5) e 6) apenas em data não concretamente apurada do 2.º semestre do ano de 2016.” nunca poderia ser dado como provado.

29) Devendo por isso o facto 20 dos factos dados como provados na douta sentença ser dado como não provado.

30) Atenta a prova produzida e aquela cuja alteração e inclusão nos factos não provados se requer, também terá de haver alteração na análise da matéria de direito e consequentemente na apreciação do mérito da causa.

31) Alterada, nomeadamente a qualificação dos factos 10 e 15 a 19 dos factos dados como provados na sentença recorrida para não provados, duvidas não subsistem que não há matéria susceptível de confirmar a verificação dos pressupostos do negócio simulado.

32) Em nosso modesto entendimento, no seguimento do pedido de alteração do facto dado como provado n.º 4 para não provado, não existem provas de que os 1.ºs RR. Não tivessem mais património.

33) Tal conclusão alicerçada no testemunho de dois netos, filhos do Autor, e por isso interessados directos no desfecho da causa, sendo que conforme supra se referiu desconhece-se quem possa ser a testemunha JJ, pois que nos autos não existe nenhuma testemunha com esse nome.

34) Carece por isso de evidencia que o A. visse a sua eventual futura qualidade de herdeiros legitimário prejudicada.

35) Ficou provado no decurso da audiência de julgamento e disso é dado conta na Douta Sentença, que os 1.ºs RR já haviam procedido anteriormente à partilha de terrenos.

36) Pelo que tendo já sido efectuada uma partilha de bens imóveis nunca o A. seria prejudicado da forma como quis fazer crer.

37) Destarte, salvo o devido respeito, mal andou o tribunal a quo ao reconhecer nos termos em que reconheceu a existência de um negócio simulado, legitimando a pretensão do A. numa eventual e futura capacidade de herdeiro legitimário.

38) Impondo-se por isso que seja alterada a sentença proferida a quo no sentido de se considerar não se encontrarem preenchidos os pressupostos do negócio simulado.

39) Sendo por isso os RR. Absolvidos dos pedidos formulados.

Sem prescindir

40) Em nosso modesto entendimento, a sentença de que agora se recorre padece de nulidades por violação do disposto nos artigos 615º, n.º 1, alíneas b) e d) e 195º, n.º 1 do CPC.

41) No que concerne à nulidade da alínea b), do n.º 1, do artigo 615º do CPC, a meritíssima juiz do tribunal a quo, quando elenca os factos dados como provados verte a sua motivação em seguida.

42) No facto dado como provado sob o n.º 20 “O A. teve conhecimento da celebração dos negócios referidos em 5) e 6) apenas em data não concretamente apurada do 2.º semestre do ano de 2016.” não existe na motivação qualquer facto que evidencie prova para aquela conclusão.

43) Da análise da motivação no seu conjunto, em momento algum é feita alusão ao momento/data em que o A. tem conhecimento da realização do negócio.

44) Não existe fundamentação que sustente em que momento o A. teve conhecimento do negócio, não sendo evidenciado se e quais testemunhas depuseram sobre este facto, e qual o teor das suas declarações.

45) Não sendo igualmente feita referência a qualquer documento que pudesse ter servido de suporte para a formação da convicção do facto dado como provado.

46) E este facto é de especial relevo, atenta a circunstância de expressamente ter sido invocada pelo 1º R. CC, na contestação que apresentou, a caducidade/prescrição do direito de propor a acção “6.º Por fim, o prazo para o autor intentar a acção caducou/prescreveu, atento o alegado em 23 da p.i., que o reu contesta, cabendo ao autor fazer prova de tal facto, sendo certo que tais negócios eram ab initio do conhecimento do autor, e decorreu já o prazo legal para o efeito, atenta a data em que o autor apresentou em juízo a p.i., sendo o autor pessoa atenta e activa.”.

47) Pelo que a verificação daquele vício impende directamente e é essencial no julgamento e decisão dos pedidos formulados, pelo que se invoca para todos os legais efeitos a nulidade da sentença por violação do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 615º do CPC.

Ainda e sempre sem prescindir,

48) No que concerne à supra referida nulidade da sentença por violação do artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, a sua verificação constata-se por a sentença ser omissa quanto ao suscitado pelo 1º R. na sua Contestação no que concerne à ilegitimidade do Autor para propor a presente acção, bem como à caducidade/prescrição do prazo que o A. dispunha para propor a acção.

49) Na contestação apresentada por aquele R. no seu n.º 5 diz-se que “O autor, vem alegar a nulidade de contratos, porque tal património pertence a um acervo hereditário, mas tal herança não existe, pois que o reu não morreu, pelo que a acção não pode prosseguir, pois que o autor não é ainda herdeiro, não há à data da acção qualquer direito sucessório do autor, pois não há herança aberta.”

50) Sendo que no n.º 6 da aludida contestação refere-se que: “6.º Por fim, o prazo para o autor intentar a acção caducou/prescreveu, atento o alegado em 23 da p.i., que o reu contesta, cabendo ao autor fazer prova de tal facto, sendo certo que tais negócios eram ab initio do conhecimento do autor, e decorreu já o prazo legal para o efeito, atenta a data em que o autor apresentou em juízo a p.i., sendo o autor pessoa atenta e activa.”.

51) Em momento algum nos autos foi dada resposta aquelas alegações de ilegitimidade activa e de caducidade/prescrição.

52) As questões não foram apreciadas em sede de despacho saneador, nem o foram em sede de sentença final.

53) Pelo que existindo omissão de pronuncia sobre factos alegados pelas partes, factos esses que no caso, questão de legitimidade/ilegitimidade e caducidade/prescrição do prazo para propor acção, se mostram essenciais ao desfecho final da questão controvertida.

54) Pois que a serem reconhecidas a ilegitimidade e/ou a caducidade/prescrição do direito a propor a acção em discussão nos autos, nunca o tribunal a quo poderia conhecer do processo nos termos em que o fez.

