Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1239/10.6PBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: BURLA QUALIFICADA;
BURLA COMO MODO DE VIDA;
ESPECIAL VULNERABILIDADE DA VÍTIMA
Data do Acordão: 11/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 218.º, ALS. B) E C), DO CP
Sumário:
I – A circunstância qualificativa do crime de burla prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 218.º do CP deve ser entendida como a maneira com que o agente logra obter os proventos indispensáveis à sua vida em comunidade, não sendo absolutamente preciso que se trate de uma ocupação exclusiva ou contínua, podendo até ser intermitente ou esporádica, desde que ela contribua significativamente para o sustento do visado.
II – O quadro factual alusivo a um número (nove) significativo de condutas, configuradoras de crimes de burla, relativamente homogéneo na execução e concentrado no tempo (de Junho de 2010 a Janeiro de 2011), a que acresce o montante das quantias de que o arguido se apropriou (no total, € 5.397,25) e a situação sócio-económica do mesmo, onde pontifica uma condição (permanente) deficitária, com períodos consideráveis de desemprego e de dependência do respectivo subsídio, consente, por ilação lógica dele decorrente, ter-se por verificada a referida qualificativa.
III – A especial vulnerabilidade reconduzida à difícil situação económica da vítima não integra a enunciação do tipo qualificado de crime de burla previsto na alínea c) do artigo 218.º do CP, porquanto tal situação, que traduz o desvalor da acção, tem de decorrer – em razão, nos termos da lei – de idade, deficiência ou doença do ofendido.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Seção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I. Relatório
1. No âmbito do processo comum (coletivo) n.º 1239/10.6PBCBR do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Coimbra – JC Criminal – Juiz 2, mediante acusação pública, foi o arguido A., melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe então imputada a prática de nove crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alíneas b) e c), ambos do Código Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento por acórdão de 30.01.2018 o tribunal Coletivo deliberou:
1. Condenar o arguido A. pela prática de 6 (seis) crimes de burla qualificada p. e p. pelos artºs 217º e 218º nº 1 e 2 alíneas b) e c) do Código Penal, na pena de 2 (dois) e 4 (quatro) meses de prisão por cada um [ofendidos (…)].
2. Condenar o arguido A. pela prática de 3 (três) crimes de burla qualificada p. e p. pelos artºs 217º e 218º nº 1 e 2 alíneas b) e c) e 73º nº 1 als. a) e b) do Código Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisão cada um [ofendidas (…)].
3. Operar o cúmulo jurídico de penas e condenar o arguido A. na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, ao abrigo do disposto no artigo 50º do Cód. Penal, acompanhada de um regime de prova assente em plano individual de reinserção social e ficando também a suspensão subordinada ao cumprimento do seguinte dever: o arguido proceder ao pagamento às ofendidas (…) dos montantes respetivamente de €525,00 (quinhentos e vinte e cinco euros), € 500,00 (quinhentos euros) e € 452,25 (quatrocentos e cinquenta e dois euros e vinte cinco cêntimos), no prazo estipulado (30/1/2019) no acordo homologado judicialmente em audiência de julgamento e comprovar nos autos o respetivo pagamento, findo o período de 3 (três) meses a contar do termo do prazo para o efeito (30/1/2019).
[…].

3. Inconformado com o decidido recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões:
A. O Arguido vem interpor recurso da decisão por que foi condenado, sustentando-se numa, s.m.o., incorreta qualificação jurídica dos factos.
B. Foram violados os artigos 30.º, n.º 2 e 79.º ambos do CP.
C. O arguido atuou com uma culpa consideravelmente diminuta, dada a continuidade do crime praticado. Na verdade,
D. Os factos foram praticados num curto espaço temporal – cinco meses.
E. À data dos factos a situação social, pessoal e profissional do arguido foi favorável à ilicitude da conduta adotada, no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior.
F. Os factos foram praticados de forma essencialmente homogénea, numa linha psicológica continuada, resultante de uma única resolução criminosa.
G. O bem jurídico violado foi sempre o mesmo.
H. Seria de aplicar, assim, o regime do crime continuado com uma a moldura penal abstratamente aplicável.
Caso assim não se entenda, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que
I. O Tribunal a quo subsumiu os factos e qualificou o crime praticado com fundamento (exclusivamente) nas alíneas b) e c), do n.º 2 do artigo 218º do Código Penal.
J. De acordo com a alínea b) do número 2 do referido preceito legal, o crime de burla é qualificado se “O agente fizer da burla modo de vida”.
L. Para que uma atividade se possa caraterizar como “modo de vida”, exige-se que seja uma atividade reiterada e que ocorra durante um lapso temporal alargado, que permita afirmar-se – com certeza – que o agente fez das suas condutas um modo de subsistência.
M. O arguido não fez da bula modo de vida; praticou os factos num curto espaço de tempo, no quadro da mesma resolução psicológica.
N. A reiteração do comportamento aconteceu devido aos bons resultados que foi obtendo na execução da mesma resolução.
O. Relativamente à qualificação prevista na alínea c), o Tribunal fez corresponder o conceito de “especial vulnerabilidade da vítima” à difícil situação económica dos lesados. No entanto,
P. O referido normativo concretiza a “(…) idade, deficiência ou doença (…)” como situações de especial vulnerabilidade.
Q. Ou seja, a situação financeira não se inclui no conceito legal de especial vulnerabilidade, não se aplicando ao caso em apreço.
R. Razão pela qual se entendem violadas as alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 218.º do CP, bem como os artigos 1º do Código Penal e 29º da Constituição da República Portuguesa.
S. Deverá, s.m.o., o arguido ser punido pelo crime de burla, o que implicará a alteração da qualificação jurídica dos factos, aplicando-se-lhe o n.º 1 do artigo 217.º do CP. Por último,
T. Afigura-se fundamental na determinação da medida da pena o facto de o arguido ter colaborado com a Justiça, confessando integralmente e sem reservas.
U. Revelando penoso arrependimento pelos factos e consequências,
V. E suportando, nos acordos indemnizatórios a que chegou, os prejuízos causados aos lesados. Certo é que
X. Os factos foram praticados num espaço temporal muito concentrado, num período conturbado da vida do arguido,
Z. Representando uma mácula no percurso do arguido que não tem antecedentes criminais, nem foi condenado pela prática de qualquer outro crime, fora daquele referido espaço temporal. Mais,
AA. Entre o momento da prática do facto e o momento em que foi proferido o acórdão, decorreram sete anos em que o ora recorrente conduziu uma vida pautada pelos ditames do Direito, constituindo família.
AB. Tais circunstâncias atenuantes não foram, s.m.o., devidamente consideradas na medida concreta da pena, encontrando-se violado assim o preceituado nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 2 do artigo 71.º do CP.
Nestes termos, e nos mais de Direito, deve a decisão de que ora se recorre ser revogada e, em consequência, ser substituída por outra que atenda ao ora exposto, assim se fazendo Justiça!

