Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
119/09.2GBAND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: LEGÍTIMA DEFESA
REQUISITOS
Data do Acordão: 05/05/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE ANADIA – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 32º CP
Sumário: 1. A exclusão da ilicitude de uma conduta, ao abrigo do artigo 32º do Código Penal, exige a presença de cinco requisitos objectivos e um elemento subjectivo, a saber, a agressão de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, a actualidade da agressão, a ilicitude da agressão, a necessidade da defesa, a necessidade do meio e o conhecimento da situação de legítima defesa, sendo que os três primeiros requisitos objectivos se referem à situação em que o agente actua e os dois últimos à acção de defesa.
2. Inexiste o elemento subjectivo da causa de exclusão da ilicitude, quando não se admite a agressão.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

1. No processo comum singular n.º 119/09.2GBAND do Juízo de Instância Criminal de Anadia (Comarca do Baixo Vouga), a arguida R…, devidamente identificada nos autos, por sentença datada de 16/12/2009, foi CONDENADA:
· pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do CP, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 10, num total de € 600 (seiscentos euros), a que correspondem 40 dias de prisão subsidiária.
Foi ainda tal arguida condenada a pagar, em termos de pedido de indemnização civil, a quantia de € 250, ao queixoso A…, acrescida de juros à taxa legal desde a condenação até integral pagamento.
Tal arguida, enquanto demandante civil, viu o co-arguido A… condenado a pagar-lhe, a título de pedido de indemnização civil e em sede de danos não patrimoniais, a quantia de € 200, acrescida de juros legais desde a data da condenação e até integral pagamento.

2. Tal arguida/demandante recorreu da sentença, TENDO SIDO A ÚNICA RECORRENTE DOS AUTOS.
Finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):


ENQUANTO ARGUIDA
«1. Da análise de toda a prova produzida em Audiência, impunha-se decisão diversa da ora recorrida.
2. Da fundamentação de facto constante da sentença recorrida, resulta que o Tribunal a quo deu como provados, nomeadamente os pontos 8. e 9. da Fundamentação, que imputam à arguida R... a respectiva conduta a título de dolo, o que nos termos da al. a) do n° 3 do art. 412° do CPP se impugna por se considerar tais factos incorrectamente julgados, atenta a insuficiência da prova produzida.
3. De facto, em momento algum de toda a prova produzida, o Tribunal a quo obteve a certeza destes factos (ponto 8. e 9.dos dados como factos provados) no que diz respeito à actuação da arguida R....
4. Pelo que, na dúvida, e em obediência ao princípio basilar do nosso Direito Penal, que aqui se invoca, a arguida ora Recorrente deveria ter sido absolvida da prática do crime pelo qual vinha acusada.
5. Ao não ter entendido assim, violou o Tribunal a quo o disposto nos art.s 13° e 14 do C. Penal e o Princípio in dubio pro reo, consagrado no Direito Penal.
6. Entende ainda a ora recorrente que a prova produzida foi incorrectamente valorada e apreciada.
7. O Tribunal a quo deu como provado, entre outros factos, que “No decurso dessa discussão e da contenda física em que a mesma desembocou, a arguida desferiu vários murros na parte de trás da cabeça do arguido A.... (ponto 6. dos factos provados).
8. O Meritíssimo Juiz a quo, na motivação da matéria de facto quanto ao crime na pessoa do ofendido A..., valorou as declarações do ofendido A... e o depoimento da testemunha M...,
9. Mais referindo que “é legítimo ponderar se a arguida R… terá actuado sobre o ofendido em defesa do seu marido“.
10. Concluindo o Meritíssimo Juiz a quo que “não resulta da prova produzida que a arguida tenha actuado no preciso momento em que se verificava uma agressão por parte do arguido A... ao seu marido e, por outro lado, é também manifesto que não presidiu à actuação da arguida (...) qualquer intenção de defesa própria ou de terceiro”.
11. Na verdade, a arguida, ora Recorrente refere expressamente nas suas Declarações (Volta do CD: início àslO:54,19 e termo às 11:29,27 de 19/11/09) que “Ele ia desenfreado contra o meu marido (...) Eu quando o vi desenfreado conta o meu marido eu fui atrás dele (...) Eu puxei-o pelo ombro (...) Ele tem uma estrutura mais alta do que eu (...) Não, só o puxei para ele não ir contra o meu marido (...).“
12. A primeira testemunha, M..., que se encontrava no Estabelecimento Comercial Minimercado na hora e data dos factos, disse expressamente, (Volta do CD: início às 11:48,58 e termo às 12:05,55 de 19/11/09), que “Ele empurrou-o para trás e a D. R... começa aos murros ao irmão... quando viu o Sr. H... agarrado pelo irmão, a D. R... dava-lhe por trás da cabeça. O irmão estava agarrado ao casaco do Sr. H...; (...) Quando eu vi os três juntos”.
13. Por outro lado, o ofendido A…, refere nas suas declarações, (Volta do CD: início às 10:33,02 e termo às 10:52,40 de 24/11/09), que “Eu empurrei o meu cunhado e nessa altura também fui agredido pela minha irmã (...) Eu dirigi-me para ele e empurrei-o e naquela altura fui agredido pela minha irmã.
14. Ora, perante as declarações e os depoimentos que o Tribunal a quo
valorou, e de acordo com os factos dados como provados (ponto 6.) resulta, sem margem para dúvidas, que a arguida agiu a coberto de uma causa de justificação — legítima defesa —, pelo que a sua conduta não podia ter sido considerada ilícita.
15. A legítima defesa tem por requisitos, como decorre do art. 32° do C.
Penal:
- a ocorrência de uma agressão, que deve ser actual, i.é, estar a realizar-se, em desenvolvimento ou iminente, ilícita, cuja defesa obedeça a um meio considerado necessário.
16. Da prova produzida, resultam inequivocamente verificados todos os pressupostos da legítima defesa.
17. A actuação da arguida ocorreu no preciso momento em que se verificava uma agressão por parte do arguido A... ao marido. (Isto mesmo refere a Testemunha M…e o próprio A..., no depoimento e declarações acima referenciados).
18. A actuação da arguida foi actual, pois ocorreu depois de ter começado e antes de ter terminado a agressão do arguido A... ao marido da mesma. (facto dado como provado no ponto 6. dos factos provados na Sentença recorrida).
19. Na verdade, a actualidade da agressão afere-se, pela ocorrência da situação perigosa, a qual se caracteriza pela prática de actos que, segundo a experiência comum, forem de natureza a fazer esperar que se lhes siga o acto agressivo — a agressão.
20. Das declarações da arguida extrai-se ainda que na sua perspectiva, foi a actuação necessária, no momento e segundo as circunstâncias concretas, para defender o marido.
21.Contrariamente ao entendimento do Meritíssimo Juiz a quo, à actuação da arguida presidiu a intenção de defender o marido, que estava a ser agredido.
22. Mas, quanto a este elemento subjectivo, importa referir que a doutrina mais recente (Taipa de Carvalho, 375/387, Cavaleiro de Ferreira Direito Penal (1982), 189/191, Fernanda Palma, Justificação por Legítima Defesa como Problema de Delimitação de Direitos(1990), 6 11-58 e 693) entende que o elemento subjectivo da acção de legítima defesa se restringe à consciência da situação de legítima defesa, isto é, ao conhecimento e querer dos pressupostos objectivos daquela concreta situação.
23. A exigência do animus defendendi, revela-se, desprovida de sentido, uma vez que a actual lei apenas exige como requisito da legítima defesa a consciência da agressão e a necessidade de defesa — nesse sentido Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra Proc.202 1/03 de 17-
09-2003.
24. Mais acresce referir que, na Sentença ora recorrida, não foram levadas em consideração as circunstâncias concretas, no momento da prática dos factos que são imputados à ora Recorrente.
25. Da análise de toda a prova produzida, resulta ainda que, os
factos praticados pela arguida, foram produzidos num quadro e conjunto de circunstâncias que deveriam ter presidido à apreciação feita pelo Julgador, atendendo nomeadamente:
· ao facto de a arguida, no momento imediatamente anterior ter sido
agredida pelo irmão;
· à compleição e capacidade física do irmão (que e mais forte e mais
alto que a arguida);
· ao estado de nervosismo apresentado pelo irmão.
26. Apesar de todas estas circunstâncias, se encontrarem verificadas na prova produzida em audiência, as mesmas foram obliteradas pelo Tribunal a quo, ao não lhes dar relevância.
27. Somos pois, levados a concluir que o Tribunal a quo julgou e condenou a ora Recorrente pela prática do crime, isoladamente considerada, verificando-se pois, que houve erro notório na apreciação da prova.
28. Assim, a actuação da arguida encontra justificação na legítima defesa, cujos pressupostos estão integralmente preenchidos, com a consequente exclusão da ilicitude da sua conduta.
29. Pelo que preenchidos os pressupostos da legítima defesa, a conduta da arguida não deveria ter sido considerada ilícita.
30. Deveria pois, ter sido absolvida da prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art. 143° do C. Penal, e consequentemente deveria ter sido absolvida do pedido de indemnização civil.
31. Ao não ter entendido assim, violou o Tribunal a quo o disposto nos art.s 13°, 31°, 32° e 143° do Código Penal e os art.s 70º, 337°, n° 1 do Código Civil».
ENQUANTO DEMANDANTE CIVIL
«32. A indemnização arbitrada à Demandante ora Recorrente peca por diminuta, devendo ser fixada, no valor peticionado pelos demandantes.
33. Perante os factos provados nos pontos 16., 17., 18., 19. e 22. da Sentença recorrida, a indemnização arbitrada é manifestamente insuficiente, senão miserabilista.
34. Tendo pois, sido violadas por erro de aplicação e interpretação, as normas dos arts 494º e 496° do CC.
Termos em que, e nos melhores de direito, e sempre com o Douto suprimento de Vossas Excelências se pede, se dignem dar provimento ao presente recurso, absolvendo a ora Recorrente, e condenando-se o Demandado no pedido de indemnização peticionado».

