Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3627/06.3TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
PLANO DE PORMENOR
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU 1º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 143.º, N.º 2 DO DL 380/99 DE 22/09
Sumário: 1. A indemnização em processo expropriativo de solo abrangido pela restrição de instrumento de gestão (de que é exemplo um PDM ou um plano de pormenor) deve tomar em conta o valor do solo no momento em que é declarada a DUP, mas abstraindo das consequências do plano que desencadeou a própria DUP e da desvalorização que ele implicava.

2. À data da DUP da parcela poderia estar já em vigor aquele Plano de Pormenor que a fundou, mas tudo tem que ocorrer como se ele ainda não existisse. A entender-se que já então ele produzia efeitos sobre a parcela expropriada, esta já o seria antes do processo, uma vez que a desvalorização resultante do plano já então estaria a atuar.

3. O simples facto de os Expropriados terem optado por receber a indemnização devida pela expropriação da parcela no processo de expropriação não quer dizer que hajam renunciado ao valor que dela poderia emergir com base no aproveitamento normal que possuía antes da aprovação do Plano de Pormenor.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Nos autos de expropriação por utilidade pública a correr termos pelo 1ª Juízo Cível de Viseu, em que é Expropriante A..., S.A., e são Expropriados os HERDEIROS DE B..., foi por despacho de 25/02/2005 do Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional publicado no DR nº 62, II Série de 30/03/2005, declarada a utilidade pública urgente da parcela n.º 38 com a área de 3.552,00 m2 correspondente ao prédio situado na freguesia de São José, concelho de Viseu, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 174, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o n.º 00402/260988 sendo proprietários do mesmo os Expropriados.

Tendo a Expropriante sido autorizada a tomar posse administrativa da mencionada parcela de terreno, foi efectuada vistoria «ad perpetuam rei memoriam» e procedeu-se à arbitragem.

Nesta, o Sr. Árbitro indicado pela Expropriante avaliou a parcela em € 284.552,63, tendo os nomeados pelo tribunal e pelos Expropriados calculado o valor da mesma em € 710.580,16.

Comprovado o depósito da quantia que mereceu acordo, foi adjudicada à Expropriante a parcela de terreno em causa.

Inconformada, recorreu esta da decisão arbitral, alegando que a indemnização fixada pelo Acórdão é manifestamente exagerada, além de que este enferma de nulidade. Pelo que remata pedindo que se declare que o justo valor da parcela é de € 219.542,72.

Recorreram também os Expropriados da decisão arbitral, dizendo, em resumo, que a indemnização fixada pelo Acórdão é injustificadamente diminuta, devendo antes ser fixada em € 1.210.770,20.

Ao interpor o seu recurso a fls. 690 e seguintes, os Expropriados, além de exporem as razões de discordância, requereram como meios de prova, a realização de uma perícia, mencionando que o respectivo objecto seria “a determinação do valor da parcela expropriada”, para o que identificaram o seu perito; que se solicitasse a junção de determinados documentos; e, por fim, ainda a inquirição de duas testemunhas.

Na resposta, a Expropriante A...veio invocar - no que qualificou de questão prévia - o não cumprimento pelos Expropriados do disposto no art.º 577 do CPC, relativo à indicação das questões de facto que constituem o objecto da perícia, omissão que, no seu juízo, que acarretaria inexoravelmente a impossibilidade do prosseguimento do próprio recurso por aqueles interposto.

Tomando posição sobre o problema, a 1ª instância proferiu o despacho de fls. 784-785, no qual determinou que os Expropriados fossem notificados para virem aos autos, em 10 dias, “concretizar, especificar e densificar quais os factos que pretendem ver ser objecto da perícia por eles requerida.”

Irresignada com tal despacho, dele interpôs recurso a Expropriante, recurso que foi oportunamente admitido como agravo, a subir com o primeiro que houvesse de subir imediatamente.

 

Admitidos os recursos do Acórdão Arbitral, foi efectuada a peritagem para determinação do valor da parcela, vindo os Senhores peritos, em laudo maioritário, a fixá-lo em € 667.966,16. Divergindo, o perito indicado pela Expropriante atribuiu à parcela o valor de € 660.000,00 enquanto o indicado pela Expropriada lhe imputou o de € 1.118.520,00.