4. Por despacho exarado em 07.03.2018 foi o recurso admitido.

5. Ao recurso respondeu a Digna Procuradora da República, concluindo:
1. A factualidade assente como provada – e que a recorrente não questionou – preenche todos os elementos, objetivos e subjetivo, constitutivos do crime de burla qualificada pelas alíneas b) e c), do artigo do Código Penal.
2. Fazer da burla “modo de vida” é tomá-la como fonte de rendimento regular e durável independentemente do período de tempo em que tal atividade tipicamente ilícita é exercida.
3. A enumeração das situações constantes da alínea c), do n.º 2, do artigo 218.º, é meramente exemplificativa, abarcando outras para além das elencadas, como a resultante de uma difícil situação económica.
4. Com a sua conduta, o arguido realizou, por seis vezes o crime de burla qualificada.
5. Tendo presente as finalidades da punição, a culpa do arguido e as exigências de prevenção, sem haver deixado de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor e contra aquele, o Tribunal determinou, com bondade, quer as penas parcelares concretamente a aplicar, quer, decorrente do cúmulo jurídico operado, a respetiva pena única.
6. O douto acórdão recorrido fez correta interpretação dos preceitos legais que havia a aplicar, não se mostrando ofendido qualquer normativo, apontado na motivação do recorrente, ou outra qualquer disposição legal e, designadamente, alguma das mencionadas na presente resposta.
Nestes termos e pelos mais que, Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, segura e sabiamente não deixarão de suprir, negando-se provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmando-se o acórdão condenatório proferido, far-se-á Justiça.

6. Na Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, enfrentando todas as questões suscitadas pelo recorrente, emitiu parecer no sentido de não merecer o recurso provimento.

7. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP, nenhum dos intervenientes processuais reagiu.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência cumprindo agora decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso
Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita e fixa o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de natureza oficiosa, cabe apreciar se,
(i) No caso concreto não operam as qualificativas previstas nas alíneas b) e/ou c) do artigo 218.º do Código Penal;
(ii) Errou o tribunal a quo ao não considerar o crime continuado;
(iii) Na determinação da medida concreta das penas não foram valoradas circunstâncias que, a tê-lo sido, conduziriam à respetiva fixação num patamar inferior.

2. A decisão recorrida
Ficou a constar do acórdão [transcrição parcial]:
Da audiência de julgamento resultou provada a seguinte matéria fáctica, pertinente para a decisão da causa (não se pronunciando o Tribunal sobre matéria de direito, juízos de valor e factos conclusivos ou irrelevantes constantes das peças processuais juntas):
I
1. De forma e em data não concretamente apuradas o arguido resolveu pôr em prática um plano por si delineado com a finalidade de vir a obter dinheiro de forma rápida.
2. No desenvolvimento de tal intento, o arguido publicitava nos classificados dos jornais “Diário de Coimbra” e “As Beiras” a sua disponibilidade para conceder empréstimos de dinheiro até ao valor de € 30.000,00 no prazo máximo de 48 horas, o que bem sabia não corresponder à verdade, exigindo, para que um empréstimo se concretizasse, a entrega de várias quantias de dinheiro a título de alegada abertura de processo, custos processuais, imposto de selo, despesas de contrato, taxas e respetiva documentação.
3. Contudo, após o pagamento desses montantes que caberia ao cliente liquidar, o arguido ficava incontactável, pois nunca tinha sido sua intenção vir a conceder qualquer empréstimo, já que o seu objetivo era tão só manipular cidadãos que necessitassem de montantes financeiros e não tivessem possibilidade de aceder a eles por via das instituições financeiras credenciadas para a atividade do mútuo, apossando-se desta forma dos valores monetários que os seguintes lesados transferiam para as contas bancárias que o arguido lhes indicava ou lhe enviaram através dos vales de correio que o arguido levantou nas estações dos CTT:

4. Ao tomar conhecimento da informação publicitada pelo arguido, (…) contactou o arguido para o telemóvel com o número … que constava do referido anúncio e mostrou-se interessada em obter um empréstimo de € 25.000,00, tendo o arguido dito que para o efeito tinha que efetuar um depósito inicial no valor de €250,00 na conta bancária com o número … (NIB …) titulada pelo arguido no … e, no prazo de 3 anos, tinha que repor naquela conta a totalidade do dinheiro emprestado, pois caso não o fizesse nesse prazo teria que repor o dobro, ou seja, € 50.000,00.
5. Nessa sequência, foram estabelecidos vários contactos telefónicos entre a (…) e o arguido, tendo-lhe este dito que, para abertura do processo tinha afinal que depositar a quantia de € 300,00 na citada conta bancária, pelo que a (…), convencida pelo arguido que dessa forma o pretendido empréstimo lhe seria concedido no prazo de 48 horas, no dia 7 de Junho de 2010 dirigiu-se ao balcão do … sito no …, nesta Cidade e comarca de Coimbra, e aí entregou € 300,00 em numerário para depósito na referida conta bancária do arguido, e, ainda nesse mesmo dia, em conformidade com novo pedido do arguido, a (…) depositou mais € 75.00 nessa conta bancária através da sua amiga (…).
6. Acontece que, nos dias que se seguiram, o arguido informou a (…) que era ainda necessária efetuar outros depósitos para pagamento de custos processuais, pois caso contrário o processo de aprovação do crédito não poderia avançar, pelo que, confrontada com a aparente credibilidade da proposta de crédito apresentada pelo arguido e convencida por ele que dessa forma dava início ao pedido de empréstimo de € 25.000,00 que julgava vir-lhe a ser concedido, a (…) acabou por depositar na referida conta bancária os seguintes quantitativos monetários, o que fez sempre no balcão do … sito no …, nesta Cidade e comarca de Coimbra:
1) € 175,00 no dia 9 de Junho de 2010;
2) € 200,00 no dia 11 de Junho de 2010;
3) € 200,00 no dia 14 de Junho de 2010;
4) € 150,00 no dia 15 de Junho de 2010;
5) € 250,00 no dia 16 de Junho de 2010;
tendo, assim, enviado ao arguido a quantia total de € 1.350,00 que este fez sua.
7. Após todos esses pagamentos terem sido efetuados a X (…) ficou a aguardar o recebimento do crédito pretendido, tal como o arguido lhe havia prometido; contudo o arguido não mais a contactou, ficando incomunicável desde então, apropriando-se em seu exclusivo benefício do valor monetário que a (…) depositou na conta bancária por ele indicada.
8. Desde então não mais a lesada (…) conseguiu contactar o arguido, pelo que nunca lhe foi emprestada qualquer quantia monetária e não lhe foi devolvida a importância monetária que remeteu para o arguido.

9. Ao tomar conhecimento da informação publicitada pelo arguido, (…) contactou o arguido para o telemóvel com o número … que constava do referido anúncio e mostrou-se interessado em obter um empréstimo de € 12.000,00, tendo o arguido dito que para o efeito tinha que efetuar um depósito inicial a título de despesas do processo no valor de € 250,00 na conta bancária com o número … (NIB …) titulada pelo arguido no …, e no prazo máximo de 2 dias os € 12.000,00 seriam depositados na conta bancária do (…).
10. Nessa sequência, no dia 6 de Setembro de 2010 o referido (…), convencido pelo arguido que o pretendido empréstimo lhe seria concedido no prazo de 48 horas, dirigiu-se ao balcão do … sito na …, nesta Cidade e comarca de …, e aí entregou € 250,00 em numerário para depósito naquela conta bancária titulada pelo arguido.
11. Findo o prazo de 48 horas e como o dinheiro não deu entrada na sua conta, o (…) contactou telefonicamente o arguido e foi por este informado que tinha havido um atraso mas que a transferência de dinheiro se iria processar na tarde do dia 08/09/2010, ficando o (…) a aguardar o recebimento do crédito pretendido, tal como o arguido lhe havia prometido; contudo o arguido não mais o contactou, ficando incomunicável desde então, apropriando-se em seu exclusivo benefício do valor monetário que o (…) depositou na conta bancária por ele indicada.
12. Desde então não mais o lesado (…) conseguiu contactar o arguido, pelo que nunca lhe foi emprestada qualquer quantia monetária e não lhe foi devolvida a importância monetária que remeteu para o arguido.