55) Teria isso sim, desde logo, que absolver os RR dos pedidos contra eles formulados, não conhecendo da demais factualidade vertida.

56) Nestes termos, por omissão de pronuncia, a Recorrente suscita, para todos os legais efeitos, a nulidade da sentença por violação do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 615º do CPC.

Termos em que deve conceder-se provimento ao presente Recurso, e, em consequência, alterar-se a matéria de facto dada como provada e não provada, nos termos supra expostos.

Mais deverá ser reconhecido que nenhum vício inquina a celebração dos contratos de transmissão da propriedade dos imóveis identificados nos autos.

Em consequência deverão os RR. Ser absolvidos dos pedidos contra eles formulados.

Sem prescindir deverá ser conhecida a nulidade resultante da violação do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 615º do CPC, com as legais consequências.

Ainda sem prescindir, deverá ser reconhecida omissão de pronuncia sobre factos essenciais alegados pelas partes, e consequente violação do artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, com todas as legais consequências.

Assim se fará a habitual, sã e serena JUSTIÇA!» (destaques retirados).

O A. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


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O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e o efeito fixados ([2]).

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso ([3]), cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, cabe saber ([5]):

a) Se a sentença padece de nulidade, por omissão de pronúncia (quanto à matéria de exceção da ilegitimidade do A. e da «caducidade/prescrição), de acordo com as conclusões 48 a 56 da Apelante;

b) Se incorreu a 1.ª instância em falta de motivação/fundamentação quanto ao facto 20 dado como provado (conclusões 26 e segs.);

c) Se ocorre erro de julgamento em sede de decisão da matéria de facto, obrigando à alteração do decidido – factos dados como provados 4, 10, 15, 16, 17, 18, 19 e 20, a deverem ser julgados como não provados, total ou parcialmente (conclusões 5 e segs.);

d) Se, por força da alteração da decisão de facto, ou por razões de direito, devem considerar-se afastados os requisitos da simulação e decorrente nulidade contratual, com as legais consequências no tocante ao peticionado na ação.


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III – Fundamentação

A) Da nulidade da sentença

A Recorrente – R. não contestante na ação – começa por manifestar inconformismo com a decisão/sentença no tocante à sua validade, pois invoca, como motivo da respetiva nulidade, o vício de omissão de pronúncia, quanto a matéria de exceção alegadamente deduzida em sede de contestação, por sinal, se bem se percebe, a contestação do R. CC ([6]).

Com efeito apenas os RR. HH e CC contestaram.

A 5.ª R. (HH), como visto, excecionou a sua ilegitimidade para a ação (ilegitimidade passiva própria), sem invocar ilegitimidade ativa. Tal ilegitimidade passiva foi conhecida e decidida em sede de despacho saneador, âmbito em que inexiste, por isso, omissão de pronúncia.

O R. CC, por sua vez, como também já aludido, não invocou a exceção de ilegitimidade ativa, mas sim a «caducidade/prescrição» da ação, concluindo pela improcedência desta.

No despacho saneador, foi a R. HH julgada parte ilegítima, com a decorrente absolvição da instância, enquanto os demais RR. e o A. foram considerados partes legítimas.

Não se vê, pois, que tenha ocorrido omissão de pronúncia quanto à matéria de (i)legitimidade ativa, visto, por um lado, não ter sido deduzida a exceção de ilegitimidade do A. ([7]), e, por outro lado, este ter sido expressamente considerado como parte legítima nos autos.

Improcede, pois, esta vertente da arguição de nulidade da sentença, restando a matéria – invocada por R. contestante (mas não recorrente) – de «caducidade/prescrição» da ação.

Nesta parte, dir-se-á que do saneador proferido apenas, genericamente, consta que «Inexistem outras excepções, questões prévias ou prejudiciais de que importe, desde já, conhecer», o que permite inferir que a exceção da «caducidade/prescrição» foi relegada para final.

Da sentença, porém, não consta, que se veja, qualquer referência a essa matéria/exceção da «caducidade/prescrição», a qual – reitera-se – não foi excecionada pela ora Recorrente, mas por contestante não recorrente.

Todavia, enquanto exceção suscitada nos autos, cabia ao Tribunal a quo dela conhecer, razão pela qual se verifica, efetivamente, omissão de pronúncia nesta parte [art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv.], âmbito em que se terá em conta o que seguidamente se dirá a propósito da questão da falta de motivação/fundamentação da decisão de facto.

Acresce que, vistas as conclusões 40 e segs. da Apelante, esta esgrime também – ainda no pretendido campo das nulidades da sentença (no caso, a nulidade por falta de fundamentação) – com a ausência de fundamentação de facto, quanto a um facto dado como provado (facto 20), o que, a existir, não será causa de nulidade da sentença, mas deve ser objeto de conhecimento no âmbito do disposto no art.º 662.º do NCPCiv., quanto à modificação da decisão de facto, podendo levar à anulação da decisão proferida na 1.ª instância ou à baixa do processo para cabal fundamentação [n.º 2, al.ªs c) e d), do mesmo art.º].

Improcede, pois, também esta invocação de causa de nulidade da sentença.

E, mesmo que assim não se entendesse, o vício invocado apenas se reportaria a um dos diversos pontos fácticos da parte fáctica da sentença, sendo notório, uma vez lida a decisão recorrida, que esta apresenta extensa «Motivação» da decisão de facto – que se estende por aproximadamente cinco páginas –, pelo que a situação apenas poderia configurar insuficiência (não total ausência) de fundamentação.

Com efeito, aquele pretendido vício de nulidade prende-se, como é consabido, com as exigências de (cabal) fundamentação das decisões dos tribunais (cfr. art.º 154.º, n.º 1, do NCPCiv., tal como o antecedente art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv./2007), sejam sentenças ou despachos – em termos de fundamentos de facto e de direito respetivos –, a que se reporta o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do NCPCiv. (tal como o anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª b), do CPCiv./2007), e cuja violação, uma vez verificada, é causa de nulidade da sentença ([8]).

