Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8/15.1PTCTCB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: MEDIDA DA PENA
FINS DAS PENAS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 01/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (INSTÂNCIA LOCAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 40.º, 50.º E 71, DO CP
Sumário: I - O art.71.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, estabelece que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.

II - O objectivo último das penas é a protecção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.

III - O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

IV - A prognose exige, pois, a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes.

V - O arguido demonstrou com esta sexta condenação, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, ligado mais uma vez à violação de bens jurídicos ligados à circulação rodoviária, que não interiorizou a gravidade da pena que anteriormente lhe foi aplicada , não se tendo deixado intimidar com a pena de substituição do tipo daquela que o Tribunal a quo lhe voltou a aplicar na decisão recorrida.

VI - A personalidade do arguido tem-se pois revelado refractária ao cumprimento das regras do direito rodoviário, nem a advertência que constituiu a última pena que lhe tinha sido aplicada obstou na prática de novo crime daquela natureza.

VII - Em suma, a prognose sobre o comportamento do arguido à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização é negativa.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

 Relatório

Pela Comarca de Castelo Branco – Instância Local de Castelo Branco, Secção Criminal, J2, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo abreviado, o arguido

A... , solteiro, Técnico de Informática, nascido em 06/12/1964, filho de (...) e de (...) , natural de Castelo Branco e residente na (...) , Castelo Branco,

imputando-se-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.º 2, do DL nº 2/98, de 03/01.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 23 de Junho de 2015, decidiu julgar a acusação deduzida pelo Ministério Público totalmente procedente e, em consequência:

- Condenar o arguido A... , como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, com referência aos art.ºs 121.º a 123.º n.º 1, todos do Código da Estrada, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão; e

- Suspender na sua execução a pena de prisão aplicada ao arguido A... , pelo período de 1 (um) ano e 2 (dois) meses, ao abrigo do disposto no art.50.º, n.ºs 1, 4 e 5 do Código Penal, sob condição de o mesmo, no período da suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada, vir comprovar nos autos que é titular de licença ou carta que o habilite à condução de veículos com motor.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1- Com a fundamentação vertida, a opção deveria ter recaído sobre a prisão efectiva e não a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, nos moldes em que veio, a final, a suceder.

2- Não se pode efectuar um juízo de prognose favorável, isto porque o arguido veio a cometer, num curto espaço de tempo, outros crimes, nomeadamente, antes cerca de seis meses do destes autos, um crime igualmente, do âmbito estradal (condução em estado de embriaguez), este que foi punido, igualmente, com pena de prisão suspensa na sua execução. Sendo assim é manifesto que não existe nenhuma circunstância que possa conduzir à realização de qualquer juízo de prognose favorável à suspensão da pena de prisão que foi decretada ao arguido.

3- Na verdade, resulta que o Mmo. Juiz a quo não atendeu, na sua determinação, às elevadas necessidades de prevenção geral e especial que se fazem e fizeram sentir aquando do cometimento deste tipo de crime; aos antecedentes criminais do arguido bem como à sua conduta anterior e posterior, que demonstram uma personalidade contrária aos valores sociais vigentes; ao circunstancialismo que rodeou a prática dos factos.

4- A sentença não deveria ter aplicado o regime da suspensão, mas já uma prisão efectiva ao arguido, isto porque as circunstâncias do crime, a sua conduta anterior e posterior e as suas condições de vida assim o impunham, assim violando o disposto no artigo 40° e 70°, n.º 1 e 71°, todos do Código Penal.

O arguido A... respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral da sentença recorrida.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso, embora por outras razões, merece provimento, devendo o recorrido ser condenado em 9 meses de prisão a cumprir no regime de prisão por dias livres.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., não tendo o arguido respondido ao douto parecer.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes da sentença recorrida é  a seguinte:

            Factos provados

1) No dia 16 de Janeiro de 2015, pelas 09h20m, na Rua Senhora da Piedade, em Castelo Branco, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (...) OR.

2) O arguido não era titular de carta de condução ou documento equivalente que o habilitasse a conduzir aquele veículo na via pública.

3) Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e que incorria, novamente, em responsabilidade criminal.