13. Ao tomar conhecimento da informação publicitada pelo arguido, (…) …, entretanto falecido a 17/05/2011 – contactou o arguido para o telemóvel com o número … que constava do referido anúncio e mostrou-se interessado em obter um empréstimo de € 5.000,00, tendo o arguido dito que para o efeito tinha que efetuar um depósito inicial a título de despesas do processo no valor de € 235,00 na conta bancária com o número … (NIB …) titulada pelo arguido no …, após o que os € 5.000,00 seriam depositados na conta bancária do (…).
14. Nessa sequência, no dia 2 de Agosto de 2010 o referido (…), convencido pelo arguido que o pretendido empréstimo lhe seria concedido, dirigiu-se a uma ATM sita nesta Cidade e comarca de Coimbra, e aí transferiu através de Multibanco a quantia de € 235,00 da sua conta para aquela conta bancária titulada pelo arguido, ficando de seguida a aguardar o recebimento do crédito pretendido, tal como o arguido lhe havia prometido.
15. Contudo, como o dinheiro não deu entrada na sua conta, o (…) tentou contactar telefonicamente o arguido mas já não o conseguiu por este ter ficado incomunicável desde então, apropriando-se em seu exclusivo benefício do valor monetário que o (…) depositou na conta bancária por ele indicada, pelo que nunca foi emprestada ao (…) qualquer quantia monetária e não lhe foi devolvida a importância monetária que transferiu para a conta bancária do arguido.

16. Ao tomar conhecimento da informação publicitada pelo arguido, (…) contactou o arguido para o telemóvel com o número … que constava do referido anúncio e mostrou-se interessada em obter um empréstimo de € 30.000,00, tendo o arguido dito que para o efeito tinha que lhe enviar a quantia de € 450,00 para pagamento de despesas administrativas que dariam início ao pedido de empréstimo, o que deveria fazer através de vale postal dos CTT, na modalidade de urgente e remetido para a estação dos CTT da …, no …, indicando o nome do arguido como destinatário.
17. Assim, a (…), convencida pelo arguido que dessa forma o pretendido empréstimo lhe seria concedido no prazo de 5 dias, no dia 30 de Setembro de 2010 dirigiu-se à agência dos CTT da (…), e aí entregou € 456,75 em numerário para serem remetidos via Vale Postal urgente para a estação dos CTT da …, no …, e, ainda nesse mesmo dia, o arguido recebeu nesse local a quantia de €450,00 mediante a apresentação do seu bilhete de identidade cujo número foi escrito no respetivo recibo, no qual o arguido também apôs a sua própria assinatura.
18. Acontece que, nos dias que se seguiram, o arguido informou a (…) que o processo tinha sido iniciado e a quantia peticionada iria ser disponibilizada mas era ainda necessária efetuar outros depósitos para pagamento de custos administrativos, pois caso contrário o processo de aprovação do crédito não poderia avançar, pelo que, confrontada com a aparente credibilidade da proposta de crédito apresentada pelo arguido e convencida por ele que dessa forma dava início ao pedido de empréstimo de € 30.000,00 que julgava vir-lhe a ser concedido, a (…) acabou por se dirigir novamente à agência dos CTT da (…), e aí entregou os seguintes quantitativos monetários para serem remetidos via vale postal urgente para o arguido:
1) € 256,75 no dia 6 de Outubro de 2010, tendo o arguido recebido € 250,00 nesse mesmo dia na estação dos CTT do …;
2) € 196,75 no dia 11 de Outubro de 2010, tendo o arguido recebido € 190,00 nesse mesmo dia na estação dos CTT de …, em …, mediante a apresentação do seu bilhete de identidade cujo número foi escrito no respetivo recibo no qual o arguido também apôs a sua própria assinatura
19. Após todos esses pagamentos terem sido efetuados, a (…) ficou a aguardar o recebimento do crédito pretendido, tal como o arguido lhe havia prometido; contudo o arguido não mais a contactou, ficando incomunicável desde então, apropriando-se em seu exclusivo benefício do valor monetário de € 890,00 que a (…) lhe remeteu via vale postal urgente dos CTT e que ele próprio recebeu nas estações dos CTT que havia indicado à ….
20. Desde então não mais a lesada (…) conseguiu contactar o arguido, pelo que nunca lhe foi emprestada qualquer quantia monetária e não lhe foi devolvida a importância monetária que remeteu para o arguido.

21. Ao tomar conhecimento da informação publicitada pelo arguido, (…) contactou o arguido para o telemóvel com o número 910102501 que constava do referido anúncio e mostrou-se interessado em obter um empréstimo de €17.000,00, tendo o arguido dito que para o efeito tinha que efetuar um depósito inicial no valor de € 350,00 na conta bancária com o número … (NIB …) titulada pelo arguido no … e, no prazo de 48 horas, o dito empréstimo seria aprovado.
22. Assim, o (…), convencido pelo arguido que dessa forma o pretendido empréstimo lhe seria concedido, no dia 1 de Setembro de 2010 dirigiu-se ao balcão do … sito na …, nesta cidade e comarca de …, e aí entregou € 350,00 em numerário para depósito na referida conta bancária do arguido.
23. Acontece que, nos dias que se seguiram, o arguido informou o (…) que tinham surgido algumas complicações “na papelada” e por isso tinha havido um atraso no andamento do processo de concessão de empréstimo, sendo ainda necessário efetuar outros depósitos para pagamento de custos processuais, pois caso contrário o processo de aprovação do crédito não poderia avançar, pelo que, confrontado com a aparente credibilidade da proposta de crédito apresentada pelo arguido e convencido por ele que dessa forma dava início ao pedido de empréstimo de €17.000,00 que julgava vir-lhe a ser concedido, o (…) acabou por depositar na referida conta bancária os seguintes quantitativos monetários, o que fez no balcão do … sito na … e o último na …, ambas nesta cidade e comarca de …:
1) € 125,00 no dia 3 de Setembro de 2010;
2) € 140,00 no dia 7 de Setembro de 2010;
3) € 200,00 no dia 9 de Setembro de 2010;
tendo, assim, enviado ao arguido a quantia total de € 815,00 que este fez sua.
24. Após todos esses pagamentos terem sido efetuados o (…) ficou a aguardar o recebimento do crédito pretendido, tal como o arguido lhe havia prometido; contudo o arguido, quando contactado telefonicamente, foi sempre apresentando desculpas e não cumpriu o acordado, pois nunca foi sua intenção fazê-lo, apropriando-se em seu exclusivo benefício do valor monetário que o (…) depositou na conta bancária por ele indicada, nunca tendo sido emprestada ao (…) qualquer quantia monetária e não lhe foi devolvida a importância monetária que remeteu para o arguido.

