Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA DEFEITOS ÓNUS DA PROVA REDUÇÃO DO PREÇO | ||
Data do Acordão: | 02/24/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE CASTELO BRANCO - FUNDÃO - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 342, 799, 1207, 1218, 1221, 1222, 1223 CC | ||
Sumário: | 1. Na responsabilidade por cumprimento defeituoso ao dono da obra incumbe a prova da existência dos defeitos e da sua gravidade, e ao empreiteiro a prova de que a existência daqueles não é imputável à má-execução da obra. 2. A ordem preferencial dos meios atribuídos ao dono da obra não obsta a que, depois de várias tentativas sem sucesso de eliminação dos defeitos por parte do empreiteiro, o dono da obra requeira a redução do preço. 3. A redução do preço deverá ser proporcional à diminuição do valor da obra, a encontrar numa ponderação entre o valor acordado entre as partes, o valor objetivo da obra com defeitos e o valor ideal da obra à data da sua aceitação. 4. O pedido de condenação do empreiteiro no pagamento do custo necessário à eliminação dos defeitos não é cumulável com a pretensão de redução do preço da empreitada, uma vez que esta pressupõe a aceitação da obra no estado em que se mostra executada pelo empreiteiro, vindo o equilíbrio entre as prestações a achar-se, não ao nível da obra conforme ao acordado, mas da obra com defeito, sendo a contraprestação do dono da obra reduzida proporcionalmente ao valor desta. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO Transporte de Mercadorias (…) instaurou a presente ação de condenação sob a forma de processo sumário contra NCN – (…), Lda., pedindo a condenação da ré a: alegando, para tal e em síntese: na sequência de uma avaria no identificado veículo, a autora enviou-o à oficina da ré para que esta procedesse à substituição da cabeça do motor ou de qualquer outro componente que se mostrasse necessário; em meados de julho, efetuada tal reparação e após a ré ter efetuado um teste ao veículo, o mesmo gripou em andamento, pelo que a Ré se responsabilizou pelo arranjo de um novo motor; quando a autora levantou a viatura em setembro de 2010, a mesma perdia muito óleo e deitava fumo, pelo que a 23 de Setembro, a autora entregou novamente a viatura na ré para que esta eliminasse as referidas deficiências; a 27 de Janeiro de 2011 a Ré comunicou à autora ter efetuado a reparação e o custo da mesma no valor de 3.718,72 €, recusando, contudo, a entrega da viatura; a autora pediu e obteve a restituição da viatura no âmbito do procedimento cautelar apenso; da peritagem por si pedida à viatura, constatou-se que: a) o motor atual da carrinha, colocado pela ré, é usado, quando à data da 1ª reparação, o motor do veículo era o original do veículo desconhecendo-se o seu real estado; b) as peças descriminadas na fatura enviada à autora são novas e as peças aplicadas são usadas; c) no relatório é referida a existência de deficiências. A Ré contesta a presente ação, alegando, em síntese: para além da fatura respeitante à reparação em causa, deve ainda a autora as quantias peticionadas no proc. 93106/11.8YIPRT, onde a Ré peticiona o pagamento da quantia de 6.392,01 €; foi neste circunstancialismo e por forma a garantir o seu crédito, que a ré informou a A. que reteria o veículo em causa, ao abrigo do direito de retenção, enquanto não lhe fossem pagas as importâncias devidas pelos serviços prestados; a autora procedeu à reparação da viatura, nela tendo tido necessidade de aplicar todos os materiais constantes da fatura QF/02430, datada de 25.01.2011, com vencimento a 24.02.2011. Conclui pela improcedência da ação, formulando ainda pedido reconvencional de condenação da autora a pagar-lhe a quantia de 3.918,92 €, respeitante ao valor da reparação e respetivos juros. Foi proferido despacho saneador que admitiu liminarmente a reconvenção. Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a: 1. Julgar a ação improcedente, por não provada, absolvendo a ré do pedido. 