3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o acórdão recorrido deve ser mantido na íntegra, assente que o mesmo fez uma criteriosa fundamentação e aplicação da lei ao caso concreto.
Começa, contudo, por levantar a questão prévia do incumprimento pela recorrente do ónus previsto no artigo 412º/1 do CPP,
Conclui assim:
«1. A sentença recorrida fez adequado julgamento da matéria de facto, através de um exame crítico, objectivo e imparcial das provas produzidas e examinadas em audiência de julgamento, à luz do princípio da livre apreciação da prova e da reserva do julgador, a que alude o art. 127° do CPP, tendo este motivado devidamente a sua decisão, que não enferma de quaisquer vícios;
2. O tribunal não se convenceu - e explicou porquê — que a arguida agira
exclusivamente em defesa de terceiro (o marido e assistente H…), sendo
plausível a conclusão a que chegou, pelo que, assim, tendo aquela seviciado o irmão
e co-arguido/ofendido A..., nos termos provados e estando na sua óptica
prejudicados os pressupostos dos arts.31º/1 e 2 a) e 32º do CP, não podia deixar de a condenar.
3. Não existiu qualquer dúvida razoável e insuperável no espírito do julgador quanto à prova dos factos imputados á recorrente, pelo que, prejudicada estava a errada invocação do princípio in dubio pro reo, posto que se não verificou o in dubio, pelo que de nada aproveita a arguida.
4. Não ocorre erro (notório) na apreciação da prova, á luz do art. 410°-2-c) do CPP.
5. Não foram violadas quaisquer normas legais e aplicou-se correctamente o direito aos factos provados, não merecendo censura a condenação da arguida.
Pelo que, na improcedência do recurso, se não for logo rejeitado, nos termos do art. 420º do CPP, com adequada tributação, mantendo-se a sentença recorrida, será feita Justiça».

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto corroborou a posição do Colega de 1ª instância, opinando que o recurso deverá improceder.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do mesmo diploma.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Assim, balizados pelos termos das conclusões Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringi8r o objecto do recurso),o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões») – Cfr. ainda Acórdão da Relação de Évora de 7/4/2005 in www.dgsi.pt.
formuladas em sede de recurso, a única questão a decidir (cfr. ponto 3.1. deste acórdão) consiste em saber se a arguida agiu sob uma causa de exclusão de ilicitude, no caso, a legítima defesa, curando-se de saber se terá de ser alterada a prova dada como provada pela existência de erro notório na apreciação da prova ou por erro de julgamento.