A final decidiu-se:

1 - Julgar improcedente o recurso da entidade expropriante, A..., S.A., e parcialmente procedente o recurso da expropriada HERDEIROS DE B..., fixando-se a indemnização, no valor de € 667.966,16 euros (seiscentos e sessenta e sete mil novecentos e sessenta e seis euros e dezasseis cêntimos, o qual será actualizado, à data da presente decisão, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo INE.

2 – O valor da indemnização referido em 1. é actualizado, pela sua totalidade, até à data da notificação do despacho que autorizou o levantamento das quantias indemnizatórias em que houve acordo no montante de 219.542,72 euros. A partir da data daquelas notificações as actualizações incidirão sobre a diferença entre aqueles dois valores, acrescendo juros de mora nos termos do disposto no artigo 70º, do Código das Expropriações”.

Esta decisão viria a ser objecto de rectificação de dois lapsos de escrita, pela qual se determinou que onde no dispositivo se lia “1. Julgar improcedente o recurso da entidade expropriante” se passasse a ler “1. Julgar parcialmente procedente o recurso da entidade expropriante”; e que igualmente se procedesse à correcção do 4º parágrafo de fls. 1142, no que concerne aos índices do INE aí referidos para a actualização da indemnização, de modo que ficasse a constar “Leva-se ainda em conta que o índice de preços ao consumidor evoluiu 2,2% em 2005, 3,1% em 2006, 2,4% em 2007, 2,6% em 2008, - 1 em 2009 e até à presente decisão, conforme se pode constatar da consulta da página da web do Instituto Nacional de Estatística (com o endereço electrónico www.ine.pt).” no lugar de “Leva-se ainda em conta que o índice de preços ao consumidor evoluiu 2,3% em 2005 (desde 30.03.2005), 3,1% em 2006, 2,7% em 2007, 2,6% em 2008, 2,4 em 2009 e 2010 (até à presente decisão), conforme se pode constatar da consulta da página da web do Instituto Nacional de Estatística (com o endereço electrónico www.ine.pt).”

  

Irresignada com o veredicto prolatado, dele interpôs a Expropriante novo recurso, desta vez admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Notificados, interpuseram, por seu turno, os Expropriados recurso subordinado, admitido a subir na mesma espécie e com idênticos efeitos.

Colhidos os vistos, cumpre agora decidir.

São os seguintes os factos dados como provados sem que tivesse havido impugnação:

1. A Expropriada, herdeiros de B... era proprietária do prédio designado como parcela n.º 38, com a área total de 3.552 m2, correspondente ao prédio situado na freguesia de São José, concelho de Viseu, inscrito na matriz predial rústico sob o artigo 174 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o n.º 00402/260988 (auto de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”).

2. O prédio tem a área de 4.865 m2, com as seguintes confrontações: norte – Rua; Sul – Rio Paiva; Nascente – Av. Dr. José António de Almeida e Poente – Dr. António Esteves Correia;

3. A parcela expropriada passa a apresentar as seguintes confrontações: Norte – Expropriados; Sul – Rio Pavia; Nascente – Av. Dr. José António de Almeida e Poente – Dr. António Esteves Correia;

4. O prédio onde a parcela se integra tem acesso por rua movimentada a Norte e a parcela pode ter acesso directo pela Av. Dr. José de Almeida a Nascente;

5. A parcela encontra-se localizada próximo do centro administrativo e comercial da cidade de Viseu, confinando com a Av. Dr. José António de Almeida que se tem constituído numa das artérias mais apetecíveis da cidade de Viseu por se encontrar localizada numa das melhores Zonas de Viseu;

6. A parcela encontra-se servida pelas seguintes infra-estruturas: acesso rodoviário pavimentado; passeios; rede de abastecimento de águas; rede de saneamento ligada a estação depuradora; rede de distribuição de energia eléctrica; iluminação pública; rede de drenagem de águas pluviais; rede de telefones e rede de gás;

7. O acesso à parte sobrante não é afectado pela expropriação;

8. A parcela tem a forma de um rectângulo com o comprimento a ladear o Rio Pavia;

9. O solo é de natureza granítica, textura franco-arenosa, muito boa profundidade e boa exposição solar;

10. À data da vistoria existia no terreno uma vala profunda relativa a trabalhos que vêm sendo desenvolvidos pelos Serviços Municipalizados;