25. Ao tomar conhecimento da informação publicitada pelo arguido, (…) contactou o arguido para o telemóvel com o número … que constava do referido anúncio e mostrou-se interessada em obter um empréstimo de € 5.000,00, tendo o arguido dito que para o efeito tinha que lhe enviar a quantia de € 300,00 para pagamento de despesas administrativas que dariam início ao pedido de empréstimo, o que deveria fazer através de vale postal dos CTT, na modalidade de urgente e remetido para a estação dos CTT do …, indicando o nome do arguido como destinatário.
26. Assim, a (…), convencida pelo arguido que dessa forma o pretendido empréstimo lhe seria concedido, no dia 22 de Novembro de 2010 dirigiu-se à agência dos CTT dos …, em …, e aí entregou € 306,75 em numerário para serem remetidos via Vale Postal urgente para a estação dos CTT do Município do …, e, ainda nesse mesmo dia, o arguido recebeu nesse local a quantia de € 300,00 mediante a apresentação do seu bilhete de identidade, cujo número foi escrito no respetivo recibo, no qual o arguido também apôs a sua própria assinatura.
27. Acontece que, nesse mesmo dia, o arguido informou a (…) que o processo tinha sido iniciado e a quantia peticionada iria ser disponibilizada mas era ainda necessária efetuar outro depósito para pagamento do imposto de selo, pois caso contrário o processo de aprovação do crédito não poderia avançar, pelo que, confrontada com a aparente credibilidade da proposta de crédito apresentada pelo arguido e convencida por ele que dessa forma dava início ao pedido de empréstimo de € 5.000,00 que julgava vir-lhe a ser concedido, a (…) acabou por se dirigir à agência dos CTT da …, nesta cidade e comarca de Coimbra, e aí entregou mais € 181,75 em numerário para serem remetidos via Vale Postal urgente para a estação dos CTT do …, e, ainda nesse mesmo dia, o arguido recebeu nesse local a quantia de € 175,00, também mediante a apresentação do seu bilhete de identidade, cujo número foi escrito no respetivo recibo no qual o arguido também apôs a sua própria assinatura.
28. Após esses dois pagamentos terem sido efetuados a (…) ficou a aguardar o recebimento do crédito pretendido, tal como o arguido lhe havia prometido; contudo o arguido, quando contactado telefonicamente, foi sempre apresentando desculpas e não cumpriu o acordado, pois nunca foi sua intenção fazê-lo, apropriando-se em seu exclusivo benefício do valor monetário de € 475,00 que a (…) lhe remeteu via vale postal urgente dos CTT e que ele próprio recebeu nas estações dos CTT que havia indicado à (…).
29. Desde então não mais a lesada (…) conseguiu contactar o arguido, pelo que nunca lhe foi emprestada qualquer quantia monetária e não lhe foi devolvida a importância monetária que remeteu para o arguido.

30. Ao tomar conhecimento da informação publicitada pelo arguido, (…) contactou o arguido para o telemóvel com o número … que constava do referido anúncio e mostrou-se interessada em obter um empréstimo de € 5.000,00, tendo o arguido dito que para o efeito tinha que lhe enviar a quantia de € 247,25 para pagamento de despesas administrativas que dariam início ao pedido de empréstimo, o que deveria fazer através de vale postal dos CTT, na modalidade de urgente e remetido para a estação dos CTT da …, no …, indicando o nome do arguido como destinatário.
31. Assim, a (…), convencida pelo arguido que dessa forma o pretendido empréstimo lhe seria concedido com urgência, no dia 17 de Dezembro de 2010 dirigiu-se à agência dos CTT de …, nesta cidade e comarca de Coimbra, e aí entregou € 254,00 em numerário para serem remetidos via vale postal urgente para a estação dos CTT da …, no …, e, ainda nesse mesmo dia, o arguido recebeu nesse local a quantia de € 247,25, mediante a apresentação do seu bilhete de identidade, cujo número foi escrito no respetivo recibo, no qual o arguido também apôs a sua própria assinatura.
32. Acontece que, nos dias que se seguiram, o arguido informou a (…) que o processo tinha sido iniciado e a quantia peticionada iria ser disponibilizada mas era ainda necessária efetuar outros depósitos para pagamento de custos administrativos e comissões, pois caso contrário o processo de aprovação do crédito não poderia avançar, pelo que, confrontada com a aparente credibilidade da proposta de crédito apresentada pelo arguido e convencida por ele que dessa forma dava início ao pedido de empréstimo de € 5.000,00 que julgava vir-lhe a ser concedido, a (…) acabou por se dirigir novamente à agência dos CTT de …, nesta cidade e comarca de …, e aí entregou os seguintes quantitativos monetários para serem remetidos via vale postal urgente para o arguido:
1) € 136,75 no dia 23 de Dezembro de 2010, tendo o arguido recebido € 130,00 nesse mesmo dia na estação dos CTT da …, no …;
2) € 81,75 no dia 7 de Janeiro de 2011, tendo o arguido recebido € 75,00 nesse mesmo dia na estação dos CTT do …; o que conseguiu mediante a apresentação do seu bilhete de identidade, cujo número foi escrito no respetivo recibo, no qual o arguido também apôs a sua própria assinatura.
33. Após todos esses pagamentos terem sido efetuados, a (…) ficou a aguardar o recebimento do crédito pretendido, tal como o arguido lhe havia prometido; contudo o arguido não mais a contactou, ficando incomunicável desde então, apropriando-se em seu exclusivo benefício do valor monetário de € 452,25 que a (…) lhe remeteu via vale postal urgente dos CTT e que ele próprio recebeu nas estações dos CTT que havia indicado à (…).
34. Desde então não mais a lesada (…) conseguiu contactar o arguido, pelo que nunca lhe foi emprestada qualquer quantia monetária e não lhe foi devolvida a importância monetária que remeteu para o arguido.

35. Ao tomarem conhecimento da informação publicitada pelo arguido, (…) contactaram o arguido para o telemóvel com o número … que constava do referido anúncio e mostraram-se interessados em obter um empréstimo de € 5.000,00, tendo o arguido dito que para o efeito tinham que efetuar um depósito inicial no valor de € 170,00 na conta bancária com o número … (NIB …) titulada pelo arguido no … e, de seguida, o dito empréstimo seria aprovado.
36. Assim, a (…) e o (…), convencidos pelo arguido que dessa forma o pretendido empréstimo lhes seria concedido, no dia 29 de Junho de 2010 dirigiram-se à ATM instalada no balcão do … da …, nesta cidade e comarca de …, e aí transferiram através de Multibanco a quantia de € 170,00 da sua conta bancária para a referida conta bancária titulada pelo arguido.
37. Acontece que, nos dias que se seguiram, o arguido informou a (…) e o (…) que tinham surgido alguns contratempos e, para desbloquear a situação, era ainda necessário efetuar outros depósitos para pagamento de custos processuais, pois caso contrário o processo de aprovação do crédito não poderia avançar, pelo que, confrontados com a aparente credibilidade da proposta de crédito apresentada pelo arguido e convencidos por ele que dessa forma davam início ao pedido de empréstimo de € 5.000,00 que julgavam vir-lhes a ser concedido, a (…) e o (…) acabaram por depositar na referida conta bancária os seguintes quantitativos monetários, o que fizeram na ATM instalada no balcão do …, sito nesta Cidade e comarca de …, e a última no balcão do … da …:
1) € 60,00 no dia 30 de Junho de 2010;
2) € 45,00 no dia 2 de Julho de 2010;
3) € 30,00 no dia 2 de Julho de 2010;
4) € 100,00 no dia 20 de Julho de 2010;
tendo, assim, enviado ao arguido a quantia total de € 405,00 que este fez sua.
38. Após todos esses pagamentos terem sido efetuados a (…) e o (…) ficaram a aguardar o recebimento do crédito pretendido, tal como o arguido lhes havia prometido; contudo o arguido não mais os contactou, ficando incomunicável desde então, apropriando-se em seu exclusivo benefício daquele valor monetário que aqueles lhe transferiram para a sua conta bancária.
39. Desde então não mais os lesados (…) e o (…) conseguiram contactar o arguido, pelo que nunca lhes foi emprestada qualquer quantia monetária e não lhes foi devolvida a importância monetária que remeteram para o arguido.