2. DA SENTENÇA RECORRIDA

2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):
«1. No dia 27 de Outubro de 2008, entre as 11h00 e as 12h00, o arguido A… abordou a arguida R…, que é sua irmã, no interior do estabelecimento comercial desta, sito na Rua…, Anadia, gerando-se, então, uma discussão entre ambos por motivos relacionados com partilhas familiares.
2. A determinada altura, o arguido perguntou à arguida, em tom intimidatório, pela mãe de ambos.
3. Ao ser questionado pela arguida sobre o motivo pelo qual queria falar com a mãe, o arguido respondeu: “ai tu não sabes o que eu quero falar com a mãe?”; “Vocês, mais uma vez, roubaram-me a terra”.
4. A determinada altura da discussão, sem que nada o fizesse prever, o arguido agarrou a arguida pelo pescoço, apertando-o com força, e, acto contínuo, arremessou-a para trás.
5. Ao ouvir os gritos da arguida, o marido desta, o assistente H… foi em seu auxílio, e no momento em que se aproximou, o arguido lançou-lhe as mãos ao pescoço e apertou-o, ao mesmo tempo que o atirou contra uma estante ali existente.
6. No decurso dessa discussão e da contenda física em que a mesma desembocou,
a arguida desferiu vários murros na parte de trás da cabeça do arguido A… .
7. Da agressão do arguido resultaram para a arguida as seguintes lesões:
No pescoço: escoriação oblíqua infero-externalmente, medindo três centímetros de comprimento;
No membro superior direito: na face posterior do cotovelo, equimose arroxeada, medindo três centímetros e meio de comprimento por um centímetro e meio de largura; no terço inferior da face interna do antebraço, escoriação, oblíqua infero-externamente, medindo dois centímetros e meio de comprimento por três milímetros de largura, lesões que lhe determinaram 05 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
8. Os arguidos agiram com intenção concretizada de molestar a integridade física dos ofendidos e de lhes causar lesões corporais.
9. Agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, perfeitamente conhecedores do carácter proibido e punido das suas condutas.
10. Depois de ter abandonado o estabelecimento comercial (“R... e H…, Lda”), o arguido dirigiu-se a casa do assistente e da arguida, para falar com a mãe que ali se encontrava.
11. Como ninguém lhe abriu a porta, este, sem autorização ou consentimento, saltou o muro com gradeamento, que circunda a referida habitação, introduzindo-se na mesma.
12. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, não estando autorizado a saltar o referido muro e a entrar no espaço em causa, sabendo ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei.
13. Em consequência da agressão do arguido, o assistente não teve necessidade de receber tratamento médico ou hospitalar.
14. Em consequência da agressão da arguida, o arguido sentiu dores.
15. O arguido confessou parcialmente os factos.
16. A arguida e o assistente sentiram-se vexados e desautorizados por verem a sua propriedade devassada pela entrada e permanência do arguido no espaço da sua casa de habitação.
17. Há muito tempo que se encontram cortadas as relações entre o arguido, por um lado, e a arguida e o assistente, por outro.
18. Com tal actuação do arguido, a arguida e o assistente sentiram-se emocionalmente desgostosos e perturbados.
19. E a arguida e o assistente temem que o arguido volte a praticar os mesmos factos, já que a mãe do arguido, com quem este também mantém litígio, vive na casa deles.
20. O arguido é socialmente considerado como um bom pai e marido, trabalhador, sério, educado, honrado, respeitador e respeitado.
21. A arguida e o assistente são socialmente considerados como pessoas trabalhadoras, sérias, honradas, respeitadoras e respeitadas, com bom comportamento e socialmente muito consideradas.
22. O arguido é casado; habitam em casa própria, amortizando um crédito bancário em prestações mensais de cerca de € 250,00; ambos, conjuntamente com mais 3 pessoas, são sócios de uma sociedade comercial que explora um restaurante; o arguido trabalha como sócio-gerente, auferindo de salário cerca de € 550,00 mensais; a mulher trabalha no restaurante, auferindo de salário cerca de € 550,00 mensais; têm rendimentos prediais dos quais retiram cerca de € 500,00 mensais; e têm uma filha a seu cargo, suportando uma propina universitária no montante de € 230,00 mensais.
23. A arguida é casada com o assistente; habitam em casa própria; exploram conjuntamente um estabelecimento comercial de minimercado, com um empregado, que tem um volume de negócios anual de € 230.000,00; suportam um crédito de € 25.000,00, amortizável em 3 anos.
24. Do registo criminal dos arguidos não consta qualquer inscrição».

2.2. Não resultou provado que:
«1. Ao ser arremessada pelo arguido, a arguida caiu para o chão.
2. Foram intensas as dores sentidas pelo arguido A… .
3. Não existe nada que desabone ou ponha em causa o bom-nome e o comportamento da arguida.
4. A actuação do arguido foi comentada por toda a aldeia.
5. Em consequência da conduta do arguido, a arguida sente-se constantemente amedrontada, não se sentindo segura na sua própria casa.
6. Em consequência do medo, da insegurança e desassossego, a arguida não tem conseguido dormir, andando em constante sobressalto».

2.3. Motivou assim esta convicção factual o tribunal recorrido:
«Quanto aos factos relativos ao crime de introdução em lugar vedado ao público:
O Tribunal baseou a sua convicção nas declarações do arguido, o qual, de forma livre e fora de qualquer coacção, confessou sem reservas e integralmente os factos de que é acusado.
O depoimento da testemunha R..., mãe dos arguidos; que, em nosso entender, não relatou factos relevantes em relação às posteriores declarações confessórias do arguido.
As declarações da ofendida R… e do assistente H… que relataram a forma como se sentiram com a invasão da sua propriedade por parte do arguido.
Quanto aos factos relativos aos crimes de ofensas à integridade física simples:
O Tribunal baseou a sua convicção na análise crítica de todas as provas produzidas e analisadas em audiência de discussão e julgamento, livremente apreciadas e valoradas em conjugação com as regras da experiência comum, nomeadamente:
Os documentos de fls.3; e, dos autos apensos, de fls.3, 29, 80, e 81.
Os relatórios periciais de fls.7 a 9; e, dos autos apensos, de fls.38 a 39, e 41 a 43.
Sobre os crimes na pessoa da ofendida R… e na do assistente H...:
As declarações confessórias do arguido A... que reconheceu, no essencial, os factos que lhe são imputados.
Negou apenas ter agarrado pelo pescoço a irmã e o cunhado, alegando que apenas os agarrou pela roupa. Versão que foi desmentida pelas declarações do assistente e da ofendida e, quanto a esta última, também pelo relatório pericial médico-legal.
Os depoimentos das testemunhas: M...; S...; e R..., que sabem dos factos porque se encontravam no estabelecimento na ocasião.
Não relataram, em nosso entender, qualquer facto que acrescentasse algo de relevante em relação às posteriores declarações confessórias do arguido A....
Quanto ao crime na pessoa do ofendido A...:
Foram valoradas as declarações deste que confirmou que durante a contenda foi objecto de murros na parte de trás da cabeça por parte da arguida sua irmã.
E o depoimento da testemunha M...; que sabe dos factos porque se encontrava no estabelecimento na ocasião; constatou que a arguida R..., a determinada altura da contenda, desferiu vários murros na parte de trás da cabeça do irmão.
É legítimo ponderar se a arguida R... terá actuado sobre o ofendido em defesa do seu marido. No entanto, em nosso entender, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não resulta da prova produzida que a arguida tenha actuado no preciso momento em que se verificava uma agressão por parte do arguido A... ao seu marido e, por outro lado, é também manifesto que não presidiu à actuação da arguida – a qual nega peremptoriamente a prática dos factos – qualquer intenção de defesa própria ou de terceiro.
Valorado foi ainda:
· As declarações do arguido A... quanto à sua situação pessoal, familiar, e económico-financeira.
· As declarações do assistente H... quanto à sua situação pessoal, familiar, e económico-financeira do casal formado por si e pela sua mulher, a arguida R....
· O depoimento da testemunha S...; que não revelou ter conhecimento pessoal e directo sobre os factos em discussão; relatou a forma como o assistente e a ofendida se sentiram após os factos e os traços de personalidade destes.
· O depoimento da testemunha R... quanto aos traços de personalidade que reconhece aos arguidos.
· E o depoimento da testemunha C... quanto aos traços de personalidade que reconhece ao arguido.
Quanto à restante factualidade não provada a motivação da não prova resulta de sobre os não ter sido produzida qualquer prova, ou prova bastante e credível.
O Tribunal valorou o C.R.C. dos arguidos quanto aos seus antecedentes criminais».