11. Existem na parcela 18 nogueiras de porte médio e 2 de porte grande; 1 laranjeira; 5 pereiras e 4 macieiras;

12. Na parcela localiza-se uma construção, em bom estado de conservação, a área coberta de 4,0m2 e 1,8m de pé direito, com as paredes rebocadas e a cobertura é realizada em laje de betão; o acesso faz-se por uma porta de madeira;

13. De acordo com o Plano Director Municipal de Viseu, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 173/95 (publicado no D.R. n° 291 — 1 Série B, de 19 de Dezembro de 1995 e subsequentes alterações) a parcela situa-se em área de Expansão Urbana (Ae1e)

Por resultar dos documentos juntos, cuja força probatória não foi elidida, adita-se ainda os seguintes factos:

14. A expropriação da parcela destina-se à obra denominada “Zona de intervenção da A..., SA - Plano de Pormenor da Envolvente Urbana do Rio Pavia”.

15. Pelos artigos 2º, 6º, 19º e 20º do Regulamento do Plano de Pormenor da Envolvente Urbana do Rio Pavia, publicado em 19/02/2003, in DR - IB, nº 42, fls. 1109 e seguintes, a parcela expropriada passou a inserir-se na área de “Verde uso público”, que admite apenas a instalação de equipamentos a céu aberto, salvaguardando a implantação de apoios temporários necessários à realização da Feira de S. Mateus”.

                                                                                *

O agravo interposto pela Expropriante a fls. 794, admitido a fls. 806.

Nas alegação do presente recurso a Expropriante A...formula um feixe de conclusões em que basicamente pede que se julgue inadmissível o recurso subordinado interposto pelos Expropriados do acórdão arbitral, pelo facto de estes não terem dado cumprimento ao disposto nos art.ºs 58 do CE e 577 do CPC, assim se revogando o despacho de fls. 784-785, de 8 de Janeiro de 2006, que os convidou a suprir tal deficiência.

Responderam os Expropriados e agravados, pugnando pela rejeição do agravo.

O despacho recorrido foi mantido.

Cumpre apreciar.

Dir-se-á para encurtar caminho que o agravo sub judice carece do mínimo fundamento.

É que ao recurso subordinadamente interposto pelos Expropriados do Acórdão Arbitral é aplicável não o art.º 58 do CE mas o art.º 60 do mesmo Código e, designadamente, o nº 2 deste artigo, em que se preceitua:

“Com o recurso subordinado ou com a resposta devem ser oferecidos todos os documentos, requeridas as demais provas, incluindo a prova testemunhal e designado o perito, dando-se cumprimento, quando for o caso, ao disposto no art.º 577 do CPC”.

Esta norma - a do art.º 577 do CPC - reporta-se à necessidade da enunciação das questões de facto que hão-de ser objecto da perícia.

Trata-se de dispositivo que tem de ser interpretado de forma a ser moldado à finalidade do processo expropriativo, uma vez que neste a avaliação do bem é um trâmite essencial e obrigatório, independentemente de as partes levantarem ou não questões de facto que se prendam com tal avaliação.

Com efeito, decorre do nº 2 do art.º 61 que “entre as diligências instrutórias tem obrigatoriamente lugar a avaliação a que o tribunal preside, cabendo-lhe fixar o respectivo prazo não superior a 30 dias (…)”.

Daqui deve concluir-se que os Expropriados, ao interporem recurso subordinado do Acórdão, não estavam vinculados a definir o objecto da perícia, uma vez que tal objecto consiste sempre na avaliação do bem, haja ou não requerimento nesse sentido.

Ao não indicarem as questões de facto do art.º 577, nº 1, os Expropriados recorrentes não deixaram de cumprir qualquer ónus que se lhe impusesse e, muito menos, que fosse condição de admissibilidade do recurso.

Eles requereram autonomamente a perícia, indicando seu fim e o seu perito, mas não omitiram a enunciação de questões de facto que necessariamente aquela devesse abranger.

O despacho recorrido, perante o autónomo requerimento de uma perícia (os Expropriados chamaram-lhe “peritagem”), terá admitido que, para além da avaliação obrigatória, os Expropriados quisessem ver respondidas algumas questões.