2. Julgar procedente o pedido reconvencional, condenando a autora a pagar à ré a quantia de 3.718,72 €, acrescida de juros de mora legais à taxa de juros comerciais desde 24 de Fevereiro de 2011, até integral pagamento. Não se conformando com a mesma, a autora dela interpôs recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula[1]: (…) Os réus apresentaram contra-alegações, defendendo a rejeição do recurso por falta de pagamento da taxa de justiça e a rejeição da impugnação matéria de facto por incumprimento de ónus de alegação, concluindo pela manutenção do decidido. Apesar de não apresentar os seus articulados por via eletrónica, a apelante procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pela interposição de recurso ao abrigo do disposto no nº3 do artigo 6º do RCP, no valor de 137,70 €. Na sequência da questão levantada pela apelada nas suas contra-alegações de recurso, pedindo a rejeição da apelação por falta de pagamento da taxa de justiça, a apelante veio proceder ao pagamento do diferencial em falta, no montante de 15,30 €. A invocada irregularidade sempre se mostraria, assim, sanada, não se nos afigurando necessárias quaisquer outras considerações sobre tal questão. 2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto. * Alegando que a Ré não colocou o veículo em bom estado de funcionamento e com as peças devidas, a autora formula com a presente ação, cumulativamente, as seguintes pretensões: a) redução do preço da reparação do veículo, segundo critérios de equidade; b) condenação da ré a pagar à autora a quantia que esta vier a despender para colocar o veículo no estado acordado entre a autora e a ré. A ação veio a ser julgada improcedente, essencialmente, com base em duas ordens de razões: Reconhecendo terem-se por verificadas as anomalias dadas como provadas nos pontos 12, 13 e 22, o juiz a quo considerou que, por um lado, “não se provou o nexo de causalidade entre a empreitada efetuada pela ré e os defeitos que o veículo veio a apresentar, e como tal, não faz sentido, fazer valer a presunção de culpa prevista no art. 799º do Código Civil”, ou seja “que os defeitos ocorreram na sequência da intervenção da ré” e que, por outro lado, a autora não respeitou os passos previstos nos artigos 1221º e 1222º do CC, “pois pretende reduzir o preço sem que sequer ficasse demonstrado que não é possível eliminar os defeitos ou exigir uma nova reparação. No caso em apreço, não pomos em causa em que será de aplicar, na sua essência, o regime dos defeitos da obra previsto para o contrato de empreitada nos artigos 1218º e ss., do Código Civil – e não o regime de venda de bens de consumo (DL nº 67/2003, de 8 de Abril), nem a Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de Junho) – por se encontrar em causa um serviço de reparação de um veículo para a autora, que tem por objeto precisamente a atividade de transporte de mercadorias. Discordamos, contudo, da interpretação feita pelo juiz a quo relativamente às normas aplicáveis ao contrato de empreitada, bem como da aplicação que delas faz relativamente à situação em apreço. A empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar uma certa obra, mediante um preço (artigo 1207º do Código Civil). A realização de uma “obra”, enquanto resultado a obter mediante a atividade ou o trabalho, é precisamente a característica que permite distinguir o contrato de empreitada dos restantes contratos de prestação de serviços (nestes o resultado prometido é o trabalho enquanto tal)[3]. O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato – artigo 1208º do Código Civil. Como há muito defende Pedro Romano Martinez, o cumprimento defeituoso do contrato de empreitada[4] funda-se na ideia de que o empreiteiro está adstrito a uma obrigação de resultado. Ele está obrigado a realizar a obra conforme o acordado e segundo os usos e regras da arte. Se a obra apresenta defeitos, não foi alcançado o resultado prometido[5]. É hoje entendimento consensual na doutrina e na jurisprudência de que, em caso de incumprimento defeituoso da prestação, ao dono da obra incumbe a prova da existência do defeito, enquanto ao empreiteiro cabe a prova de que o defeito não deriva de má execução da obra[6]. Sendo a existência do defeito, bem como a sua gravidade (de molde a afetar o seu uso ou a acarretar uma desvalorização da coisa), factos constitutivos dos direitos atribuídos ao dono da obra, nos termos do artigo 342º, nº1 do CC, cabe a este a respetiva prova. Cabendo ao empreiteiro a prova dos factos impeditivos da sua responsabilidade, nos termos do nº2 do artigo 342º, do Código Civil, é a ele que incumbe a demonstração de que o defeito se ficou a dever a culpa do lesado, designadamente da má utilização que este tenha feito do bem, bem como a prova da