Donde que, por o vício de falta de fundamentação só poder proceder quando se verifique uma falta total/absoluta de fundamentos, o caso nunca fosse de nulidade da sentença por total ausência de fundamentação.

B) Da falta de motivação quanto ao facto 20

Neste âmbito, cabe dizer que a parte recorrente terá alguma razão – como invocado nas suas conclusões 26 e segs. –, posto, na realidade, nada constar da justificação da convicção sobre tal ponto 20 dos factos dados como provados, sendo, pois, a fundamentação da decisão da matéria de facto omissa a respeito.

Assim, quanto ao facto 20, nada é dito ou justificado, pelo que não é possível saber em que elementos de prova se alicerçou o Julgador, desconhecendo-se quais as provas que permitiram a formação de uma convicção positiva/afirmativa neste campo.

Tal impede, como tem de concluir-se, a adequada impugnação pela parte recorrente e impossibilita, do mesmo modo, o adequado controlo/sindicância pela Relação.

Importaria, pois, que se conhecesse a que provas o Julgador atendeu para se convencer, pelo que seria de reputar a decisão deficiente/obscura nesta parte, faltando a devida fundamentação, com repercussões no quadro do dito art.º 662.º do NCPCiv. (e não noutro).

Porém, esse facto ([9]) só seria relevante – tendo em vista o desfecho dos autos e decorrente solução justa do litígio – se tivesse influência na decisão da causa.

Ora, embora alegado, de algum modo, pelo A. (art.º 23.º da petição) e contestado pelo R. CC na sua contestação, o qual, sob o respetivo art.º 6.º, invoca a respeito a inobservância (pelo A.) do «prazo para intentar a ação», prazo esse que «caducou/prescreveu», reforçando que «decorreu já o prazo legal para o efeito» (sem explicitar qual seja esse prazo), esse facto é irrelevante para o desfecho dos autos, sendo manifestamente improcedente a dita exceção de «caducidade/prescrição».

Note-se que o pedido da ação é o de declaração de nulidade das escrituradas vendas de imóveis, com cancelamento dos respetivos registos, por via de simulação, ao abrigo do disposto no art.º 240.º do CCiv. (cfr. petitório da ação, em conjugação com o art.º 32.º da petição).

E, no dispositivo da sentença, em conformidade, foram julgados nulos os contratos de compra e venda em causa, com cancelamento dos respetivos registos (cfr. fls. 203 v.º do processo físico).

Trata-se, pois, de ação de invalidade, onde se pretende a nulidade contratual por via de simulação, a que alude o convocado art.º 240.º do CCiv., nos seus n.ºs 1 e 2 (esclarecendo que o negócio simulado é nulo).

Ora, é bem sabido que a nulidade do negócio jurídico é invocável a todo o tempo (art.º 286.º do CCiv.), diversamente da anulabilidade, que – apenas esta – está sujeita, por regra, a arguição no prazo de um ano (art.º 287.º, n.º 1, do CCiv.).

Em suma, a nulidade invocada, peticionada e decretada não está sujeita a qualquer prazo, já que pode ser invocada a todo o tempo e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, tal como pode ser suscitada por qualquer interessado.

Tal é quanto basta para se concluir, por um lado, pela manifesta improcedência da exceção deduzida (denominada de «caducidade/prescrição»), assim se suprindo a mencionada nulidade da sentença por omissão de pronúncia (cfr. art.º 665.º, n.º 1, do NCPCiv., tratando-se de matéria cabalmente discutida em sede de articulados e de peças recursivas), e, por outro lado – e por consequência –, pela irrelevância do dito facto 20, tornando também, obviamente, irrelevante e, como tal, inútil a apreciação quanto ao invocado vício de falta de fundamentação relativamente a tal facto irrelevante, tal como irrelevante/inútil seria o conhecimento da impugnação recursiva quanto ao mesmo facto, atenta sempre aquela irrelevância para a decisão da causa.

Termos em que improcedem as conclusões do Apelante em contrário, não colhendo a invocação de falta de fundamentação da decisão de facto, nem a impugnação da decisão de facto a respeito, nem a exceção perentória deduzida, que é manifestamente improcedente, por a ação de simulação, tendente à declaração de nulidade do negócio, não estar sujeita a prazo de arguição do vício/nulidade.

E – reitera-se – se omissão de pronúncia houve na 1.ª instância, a respeito da exceção da denominada «caducidade/prescrição», então cabe à Relação suprir a nulidade da sentença recorrida, conhecendo e decidindo sobre a questão (dito art.º 665.º, n.º 1).

Ora, como visto, tal exceção não poderia deixar de ser julgada manifestamente improcedente, à luz do disposto nos art.ºs 240.º, n.º 2, e 286.º, ambos do CCiv..

E – acrescenta-se ainda, perante a argumentação reiteradamente produzida pela Apelante e os poderes da Relação ao abrigo da regra da substituição ao tribunal recorrido (referido art.º 665.º) –, já quanto à (exceção de) ilegitimidade do A., certo é que, para além de o mesmo ter sido considerado, expressamente, como parte legítima no despacho saneador, resulta claro que, se nulidade da sentença houvesse, nesta parte, por omissão de pronúncia (ou por falta de fundamentação), caberia à Relação conhecer da matéria, suprindo o vício.

Ora, é patente, salvo o devido respeito, a legitimidade do A. para a ação de invalidade, seja à luz do disposto no art.º 242.º, n.º 2 (“herdeiro legitimário”), seja do preceituado no art.º 286.º (“qualquer interessado”), ambos do CCiv., enquanto interessado filho dos 1.ºs RR./disponentes, perante invocada alienação simulada de diverso património imobiliário destes, no alegado intuito de o prejudicar em sede de herança a partilhar.

Donde, pois, a substancial improcedência das conclusões da Apelante em contrário.