O convite aos recorrentes para em 10 dias “concretizar, especificar e densificar quais os factos que pretendem ver ser objecto da perícia por eles requerida” insere-se claramente no âmbito dos poderes de correcção do juiz, em ordem à busca da verdade material, ao abrigo do art.º 508, nº 1, al.ª b) e nº 3 do CPC. Estava aqui em causa o que supôs ser uma insuficiência de alegação que, não tendo repercussão no andamento do recurso, podia, apesar disso, ser suprida, como o foi efectivamente.

Donde que o despacho correctivo não seja ilegal, nem que - muito menos - a admissibilidade do recurso - aliás, já previamente decidida - estivesse dependente daquela enunciação.

Em suma, o agravo não merece provimento.       

A apelação da Expropriante.

A Expropriante encerra a respectiva alegação com um conjunto de conclusões nas quais, balizando-se o objecto do recurso, surgem enunciadas as seguintes questões:

1º - A de saber se a parcela expropriada deveria ter sido considerada inserida no Plano de Pormenor da Envolvente do Rio Pavia, prevalecendo o regime deste decorrente sobre que resulta do PDM de Viseu;

2º - Se a capacidade de edificação ou o índice de construção na parcela são os que resultam das regras desse plano de Pormenor e dos art.ºs 23 e 26, nº 2 do Código das Expropriações, e não no PDM que para aquela área foi revogado, daí emergindo uma área bruta de construção de 2.841,60 m2;

3 - Se o valor do metro quadrado de construção deveria ser o estabelecido por Portaria, de acordo com o nº 5 do art.º 26 do CE, destrinçado o custo da área útil da área bruta (sendo o metro quadrado desta de apenas € 568,22);

4 - Se a área de construção a tomar em conta nunca podia incluir a zona de cave, uma vez que a lei só permite o cálculo do valor da construção em relação à capacidade edificativa acima do solo;

5 - Se a percentagem de 14,5% atribuída à parcela por virtude da localização, qualidade ambiental e equipamentos deve baixar para 12,5 %, dado que parte da melhoria ambiental e da qualidade dos equipamentos resulta do próprio Programa Polis que está na origem de expropriação.

Os Expropriados responderam, pugnando pela improcedência do recurso.

Vejamos.

Sobre a inserção da parcela e o regime de ordenamento que lhe é aplicável, e a correspondente capacidade aedificandi (1º e 2ª questões).

Basicamente propugna a apelante o entendimento de que os Expropriados não podiam ver calculado o valor do solo, como solo apto para construção, pelo índice de construção bruta (Icb) máximo do PDM de Viseu (Icb 1,00) mas antes segundo os critérios resultantes do Plano de Pormenor da Envolvente do Rio Pavia, que importavam uma diferente ponderação dos termos em que se chegaria ao valor do solo.

Mas não têm razão.

Como bem foi realçado no laudo maioritário dos peritos, seguido na decisão recorrida, e é agora reiterado pelos apelados, não pode ser olvidado ou marginalizado o efeito automaticamente expropriativo ou privativo daquele Plano de Pormenor, que, ao retirar, ele próprio, capacidade edificativa à parcela, constituiu um acto parcialmente expropriativo, correspondendo, na prática, ao que se costuma designar de “expropriação de plano”.

À luz do art.º 143, nº 2 do DL 380/99 de 22/09 (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial) poderia o expropriado ser eventualmente indemnizado em conformidade com as normas desse novo instrumento de gestão do solo em que se traduzia a aplicação do aludido Plano de Pormenor, instrumento que se sobrepunha à anterior classificação e enquadramento da parcela no PDM.

Com efeito, segundo aquela norma, “São indemnizáveis as restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas, que comportem uma restrição significativa na sua utilização de efeitos equivalentes a uma expropriação”.

Tem sido entendido que ao reconhecer-se o direito de indemnização nos termos aqui consignados, isto é, mediante as possibilidades objectivas de aproveitamento do solo intervencionado “juridicamente consolidadas”, está a significar-se que ficam salvaguardadas apenas aquelas as expectativas de aproveitamento que se revelem tituladas por um acto de licenciamento válido [1].

Ora o dever de indemnização aí previsto é externo à declaração de utilidade pública do solo e, consequentemente, ao processo expropriativo. É o que inequivocamente se retira da expressão “de efeitos equivalentes a uma expropriação”.

Por isso, a indemnização em processo expropriativo do solo abrangido pela restrição do instrumento de gestão (de que é exemplo um PDM ou um plano de pormenor) não está subordinada às referidas possibilidades “pré-existentes e juridicamente consolidadas”.