Está também provado que:

4) O arguido é Técnico de Informática, trabalha por conta de outrem e aufere o vencimento mensal de 525,00 €.

5) Vive num quarto arrendado, pagando a renda mensal de 150,00 €.

6) Tem, como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade e um curso de informática que tirou nos Estados Unidos da América.

7) Por sentença proferida em 14/12/2004, no âmbito do P. Abreviado nº 142/04.3GTCTB, do então 1º Juízo, deste Tribunal Judicial, transitada em julgado, o arguido foi condenado numa pena de multa total de 580,00 € e, bem assim, na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 12 meses, pela prática, em 8/5/2004, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Por despacho proferido em 22/3/2007, foi tal pena declarada extinta.

8) Por sentença proferida em 12/1/2005, no âmbito do P. Sumário nº 11/05.0GBVFX, do então 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, transitada em julgado, o arguido foi condenado na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de 3,00 € e, bem assim, na

pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 3 meses, pela prática, em 7/1/2005, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Por despacho de 4/11/2008, foi tal pena declarada extinta.

9) Por sentença proferida em 18/10/2007, no âmbito do P. Abreviado nº 172/06.0PBCTB, do então 3º Juízo deste Tribunal Judicial, transitada em julgado, o arguido foi condenado na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, pela prática, em 15/4/2006, de um crime de desobediência.

Por despacho datado de 7/10/2010, foi tal pena declarada extinta.

10) Por sentença proferida em 14/7/2011, no âmbito do P. C. Singular nº 84/09.6PTLRS, do então 4º Juízo Criminal da Comarca de Loures, transitada em julgado, o arguido foi condenado na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa e, bem assim, na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 5 meses, pela prática, em 2/12/2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

11) Por sentença proferida em 30/6/2014, no âmbito do P. Sumário nº 30/14.5GECTB, da Secção Criminal, Instância Local desta Comarca, transitada em julgado, o arguido foi condenado na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e, bem assim, na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 6 meses, pela prática, em 28/6/2014, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Factos não provados:

Com relevo para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, não foram dados como não provados quaisquer factos.

Motivação da decisão de facto:

A motivação do Tribunal, no que respeita à factualidade dada como provada, assentou na confissão integral e sem reservas dos factos que o arguido, de forma livre e espontânea, desejou fazer.

Ainda, na consideração das declarações de B... , agente da Esquadra de Trânsito da PSP de Castelo Branco que, na primeira sessão da audiência de julgamento, depôs de forma isenta, coerente e congruente e relatou ao Tribunal a forma como ocorreram os factos, confirmando-os conforme descritos na acusação do Mº Pº.

Para firmar a convicção do Tribunal na forma como elencou a materialidade que julgou provada, serviu também o teor dos documentos que os autos contêm, designadamente o Auto de Notícia de fls. 2 e a informação do IMT, de fls. 12, que atesta que a carta de condução do arguido está definitivamente caducada.

Finalmente e no que concerne aos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal atendeu ao teor do seu Certificado de Registo Criminal, junto aos autos de fls. 24 a 31.


*

            O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. (Cfr., entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96[1] e de 24-3-1999[2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do Ministério Público a questão a decidir é a seguinte:

- se a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 40.° e 70.°, n.° 1 e 71.°, todos do Código Penal ao aplicar ao arguido A... o regime da suspensão de execução da pena, pois impunha-se uma condenação do mesmo numa pena de prisão efectiva.


-

            Passemos ao conhecimento da questão.

Como regra, na abordagem da pena a aplicar deve o Tribunal atender, num primeiro momento, à escolha da pena dentre as penas principais enunciadas no tipo penal ( art.70.º do C.P.); de seguida, determinar a concreta medida da pena por que se optou ( art.71.º do C.P.); e, por fim, verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.

O crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto no art.3.º, nº 2, do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, é punido com prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.

O art.70.º do Código Penal estatui, como critério de orientação geral para a escolha da pena, que « Se ao crime forem aplicáveis , em alternativa , pena privativa e pena não privativa da liberdade , o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

No caso em apreciação, o Tribunal a quo optou pela aplicação ao arguido A... da pena de prisão em detrimento da pena de multa prevista pelo art.3.º, nº 2, do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, fundamentando essa opção em razões de prevenção especial (antecedentes criminais do arguido, na sua quase totalidade, por crimes de idêntica natureza).