40. Ao tomar conhecimento da informação publicitada pelo arguido, (…) contactou o arguido para o telemóvel com o número … que constava do referido anúncio e mostrou-se interessada em obter um empréstimo de € 20.000,00, tendo o arguido dito que para o efeito tinha que efetuar um depósito inicial no valor de € 300,00 na conta bancária com o número … (NIB …) titulada pelo arguido no … e, no prazo de 48 horas, o dito empréstimo seria aprovado.
41. Assim, a (…), convencida pelo arguido que dessa forma o pretendido empréstimo lhe seria concedido, no dia 8 de Setembro de 2010 dirigiu-se ao balcão do … sito em …, nesta Cidade e comarca de …, e aí entregou € 300,00 em numerário para depósito na referida conta bancária do arguido.
42. Acontece que, no dia seguinte, o arguido informou a (…) que teria de depositar mais algum dinheiro para despesas processuais, pois caso contrário o processo de aprovação do crédito não poderia avançar, pelo que, confrontada com a aparente credibilidade da proposta de crédito apresentada pelo arguido e convencida por ele que dessa forma dava início ao pedido de empréstimo de € 20.000,00 que julgava vir-lhe a ser concedido, a (…) acabou por depositar na referida conta bancária os seguintes quantitativos monetários, o que fez sempre no balcão do … sito em …, nesta cidade e comarca de …:
1) € 65,00 no dia 9 de Setembro de 2010;
2) € 80,00 no dia 15 de Setembro de 2010.
43. E, por último, no dia 20 de Setembro de 2010, na agência dos CTT da …, nesta cidade e comarca de Coimbra, a (…) ainda entregou € 86,75 em numerário para serem remetidos via vale postal urgente para a estação dos CTT da …, no …, onde o arguido, ainda nesse mesmo dia, recebeu a quantia de €80,00 mediante a apresentação do seu bilhete de identidade, cujo número foi escrito no respetivo recibo, no qual o arguido também apôs a sua própria assinatura, tendo, assim, a (…) enviado ao arguido a quantia total de € 525,00 que este fez sua.
44. Após todos esses pagamentos terem sido efetuados a (…) ficou a aguardar o recebimento do crédito pretendido, tal como o arguido lhe havia prometido; contudo o arguido, quando contactado telefonicamente, foi sempre apresentando desculpas e não cumpriu o acordado, pois nunca foi sua intenção fazê-lo, apropriando-se em seu exclusivo benefício do valor monetário que a (…) depositou na conta bancária por ele indicada e lhe enviou através dos CTT, nunca tendo sido emprestada à (…) qualquer quantia monetária e não lhe foi devolvida a importância monetária que remeteu para o arguido.
II
45. O arguido tem um discurso coerente e seguro, utilizando essas suas capacidades para fazer crer às vítimas que tem disponibilidade para conceder empréstimos.
46. Abordava previamente as vítimas e inteirava-se da sua situação económica, mostrando-se recetivo para dar resposta rápida aos seus pedidos de empréstimos para dar a entender que possuía liquidez suficiente para, em curto prazo, disponibilizar quantias monetárias avultadas.
47. Na sequência deste plano previamente delineado e bem pensado, abordava vítimas que se encontravam em difícil situação económica e a quem a banca já não concedia crédito, sendo seu propósito aproveitar-se da especial vulnerabilidade destas.
48. Aliado a tudo isto estava a sua grande capacidade de convencimento e persuasão, abordando as vítimas de forma esclarecida, falando fluentemente e sem hesitações, dando-lhes informações concretas, convencendo-as, assim, erradamente, que o que lhes dizia era verdade e fazendo com que as mesmas lhe entregassem dinheiro, convencidas que era para pagamento de despesas administrativas que dariam início ao pedido de empréstimo que julgavam que lhes iria ser concedido.
49. Atuando da forma e circunstâncias descritas, agiu o arguido, com o propósito de fazer crer aos ofendidos que iria cumprir o que lhes prometeu, assim os determinando a largarem mão de quantias monetárias que ilegitimamente pretendia integrar no seu património, como efetivamente integrou quando abordou (…), convencendo-os da veracidade de tais pedidos de crédito, pelo que só por isso cada um dos referidos lesados aceitou entregar ao arguido as quantias monetárias peticionadas.
50. Fazia desta conduta o seu modo de vida.
51. Agiu livre e conscientemente, bem sabendo que praticava atos proibidos e punidos por lei penal.
52. Por transação homologada em audiência de julgamento foi entre o arguido e as demandantes (…) celebrado acordo de pagamento em prestações nos seguintes termos:
1) A demandante (…) reduz o pedido para a quantia de 525,00 euros, a pagar no prazo de 1 ano, em 4 prestações trimestrais, vencendo-se a primeira no dia 30 de Abril de 2018, a segunda no dia 30 de Julho de 2018, a terceira no dia 30 de Outubro de 2018 e a quarta no dia 30 de Janeiro de 2019.
As três primeiras prestações serão no montante de 125,00 euros cada e a última no montante de 150,00 euros.
O pagamento será efetuado através de transferência bancária para o NIB que a demandante vier a indicar no processo e à Ilustre Defensora do arguido, no prazo de 10 dias.
2) A demandante (…) reduz o pedido para a quantia de 500,00 euros, a pagar no prazo de 1 ano, em 4 prestações trimestrais, vencendo-se a primeira no dia 30 de Abril de 2018, a segunda no dia 30 de Julho de 2018, a terceira no dia 30 de Outubro de 2018 e a quarta no dia 30 de Janeiro de 2019.
As quatro prestações serão no montante de 125,00 euros cada uma.
O pagamento será efetuado através de transferência bancária para o NIB que a demandante vier a indicar no processo no prazo de 10 dias.
3) A demandante (…) e o arguido demandado acordam no pagamento da quantia de 452,25 euros a título de indeminização civil, a pagar em 4 prestações trimestrais, no prazo de 1 ano, sendo as 3 primeiras no valor de 125 euros cada e a última no montante de 77,25 euros, para o NIB que a ofendida vier a indicar no processo no prazo de 10 dias.
*
Outros provados
(…).
*
Convicção do tribunal
(…).