 

C) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto

Importa agora apreciar a deduzida impugnação da decisão de facto, tratando-se dos factos dados como provados sob os pontos 4, 10, 15, 16, 17, 18 e 19, a deverem, na ótica da Recorrente, ser julgados como não provados, total ou parcialmente (conforme conclusões 5.ª e segs. desta).

Desde logo, deve notar-se que a impugnante refere (conclusão 7.ª) que na motivação da sentença «é ainda feita alusão a uma testemunha de nome JJ que não se encontra identificada em parte alguma dos autos».

A contraparte (cfr. fls. 225 v.º do processo físico) refere ter havido lapso de escrita na elaboração da sentença, pois quereria escrever-se «KK», em vez de «JJ».

E, realmente, constata-se, em apreciação, que foram ouvidas as testemunhas KK e LL (cfr. fls. 189 e v.º do processo físico), filhos do A. e sobrinhos e netos dos RR..

Donde que tudo indique que houve lapso de escrita (manifesto erro de redação do texto da sentença), sendo as testemunhas em causa KK e LL, e não JJ ([10]).

Não procede, pois – tudo não passando de um manifesto lapso de redação, suscetível, consabidamente, de correção legal (art.ºs 613.º e seg. do NCPCiv.) –, a argumentação no sentido de ter ocorrido admissão ou valoração probatória quanto a «uma testemunha de nome JJ que não se encontra identificada em parte alguma dos autos».

Passando à sindicância recursiva quanto aos pontos fácticos impugnados, dir-se-á que é a seguinte a redação do ponto 4:

«4) Os 1.ºs RR. não possuíam, nem agora possuem, outros bens imóveis, nem móveis ou outros de equiparado valor.».

O Tribunal recorrido justificou assim a sua convicção positiva (na parte relevante quanto a este ponto):

«(…) antes de mais, o tribunal considerou o teor dos depoimentos de parte prestados pelo 4.º R., GG, e pelos 2.ºs RR., EE e FF e, bem assim, o depoimento das testemunhas KK e LL, filhos do A. e netos e sobrinhos dos 1.ºs RR. e 4.º R., respectivamente, meios de prova devidamente cotejados com o teor dos documentos juntos aos autos.

(…)

No que tange ao facto 4) do elenco dos factos provados, o tribunal considerou o depoimento das testemunhas LL e JJ [queria dizer-se KK, netos dos 1.ºs RR. e que, de forma coincidente, e com propriedade, dada a estreita relação familiar com os referidos RR. e, mais importante, a estreita convivência mantida (eram, como referido por ambos, visita de casa dos avós), revelaram, coincidentemente, que, depois da celebração dos negócios apreciados nos autos, os avós ficaram sem qualquer património dado que, anos antes, já haviam sido partilhados os terrenos e que apenas sobravam as casas, agora, objecto dos contratos de compra e venda, ainda que, na prática, se tenham mantido no gozo e fruição dos prédios (onde, aliás, os netos continuaram com eles a privar, como se referiu).

Os seus depoimentos foram, neste último aspecto, corroborados pelo 4.º R., circunstância que acabou por imprimir credibilidade ao depoimento dos primeiros, atenta a concreta qualidade processual daquele e a quem a aquisição de tal facto, por adjuvante da versão pretendida pelo A., não interessaria mas que, não obstante, reconheceu. Tais meios de prova, nos mesmíssimos termos, permitiram ao tribunal convencer-se como vertido em 14), tendo ademais considerado o depoimento de parte da R. EE que foi enfática e veemente na afirmação de que o R. GG e a legal representante da 3.ª R., pese embora o divórcio, nunca pretenderam qualquer ruptura, tendo mantido sempre a sua relação conjugal (lançando mão do pormenor, que conferiu verosimilhança ao discurso, de no dia 27.10.2017 terem estado todos juntos, como familiares que são, no festejo de um casamento, no qual aquele R. e agora companheira se apresentaram, como sempre, como um casal).» (destaques aditados).

A Recorrente não põe em causa o sentido probatório apontado pelo tribunal àqueles meios de prova – testemunhas KK e LL –, nem invoca inadmissibilidade da prova testemunhal a respeito (cfr. art.ºs 392.º e segs. do CCiv.), antes defendendo não bastarem, para prova do facto, tais depoimentos testemunhais, por a existência de património (na esfera dos 1.ºs RR.) carecer (ainda) de demonstração «por outros meios de prova», mormente «documental», como seria o caso de certidão comprovativa da existência (ou inexistência) de bens sujeitos a registo.

Ora, apreciando, deve dizer-se que não estamos perante facto que só documentalmente possa ser provado, por não haver exigência legal de documento escrito para provar se alguém «não possuía, nem agora possui, outros bens imóveis, nem móveis ou outros de equiparado valor» (cfr. art.º 364.º do CCiv.). Isto é, fazer prova sobre o património em geral (ou a ausência dele).

Na verdade, e salvo sempre o devido respeito, o facto impugnado pode ser provado por quaisquer meios de prova admissíveis em direito, desde logo, a prova testemunhal (cfr. aludido art.º 392.º do CCiv.).

É certo que também poderia ter-se convocado prova documental, como aquela a que alude a parte recorrente, designadamente, em termos de corroboração ou reforço em face da produzida prova testemunhal.

Mas não era obrigatório fazê-lo, por o facto admitir prova testemunhal, como a que o A. empreendeu, através das duas testemunhas KK e LL, seus filhos e netos do R. CC.

A questão é, então, de valoração dessa prova testemunhal para formação da convicção, se a mesma é, por si só, convincente, tendo o Julgador a quo entendido que sim, por isso alicerçou a convicção positiva nesses dois depoimentos testemunhais, prescindindo de prova documental, que nenhuma das partes trouxe aos autos (nem no sentido da existência, nem no da inexistência, de outro património).