O art.71.º, n.ºs 1 e 2  do Código Penal, estabelece que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.

Culpa e prevenção são os dois vectores através dos quais é determinada a medida da pena.

A culpabilidade é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal. O facto punível não se esgota na desconformidade com o ordenamento jurídico-penal , com a acção ilícita-típica,  necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “ isto é , que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente , por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-sersócio-comunitário.”.[4]

As finalidades da punição vêm definidas no art.40.º, n.º1 do Código Penal, resultando dos seus termos que « a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».

O objectivo último das penas é a protecção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais. Esta protecção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem actuar considerações de prevenção especial.

A prevenção geral negativa ou de intimidação da generalidade, apenas pode surgir como um efeito lateral da necessidade de tutela dos bens jurídicos.  

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é , à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente , com o fim de evitar que no futuro , ele cometa novos crimes, que reincida.

A culpa tem uma função limitadora do intervencionismo estatal pois a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa, nomeadamente por razões de prevenção.

Tendo em consideração, designadamente, o grau de ilicitude da actuação do arguido havido como médio ( tendo em conta a natureza do crime e, bem assim, o local onde o arguido o praticou, uma via pública, local onde circulam outros veículos), o dolo (directo e com intensidade acima da média) a existência de antecedentes criminais ( na sua grande maioria, por crimes de idêntica natureza), a sua conduta processual posterior aos factos ( o arguido começou por tratar com indiferença a sua situação jurídico-penal, não comparecendo na primeira sessão da audiência de julgamento), o arrependimento (que ao Tribunal pareceu sincero), a confissão ( integral e sem reservas os factos) e as elevadas necessidades de prevenção geral ( atenta a natureza do crime em apreço, a elevada criminalidade registada anualmente a este nível, que culminam, com frequência, em acidentes de viação rodoviários, dos quais resultam, anualmente, centenas de mortos e/ou feridos graves) e  de prevenção especial  (tendo em conta que o arguido tem antecedentes criminais, na sua totalidade, pela prática de crimes desta natureza, o que leva à conclusão de que o mesmo tem grande dificuldade em interiorizar o desvalor e a censura de condutas como as que adoptou e que são penalmente relevantes)  decidiu o Tribunal a quo condenar ora recorrente numa pena de 1 ano e 2 meses de prisão. 

Nem o recorrente, Ministério Público, nem o arguido, questionam a concreta medida desta pena, que se tem assim como fixada.

È esta pena concreta que importa decidir se devia ou não ter sido suspensa na sua execução, ainda que sob condição.

O Tribunal a quo decidiu suspender a execução da pena de prisão, com a seguinte fundamentação:

« “In casu”, resulta dos autos que os últimos factos ilícitos praticados pelo arguido, antes dos que geraram os autos, o foram cerca de 6 meses antes, não havendo notícia que o mesmo, durante esse período e após a prática destes factos, tenha voltado a delinquir.

Acresce que o arguido se mostrou arrependido e referiu querer mudar os seus comportamentos futuros, mantendo condutas conformes ao Direito e às normas instituídas.

Julga, pois, o Tribunal, perante o quadro factual vindo explanar, que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão, ainda bastarão para afastar o arguido da criminalidade, bem como, para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime, nos termos do disposto no artº 50º nº 1 do C. Penal.

Nesta conformidade, entende o Tribunal como adequado suspender a execução da pena de prisão de 1 ano e 2 meses aplicada ao arguido, por igual período, nos termos do disposto no artº 50º nºs 1, 4 e 5, do C. Penal.

Importa ainda, tendo em conta o passado criminal do arguido que o mesmo, de uma vez por todas, ponha cobro à prática destes actos, se inscreva em Escola de Condução e se submeta a provas para adquirir título que o habilite à condução de veículos com motor.