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. QUESTÃO PRÉVIA – admissibilidade do recurso na parte cível
R… recorre na dupla veste de arguida e demandante civil (note-se que nem assistente se constituiu).
Tal recurso foi admitido na 1ª instância.
No que diz respeito aos princípios gerais atinentes à tramitação dos recursos ordinários, adianta o artigo 400°, n.° 2 do CPP que «o recurso da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada».
Ora, a alçada dos tribunais da 1ª instância era (e mantém-se), à data da formulação do pedido cível, de € 5.000,00 (artigo 24.°, n.° 1, da Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro, e redacção decorrente do Decreto-Lei n.° 303/07, de 24 de Agosto).
Ao pedido cível deduzido nos autos foi atribuído o valor de € 1.000,00 (fls. 141-144 – assente que esse foi o real pedido de condenação do demandado António feito pela demandante R...) -, tendo sido tal demandado condenado a pagar-lhe apenas € 200.
Ou seja, conjugando-se tais disposições legais, a sentença proferida mostra-se insindicável, no que tange à condenação no pedido cível, por intermédio de recurso ordinário.
Na realidade, tal parte da sentença é irrecorrível, a nada obstando o teor do despacho de 1ª instância que o admitiu em globo, por força do preceituado no artigo 414º, n.º 3 do CPP («a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior»).
Tal irrecorribilidade irá, assim, ser decretada a final.

3.2. A recorrente R… – agora já somente na veste de arguida - discorda da matéria de facto dada como provada, por divergir do tribunal recorrido quanto à valoração da prova produzida, no que concerne à imputação à sua pessoa da factualidade n.º 6, 8 e 9, entendendo que foi feita prova da sua actuação em legítima defesa, causa de exclusão da sua ilicitude que justificaria a sua absolvição criminal e cível.
Esta impugnação de facto mexe também com as consequências de DIREITO, como é bem de ver.

3.3. Antes de mais, interessa verificar se as conclusões do recurso da arguida estão incorrectamente formuladas, assente o que opina o Exmº Magistrado do MP de 1ª instância.
Incidindo este recurso sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP, incumbia à recorrente o ónus de especificar
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)- as provas que devam ser renovadas.
Acentua depois o n.º 4 desse normativo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 364º, n.º 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
O artigo 417º, n.º 3 do CPP (na versão revista de 2007, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007 de 29/8) permite o convite ao aperfeiçoamento da respectiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 desse mesmo normativo.
Temos entendido o seguinte: se analisada a peça do recurso constatarmos que a indicação das especificações legais constam do corpo da motivação de forma assaz suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não deveremos, assim, ser demasiado formalistas ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente, note-se, as indicações previstas no n.º 2 e no n.º 3 do citado artigo 412º.
A este propósito, convém lembrar que as “conclusões aperfeiçoadas” têm de se manter no âmbito da motivação apresentada, não se tratando de uma reformulação do recurso ou da apresentação de um novo recurso - por outras palavras: o convite ao aperfeiçoamento, estabelecido nos n.º 3 e 4 do artigo 417.º, do C.P.P., pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso.
Pelo que se o corpo da motivação não contém as especificações exigidas por lei, já não estaremos perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de insuficiência do recurso, insusceptível de aperfeiçoamento.
Contudo, no caso vertente, a recorrente indica nas conclusões – que poderão de facto ser prolixas porque repetitivas do corpo da motivação - as partes dos depoimentos gravados que crê terem sido mal valorados pelo tribunal.
Como tal, e mesmo considerando que a peça da alegação de recurso não prima pela perfeição processual, entendemos que a mesma satisfaz as condições mínimas para poder passar pelo crivo inicial, sem sequer se lançar mão do convite ao aperfeiçoamento previsto no artigo 417º/3 do CPP.
Ou seja, e em conclusão:
A arguida impugna a MATÉRIA DE FACTO dada como provada, tendo sido cumprido o determinado nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP.

3.4. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
O arguido impugna, em primeiro lugar, a matéria de facto dada como provada, daí retirando a consequência jurídica da sua absolvição criminal.
É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem:
- primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada (O NOSSO CASO);
- e, depois e se for o caso, dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal.
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.

3.4.1. Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Ora, analisando a decisão recorrido, não vislumbramos qualquer indício desses vícios do artigo 410º/2 do CPP, nomeadamente o erro notório de prova referido pelo recorrente.

3.4.2. Já o erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 - ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua Jorge Gonçalves nos seus acórdãos desta Relação, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, já aqui aludida, prevista no artigo 412.º, n.º 3, do CPP.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Conforme jurisprudência constante, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, antes constituindo um remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados Cf. Acórdão da Relação do Porto de 11/7/2001, processo n.º 01110407, lido em www.dgsi.pt/trp..
A delimitação dos pontos de facto constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso relativo à matéria de facto. Ao tribunal de recurso incumbe confrontar o juízo sobre os factos que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt).
Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº 3 do mesmo diploma – tal não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas apenas um remédio jurídico votado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
Já o deixámos escrito - o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações, e anteriormente com base na leitura de transcrições, reaprecie a totalidade da prova.
E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.

3.4.3. O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Os poderes do tribunal na procura da verdade material estão limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, guiado pelo princípio das garantias de defesa do artigo 32º da CRP.
Sobre o tribunal recai o dever de ordenar a produção da prova necessária à descoberta da verdade material, tanto relativamente aos factos narrados na acusação ou na pronúncia, como aos alegados pela defesa na contestação e aos que surgirem no decurso da audiência de julgamento em benefício do arguido.
Quanto à fundamentação da PROVA, há que atentar em certos princípios:
os dos artigos 124º, 125º e 126º do CPP (princípio geral da legalidade das provas);
A convicção sobre a realidade de certo facto existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável;
Não se procura uma verdade ontológica e absoluta mas apenas a verdade judicial e prática – não pode ser uma verdade obtida a qualquer preço mas apenas a que assenta em meios de prova que sejam legais;
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária da prova, impondo-lhes a lei que extraia delas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso;
Não satisfaz a exigência de fundamentação da decisão sobre Matéria de Facto a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, importando fazer a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito do julgador – não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
A liberdade das provas não é, pois, absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência
Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.
As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
Quer isto dizer que a ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] – neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
A operação intelectual em que se traduz a formação da convicção não é, assim, uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cf. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss. e Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, 205).