3. Apreciação
Não vindo impugnada a matéria de facto, sem que se detete no acórdão nulidades, vícios ou outras patologias de conhecimento oficioso que a tal obstem, é com recurso à mesma – considerada definitivamente fixada – que se irão dilucidar as questões suscitadas, iniciando pela questionada qualificação dos crimes de burla.
Assim.
§1. Da qualificação dos crimes de burla
I. Entre o conjunto dos elementos de qualificação do tipo incriminatório prevenido no artigo 218.º do Código Penal, inscreve-se o fazer da burla modo de vida (cf. n.º 2, alínea b) do Código Penal), radicando este na ideia – pressuposto fundamental - de pluralidade de infrações (do mesmo tipo). Contudo, como a propósito de idêntica qualificativa do crime de furto - sem que exista motivo para distinguir - escreve Faria Costa, exige-se “de maneira insofismável que essa prática corresponda a um modo de vida”, esclarecendo quea prática de furtos deve ser vista como uma série mínima de furtos”, não obstante o verdadeiro sentido da asserção apenas se tornar apreensível “em todas as suas implicações jurídico-penais” quando envolvida “em uma intencionalidade que possa dar substância, em termos de apreciação pelo comum dos cidadãos, a um modo de vida”. Já sobre o que deve ser entendido por modo de vida refere o Autor:“… é a maneira – em uma ótica estritamente objetiva, isto é, sem qualquer espécie de valoração sobre o sentido lícito ou ilícito do comportamento assumido no quotidiano - pela qual quem quer que seja consegue os proventos necessários à própria vida em comunidade”, considerando não ser “absolutamente preciso que o delinquente se dedique, de jeito exclusivo, aos furtos para que se possa dizer que dessa prática faz um modo de vida. Bem pode ter uma profissão socialmente visível – o que não poucas vezes até facilita a atividade ilícita que se realiza às ocultas – e, mesmo assim, poder considerar-se que a série de furtos que pratica seja fator determinante para que se possa concluir que ele disso – isto é, desse pedaço da vida – faça também um modo de vida”. Encarando a qualificativa com um sentido estritamente sociológico, adverte para a necessidade de estabelecer a distinção entre modo de vida e habitualidade, pois aduz: “se é certo que as duas noções que ora se confrontam têm, formalmente, um elemento comum, qual seja, uma série reiterada de modelos de comportamento, é evidente que as representações sociais que se ligam ao modo de vida e à habitualidade são radicalmente diversas. Para o modo de vida temos uma representação de estabilidade ligada, sem margem para dúvidas, a um comportamento que, em princípio se traduz em benefício pessoal e social enquanto a habitualidade se cristaliza, nas representações sociais, como uma conduta reiterada tout court. Forma de conduta que, desde sempre, foi valorada pelo direito penal. Neste sentido, a habitualidade é uma categoria dogmático-penal conexionada com a perigosidade criminal sobretudo enquanto contraponto a uma criminalidade meramente ocasional (EDUARDO CORREIA II 272). Ou seja: a habitualidade afirma-se como uma categoria não neutral de um ponto de vista normativo. Como uma categoria a que vai irremediavelmente colada uma imagem de perigosidade. Um delinquente habitual é, ipso facto, um delinquente perigoso. Ora, uma tal correspondência não existe, nem de longe nem de perto, quando operamos com o conceito “modo de vida”. […] – [cf. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 70 -72].
Idêntica posição é defendida por Pinto de Albuquerque quando reportando-se à dita qualificativa escreve: “O modo de vida é a atividade com que o agente se sustenta. Não é necessário que se trate de uma ocupação exclusiva, nem contínua, podendo até ser intermitente ou esporádica, desde que ela contribua significativamente para o sustento do agente […]. O conceito de modo de vida pode ser aproximado ao de exercício “profissional” de uma atividade […], que inclui a pluralidade de ações, a intenção de aquisição de meios de subsistência através dessas ações e a disponibilidade para realizar outras ações do mesmo tipo […] - [cf. Comentário do Código Penal, pág. 560].
Também Simas Santos e Leal-Henriques [cf. Código Penal Anotado, 3.ª Edição, 2.º Volume, pág. 901] adotam semelhante pensamento enquanto dilucidam: “Na verdade, para que se possa declarar a profissionalidade na infração, não é suficiente que as infrações singulares tenham sido cometidas com o escopo de lucro ou com o fim de outro proveito económico, mas o complexo de infrações deve revelar um sistema de vida, como é o caso do ladrão ou do burlão que vivem sem trabalhar, dos proventos dos seus delitos, do que vive à custa das mulheres, dos rufiões, dos mendigos, etc.» (MANZINI, Trattado, Vol. III, 223) ”.
Modo de ver de que não tem divergido os tribunais superiores, como decorre do acórdão do STJ de 26.10.2011 (proc. n.º 1441/07.8JDLSB.L1), no qual se enfatiza não ser de excluir que possa fazer da burla modo de vida a circunstância de o agente ter meios próprios de subsistência, ou meios de rendimentos lícitos, para, citando Maia Gonçalves, concluir: “A qualificativa do n.º 2, alínea b) – o agente fizer da burla modo de vida […] difere da alínea a) do artº 314º da versão originária – o agente se entregar habitualmente à burla. Como já se deixou referido em anot. ao artº 204º, que usa expressão idêntica na alínea h) do n.º 1, trata-se de expressão de conteúdo menos abrangente, exigindo-se, para além de o agente se dedicar habitualmente à burla, ainda que ele faça disso a fonte dos proventos para a sua sustentação […]”.
Ideia renovada, entre muitos outros, nos acórdãos do STJ de 07.02.96 (proc. n.º 485801), de 14.10.98 (Acs. STJ, 3, pág. 193), de 24.01.2002 (CJ, 2002, 1, pág. 188), de 29.10.2008 (CJ, 2008, 3, pág. 202), do TRE de 12.12.95 (CJ, 5, pág. 303), do TRP de 09.12.2015 (proc. 801/10.1TAESP.P1), de 10.05.2017 (proc. 135/14.2GAVFR.P1), do TRC de 16.06.2015 (proc. 202/10.1PBCVL.C1).
Isto dito, vejamos então o que de relevante decorre do acervo factual.
Resultou provado haver o arguido colocado em prática um plano por si delineado com a finalidade de vir a obter dinheiro de forma rápida, em execução do qual publicitou nos classificados dos jornais “Diário de Coimbra” e “As Beiras” a sua disponibilidade para conceder empréstimos até ao valor de € 30.000,00 no prazo máximo de 48 horas, não obstante saber que tal não correspondia à verdade, exigindo para que o empréstimo se concretizasse a entrega - a título de uma alegada abertura de processo, custos processuais, imposto de selo, despesas de contrato, taxas e diversa documentação - de várias quantias monetárias, que caberia aos “clientes” liquidar, sem que alguma vez fosse sua intenção concedê-los (aos empréstimos); antes sim, foi seu propósito alcançar proventos económicos à custa das pessoas que, na sequência da informação publicitada, o contactavam, conforme descrito no acórdão em crise, sob os itens 4 a 44.
Deste modo, através de procedimentos fraudulentos logrou induzir em erro - praticando com vista a atingir o seu desiderato um discurso “coerente e seguro”, revelador da sua capacidade/disponibilidade para “emprestar” dinheiro, socorrendo-se de “explicações” adicionais, que bem sabia não terem qualquer correspondência com a realidade, mas ainda assim capazes de convencer as vítimas acerca das exigências da concessão do crédito - cada uma dos “clientes” que o contactaram com vista a beneficiar dos propalados empréstimos, conseguindo, através do (s) artifícios enganosos que foi desenvolvendo (com início na publicitação que levou a efeito nos jornais), fazer com que os mesmos lhe fossem transferindo umas vezes para as contas bancárias que lhes indicava, outras por intermédio de vales de correio, os valores monetários que, a pretexto de despesas várias, em cada momento lhes exigiu, os quais integrou no seu património, causando-lhes, deste modo, o correspondente prejuízo.
Não nos suscitando reparo a subsunção das condutas do arguido ao crime de burla, socorrendo-nos da respetiva configuração, sobre a qual já acima nos debruçámos, também a consideração do concreto elemento normativo de qualificação fazer da burla modo de vida não nos merece reserva.
Na verdade, ao invés do que pretende fazer crer o recorrente, as ações delituosas, em número de nove, tiveram lugar nos meses de junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro, dezembro, todos de 2010, e janeiro de 2011, verificando-se uma pluri-reincidência, com um grau de estabilidade e regularidade indesmentível. Por outro lado, o montante das quantias que o arguido, da forma descrita, logrou fazer suas ascenderam a € 5.397,25 (cinco mil trezentos e noventa e sete euros e vinte e cinco cêntimos), o equivalente (atento o lapso de tempo em referência) a € 675,00 (seiscentos e setenta e cinco euros) por mês, valor superior a um salário mínimo nacional, com o qual muitos concidadãos providenciam ao seu sustento. Acresce que dos factos referentes ao percurso de vida do arguido, designadamente à sua situação socioeconómica, onde se inclui a dimensão profissional, é possível identificar uma condição (permanente) “deficitária”, reveladora de carências que ao longo dos anos – e também durante o tempo em que praticou as burlas – foi experienciando, sobressaindo períodos consideráveis de desemprego, de dependência do respetivo subsídio, sem que ressume o desempenho de uma atividade que se possa dizer minimamente estável. Condição que, aliás, o recorrente não deixa de invocar (cf. ponto E das conclusões), pese embora visando diferente desiderato.
Neste quadro, em que ressalta um número (nove) significativo de condutas, relativamente homogéneo na execução e concentrado no tempo, fazendo nossas as palavras vertidas no já identificado acórdão do TRP de 10.05.2017, impõe-se considerar «por ilação lógica a partir dos factos provados que o dinheiro obtido com as burlas comprovadamente praticadas pelo arguido foi também utilizado no seu sustento …», aspeto que aliado aos demais, acima escalpelizados, fornece uma representação de estabilidade de comportamento, traduzido num benefício, pelo menos em parte, afeto à aquisição de meios de subsistência, consentindo, assim, com a segurança exigível, assentar na verificação da qualificativa em questão, traduzindo, no caso concreto, a prática das burlas um modo de vida, que, consabidamente, não carece ser exclusivo.
Improcede nesta parte o recurso.