Cabia à Recorrente mostrar o erro de julgamento daquele Tribunal, sabido que a Relação apenas deve alterar a decisão de facto se, no caso, as provas produzidas (e convocadas pelo impugnante) impuserem decisão diversa (art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Visto já que não se exigia a produção de prova documental – por o facto em discussão não ser daqueles que apenas documentalmente pudessem ser provados –, invoca a Recorrente que os depoimentos aludidos não são credíveis, por as duas testemunhas ouvidas serem «filhos dos AA.», com interesse pessoal no desfecho do processo, visto serem «futuros herdeiros legitimários dos AA.», com interesse em que o património dos seus pais engrandeça.

Ora, esta impugnação genérica, aludindo apenas a um interesse decorrente da relação de parentesco entre as testemunhas e a parte demandante, sem ilustração no concreto teor dos depoimentos prestados e objeto de gravação, não pode proceder.

Não basta a imputação de que uma testemunha, por via da filiação relativamente a uma das partes, tem interesse na causa e o seu depoimento se torna imprestável.

Para se abalar a credibilidade conferida pelo Tribunal recorrido – aliás, o único que é beneficiário/portador da total imediação perante a prova pessoal – a determinadas testemunhas, não pode o impugnante ficar-se por imputações vagas ou genéricas. Tem de ir ao âmago dos depoimentos prestados e, assim, mostrar, perante o que consta da respetiva gravação – cujas exatas passagens relevantes não poderá demitir-se de indicar [por força do ónus legal resultante da norma imperativa da al.ª a) do n.º 2 do art.º 640.º do NCPCiv.] –, que as testemunhas deixaram contaminar o seu relato/depoimento pela proximidade familiar e pelos interesses materiais daí decorrentes.

Isto é, não pode prescindir-se de uma análise crítica das provas, seja pelo Tribunal, na sentença, seja pelo recorrente na sua impugnação da decisão de facto, sob pena de falta ao dever de fundamentação por aquele ou de inconsequente inconformismo por este.

Ao não ter mostrado, perante o teor concreto dos depoimentos aludidos, em que medida, e por que forma, as testemunhas se revelaram interessadas e comprometidas com os interesses do A. ([11]), falhou a impugnante na sua necessária demonstração de falta de isenção e credibilidade de tais testemunhas, credibilidade esta que, positivamente, lhes foi atribuída pelo Julgador em 1.ª instância, no que não foi abalado.

Demonstração essa – repete-se – que teria de ser feita com convocação da prova gravada, mediante indicação exata das passagens da gravação em que se fundasse o recurso, o que não foi feito e, desde logo, votava ao malogro esta parcela da impugnação.

Nada, pois, a alterar ao impugnado ponto 4.

Passando ao ponto 10, insurge-se a impugnante contra o segmento «o que nunca aconteceu».

O ponto em discussão, que deve ser conjugado com o que o antecede (para boa compreensão), tem o seguinte teor e conjugação:

«9) Nas aludidas escrituras de compra e venda, declararam vendedores e compradores respectivos ter sido o preço pago,

10) o que nunca aconteceu.».

E também deve ser conjugado com os demais impugnados pontos 15 a 19, dados como provados, com a seguinte redação:

«15) Os 1.ºs, 2.ºs e 3.ª RR. nunca quiseram vender nem comprar, respectivamente, os prédios referidos em 3.

16) Tendo aqueles combinado outorgar tais escrituras públicas,

17) Com o intuito de ocultar a doação dos referidos prédios pelos 1.º s RR. ao 4.º R.

18) Que, assim, e através da 3.ª R.. passaria a dispor de todo o património dos seus pais,

19) Em prejuízo do A. que, na qualidade de herdeiro legitimário dos 1.ºs RR., e tendo em conta o vertido em 4., nada teria a receber por herança aberta por óbito daqueles.».

A motivação da decisão de facto aponta no seguinte sentido:

«Quanto aos factos 10) e 15) a 19) do elenco dos factos provados, tratando-se de contexto subjacente à celebração dos negócios jurídicos que, no caso, foram reduzidos a escritura pública, estando, pois, a coberto da força probatória plena reconhecida aos documentos autênticos, importa ter em linha de conta o disposto no art.393.º n.º 2 CC que justamente estabelece a inadmissibilidade da prova testemunhal quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.

Com aplicação ao caso vertente, importa também convocar a disciplina prevista no art.394.º CC que prevê idêntica inadmissibilidade no caso de convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico, regra também aplicável ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos próprios simuladores, mas já não assim quando invocados por terceiros.

(…).

(…) nos termos do art.393.º n.º 3 CC, mesmo estando em causa documentos autênticos, é admissível prova testemunhal para precisar o sentido e o contexto da declaração negocial, sendo, além do mais certo que a inadmissibilidade da prova testemunhal para a prova de convenções contrárias ou adicionais (como sejam, a divergência entre a vontade real e a declarada que caracterizam a simulação) ao conteúdo do documento autêntico quando sejam invocados por terceiros que não os simuladores, como sucede no caso vertente – art.394.º CC.

Ora, neste particular, e no que respeita aos factos vertidos em 10) e 15) a 19) do elenco dos factos provados, o tribunal atendeu, para fundar a sua convicção naqueles termos, e logo à cabeça, nos depoimentos de parte dos 2.º RR. que, sendo materialmente confessórias, considerando o litisconsórcio necessário com os demais RR., e nos termos do art.353.º n.º 2 CC, não têm o valor probatório conferido à confissão, antes sendo livremente apreciados.

Aquando da prestação do seu depoimento de parte, a R. EE foi absolutamente clara e objectiva na afirmação de que, à presente data, a sua cunhada, irmã do seu marido, o R. FF, e legal representante da R. M..., e o companheiro (antes, marido) desta, o R. GG, estão de más relações (“zangados”) com ela e o marido, justamente por causa do presente processo o que, em termos de normalidade, bem se percebe.