3.4.4. Com este pano de fundo, analisemos mais concretamente o recurso intentado, assente que existe aqui uma impugnação da matéria dada como provada.
Houve, de facto, pontos de factos incorrectamente julgados?
As provas produzidas em julgamento impunham uma decisão de absolvição, em vez de um juízo condenatório?
No caso em apreço, o tribunal não deu como provado que tivesse havido uma situação de legítima defesa no ataque físico da arguida ao irmão.
Deixou-se escrito na sentença, a tal propósito, que:
«É legítimo ponderar se a arguida R... terá actuado sobre o ofendido em defesa do seu marido. No entanto, em nosso entender, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não resulta da prova produzida que a arguida tenha actuado no preciso momento em que se verificava uma agressão por parte do arguido A... ao seu marido e, por outro lado, é também manifesto que não presidiu à actuação da arguida – a qual nega peremptoriamente a prática dos factos – qualquer intenção de defesa própria ou de terceiro».
Terá ela agido em causa de exclusão da ilicitude?

3.4.5. Foram dadas como provadas as seguintes agressões consumadas naquela dia 27 de Outubro de 2008:
· Agressão do arguido A... à irmã R...;
· Agressão do arguido A... ao assistente/cunhado H...;
· Agressão da arguida R... ao irmão A....
Ouvidas as gravações das sessões de julgamento, no que concerne aos depoimentos das testemunhas e arguidos referenciadas na motivação de recurso, chegamos às seguintes conclusões:
· - A arguida R... – sessão de 19/11/2009 - refere que o irmão entrou agressivo a questioná-la pela mãe, dizendo que ela e o marido lhe tinham estragado a vida pois «haviam roubado mais um terreno»; pôs-lhe a mão direita no pescoço e empurrou-a contra umas grades de fruta, ferindo-a no pescoço nesse gesto, não tendo esta caído no chão. Entretanto, o H..., seu marido, acorreu ao pé da arguida, tendo o arguido ido desenfreado contra este H..., agarrando-lhe ela pelo ombro, tendo nessa altura o arguido empurrado a irmã, caindo esta no chão. O irmão da R... pegou na camisa do cunhado, puxando-o, não lhe tendo batido (13:31), e as testemunhas desapertaram-nos, colocando-o fora do estabelecimento. Nega ter dado murros na cabeça do irmão, pois o irmão é muito mais alto do que ela, não tendo reagido (14:16) contra ele.
· - A testemunha M… (amiga do casal H.../R... – sessão de 19/11/2009) refere que estava no estabelecimento à hora em que deram as agressões discutidas nos autos, tendo visto o A... a discutir com a R... e a colocar-lhe a mão na blusa, empurrando-a para trás, tendo ela caído para cima de umas caixas de melão. A testemunha puxou o A.... Veio, entretanto, o H... do outro lado do armazém, interpelar o cunhado. O A... agarrou o casaco do cunhado, empurrando-o contra uma estante de chouriços. Foi então que a R... deu murros na cabeça do A..., não sabendo a testemunha precisar qual a intenção da dita arguida. Acha que viu a R... no chão.
· - O arguido A..., ouvido em 24/11/2009, disse ter apenas agarrado pela roupa a irmã, tendo ela caído numa caixas de fruta (9:54), após o que, chegado ao local o cunhado H..., também a este o empurrou com as mãos no peito. A M... meteu-se entre o arguido e o cunhado, tendo chegado depois o R..., retirando-o dali. Foi então que a R... lhe deu vários murros na cabeça, estando já a testemunha M... metida no meio dos dois homens.
Este tribunal de recurso resolveu também ouvir outros testemunhos, não mencionados pela recorrente na sua peça.
H…, marido da R..., disse – sessão de 19/11/2009 - que o cunhado, depois de invadir o seu estabelecimento comercial, na parte da mercearia, agrediu a mulher, agarrando-lhe o pescoço, apertando após o seu pescoço, empurrando-o contra a estante, tendo ainda feito cair a R..., dando-lhe pontapés (facto que não é confirmado, nem de longe nem de perto, pela própria R...).
Em lado nenhum, fala nos murros da mulher ao A..., não tendo assim sentido que esta estava a querer defendê-lo.
R..., marido da testemunha M..., na sessão de 19/11/2009, referiu que estava na parte da drogaria (tendo o evento acontecido na parte da mercearia) quando a mulher lhe disse que tinha de tirar o A... do local, alterado que estava, não tendo, contudo, assistido a quaisquer agressões.
I..., empregada do casal R.../H..., ouvida em 19/11/2009, referiu que naquela manhã de Outubro mais ouviu do que viu, estando ela na parte da drogaria (armazém). Viu a R... descomposta, despenteada, arranhada no pescoço, estando nervoso o H..., tendo apenas visto o A... a sair e a ameaçar verbalmente a R... e o H....