Assim sendo, na valorização do solo, deve dar-se unicamente “relevo ao aproveitamento económico possível antes da entrada do plano em vigor, ou à classificação prescrita pelo plano para os solos contíguos, não esquecendo as características materiais e os condicionalismos legais e regulamentares que impendem sobre o solo em causa”[2].

Esta doutrina mais não representa do que a tomada do valor do solo no momento em que é declarada a DUP, mas abstraindo das consequências do plano que desencadeou a própria DUP e da desvalorização que ele implicava.

À data da DUP da parcela poderia estar já em vigor aquele Plano de Pormenor que a fundou, mas tudo tem que ocorrer como se ele ainda não existisse. A entender-se que já então ele produzia efeitos sobre a parcela expropriada, esta já o seria antes do processo, uma vez que a desvalorização resultante do plano já então estaria a actuar.

Ora, ao invés do que sustenta a apelante, o simples facto de os Expropriados terem optado por receber a indemnização devida pela expropriação da parcela no presente processo de expropriação não quer dizer que hajam renunciado ao valor que dela poderia emergir com base no aproveitamento normal que possuía antes da aprovação do Plano de Pormenor (doravante PP) da Envolvente do Rio Pavia e que, obviamente, nunca seria inferior àquele que era permitido pelo PDM de Viseu.

Por isso, de nada releva que, segundo aquele PP, a parcela se insira na área da categoria “Verde de Uso Público”, destinado à prática de desporto, recreio e lazer, admitindo apenas a instalação de equipamentos a céu aberto.

Em sintonia com esta posição, advoga a apelante - no que concerne à capacidade aedificandi da parcela - que não era possível aplicar ao caso o Icb (índice de construção bruta) utilizado pelo Acórdão Arbitral e pelo laudo maioritário dos peritos, que era o resultante do PDM, mas antes o de 0,80, em função do destino estabelecido no PP e do funcionamento do mecanismo previsto no art.º 26, nº 12 do CE.

E acrescentam que é este o mecanismo a aplicar porquanto os Expropriados, entre o índice de execução previsto no PP e o índice resultante da expropriação, escolheram este último.

Mas já se referiu que os Expropriados não estavam vinculados ao PP que fundou a DUP da parcela. A qualificação do solo e o seu índice construtivo estavam limitados pelo PDM de Viseu, pelo qual se inseria em área de Expansão Urbana (Ae1e). Cai assim pela base a argumentação tecida a este propósito pela apelante.

Donde que a consideração do índice encontrado no laudo maioritário dos peritos e pressuposto na decisão ora recorrida - o Icb 1,00 do PDM - não deva ser afastado.

  

Quanto à inapropriação do custo de construção que foi tido em conta.

Insurge-se também a recorrente contra o critério do laudo maioritário dos peritos (e da decisão recorrida) para o cálculo do custo de construção, defendendo que, por se tratar de área bruta, o mesmo deveria coincidir com o da aplicação do coeficiente de 0,85 ao preço administrativamente fixado para o metro quadrado pela Portaria nº 1379-A/2004 de 30 de Outubro, que é de € 668,49, mas que respeita a área de construção útil.

Vejamos.

Os peritos (maioritariamente), bem como a decisão agora recorrida, atribuíram ao metro quadrado da construção na parcela o valor de € 650,00, explicando, já em sede de esclarecimentos (cfr. fls. 1066 - 7º V.), que não aplicaram o coeficiente correspondente à área bruta porque “ (…) tal custo deriva da consideração, entre outros, da existência de pisos com fins diversos dos da habitação, reconhecidamente mais caros do que aqueles, nomeadamente pela necessidade de utilização de equipamentos que são, nesses usos, imprescindíveis (…).” E ainda tiveram em atenção “ (…) as excelentes características do local, no contexto do concelho e da cidade de Viseu, uma vez que o preço da portaria é um preço médio para o concelho (…) pelo que a aplicação dos valores referenciais não pode ser cega ou universal (…)”.

Ora esta fundamentação técnica não desrespeita o nº 5 do art.º 26 do CE.