Nessa conformidade, entende o Tribunal que o voto de confiança que atribuiu ao arguido deve ser correspondido pelo mesmo e decide sujeitar a suspensão da execução da pena de prisão que aplicou ao arguido à condição de este, no período da suspensão da pena de prisão, comprovar nos autos que é titular de licença ou carta que o habilite à condução de veículos com motor, assim se acautelando cabalmente as finalidades de punição que este caso impõe.».

Por sua vez o recorrente, Ministério Público, defende que não se verificam os pressupostos materiais da suspensão da execução da pena, alegando para o efeito, no essencial, o seguinte:

 - Com a fundamentação vertida na sentença recorrida, a opção do Tribunal a quo deveria ter recaído sobre a prisão efectiva;

- Não se pode efectuar um juízo de prognose favorável ao arguido uma vez que este veio a cometer, num curto espaço de tempo, outros crimes, nomeadamente, cerca de seis meses antes do crime destes autos, praticou um crime igualmente, do âmbito estradal (condução em estado de embriaguez), pelo qual foi punido com pena de prisão suspensa na sua execução;

- Na prognose favorável que fez ao comportamento do arguido, o Mmo. Juiz a quo não atendeu: às elevadas necessidades de prevenção geral e especial que se fazem e fizeram sentir aquando do cometimento deste tipo de crime; aos antecedentes criminais do arguido; à sua conduta anterior e posterior, que demonstram uma personalidade contrária aos valores sociais vigentes; e, ao circunstancialismo que rodeou a prática dos factos.

Vejamos.

Os pressupostos da suspensão da execução da pena vêm enunciados no art. 50.º, n.º 1 do Código Penal.

Nos termos deste preceito legal, na redacção vigente à data dos factos, « O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos  se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste , concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .».

O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.

O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente ( designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida ( insersão social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime ( ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas, bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de actos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime ( como as motivações e fins que levam o arguido a agir).

A prognose exige, pois, a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes.[5]

Todavia, no entendimento do Prof. Figueiredo Dias, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição ( art.50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal ), nomeadamente  considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que « só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto…».[6]

A suspensão da execução da pena é, sem dúvidas, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.

Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização, em liberdade, do arguido.

No presente caso, tendo em conta que o arguido A... foi condenado neste processo numa pena de 1 ano e 2 meses de prisão, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado.

Vejamos se também o pressuposto material de aplicação da mesma pena de substituição se verifica, tendo em conta a factualidade dada como provada na sentença.

As circunstâncias aludidas nos pontos n.ºs 4 a 6 da factualidade dada como provada na sentença respeitam essencialmente às condições da vida do arguido.

Desta matéria resulta, no essencial, que o arguido, solteiro, vive sozinho, num quarto arrendado.

Em termos de condição social, há a referir que tem como habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade e um curso de informática que tirou nos Estados Unidos da América.

A sua situação económica afigura-se modesta uma vez que aufere o vencimento mensal de € 525,00 e paga € 150,00 mensalmente de renda do quarto.

A nível de conduta anterior ao crime anotamos que o arguido A... tem já quatro condenações por crimes de condução em estado de embriaguez, pelos quais foi condenado em 2004, 2005, 2011 e 2014, e foi ainda condenado pela prática de um crime de desobediência, no ano de 2007.

Foi sempre condenado em penas de multa, salvo no proc. sumário nº 30/14.5GECTB, da Secção Criminal, Instância Local da Comarca Castelo Branco, em que por sentença proferida em 30/6/2014, transitada em julgado em 26 de Novembro de 2014 ( CRC de folhas 51), foi condenado na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano - e ainda  na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 6 meses -, pela prática, em 28/6/2014, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Tendo os factos em apreciação nos presentes autos sido praticados em 16 de Janeiro de 2015,  são os mesmos praticados durante o período de suspensão de execução da pena de 6 meses de prisão, que lhe foi suspensa pelo período de 1 ano.

O arguido demonstrou com esta sexta condenação, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, ligado mais uma vez à violação de bens jurídicos ligados à circulação rodoviária, que não interiorizou a gravidade da pena que anteriormente lhe foi aplicada , não se tendo deixado intimidar com a pena de substituição do tipo daquela que o Tribunal a quo lhe voltou a aplicar na decisão recorrida.