Com efeito, e se atentarmos nos factos vertidos em 10) e 15) a 19), o papel desempenhado pelos RR. EE e FF na execução do plano é de elo, de intermediário, como forma de “desviar” atenções daquela que foi, no fundo, a alienação conveniente aos interesses do R. GG (e que teve como destinatário a sociedade comercial cuja sócia única é a sua companheira - de quem se divorciou cerca de mês e meio depois da celebração do primeiro contrato, conforme referido pelo próprio, no seu depoimento (!) -), papel que apenas se explica, como explicou a R., pela obsequisidade justificada pelos laços familiares que os ligavam e que, naturalmente, não incluíam os transtornos causados com a presente lide e com a qual provavelmente não contavam.

Retomando o depoimento de parte da R. EE, importa, então, lembrar que, de forma objectiva, como referido, esta explicou que, em Fevereiro de 2012, o R. GG e a sua agora companheira, então esposa, foram a sua casa, tendo aquele dito que era vontade do seu pai, o R. CC, dar-lhe as casas mas que, para tanto, teriam que ser primeiro passadas para si e para o R. FF e, depois, para a sociedade R. M... de forma a ficarem, através da sociedade, na sua esfera de disponibilidade; mais explicou que não houve quaisquer pagamentos e que, embora não quisesse aceder, acabou por fazê-lo por “pressão” do R. FF, seu marido, que pretendia ajudar a irmã, a legal representante da R.M....

O depoimento de parte da R. EE foi integralmente corroborado pelo depoimento de parte do R. FF, sendo certo que, atenta a qualidade processual de ambos e próprio papel na execução do plano gizado, são necessários cuidados acrescidos na aferição da veracidade da versão trazida por estes RR.

Não obstante, não nos mereceram quaisquer reservas. E por vários motivos. Em primeiro lugar, e no que tange à concreta motivação – esvaziar o acervo hereditário dos 1.º s RR. – atendendo ao demonstrado em 1) e 4) do elenco dos factos provados, e adquirida que foi a relação familiar entre A. e o R. GG e, bem assim, a situação patrimonial dos 1.ºs RR., tal motivação, atendendo às regras que disciplinam a sucessão legitimária, ganham acuidade.

Por outro lado, a coincidência do preço num e noutro contrato de compra e venda, para além de pouco provável num contexto de transacções comerciais ditas “normais” – em que o vendedor espera, por via de regra, alcançar lucro – aponta justamente para o carácter de favor do primeiro contrato de compra e venda e a necessidade de garantir que os RR. EE e FF não fossem tributados em sede de mais-valias (o que aconteceria caso fosse estipulado, no segundo contrato, um preço superior ao estipulado no segundo).

Por outro lado ainda, o próprio circunstancialismo que rodeou a celebração das escrituras públicas, com a deslocação a outro concelho que não o da residência de todos os intervenientes, aponta para um relativo esforço para evitar a “publicidade” das mesmas, sendo também certo que o facto da utilização dos bens alienados continuar a ser feita pelos transmitentes como se nenhum negócio jurídico tivesse ocorrido (um deles, a envolver inclusivamente uma entidade com escopo lucrativo e relativamente à qual mais incompreensível se torna a permissão de utilização de imobilizado se contrapartida), sem respaldo da constituição de qualquer direito de gozo e fruição dos mesmos, apoia a conclusão de que os contratos celebrados o foram apenas na “aparência” não pretendendo nenhum dos intervenientes o que neles fez exarar, pretendendo, antes encobrir uma doação a favor do R. GG em prejuízo do A., atenta a sua qualidade de herdeiro legitimário.» (destaques aditados).

E o que contrapõe a Apelante?

Desde logo, invoca que é inadmissível a prova testemunhal de factos trazidos ou suscitados pelos próprios simuladores, «o que é o caso presente, no que concerne aos 2.ºs RR.» (conclusão 19.ª).

Todavia, a argumentação não colhe, por, desde logo, tais RR. não serem testemunhas e a proibição de prova ser relativa à prova testemunhal (cfr. art.ºs 393.º e segs. do CCiv.).

Com efeito, dispõe o art.º 394.º, n.ºs 1 a 3, do CCiv., que é inadmissível a prova testemunhal, de âmbito contrário ou adicional ao conteúdo de documentos autênticos (ou de determinados documentos particulares), proibição que se aplica ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores, mas não por terceiros.

Por outro lado, não são os simuladores que, no caso, invocam acordo simulatório – não são eles que pedem a invalidade por simulação.

Quem o invoca é o A., que é, obviamente, um terceiro em relação aos negócios que alega terem sido simulados (os ditos contratos de compra e venda de imóveis).

Assim, sendo um terceiro em matéria de simulação, o A. não estava impedido de apresentar prova testemunhal quanto ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado.

Porém, o Tribunal relevou essencialmente, como dito, não tanto prova testemunhal – e podia valorá-la –, mas sim prova por depoimento de parte dos 2.º RR., em termos materialmente confessórios, com valoração de acordo com a livre convicção do Julgador, por o caso ser de litisconsórcio necessário com os demais RR. (não confitentes), tendo aplicação o disposto no art.º 353.º, n.º 2, do CCiv., segundo o qual a confissão não é eficaz – em termos de fazer prova plena a que alude o art.º 358.º, n.º 1, do CCiv. – se o litisconsórcio for necessário.

Todavia, é certo também que o reconhecimento de factos desfavoráveis (aos RR.), que não possa valer como confissão, tem o valor de elemento probatório que o tribunal apreciará livremente (art.º 361.º do CCiv.).

Assim sendo, não se mostra que houvesse proibição de prova, nem que o Tribunal a quo, ao fundar a sua convicção na prova aludida, pelo modo como o fez – justificado na motivação da decisão de facto –, tenha incorrido em qualquer erro de julgamento, sendo que, mais uma vez, a Recorrente não entra na valoração concreta da matéria probatória produzida e do seu sentido.

O mais aludido nas conclusões 21.ª a 25.ª da Recorrente – como a invocação de ter o A. apenas uma expetativa aquando da instauração da ação, enquanto «suposto futuro herdeiro legitimário que alega estar em perigo a sua parte da herança», sem «fundamento que legitime a tutela do direito» – já se prende, visivelmente, com apreciações de direito, que nenhum efeito têm sobre a decisão da matéria de facto, pelo que é inconcludente pretender retirar daí fundamentos consistentes para o sentido decisório da matéria de facto, como vem a Recorrente a pretender fazer ao pugnar, por essa via, por um julgamento de «não provado» quanto à essencial matéria fáctica em apreço.