Na verdade, esta norma fornece-nos um critério indicativo e referencial para a determinação do custo unitário da construção, permitindo que ele seja calculado pelo cotejo dos valores administrativamente fixados para efeitos da aplicação do regime de renda condicionada e do regime de habitação a custos controlados, sendo este último fixado anualmente para cada zona do país, no mês de Janeiro, por Portaria do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

É certo que o valor por elas estabelecido respeita à área útil, e, por isso, deve, em princípio, ser convertido por aplicação de um coeficiente (0,85) quando esteja em causa uma área bruta, como é o caso da expropriação.

No entanto, nada impede que factores específicos do local ou da construção contribuam para a valorização da construção e, por via disso, do seu custo por metro quadrado.

Como refere P. Elias da Costa [3] “Este critério tem de ser visto conforme é, ou seja, como uma regra orientadora do cálculo, com carácter meramente referencial, tal como as percentagens dos nºs 6 e 7 do art.º 26, que também poderão não ter correspondência com as verificadas em dada situação concreta. Importante será que o resultado da avaliação seja o valor real e corrente da parcela expropriada.”

Por conseguinte, tendo os peritos justificado a não aplicação do coeficiente de desvalorização para a área bruta, nos moldes que acima estão exactamente plasmados, nenhuma crítica importa fazer a este item da avaliação, improcedendo esta questão.

Quanto ao volume da construção possível.

Neste segmento do recurso, a recorrente A...retoma a tese inicial da sua alegação sobre a não inserção da parcela no PDM de Viseu e nas respectiva condicionantes, mas, tão só, no PP da Envolvente do Rio Pavia que interdita a construção no local. Depois afirma discordar da contabilização de 750 m2 atinentes a cave para estacionamento (ocupando 1.500 m2), por se tratar de área de construção abaixo do solo não contemplada pela lei, apesar do laudo em apreço se dizer estribado no PDM.

Apreciando.

Relativamente à natureza da parcela como solo com aptidão construtiva, afastada a interferência do Plano de Pormenor, nada mais há que questionar se tivermos em atenção o que acima se deixou explanado.

Mas a recorrente também se rebela contra a inclusão na determinação do custo de construção de uma zona correspondente a cave. 

Porém, nada adianta a apelante no sentido de contrariar a fundamentação do laudo para a consideração da referida área de cave no custo da construção possível na parcela.

Aparentemente considera a recorrente não ser permitida a contabilização no custo da construção da área abaixo do solo. No entanto, se como referem os peritos no laudo maioritário, os apelados e Expropriados dispunham de uma informação camarária de 1993 favorável a um projecto de hotel a implantar no local com parqueamento abaixo do nível solo, é perfeitamente razoável calcular o valor da construção e do respectivo custo com essa componente, por se tratar de um cálculo em condições normais de mercado e partindo de um aproveitamento economicamente normal, nos termos dos nºs 4 e 6 do art.º 26 do CE. A isto não pode fazer obstáculo o índice de construção 1,00 definido pelo PDM.

Improcede, destarte, a questão em apreço.

Por fim, a questão do valor global do terreno.

Prescreve o nº 6 do art.º 26 do CE:

“Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.        

Neste conspecto a recorrente A...limita-se a discordar da percentagem de 14,5 % que foi encontrada pelos peritos a título de localização, qualidade ambiental e equipamentos, de acordo com a previsão do nº 6 do art.º 26 do CE.

Entende a recorrente que essa percentagem não devia ir além de 12,5 %, dado que boa parte da excelência dos equipamentos de que se diz beneficiada a parcela decorreria do próprio Plano de Pormenor da Envolvente do Rio Pavia, ou seja, da causa da expropriação da parcela.

Designadamente, seria esse o caso do recinto da Feira de S. Mateus e do Pavilhão Multiusos.

Que dizer?

É certo que se trata de uma percentagem situada perto do limite máximo.

Mas aqueles argumentos não podem colher.

Desde logo, porquanto não deflui do acervo dos factos provados que aqueles equipamentos só hajam surgido como consequência do aludido Plano de Pormenor ou, posteriormente, à DUP.

Na falta desses elementos, o favorecimento do valor da parcela que pode advir da vizinhança de tais equipamentos tem de ser integrado no aproveitamento económico normal da mesma nas circunstâncias existentes à data da DUP.