Como conduta posterior aos factos e relevando também para o conhecimento da personalidade do arguido, anotamosface à motivação da matéria de facto da sentença - que este confessou integralmente e sem reservas os factos; no entanto entendemos que esta circunstância não tem relevância, uma vez queo arguido foi detido em flagrante delito e a prova de que não era titular de carta de condução ou documento equivalente mostra-se feita através de prova documental. Note-se que resulta do auto de noticia de fohas 2, para que se remete na motivação da factualidade dada como provada da sentença, que o arguido ao ser fiscalizado não declarou logo que não possuia carta de condução, tendo exibido uma cópia da mesma, o que deu lugar à elaboração de “aviso” para apresentação da mesma.

Fora ainda do local próprio, que é o dos “Factos provados”, mostra-se referido no enquadramento jurídico da sentença recorrida que o arguido “ mostrou arrependimento que ao Tribunal pareceu sincero”.

Não se percebe , em termos objectivos em que se traduziu o arrependimento que pareceu sincero ao Tribunal, tanto mais que não consta dos autos que o arguido por sua espontanea vontade , entre a data dos factos , 16 de Janeiro e a data da leitura da sentença, 23 de Junho de 2015, tenha feito qualquer esforço tendo em vista obter a carta de condução de veículos automóveis.

Aliás, o arguido nem compareceu, nem sequer justificou a falta na primeira data do julgamento designada, como resulta da respectiva acta.

A personalidade do arguido tem-se pois revelado refractária ao cumprimento das regras do direito rodoviário, nem a advertência que constituiu a última pena que lhe tinha sido aplicada obstou na prática de novo crime daquela natureza. Esta conclusão é aliás reconhecida na decisão recorrida, ao considerar que as necessidades de prevenção especial «… se revelam com uma intensidade elevada, tendo em conta que o arguido tem antecedentes criminais, na sua totalidade, pela prática de crimes desta natureza, o que leva à conclusão de que o mesmo tem grande dificuldade em interiorizar o desvalor e a censura de conduta como as que adoptou e que são penalmente relevantes».    

Em suma, a prognose sobre o comportamento do arguido à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização é negativa.

As exigências de prevenção geral nos crimes de condução sem habilitação legal são elevadas, como bem se menciona na sentença recorrida, desde logo pela razoável frequência com são praticados em todo o País, culminando com frequência em acidentes rodoviários e consequentes tragédias traduzidas em inúmeros mortos e feridos. O sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada pelo arguido, numa situação como esta, de sucessivas condenações penais, por crimes de natureza rodoviária, e em que os factos ocorrem durante o período de uma suspensão de execução da pena de prisão, ficaria afectado pela substituição, novamente, da pena de prisão por suspensão de execução da pena de prisão, mesmo que sujeita a condições.

Em suma, não existindo, objectivamente, um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, entendemos que não existiam razões para o Tribunal recorrido decretar, novamente, a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido.

Decidido que não se verificam os pressupostos da suspensão da execução da pena, não há agora que recuar novamente à determinação da medida da pena – como parece defender-se no douto parecer do Ministério Público –, para seguidamente se encontrar uma pena inferior a 1 ano de prisão ( 9 meses), que possa ser substituída por pena de prisão por dias livres.

Tendo sido afastada a aplicação da suspensão da execução da pena de 1 ano e 2 meses de prisão, o que importa agora verificar é se esta concreta pena de prisão, determinada pelo Tribunal, a quo pode ser substituída por uma outra pena, em sentido próprio, ou em sentido impróprio.

Dentro das penas de substituição da prisão, em sentido próprio, encontram-se para além da suspensão de execução da prisão, ora afastada, ainda a pena de multa, a que alude o art.43.º do Código Penal, e pena de prestação de trabalho a favor da comunidade ( art.58.º do C.P.).

Há ainda que contar com penas de substituição detentivas (ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão) como o regime de permanência na habitação (art.44.º do C.P.), a prisão por dias livres ( art.45.º do C.P.) e a prisão em regime de semidetenção ( art.46.º do C.P.).