Em suma, improcede a impugnação da decisão de facto, subsistindo intocado o quadro factual da sentença, assim tornado definitivo, sendo a ele – e só a ele – que haverá, por isso, de atender-se para julgamento do recurso.

D) Da Matéria de facto

1. - É a seguinte a factualidade provada a considerar para a decisão:

«1) O A. é filho dos 1.ºs RR., CC e DD, e irmão germano do 4.º R., GG.

2) A legal representante da R. M..., II, é irmã do 2.º R. FF.

3) Os 1.ºs RR. foram, até 08.02.2012, proprietários dos seguintes bens imóveis:

- Prédio Urbano, destinado à habitação, sito na Rua ..., na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana respectiva com o artigo ...4.º e descrito na Conservatória ... sob o n.º ...49;

- Prédio Urbano, destinado a armazém, sito no ..., na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana respectiva com o artigo ...22.º e descrito na Conservatória ... sob o n.º ...13;

- Prédio Urbano, destinado à habitação, sito na Rua ..., na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana respectiva com o artigo ...56.º e descrito na Conservatória ... sob o n.º ...14;

- Prédio Urbano, destinado à habitação, sito em ..., na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana respectiva com o artigo ...90.º e descrito na Conservatória ... sob o n.º ...40;

- Prédio Urbano, destinado à habitação, sito na Rua ..., na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana respectiva com o artigo ...14.º e descrito na Conservatória ... sob o n.º ...12;

4) Os 1.ºs RR. não possuíam, nem agora possuem, outros bens imóveis, nem móveis ou outros de equiparado valor.

5) No passado dia 08.02.2012, por escritura pública realizada na Conservatória do Registo Predial ..., os 1.ºs RR. declararam vender à 2.ª R. EE todos os seus prédios, os identificados em 3.

6) No passado dia 14.02.2013, também por escritura pública realizada na mesma Conservatória do Registo Predial ..., os 2.ªs RR. EE e o seu marido declararam vender à 3.ª R. M..., Unipessoal, Lda., os mesmos prédios.

7) Os 2.ºs e 3.ª RR. fizeram inscrever, respectivamente, na Conservatória do Registo Predial a aquisição dos referidos prédios pelas referidas compra e venda aludidas.

8) O valor da venda declarado em cada uma das referidas compra e venda correspondeu ao valor matricial dos prédios naquela data.

9) Nas aludidas escrituras de compra e venda, declararam vendedores e compradores respectivos ter sido o preço pago,

10) o que nunca aconteceu.

11) Os 1.ºs RR. continuam a residir e usar como seus os bens alienados.

12) A 3.ª R. M..., Unipessoal, Lda., tem como sócio único II, casada que foi, e agora companheira, do 4.º R. GG,

13) E teve o seu início de actividade a 23.08.2012.

14) Aquando da realização da escritura pública referida em 6., a sócia única da referida sociedade ainda que se encontrasse formalmente divorciada do 4.º R., com este vivia como sempre viveu, como se de um casal se tratassem, com os filhos de ambos, na mesma casa, à mesma mesa e leito, granjeiam os mesmo prédios e vivem das mesmas contas e negócios, sendo o divórcio apenas aparência.

15) Os 1.ºs, 2.ºs e 3.ª RR. nunca quiseram vender nem comprar, respectivamente, os prédios referidos em 3.

16) Tendo aqueles combinado outorgar tais escrituras públicas,

17) Com o intuito de ocultar a doação dos referidos prédios pelos 1.º s RR. ao 4.º R.

18) Que, assim, e através da 3.ª R.. passaria a dispor de todo o património dos seus pais,

19) Em prejuízo do A. que, na qualidade de herdeiro legitimário dos 1.ºs RR., e tendo em conta o vertido em 4., nada teria a receber por herança aberta por óbito daqueles.

20) O A. teve conhecimento da celebração dos negócios referidos em 5) e 6) apenas em data não concretamente apurada do 2.º semestre do ano de 2016. [FACTO IRRELEVANTE].

21) O R. GG dirige, juntamente com a legal representante da 3.ª R., a actividade comercial desta, comportando-se, perante terceiros como responsável pela gestão da mesma.

22) Os 1.ºs Réus mantiveram até hoje o gozo dos prédios como o vinham fazendo e fazem.

23) Os 1.ºs, 2.ºs, 3.ª e 4.º Réus têm residência e sede no concelho ....

24) As escrituras públicas referidas em 5) e 6) foram outorgadas em ....».

2. - E resulta julgado não provado:

«a) Pese embora a 3.ª Ré tenha como única sócia II, a verdade é que é o 4.º Réu GG quem na prática e de facto gere toda a actividade da empresa, negoceia e retira lucros com a sua actividade, para com isso fazer face às despesas com a sua família, II e os seus dois filhos, tendo antes ficado apenas demonstrado o vertido em 21).

b) É o R. GG quem paga os impostos.».


***

E) O Direito

Da (não) verificação dos requisitos da simulação

É por demais sabido quais os requisitos da simulação absoluta, impondo-se “a verificação simultânea de três requisitos: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório e o intuito de enganar terceiros (que se não deve confundir com o intuito de prejudicar)”, sendo também incontroverso que o “ónus da prova dos factos integradores de tais requisitos (os elementos que constituem o instituto jurídico da simulação), porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação” ([12]).

Na simulação relativa ocorre a especificidade, por sua vez, de, sob o negócio simulado, existir um outro negócio, o dissimulado, que as partes quiseram (de forma encapotada) realizar, âmbito em que, sendo o negócio simulado nulo, é aplicável ao negócio dissimulado o regime que lhe caberia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado. Todavia, sendo o negócio dissimulado de natureza formal, só será válido se tiver sido observada a forma exigida por lei.