anterioridade do defeito. Tem vindo a ser entendido não ser aceitável que sobre o credor impenda o dever de provar as causas do defeito, sendo as suas pretensões válidas ainda que os motivos do aparecimento do defeito sejam desconhecidos[7]. Segundo João Cura Mariano, o ónus da prova da existência do defeito se basta com a demonstração do simples deficiente funcionamento da obra, não sendo necessária a prova da causa desse mau comportamento[8]. Já o empreiteiro, para afastar a sua responsabilidade, terá de demonstrar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua: “Este ónus da prova não se satisfaz com a simples demonstração que o empreiteiro, na realização da obra, agiu diligentemente, ficando o tribunal na ignorância de qual a causa e quem merece ser censurado pela verificação do defeito apontado pelo dono da obra. Nesta situação, continua a funcionar a presunção de que o devedor da prestação é o culpado. O empreiteiro tem que provar a causa do defeito, a qual lhe deve ser completamente estranha, o que bem se compreende pelo domínio que este necessariamente teve no processo executivo da prestação.” Se a responsabilidade do empreiteiro se baseia na culpa, a culpa do devedor presume-se, por força do artigo 799º, nº1 do Código Civil, pelo que, provado o defeito e a sua gravidade, presume-se que o cumprimento defeituoso é imputável ao empreiteiro. À responsabilidade por cumprimento defeituoso, a par da presunção de culpa prevista no artigo 799º, Pedro Romano Martinez considera ainda aplicável a presunção de imputabilidade prevista no artigo 493º, nº2 do CC,[9] daí inferindo uma certa objetivação da responsabilidade contratual, defendendo que o empreiteiro para afastar a presunção de culpa, só pode invocar três causas: força maior; atitude negligente da contraparte; e facto de terceiro. A tal solução, chegaríamos igualmente pela qualificação da obrigação do empreiteiro como uma obrigação de resultado[10], no âmbito da qual basta ao credor demonstrar a não verificação do resultado para estabelecer o incumprimento do credor, sendo este que, para se exonerar da sua responsabilidade, teria de demonstrar que a inexecução não lhe é imputável. A divergência entre as obrigações de meios e as obrigações de resultado, respeita à natureza da obrigação que impende sobre o devedor: nas obrigações de resultado, o devedor promete um certo resultado (transportar uma determinada mercadoria, reparar uma determinada avaria, construir um móvel). Ao credor incumbe a existência da obrigação e ao devedor a prova de que cumpriu, sendo que, na ausência do resultado devido, se presume a culpa. De qualquer modo, não podemos esquecer que os direitos de resolução ou redução do preço, ou de eliminação dos defeitos, serão, em princípio, independentes de culpa do empreiteiro, desta dependendo apenas a sua obrigação de indemnizar[11]. Ou seja, quanto à pretensão do dono da obra à redução do preço, haverá, tão só, que apurar a existência do defeito e a sua imputabilidade ao empreiteiro, sendo que, provada a existência do defeito, a este incumbirá a prova de que o mesmo se deve a uma causa externa à sua atuação e que, não lhe sendo possível impedi-lo ou eliminá-lo, não deve responder por ele. No caso em apreço, encontra-se demonstrado que, face a uma queixa de aquecimento do motor e após aconselhamento com a ré, a ré ficou incumbida, inicialmente, de proceder à substituição da cabeça do motor e, posteriormente, de proceder à substituição do motor do veículo, procedendo à sua reparação. Ora, depois de a ré ter procedido a várias tentativas de reparação do veículo – entre julho de 2010 e janeiro de 2011 – a 27 de janeiro, a ré comunicou à autora que o veículo se encontrava pronto. Efetuada, então, uma peritagem ao veículo na Mercedes, face às desconfianças da autora em relação à qualidade da reparação, nesta se concluiu que o motor se encontrava “em estado normal de funcionamento mas, nunca se consegue prever se pode ter anomalias internas. O que foi detetado com os testes realizados foi que existem cablagens que não estão a passar no sítio e que está com uma entrada de ar no circuito de baixa pressão e tem injetores com valores de correção muito elevados”. Efetuada nova peritagem no âmbito da presente ação, quanto ao estado do motor, o Sr. perito assinalou várias deficiências no motor – o posicionamento dos fios que constituem