Por baixo de uma aparente multiplicidade e diversidade de critérios legais na escolha da substituição da pena de prisão, é mais ou menos pacifico que consegue divisar-se um critério ou cláusula geral de substituição da pena de prisão: são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e especial, não de compensação da culpa, que justificam e impõem a preferência por uma pena de substituição e sua efectiva aplicação.

O pressuposto formal de aplicação da substituição da prisão por multa, prevista no art.43.º, n.º1, do Código Penal, é que a  pena de prisão aplicada não seja superior a 1 ano.

Tendo sido aplicada ao arguido A... uma pena de prisão superior a 1 ano de prisão fica desde logo afastada a possibilidade de substituição da prisão por multa.

A pena de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o Tribunal considere de interesse para a comunidade ( art.58.º, n.º 2 do Código Penal ).

Os pressupostos formais da pena de trabalho a favor da comunidade, prevista no art.58.º, n.º1 do Código Penal, são a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e

a adesão do arguido a esta pena, pois só pode ser aplicada com aceitação do condenado (n.º 5).

No caso, não existe aceitação do arguido, mas também não seria por esta razão que deixaria de lhe ser aplicada esta pena de substituição, porquanto poderia sempre notificar-se o mesmo para vir ele próprio declarar se aceitava a pena.

Acontece é que não se mostra preenchido o seu pressuposto material, ou seja, que a aplicação dessa pena de substituição realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

É que, como já vimos, esta é a sexta condenação do arguido, ocorrendo numa altura em que decorria o período de suspensão de execução de uma pena de prisão.

A reiteração de crimes por parte do arguido afasta, por razões preventivas, essencialmente de prevenção de socialização, a escolha da pena de trabalho a favor da comunidade em substituição da pena de prisão.

Sendo pressuposto formal de aplicação da prisão por dias livres ( art.45.º do C.P.) e da prisão em regime de semidetenção ( art.46.º do C.P.), a aplicação de uma pena de prisão não superior a 1 ano, não é possível substituir a pena aplicada ao arguido por estas detentivas ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão.

Resta, assim, a possibilidade de aplicação ao arguido A... do regime de permanência na habitação.

Nos termos do art.44.º, n.º1, do Código Penal, o regime de permanência na habitação deve ser aplicado sempre que a pena de prisão aplicada for em medida não superior a um ano e o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

O mesmo depende do consentimento do condenado e tem a particularidade de associar ao cumprimento domiciliário a vigilância electrónica.

Excepcionalmente, o n.º 2 do art.44.º do Código Penal, permite que o limite máximo do regime de permanência na habitação seja « elevado para dois anos quando se verifiquem, à data da condenação, circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente: a) Gravidez; b) Idade inferior a 21 anos ou superior a 65 anos; c) Doença ou deficiência graves; d) Existência de menor a seu cargo; e) Existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado.».

Esta pena de substituição está particularmente indicada para as situações em que o arguido esteve sujeito à medida coactiva de obrigação de permanência na habitação e/ou se verifiquem os casos descritos no n.º 2 deste art.44.º do Código Penal e, no caso em apreciação, para além de as razões de prevenção já atrás referidas, em especial de ressocialização, não se adequarem a esta forma especial de cumprimento da pena, também o facto do arguido residir sozinho, num quarto arrendado, inviabilizaria por razões práticas a opção pelo regime de permanência na habitação.

Resta, assim, julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e revogar a suspensão da execução de prisão aplicada pelo Tribunal a quo , cumprindo o arguido A... a pena de prisão, efectiva, de 1 (um) ano e 2 (dois) meses. 

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e revogar a suspensão da execução da pena e respectiva condição, tornando-se efectiva a pena de prisão fixada ao arguido A... na douta sentença recorrida.

 Sem custas.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 


*

Coimbra, 13 de Janeiro de 2016

(Orlando Gonçalves - relator)

(Inácio Monteiro - adjunto)


[1]Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4]cfr. Prof. Fig. Dias ,in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230. 

[5]Cfr., na doutrina, Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, as Consequências do Crime”, pág. 337 e ss, e Prof. Jescheck, “Tratado de Derecho Penal”, vol. I, Bosch, 1981, págs. 1154 e 1155. 

[6]Obra citada, pág. 344.