No caso, o A./Recorrido apenas veio pedir a declaração de nulidade dos contratos aludidos, por simulação, com as legais consequências, incluindo o cancelamento dos registos correspondentes.

Assim, em termos jurídicos, encontramo-nos no âmbito normativo dos art.ºs 240.º, n.ºs 1 e 2, e 285.º, ambos do CCiv.. 

Em matéria de direito, a Apelante fundou-se no sucesso da sua impugnação da decisão de facto, para, logrando demonstrar erro de julgamento do Tribunal a quo nesse âmbito, mostrar que outra deveria ter sido, do mesmo modo, a solução jurídica da causa, pois que sem demonstração da simulação a ação forçosamente teria de improceder (naufragariam os pedidos julgados procedentes pela 1.ª instância).

Ora, como constatado, a empreendida impugnação da decisão de facto não logrou proceder, mantendo-se provados os factos do quadro factual com que a Recorrente/impugnante não se conformava em vista da sentença em crise.

Tais factos eram integrantes da matéria que constituía o núcleo da alegada simulação.

Assim, resta concluir – como na sentença, cuja fundamentação de direito não foi rebatida no recurso – que logrou o A. provar, como lhe competia – por ser seu o ónus probatório e se tratar de factualidade essencial à procedência dos pedidos –, os diversos requisitos cumulativos das alegadas vendas simuladas, tal como antes enunciados.

Tal é quanto basta – ante o quadro fáctico julgado provado e o não provado dos autos – para se dever concluir pela verificação dos requisitos da invocada simulação (cfr. art.º 342.º, n.º 1, do CCiv.), determinando a pretendida declaração consequente de nulidade dos negócios (por via desse vício), que não podem subsistir como tal, pelo que é de manter a decisão proferida quanto aos diversos pedidos.

Em suma, não logrando a R./Recorrente afastar os factos que preenchem os requisitos da invocada simulação, nem podendo colocar em causa a fundamentação de direito da sentença (fundada nesses factos apurados), âmbito em que inexiste qualquer invocada violação de lei, improcede in totum a apelação, com a consequente manutenção da sentença, sem necessidade de quaisquer outras considerações.

(…)

                                                 ***

V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência da apelação, em manter a sentença impugnada.

Custas da apelação pela R./Recorrente (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 07/02/2023

         

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro



([1]) Cujo teor se deixa transcrito.
([2]) Foi julgado, na 1.ª instância, entretanto, o deduzido incidente de habilitação de herdeiros (apenso A, ora consultado, em modo eletrónico, no sistema Citius), decisão incidental essa com o seguinte dispositivo (corrigido):
«Atento o exposto, julga-se procedente o presente incidente de habilitação de herdeiros e, em consequência, decide-se julgar habilitados, como herdeiros legítimos dos falecidos réus, CC e MM, os seus filhos, NN e GG.».
Por isso, a instância recursiva pode prosseguir.
([3]) Após redistribuição do processo, por aposentação/jubilação do originário relator.
([4]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([5]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão de outras, sendo que se seguirá uma ordem lógico-sistemática de apreciação das matérias recursivas (independentemente da ordem por que constam das conclusões da Apelante).
([6]) Cfr. conclusões 48 e segs. da Recorrente, que alude a omissão de pronúncia quanto à exceção de ilegitimidade do A. e à caducidade/prescrição do direito de ação (prazo para instaurar a ação). Refere, assim, a parte recorrente que estas exceções não foram decididas, nem no saneador, nem na sentença, implicando a nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv..
([7]) O contestante CC não nomeia a exceção de ilegitimidade ativa, não invoca o respetivo regime legal (de que pudesse depreender-se pretender excecionar nesse sentido), não alude à absolvição de instância (como seria elementar fazer se pretendesse deduzir a exceção de ilegitimidade), apenas concluindo pela improcedência da ação (alude à “p.i.”) e absolvição do «reu do pedido» (cfr. contestação de fls. 92 v.º do processo físico).

([8]) É pacífico o entendimento de que a fundamentação insuficiente ou deficiente da sentença não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, mas apenas a falta absoluta da respetiva fundamentação. Com efeito, a causa de nulidade referida na al. b) do n.º 1 do dito art.º 668.º (actual art.º 615.º do NCPCiv.) ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (cfr. art.º 208.º, n.º 1, CRPort., e art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv. aplicável). Como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa – cfr. “Estudos  sobre o Processo Civil”, pág. 221 –, “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”. Também Lebre de Freitas – cfr. Código de Processo Civil, pág. 297 – esclarece que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. Por sua vez, Alberto dos Reis já ensinava – cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140 – que deve distinguir-se “a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
([9]) Com o seguinte teor: «20) O A. teve conhecimento da celebração dos negócios referidos em 5) e 6) apenas em data não concretamente apurada do 2.º semestre do ano de 2016.».
([10]) Note-se que nos róis de testemunhas a menção é sempre a tais KK e LL (cfr. petição, a fls. 6 v.º do processo físico, bem como contestação do R. CC, a fls. 92 v.º, que remete, dando-o como reproduzido, para o rol do A.), o mesmo sucedendo nas atas das sessões da audiência final (cfr. fls. 173-175, 179-181 e 189-191, com clara identificação dessas duas testemunhas, que foram ouvidas, a fls. 189 e seg., todas do processo físico).
([11]) Obviamente, não pode partir-se (e aceitar-se) de um princípio (geral) no sentido de que os filhos não são credíveis como testemunhas em causas em que sejam partes os seus pais. Tudo depende, então, do depoimento que prestem em concreto, a ser apreciado, com as devidas cautelas, segundo a livre convicção do tribunal.
([12]) Vide, por todos, o Ac. desta Relação (e Secção) de 15/11/2016, Proc. 394/11.2TBNZR.C1 (Rel. Fonte Ramos), disponível em www.dgsi.pt, em que foi Adjunto o aqui Relator.