3.4.6. Uma palavra sobre a legítima defesa Como curiosidade histórica, deixam-se aqui expressas as asserções avançadas no Acórdão desta Relação de 17/3/2003, mais à frente novamente citado:
«O direito de legítima defesa está escrito em grandes caracteres nas doze tábuas e no Digesto, ou seja, na certidão de nascimento e na de óbito do espírito animador do direito romano. Lex duodecim tabularum furem noctu deprehensum perimittit occidere; interdin antem deprehensum, si telo se defedat (1. 4, § I. D. ad leg. Aquil.).
Trata-se de direito que, segundo a doutrina dos jurisconsultos romanos, se consubstancia numa acção praticada contra a proibição de quem tem o direito de se lhe opor. – Vi facit tam is, qui quominus prohibeatur consecutus est, periculum puta adversário denuntiando, aut janua puta praeclusa. Prohibitus autem intelligitur quolibet actu, id est vel dicentis se prohibere, vel manum oponentis, lapillumve jactantis prohibendi gratia.
Definida assim a condição principal do exercício da legítima defesa, a injustiça da agressão, a 1. 2. Cod. ad leg. Corn. acrescenta a outra da iminência do perigo: o agredido deve ficar colocado na dubio vitae discrimine. E mesmo assim a dificuldade (não a impossibilidade) de evitar o perigo de outro modo a não ser com a morte ou o ferimento do agressor, é imposta como outra condição pela 1. 9. ff. ad leg.Corn.: Furem nocturnum si quis occiderit ita demun impune feret, si parewce ei sine periculo suo non potuit.
São estas as condições de facto atribuíveis ao agressor no direito romano; quanto ao agredido, duas regras determinam a natureza da sua reacção. Uma é a de uma certa proporção desta com a agressão sofrida. A outra diz respeito à subitaneidade da reacção defensiva.
Quanto ao fundamento filosófico da doutrina romana, Cícero e as constituições imperiais reconhecem que a legítima defesa não é senão uma forma especial de repressão do delito, uma espécie de «substitutivo penal» (Vide Júlio Fioretti, Sobre a Legítima Defesa (3ª edição – 1918), 28/30, que até aqui seguimos de perto.). Fundamento que se encontra de algum modo em Hegel ao sustentar que aquele que exerce a legítima defesa afirma o direito, porque anula a negação de direito que o outro tentava realizar com a agressão (Grundlinien der Philosophie des Rechts, § 127.), e que actualmente, a par da ideia de proporcionalidade e de razoabilidade, domina, ainda, o instituto da legítima defesa ( - Ao instituto da legítima defesa, tal como a todos os outros que constituem causa excludente da ilicitude e/ou da culpa, institutos aos quais servem de referência e justificação situações de conflito, encontra-se, subjacente o princípio da ponderação de interesses, princípio que, ao fim e ao cabo, constitui o fundamento último da justificação do facto, o qual se traduz, em sede legal, na indicação do valor ou do interesse prevalente, isto é, na eleição do valor ou do interesse cuja tutela o legislador quer ver salvaguardada, valor que, obviamente, é – objectivamente – o mais valioso – Cf. Giuseppe Bettiol, Instituições de Direito e Processo Penal (tradução de Costa Andrade – 1974), 137/141 e M. von Buri, «Stato di necessitá e legitima difesa», na Revista Penale, vol. XIII, 433/464)»., defendida pela recorrente.
A legítima defesaTal conceito deve assentar num fundamento de continuidade que interliga, por um lado, a protecção dos bens jurídicos beliscados pela agressão e, de outro, por derivação directa e imediata, a necessidade de defesa da ordem jurídica, «através da qual se justificará que se justifiquem bens jurídicos de valor superior aos postos em causa pela agressão”, reprovando-se a ideia de que a legítima defesa esteja cerceada por um critério de proporcionalidade entre os bens jurídicos sacrificados pela defesa e aquela que merecem ameaça por parte da inerente agressão. – causa de exclusão da ilicitude tipicamente prevista na letra dos artigos 31º e 32º [Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro], do CP - tem por requisitos, como claramente decorre do texto legal, a ocorrência de uma agressão (sendo ela toda a lesão ou perigo de lesão de um interesse próprio ou de outra pessoa protegido pelo ordenamento jurídico – H. Jescheck, Tratado de Derecho Penal Parte General - 4ª edição - 1993, p. 303) levada a cabo por um comportamento humano voluntário e consciente, devendo esta ser actual, isto é, estar a realizar-se, em desenvolvimento ou iminente (a iminência da agressão afere-se, habitualmente, pela ocorrência de situação perigosa, a qual se caracteriza pela prática de actos que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes siga o acto agressivo, isto é, a agressão Uma defesa será, à partida, legítima até ao momento em que a mesma se revele imperiosa ou fundamental para travar definitivamente a respectiva agressão.), ilícita, ou seja, não ter o agressor direito a infligir ou a praticar a agressão, independentemente do facto de aquele se comportar dolosamente, com mera culpa ou se tratar de um inimputável (cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado e Comentado - 8ª edição/1995, p. 277, entre outros), só evitável ou neutralizável através de uma acção ou acto de defesa, acto que, atenta a sua função, qual seja a de impedir ou repelir a agressão, deve limitar-se à utilização do meio ou meios, suficientes para evitá-la ou neutralizá-la, consabido que em consequência desse acto ir-se-ão atingir bens ou interesses do agressor.
A legítima defesa não é nem pode redundar numa acção punitiva, a ela se encontrando subjacente o princípio do maior respeito pelo agressor (cf. Jescheck, ibidem, 308).
Desta forma, «meios adequados» para impedir ou repelir a agressão, mas mais danosos (para o agressor) do que aqueles que, sem deixarem de ser adequados (suficientes, eficazes), causariam menores lesões ou prejuízos ao agressor, serão considerados desnecessários e, como tal, excluirão a justificação do facto praticado pelo agredido Qualquer meio que transponha a barreira da estrita necessidade – necessidade do meio mas também necessidade da própria defesa - entrará num excesso de legítima defesa..
Igualmente, devem ser considerados inadequados os meios que, apesar de pouco danosos para o agressor, não dispõem de quaisquer possibilidades de impedir a agressão ou de dissuadir o agressor.
Por isso, tem-se decidido que o juízo sobre a adequação do meio de defesa não pode deixar de ter em consideração as circunstâncias concretas de cada caso: o bem ou interesse agredidos, o tipo e a intensidade da agressão, a perigosidade do agressor e o seu modo de actuar, a capacidade físico-atlética do agressor e do agredido, bem como os meios de defesa disponíveis e as demais circunstâncias relevantes ocorrentes (Cfr. Taipa de Carvalho, A Legítima Defesa (1995), 318 e H. Jescheck, ibidem, 308).
No fundo, trata-se de um juízo objectivo e ex ante, pelo que o julgador se terá de colocar na posição que assumiria uma pessoa prudente perante as circunstâncias concretas ocorrentes, sem esquecer que a exigência de utilização do meio menos gravoso para o agressor não pode levar a fazer recair sobre o agredido riscos para a sua vida ou integridade física, a significar que o defendente não está obrigado a recorrer a meios ou medidas cuja eficácia para a sua defesa é duvidosa ou incerta.
A defesa só é legítima se surgir como indispensável para a salvaguarda de um interesse jurídico do agredido ou de terceiro - o meio menos gravoso para o agressor. A necessidade da defesa tem de ajuizar-se segundo o conjunto de circunstâncias em que se verifica a agressão e, em particular, na base da necessidade desta, da perigosidade do agressor e da sua forma de actuar, bem como dos meios de que se dispõe para a defesa, e deve aferir-se objectivamente, ou seja, segundo o exame das circunstâncias feito por um homem médio colocado na situação do agredido.
No que concerne ao elemento subjectivo, não obstante grande parte da nossa jurisprudência Veja-se o que se deixa escrito no muito recente Acórdão da Relação de Évora de 18/3/2010 (Pº 341/08.9GCSLV.E1): «Já quanto à tese da legítima defesa, a questão que se coloca, de índole factual e de direito, passa por lembrar que a jurisprudência portuguesa continua, praticamente sem divergências, a exigir que o agente actue com animus defendi (rectius, defendendi) e que a sua actuação seja adequada a evitar a lesão iminente, para que possa ter-se por verificada aquela causa de exclusão da ilicitude» - contudo, não nos parece que a tese seja assim tão unânime como aqui se dá a perceber, a começar desde logo por esta Relação de Coimbra!
Já no STJ tem sido quase constante a exigência dessa intenção de defesa – para tal tese, o facto típico levado a cabo pelo defendente há-de destinar-se a prevenir uma agressão ilícita actual, correspondendo a intenção de defesa a um estádio de espírito, inapreensível sensorialmente, necessariamente resultante de factos objectivos que a indiciem, tal como a intenção de matar, integrando, pois, matéria de facto. Desta forma, o agente há-de ter consciência da legítima defesa, enquanto elemento subjectivo da acção, de afirmação de um seu direito, de realização, no conflito de valores e interesses jurídicos, de um interesse mais valioso, pese embora com aquela vontade ou intenção de defesa legítima possam concorrer outros motivos como o ódio, vingança ou indignação. e certo sector da doutrina continuem a exigir a ocorrência de animus defendendi, isto é, a vontade de defesa, muito embora com essa vontade possam concorrer outros motivos, tais como indignação, vingança e ódio (acs. do S.T.J., de 91.07.03, 92.06.25 e 93.01.21, proferidos nos processos n.ºs 41982, 42682 e 42837 e desta Relação de 84.10.10, sumariado no BMJ, 340, 448), a verdade é que se tem vindo ultimamente a entender, na esteira da doutrina mais recente (Taipa de Carvalho, ibidem, 375/387, Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal (1992), 189/191 e Santiago Mir Puig, ibidem, 436.), que o elemento subjectivo da acção de legítima defesa se restringe à consciência da «situação de legítima defesa», isto é, ao conhecimento e querer dos pressupostos objectivos daquela concreta situação, o que se justifica e fundamenta no facto de a legítima defesa ser a afirmação de um direito e na circunstância do sentido e a função das causas de justificação residirem na afirmação do interesse jurídico (em conflito) considerado objectivamente como o mais valioso, a significar que, em face de uma agressão actual e ilícita, se deve ter por excluída a ilicitude da conduta daquele que, independentemente da sua motivação, pratica os actos que, objectivamente, se mostrem necessários para a sua defesa Figueiredo Dias, e nós com ele, opina que «o conhecimento pelo agente dos elementos do tipo justificador há-de constituir a exigência subjectiva mínima indispensável á exclusão da ilicitude, o mínimo denominador comum de toda e qualquer acusa justificativa» (Direito penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, p. 371)..
Decidiu, deste modo, o Acórdão da Relação de Coimbra de 17/9/2003 (Pº 2021/03, visitável em www.dgsi.pt e já referido em antecedente nota de rodapé:
«A exigência do animus defendendi revela-se, aliás, desprovida de sentido, uma vez que se ocorrem os requisitos da «situação de legítima defesa» – agressão actual e ilícita, verificando-se que o defendente não teve outro remédio que defender-se (necessidade de defesa) –, pouco importa, obviamente, que tenha sido motivado por indignação, vingança ou ódio (neste preciso sentido Quintero Olivares, Derecho Penal Parte General (1992), 461).
Por isso, o texto do art.32º, do Código Penal, ao aludir «… ao facto praticado, como meio necessário, para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro», ao contrário do expressamente defendido por Leal Henriques/Simas Santos que ali detectam a exigência do animus defendendi, não significa outra coisa que a consciência da agressão e a necessidade de defesa».
Seremos forçados, neste particular, a defender uma tese algo mista, concordante com a doutrina de Fernanda Palma, exarada no artigo «Legítima Defesa», incluído na obra «Casos e Materiais de Direito Penal» (Coordenação de F. Palma/José Manuel Vilalonga e Carlota Pizarro de Almeida, Almedina, 2000, p. 167-168:
«A legítima defesa exige uma efectiva consciência pelo defendente da situação defensiva. Não se configura como defesa nem uma protecção inconsciente e causal do agente relativamente a uma agressão nem a provocação pré-ordenada pelo defendente de uma situação de legítima defesa. Não será, exigível, propriamente, um animus defendendi, no sentido de a defesa ser a exclusiva motivação do defendente, mas é necessário que a conduta que se opõe à agressão ilícita seja explicável como defesa na linguagem social – o que impõe uma acção conscientemente dirigida à defesa, em que a agressão seja motivo determinante do agir».
Ora, a ausência dessa consciência impede a justificação por legítima defesa.
Diga-se ainda que legítima defesa e retorsão Para se poder falar em retorsão é preciso que o agente se limite a “responder” a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido (e ao mesmo tempo agressor) empregando a força física. A atenuação da ilicitude da conduta do agente encontra fundamento na desculpação em virtude da especial situação emocional desencadeada pela provocação que a primeira ofensa corporal traduz (Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, pág. 221). são realidades jurídicas incompatíveis - enquanto na primeira, há defesa relativamente a uma agressão iminente ou em execução, na retorsão, o agente procura fazer represália, obter vindicta, tirar desforço, replicar.
Assim, e em suma, poderemos dizer que a exclusão da ilicitude de uma conduta, ao abrigo do artigo 32º do Código Penal, exige a presença de cinco requisitos objectivos e um elemento subjectivo, a saber, a agressão de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, a actualidade da agressão, a ilicitude da agressão, a necessidade da defesa, a necessidade do meio e o conhecimento da situação de legítima defesa, sendo que os três primeiros requisitos objectivos se referem à situação em que o agente actua e os dois últimos à acção de defesa.