a cablagem do motor não é o correto; a cablagem do motor não se encontra devidamente protegida; os injetores instalados não são os indicados para a motorização que acompanha o aparelho; existência de óleo em excesso – que o levaram, nomeadamente, a optar por nem sequer colocar o motor em funcionamento, com o receio de lhe provocar danos permanentes caso o pusesse a funcionar. Temos, assim, por demonstrada a existência de deficiências que afetam o funcionamento do veículo ao nível do motor e a gravidade das mesmas, sendo que o veículo foi entregue à ré precisamente para reparação de uma avaria ao nível do motor. O veículo foi-lhe entregue com queixas de aquecimento do motor. Era à ré, pelos seus conhecimentos e capacidades e pela sua experiência técnica, que incumbia a realização de um diagnóstico ao funcionamento do veículo, a apresentação de uma (ou várias) solução(ões) adequada(s) à resolução do problema, definindo as condições em que a reparação seria efetuada. Ora, apesar de a ré ter procedido a várias intervenções ao nível do motor, com vista á reparação do mesmo, este não ficou a funcionar em condições normais. A ré não demonstrou (e nem sequer alegou[12]) que as anomalias apresentadas no motor posteriormente à sua intervenção no mesmo se devessem a qualquer outra causa estranha aos trabalhos de reparação (ou às várias tentativas de reparação) que efetuou no motor. Quanto ao desgaste decorrente do facto de se tratar de um veículo com cerca de 442.000 km, dado como provado pelo juiz a quo por ter resultado da discussão da causa, não iliba a ré da responsabilidade de a reparação por si efetuada não ter obtido o resultado expetável, ou seja, que o veículo ficasse apto a circular sem problemas, sobretudo atendendo ao valor da reparação em causa: precisamente por se tratar de um veículo que já não é novo, é que só se justifica uma reparação no valor de 3.718,72 € se houver a garantia por parte da oficina de que a intervenção que se propôs efetuar seria adequada a eliminar a avaria. Como tal, as anomalias que o motor continua a apresentar após as várias intervenções da Ré, ter-se-ão por imputáveis à má execução dos serviços de reparação por si efetuados, presumindo-se a culpa da Ré. Assente que está a responsabilidade da Ré pela má execução do serviço de que foi incumbida, passamos à análise direta das pretensões do autor formuladas nos presentes autos: i) redução do preço e ii) indemnização. Não discutimos que os direitos concedidos ao dono da obra pelos arts. 1221º(eliminação dos defeitos ou nova construção), 1222º (redução do preço ou resolução do contrato) e 1223º (indemnização nos termos gerais), do CC, não podem ser exercidos arbitrariamente, mas sim sucessivamente e pela ordem em que são reconhecidos[13]. De entre os três grupos de meios – no primeiro dos quais se integram a eliminação dos defeitos, a substituição da coisa ou de realização de nova obra, no segundo as pretensões de resolução do contrato e de redução do preço, e, no terceiro, o direito a ser indemnizado – a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que, no confronto entre os meios jurídicos previstos no primeiro e no segundo grupos, devem prevalecer as pretensões do primeiro, em nome da conservação do negócio jurídico. “Enquanto o cumprimento da prestação acordada for possível, mediante a eliminação do defeito ou através da sua substituição, não pode estar aberto o caminho para a resolução do contrato, nem para a redução do preço[14]”. E, no sentido de que na empreitada, a hierarquização dos direitos do dono da obra é feita pela lei de modo expresso, se pronuncia ainda o Prof. João Calvão da Silva: “o dono da obra não pode, desde logo, lançar mão da resolução do preço ou da resolução do contrato, sendo possível a retificação da prestação imperfeita; deverá primeiramente exigir o cumprimento perfeito pela eliminação dos defeitos ou reconstrução da obra e, só na hipótese de o empreiteiro, por impossibilidade, desproporcionalidade ou recusa, não renovar o cumprimento em conformidade com o contrato, nos termos devidos, é que o dono pode exigir uma redução adequada da sua contraprestação ou a resolução do contrato por incumprimento[15]”. Sendo possível a eliminação dos defeitos ou a nova realização da prestação, ao comprador ou dono da obra só cabe escolher entre resolver o contrato e reduzir o preço, caso a contraparte