II. Insurge-se ainda o recorrente contra a consideração do elemento normativo de qualificação da burla contemplado na alínea c) do n.º 2 do artigo 218º do Código Penal, a saber o aproveitamento pelo agente “de situação de especial vulnerabilidade da vítima, em razão de idade, deficiência ou doença”, invocando o caráter taxativo das qualificativas não compatível com a vulnerabilidade decorrente de outras circunstâncias, no caso, como interpretado pelo Coletivo, da difícil situação económica das vítimas.
Em anotação ao artigo 218.º do Código Penal, escreve Pinto de Albuquerque: “O elenco de circunstâncias do tipo qualificado é taxativo e de funcionamento automático, ao invés do que sucede na técnica dos exemplos-padrão. Portanto, o tribunal não pode rejeitar a subsunção ao tipo qualificado de uma situação de vida formalmente cabível nalguma das alíneas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 218.º, mas que não revela a especial censurabilidade pressuposta pela qualificação. Por outro lado, o tribunal não pode subsumir ao tipo qualificado situações da vida semelhantes às nele previstas desde que reveladoras daquela especial censurabilidade pressuposta pela qualificação” – [cf. op. cit., pág. 603], entendimento que se perfilha.
De facto, no que concerne ao crime de burla a especial vulnerabilidade da vítima, que traduz o desvalor da ação, terá de decorrer - em razão, nos termos da lei - de idade, deficiência ou doença, condições cujo denominador comum se prende, sem dúvida, com uma diminuição substancial das capacidades físicas e/ou psíquicas do sujeito passivo, fatores indesmentíveis de indefensabilidade, o mesmo é dizer de acentuada vulnerabilidade; circunstância que não dispensa uma atuação de aproveitamento doloso – de exploração de uma especial debilidade, em função de idade, deficiência ou doença, da vítima - por parte do agente do crime.
Ora, vindo, no caso em apreço, a especial vulnerabilidade reconduzida à difícil situação económica das vítimas, fator que não integra a enunciação taxativa da norma incriminatória, importa reconhecer assistir nesta parte razão ao recorrente, não podendo, assim, subsistir a qualificativa da alínea c), do n.º 2 do artigo 218.º do Código Penal.

§2. Da condenação por crime continuado
Em consequência daquilo que diz haver-se traduzido numa atuação essencialmente homogénea, levada a efeito no quadro de uma mesma solicitação exterior, que lhe diminuiu consideravelmente a culpa, clama o recorrente pela consideração de um só crime continuado.
Nos termos do artigo 30.º do Código Penal, não estando em causa – como sucede no caso sub judicebens eminentemente pessoais, “a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente” constitui um só crime continuado (cf. n.º 2).
Seguindo a lição de Eduardo Correia para a afirmação do crime continuado deverá ser plúrima a realização do (mesmo) tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico; a realização criminosa deve ser executada por forma essencialmente homogénea e; levada a efeito no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente – [cf. Direito Criminal, II, 1971, pág. 208 e ss.].
Trata-se, pois, de construção em que importa conjugar todo o circunstancialismo externo ou exógeno com as circunstâncias endógenas que diminuem a culpa do agente, com vista a aferir se as sucessivas renovações do desígnio criminoso inicial obedecem a uma linha psicológica que conduza à consideração de uma culpa acentuadamente diminuída e, assim, a um único juízo de censura.
Retomando o caso concreto, se é possível identificar nas diversas condutas uma unidade de fim, com um planeamento inicial comum - onde os “falsos” anúncios publicitados na imprensa assumiram um papel fundamental -, detetam-se, contudo, divergências quanto ao montante das quantias “pedidas” às vítimas; à renovação, ou não, dos “pedidos de reforço”; ao modo de fazer chegar os ditos montantes à esfera patrimonial do arguido; à própria exposição dos termos do negócio (nem sempre coincidente) circunstâncias que contrariam a consideração de uma atuação num quadro exógeno capaz de conduzir a uma culpa consideravelmente diminuída, o mesmo é dizer que ocorra uma diminuição substancial da responsabilidade do agente (arguido).
De facto, das divergências assinaladas perpassa uma execução nem sempre coincidente das ações delituosas, tendo ficado por demonstrar que alguma unificação – não se nega – da conduta criminosa implique (no caso) uma menor gravidade penal. Uma vez mais, como ensina Eduardo Correia, necessário se torna a demonstração de que o elemento unificador importa uma reprobabilidade menor que justifique o tratamento das diferentes atividades como se fossem só uma, circunstância que não ressuma da decisão recorrida; pelo contrário, no seio de uma indesmentível pluralidade de resoluções criminosas, as diferenças evidenciadas nos processos de execução exigiram ao arguido um discurso renovado, um poder de persuasão acomodado às particularidades de cada caso, uma definição dos contornos do negócio nem sempre coincidentes, importando uma inevitável avaliação individual das vítimas, aspetos incompatíveis com um juízo de diminuição da culpa, muito menos considerável.
Ademais, dificilmente se poderia decidir pelo crime continuado quando se assiste a um desígnio inicialmente formado (cf. pontos 1, 2 e 3 dos factos provados) de, por intermédio de atos sucessivos, defraudar as vítimas, fator não compaginável com a conclusão de que hajam sido as circunstâncias exteriores que determinaram o arguido a um repetido sucumbir. Desígnio, esse, contudo, que por via da pluralidade de resoluções criminosas de realização do projeto criminoso, detetáveis nos factos, não permite a recondução das várias ações a um único crime.