3.4.7. Com este pano de fundo doutrinário e jurisprudencial, só há que concluir que a arguida R... agrediu o irmão, de forma bem autónoma relativamente à agressão deste ao marido.
De facto, da matéria de facto não resulta qualquer facto provado que refira que a arguida R... agrediu o irmão, sabendo que estava a agir debaixo de uma causa de exclusão da ilicitude, tanto mais que ela própria nega a autoria de tal agressão – como configurar, assim, uma situação de legítima defesa na acção de alguém que nem sequer admite que agrediu?
Inexiste, assim, o elemento subjectivo da causa de exclusão.
No que diz respeito ao elemento objectivo, haverá que atentar que os depoimentos da arguida R... e do seu marido, o assistente H..., são contraditórios - a primeira diz que não esmurrou o seu irmão e que foi antes este a empurrá-la, ferindo-a no pescoço, enquanto o marido fala em pontapés dados pelo cunhado A... na irmã deitada no chão.
O arguido refere que a R... lhe deu vários murros na cabeça, estando já a testemunha M... metida no meio de si e do cunhado, aqui corroborado pela própria M..., o que significa que fica por apurar a necessidade de defesa do H..., assente que já estava alguém a apartar os dois intervenientes na refrega.
O seu próprio marido – o agredido - não fala em murros da R... ao irmão, nem sequer vislumbrando a dita defesa da sua pessoa por parte da sua solidária mulher!
Porquê acreditar piamente na versão de R..., quando é certo que o seu depoimento é pejado de incongruências?
E porque referir que a R... estava a defender o marido? E porque não seria aquela agressão uma pura retaliação – a tal retorsão - relativamente às ofensas de que tinha sido vítima ela própria por parte do irmão A..., momentos antes?
E seriam aqueles murros na cabeça do irmão o meio necessário à defesa do seu marido? Parece-nos que não pois a quem quer defender terceiro de empurrões do agente, bastaria agarrar este último, sem lhe bater ou socar…
Estamos aqui perante a situação também prevista no artigo 32º do CP – estende tal normativo a justificação por legítima defesa aos casos em que esta é exercida para proteger interesses de terceiro (o marido da arguida R...), sendo apelidada de «auxílio necessário».
Autonomiza-se, assim, e bem, esta agressão da R... ao irmão, não se apurando que tal agressão tenha sido levada a cabo no preciso momento em que se verificava a agressão do A... ao H..., SENDO CAUSA E EFEITO UMA DA OUTRA.
Desta forma, está meramente provado que a arguida agiu consciente e livremente, com o propósito conseguido de molestar fisicamente o seu irmão, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (sendo dolosa a sua atitude, retirando-se a prova do dolo do facto de ter agredido o seu irmão em tom alterado e no meio de uma discussão grave e pouco amistosa, como é bem de ver, não se configurando a hipótese de enquadrar a sua atitude danosa – causou dores ao irmão - numa simplista negligência, desta forma se rebatendo o teor da 2ª e da 3ª conclusão da sua peça de recurso).
O que equivale a dizer que não estão perfectibilizados os requisitos que possam fazer funcionar a invocada causa de exclusão da ilicitude (legítima defesa), razão mais do que suficiente para justificar a sua condenação criminal e civil.
E essa foi também a convicção segura do tribunal de 1ª instância, tendo este, com base em provas várias, observado as regras da experiência comum que balizam o princípio da livre apreciação da prova, assente que a versão provada é a única que se impõe pela lógica na correlacionação de circunstâncias entre os factos com que o cidadão comum interpretaria as circunstâncias descritas.