tenha recusado qualquer das prestações de cumprimento – reparação ou substituição da coisa – ou depois de decorrido um prazo suplementar fixado nos termos do artigo 808º, para a sua efetivação[16]. Ou seja, o credor não poderá socorrer-se da resolução do contrato ou da redução do preço, enquanto não converter a mora na obrigação de proceder à eliminação do defeito em incumprimento definitivo derivado da perda de interesse na prestação ou da falta de realização da prestação no prazo razoável fixado pelo credor para o efeito. Contudo, também deverá ser encarada como uma situação de incumprimento definitivo, a hipótese do empreiteiro não ter logrado eliminar o defeito, apesar de ter efetuado trabalhos com esse objetivo, não tendo o dono da obra o dever de lhe conceder mais oportunidades[17]. Desde que a viatura lhe foi entregue pela primeira vez para reparação, em Julho de 2010 e até que lhe fez a ultima comunicação e que a viatura estaria pronta, em 27 de Janeiro de 2011, decorreram seis meses, no decurso dos quais a ré procedeu a três intervenções no veículo, na última das quais o veículo permaneceu nas oficinas da ré, para reparação, desde 23 de Setembro de 2010 a 27 de janeiro de 2011. A eliminação dos defeitos da obra será possível, uma vez que a autora pretende proceder, ela própria, à reparação dos defeitos, requerendo a condenação da ré a suportar os custos de tal eliminação. Contudo, a Ré, não só não se ofereceu para proceder a nova tentativa de eliminação dos defeitos, como nem sequer admitiu a sua existência. Por outro lado, as três tentativas que nesse sentido efetuou, sem sucesso, indiciam mesmo a sua incapacidade de proceder à eliminação dos defeitos. O insucesso por parte da ré na eliminação dos defeitos leva-nos a considerar ser inexigível à autora a imposição de concessão à ré de uma nova oportunidade de eliminação dos defeitos, face à perda de confiança na capacidade e competência técnica deste (perda de interesse objetivo na prestação por aquele empreiteiro), configurando a situação um incumprimento definitivo quanto à obrigação de eliminação dos defeitos. A pretensão da autora à redução do preço surge-nos, pois, como justificada face ao circunstancialismo descrito. A redução do preço traduz a verificação da perda do valor da obra face a uma obra conforme com o plano estipulado e sem vícios. O carater sinalagmático do contrato de empreitada explica que entregando o empreiteiro algo diverso do valor convencionado da sua prestação, este facto se repercuta na prestação a efetuar pelo dono da obra, por representar o seu correspetivo, devendo ser objeto de proporcional diminuição[18]. Este direito, mais do que visar o ressarcimento de um prejuízo, encontra o seu fundamento numa equivalência das prestações, pretendendo-se com a mesma, tão só, o reajustamento do preço[19]. “Possibilita-se a alteração unilateral duma das prestações acordadas, perante o cumprimento defeituoso da que lhe corresponde numa relação de sinalagma, recuperando-se assim o equilíbrio inicialmente existente entre elas. Perante a má realização duma das prestações, procura-se manter o contrato através da possibilidade de reajustamento da prestação correspetiva[20]”. A redução deve ser equivalente à desvalorização da obra ou à sua menor rentabilidade, provocada pelo vício ou pela desconformidade existente. Se a desconformidade não implicar qualquer desvalorização, ou menor utilidade da obra, o dono da obra não tem direito à redução do preço. A redução tem de ser proporcional à diminuição do valor e nunca poderá atingir o montante do preço acordado, uma vez que isso corresponderia a uma ausência total de utilidade da obra[21]. Segundo o artigo 1222º, do Código Civil, a redução do preço é feita nos termos previstos no artigo 884º do CC para o contrato de compra e venda: quando no contrato se mostrem individualizadas as parcelas do preço global, correspondentes às partes da obra inutilizadas pela existência dos defeitos, será esse o valor da redução (nº1 do artigo 884º); não se mostrando individualizadas as parcelas do preço global, a redução é feita por meio de avaliação (nº2 do artigo 884º). Relativamente à forma de determinação do quantum a reduzir, e remetendo o nº2 do artigo 884º para uma avaliação sem adiantar quais os critérios a seguir para a determinação do valor a encontrar, Pedro Romano Martinez[22] propõe