Além disso, os peritos do laudo mairitário não relevaram em particular tais equipamentos, mas antes a combinação da proximidade ambiental do Rio Pavia com a especial localização da parcela no centro urbano de Viseu e a facilidade de utilização do conjunto dos serviços de que está rodeada, circunstancialismo que a torna especialmente apetecível (“podemos ainda referir que a parcela se situa a menos de 1 km do centro da cidade, localizando-se num raio de cerca de 500 metros a Estação Central de Camionagem, o Quartel dos Bombeiros, as instalações da Segurança Social, o pavilhão Multiusos, a Câmara Municipal, o Tribunal Judicial e diversos outros serviços e equipamentos (…)”.

Atentas todas estas condicionantes, não se vislumbra motivo ponderoso para alterar a percentagem encontrada.

Donde que o recurso da Expropriante tenha de soçobrar in totum.

O recurso subordinado dos Expropriados.

Neste recurso os apelantes formula com única questão a de saber se o valor da parcela deveria ter sido determinado à luz dos critérios constantes do CIMI (Código do Imposto Municipal sobre Imóveis), que à data se encontrava plasmado no DL nº 287/2003 de 12/11, com as alterações da Lei do Orçamento de 2007, por serem aqueles o Estado considerou como mais justos ou adequados na avaliação do património.

Em função desta concreta opção, propõem os apelantes a fixação da indemnização no valor mais baixo dos valores calculados, isto é, no valor achado pelo perito da Expropriante segundo esses critérios, que foi de € 1.154.890,00.

Respondendo, a Expropriante volta a escudar-se na inaptidão construtiva da parcela por força do PP da Envolvente do Rio Pavia e no facto de a atribuição da indemnização pelo método resultante do CIMI ter sido rejeitado por 4 peritos.

Cumpre apreciar.

Já se sublinhou que os critérios de cálculo do valor de um solo apto a construção com base no custo de construção, que passam pela observância das regras resultantes dos art.ºs 23 e 26 do CE, e, especial dos nºs 2 a 11 deste último, assumem natureza meramente referencial, com vista à obtenção do valor de mercado do bem, nada obstando que esse resultado seja modificado para atender ao valor real na situação concretamente apurada.

Contudo, a circunstância de o custo de construção apurado segundo os preços administrativos provenientes dos regimes legais de habitação a custos controlados ou de renda condicionada, de harmonia com a previsão dos nºs 4 e 5 do aludido art.º 26, integrar um método meramente referencial de avaliação do solo, não permite que, sem razões objectivas, ele possa ser pura e simplesmente abandonado e substituído por qualquer outro.

As fórmulas referidas nos laudos dos peritos que fizeram o cálculo do valor da parcela (da Expropriante e do Expropriado) utilizaram as novas normas do CIMI derivadas da Lei do Orçamento de 2007, posteriores à DUP.

Mas quaisquer regras de avaliação de imóveis urbanos contidas no CIMI nunca são alternativas às do CE.

Por isso, embora hajam servido para um estudo comparativo de dois dos peritos - que com elas alcançaram valores que praticamente duplicam os achados pelo art.º 26 do CE - vieram a ser recusadas na avaliação final da parcela.

O método de avaliação de imóveis urbanos previsto no CIMI que foi mencionado, a título informativo, por dois dos peritos, e que foi obviamente gizado para que o Estado dispusesse de uma base sólida para o cálculo dos impostos devidos, não poderia, pois, servir de método de avaliação, segundo o arbítrio casuístico dos peritos, e sem que estes fundamentassem convincentemente a necessidade de dele se socorrerem em determinada situação concreta. Mais a mais quando se sabe que esse método é estruturalmente mais rígido do que o do art.º 26 do CE, porquanto este, ao fazer apelo ao custo de construção derivado dos regimes de renda condicionada ou de habitação a custos controlados em dado momento, é o que procura acompanhar a real evolução das condições de mercado.

Donde que também este recurso não tenha êxito.

Pelo exposto, decidem:
1. Negar provimento ao agravo da Expropriante;
2. Julgar improcedentes a apelação principal da Expropriante e a subordinada dos Expropriados, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes nos recursos em que decaíram.



Freitas Neto (Relator)

Carlos Barreira

Barateiro Martins     



[1] Ana Alvoeiro Delgado e Ana Margarida Cunha Ribeiro, Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, Coimbra, 2001, p. 212.
[2] Pedro Elias da Costa, Guia das Expropriações de Utilidade Pública, 2ª ed., p. 292.
[3] Ob. e ed. citadas, p. 301.