§3. Da medida da pena
Também a medida das penas, identificando como violadas as alíneas a), c), d) e e), do n.º 2 do artigo 71º do Código Penal, mereceu a reação do recorrente.
Assente ter o arguido incorrido na prática em concurso real (homogéneo) de nove crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 1, alíneas b) do Código Penal [note-se que mesmo em relação ao primeiro crime – o mais recuado no tempo – os artifícios fraudulentos/meios enganosos se foram sucedendo, induzindo a ofendida (…) em sucessivos erros, determinantes de uma série de disposições patrimoniais, consequenciando o correspondente prejuízo], decorrendo do acórdão haver beneficiado relativamente a três deles (concretamente aos que visaram as vítimas …), ex vi da aplicação do artigo 206.º, n.º 3, por remissão do artigo 218.º, ambos do Código Penal, da atenuação especial da pena [circunstância modificativa atenuante cuja aplicação, embora não mereça a adesão deste tribunal, porquanto fundado na homologação de transação, sem pagamento imediato, relativamente aos pedidos cíveis - tendo sido, assim, configurada como que uma antecipação do correspondente título executivo, sob pena de violação da reformatio in pejus (artigo 409.º do CPP), não pode ser repensada], importa esclarecer que o afastamento da qualificativa prevista na alínea c), do n.º 2, do artigo 218.º do Código Penal não colhe, no caso e neste domínio, qualquer influência. Com efeito decorre da decisão em crise (aspeto conforme ao entendimento no mesmo perfilhado) não haver o dito elemento normativo de qualificação – tal qual como definido na lei – influenciado as penas parcelares, tão pouco a única; o que, porém, não significa que o aproveitamento da difícil situação económica das vítimas o não tenha sido, porque – como não podia deixar de ser – o foi, circunstância que encontra justificação, pois não sendo indiferente na apreciação do desvalor da ação, dá seguramente notados sentimentos manifestados” no cometimento dos crimes – cf. alínea c), do n.º 2, do artigo 71.º do Código Penal.
Posto isto.
Em relação a cada um dos três crimes, cuja pena foi especialmente atenuada, no seio de uma moldura penal, cujo limite mínimo e máximo se situa em 1 mês e 5 anos e 4 meses de prisão julgou o Coletivo adequada a pena de 15 (quinze) meses de prisão; quanto a cada um dos restantes seis crimes (puníveis com pena de 2 a 8 anos de prisão) teve por ajustada a pena de 2 anos e 4 meses de prisão.
Baseia-se, nesta parte, o recurso na violação das alíneas a), c), d) e e), do n.º 2 do artigo 71º do Código Penal. Contudo, adiante-se sem fundamento!
Efetivamente ponderou o tribunal a quo a postura do arguido, o seu sentido de autocrítica, a confissão dos factos, o arrependimento e até (não obstante traduzir circunstância relevada e determinante para a atenuação especial das correspondentes penas) a “reparação parcial do prejuízo” de três das vítimas; sopesou ainda o modo de execução das condutas delituosas, considerado não especialmente complexo; a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção social e familiar. Também o montante das quantias de que as vítimas foram despojadas, entradas na esfera patrimonial do arguido, não deixaram de ser consideradas.
Naturalmente que não poderia deixar de influenciar nesta sede a medida da culpa, traduzida no dolo intenso, bem como as consideráveis exigências de prevenção geral, a impor uma resposta suficientemente enérgica por parte das instâncias formais de controlo por forma a não consentir dúvidas sobre o desvalor de semelhantes condutas, que tendem a desenvolver-se numa conjuntura de grave crise económica, como a instalada na sociedade portuguesa já em 2010, ano em que se sucederam o grosso das ações criminosas.
Por outro lado, a condição sócio económica do arguido à data da prática dos factos, à qual nos ativemos por ocasião da apreciação do específico elemento normativo de qualificação da burla, traduzido no fazer da mesma modo de vida não pode apagar um significativo desvalor das condutas com expressão no aproveitamento da difícil situação económica em que as vítimas se encontravam.
Em suma, na parte suscetível de afetar a posição do arguido/recorrente, por se apresentarem em consonância com as normas que regem na matéria (cf. artigos 40.º e 71.º do Código Penal) não merecem censura as penas parcelares fixadas, conclusão a que o mesmo facilmente chegaria se atentasse na sua fixação em seis dos crimes praticamente encostadas ao respetivo limite mínimo e nos três restantes (os que beneficiaram da atenuação especial) bem abaixo do primeiro terço que lhes corresponde.
Admitindo, embora não o indique expressamente, que constitua também propósito do recorrente afrontar a pena unitária encontrada, decorrente do concurso de crimes, cujas regras tem assento no artigo 77.º do Código Penal, o certo é que no seio de uma moldura cujos limites se situam entre 2 anos e 4 meses de prisão (pena parcelar mais grave) e 17 anos e 9 meses de prisão (somatório das penas parcelares), apresenta-se parcimoniosa a pena de 4 anos e 10 meses de prisão, não obstante ancorada na imagem global que os factos fornecem, dos quais não decorre uma personalidade fortemente desconforme com o direito, denotando acentuadas carências de ressocialização, tudo levando a crer, designadamente pela ausência de antecedentes criminais - aspeto ainda mais relevante se conjugado com os anos já decorridos sobre a prática dos crimes -, mas também por toda a postura assumida em sede de julgamento, sem descurar o facto de estar em causa a violação do mesmo bem jurídico, a relação de proximidade entre as diferentes ações delituosas, os pontos de contacto na respetiva execução, haver-se tratado de um período da sua vida que, embora significativo, não traduz um modo de estar em sociedade.
Também nesta parte terá de improceder o recurso.

III. Dispositivo
Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal,
a) Em revogar o acórdão recorrido na parte em que condena o arguido A… pelo elemento normativo de qualificação previsto na alínea c) do n.º 2, do artigo 218.º do Código Penal relativamente a todos os crimes de burla qualificada, confirmando-o em tudo o mais.
b) Condenar o recorrente nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs – cf. artigos 513.º e 514.º do CPP; artigo 8.º do RCP, com referência à tabela III.

Coimbra, 7 de Novembro de 2018
[Processado e revisto pela relatora]

Maria José Nogueira (relatora)

Isabel Valongo (adjunta)