3.4.8. E nem teremos de invocar o princípio constitucional do «in dubio pro reo», tido por violado pela recorrente, na medida em que, avaliada a prova segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não foi aquele tribunal – e nós - conduzido à dúvida sobre a existência do facto.
A circunstância de existirem duas versões dos factos e de o tribunal recorrido ter optado por uma não autoriza a conclusão de que existe violação do princípio in dubio pro reo.
O princípio in dubio pro reo Aludamos aqui ao teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.1.2008 (proc. 07P4198, em www.dgsi.pt, o qual cita profusamente Cristina Líbano Monteiro:
«De todo o modo, não haverá, na aplicação da regra processual da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio «in dubio pro reo» exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida [ainda que «indirecta»], depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir – como aqui não conduziu - «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O “in dubio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997).
Até porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, p 17): «O juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» (idem, p. 13). E, por isso, é que, «nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade («a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, “uma firme certeza do julgador”, sem que concomitantemente “subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto”), não há lugar à intervenção da «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (idem).
Ademais, «são admissíveis [em processo penal] as provas que não forem proibidas por lei» (art. 125.º do CPP), nelas incluídas as presunções judiciais (ou seja, «as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto conhecido»: art. 349.º do CC). Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova directa» não contrarie o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a sua livre convicção (art. 127.º do CPP). Não estaria por isso vedado às instâncias, ante factos conhecidos, a extracção – por presunção judicial – de ilações capazes de «firmar um facto desconhecido».
A este propósito, convém de resto recordar que «verificar cada um dos enunciados factuais pertinentes para a apreciação e decisão da causa é o que se chama a prova, o processo probatório» e que «para levar a cabo essa tarefa, o tribunal está munido de uma racionalidade própria, em parte comum só a ela e que apelidaremos de razoável». E isso porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador-juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável ("a doubt for which reasons can be given”)». Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» (ibidem).
Daí que, nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade (repete-se: «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, «uma firme certeza do julgador», sem que concomitantemente «subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto»), não haja - seguramente - lugar à intervenção dessa «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que, fundada na presunção de inocência, é o "in dubio pro reo" (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência [aqui ausente] de uma firme certeza do julgador)».
, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» – Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997 -, sendo certo que a «dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» - Ac. STJ de 25-10-2007, in proc. 07P3170.
A diversidade das versões expostas não faz, necessariamente, operar o princípio in dubio pro reo. Este pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório.
Circunstância que não ocorre in casu, já que consideramos que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos – e provas bastantes - que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais, “juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido“ – v. g. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (Proc. 03P3213 - Rel. Cons. Henriques Gaspar - SJ200401070032133).
Não teve dúvidas, e nós também não, que a R... não agiu a coberto de qualquer causa da exclusão da ilicitude.

3.4.9. Em CONCLUSÃO, entende este tribunal como correcto o quadro factual na forma como vem apurado e descrito, enquanto resultado da livre convicção formada sobre todas as provas produzidas em audiência, até porque teve também a suportá-lo factos objectivos e devidamente comprovados, relevando, portanto, como conclusão lógica e perfeitamente aceitável, face ao preceituado no artigo 127º do CPP.
Não se detecta, assim, no contexto factual decisório a existência de qualquer dos vícios previstos no art. 410 º do Cód. Proc. Penal, sendo que o Tribunal “a quo”, em função da convicção alcançada, não se confrontou com qualquer estado de dúvida (princípio in dubio pro reo), em relação à arguida recorrente, que justificasse decisão diferente da que veio a tomar.
Mantém-se, assim, intacto o acervo factual constante da sentença recorrida, a qual só poderia ter condenado a arguida como autora do crime do artigo 143º do CP, em pena justa e adequadaCuja escolha e medida não foram minimamente postas em causa, de forma directa, no recurso. , a qual se valida em toda a sua fundamentação.

3.5. Improcede, assim, este recurso, assente que resolvida a questão da impugnação de facto, cai por terra a possibilidade de absolver a arguida do crime que, efectivamente, cometeu na pessoa de seu irmão.

III – DISPOSITIVO

1. Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação
1.1. em rejeitar o recurso interposto na parte respeitante ao pedido cível deduzido e
1.2. em negar provimento ao recurso intentado, quanto à parte criminal, mantendo intacta a douta sentença recorrida.

2. Condena-se a arguida recorrente em custas, com a taxa de justiça fixada em 6 UCs [artigos 513º, n.º 1 do CPP e 87º, n.º 1, alínea b) do CCJ, ainda aplicável aos autos], a que acresce a quantia de € 3 UCs, nos termos do n.º 3 do artigo 420º do CPP.

Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelos signatários – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)

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(Paulo Guerra)

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(Viera Marinho)