que a redução seja determinada pela diferença entre o preço acordado e o valor objetivo da coisa com defeito, atendendo-se ao valor atribuído pelas partes. Já João Cura Mariano[23] propõe que a redução do preço seja ser encontrada numa ponderação equitativa entre o preço acordado e o valor objetivo da obra com defeitos e o valor ideal da obra à data da sua aceitação. Ao dono da obra incumbe o ónus da prova da diminuição do valor da obra provocada pela existência dos defeitos[24]. Pretende a autora que a redução por si peticionada seja efetuada com recurso à “equidade”, não propondo a ré qualquer outro meio alternativo de cálculo. No caso em apreço, a ocorrência de diminuição do valor da obra é evidente, face às deficiências assinaladas nas respostas aos pontos 8 e 9 do relatório de peritagem elaborado no âmbito dos presentes autos, e que obstam ao funcionamento normal do motor. A grande dificuldade estará na determinação do respetivo montante, até porque, nem a autora nem a ré adiantam qualquer valor. Encontra-se junta aos autos uma fatura relativa aos serviços em causa, com a discriminação do preço dos materiais aplicados, bem como do custo da respetiva mão-de-obra (doc. 2 junto com a p.i., fls. 8 a 10, do processo físico). Contudo, e uma vez que as anomalias detetadas afetam a totalidade da obra, a redução do preço terá de ser feita por meio de avaliação[25], calculando-se o valor da redução na ponderação entre o preço acordado, o valor da obra defeituosa e o valor ideal da construção. Neste momento não poderemos recorrer à equidade, porquanto, sabemos, tão só, que se verifica uma diminuição do respetivo valor (e que não será total, até porque se encontra dado como provado terem sido aplicadas todas as peças discriminadas na fatura respeitante aos serviços em causa), pelo facto de o motor apresentar anomalias (“as cablagens não estão a passar no sítio certo, está com uma entrada de ar no circuito de baixa pressão, e tem injetores com valores de correção muito elevados”). Dispondo unicamente do preço acordado para a obra caso a mesma se apresentasse sem defeitos, desconhecemos qual é o valor da obra tal como se mostra executada pela ré, face às anomalias apresentadas no motor, bem como, qual o valor ideal da obra em causa. A equidade não equivale a arbitrariedade, pressupondo a existência de elementos de apoio, balizadores da obtenção de um resultado adequado e justo. Concluindo, a determinação do quantum da redução do preço terá de ser relegada para incidente de liquidação, com recurso à avaliação nos termos das disposições conjugadas dos arts. 1222º e 884º, ambos do Código Civil. * Por fim, peticiona a autora o pedido de condenação da ré no pagamento à autora das quantias que esta vier a despender com terceiros, a liquidar em execução de sentença, para colocar o veículo no estado ou nos termos em que ficou acordado entre a autora e a ré. Aceita-se que, em determinadas condições, o dono da obra poderá ter direito à eliminação dos defeitos a efetuar por terceiro, nomeadamente, através da condenação do empreiteiro no reembolso dos montantes que houver ou venha despender para eliminar os defeitos. Contudo, o direito de indemnização previsto no artigo 1223º do CC é residual e complementar relativamente aos direitos de eliminação dos defeitos, de realização de nova obra, de redução do preço e de resolução do contrato: o dono da obra só tem direito de indemnização relativamente aos prejuízos que não obtiveram reparação através do exercício daqueles outros direitos, pelo que pode ser exercido, cumulativa ou isoladamente, nas hipóteses em que se revela o único meio de reparação do prejuízo resultante da existência do defeito ou em relação a prejuízos que não tenham ficado totalmente ressarcidos[26]. Por outro lado, a redução do preço e a condenação da ré no pagamento do custo necessário a alcançar a eliminação dos defeitos, deixando o veículo no estado em que estaria se o serviço contratado à ré tivesse sido efetuado em conformidade com o acordado, são pretensões que se mostram incompatíveis entre si[27], quando se proceda ao respetivo exercício em cumulação. A condenação da ré no pagamento dos custos da eliminação dos defeitos, visando a colocação da autora na situação em que se encontraria caso o contrato tivesse sido integralmente cumprido pela Ré, não se coaduna com a peticionada redução da prestação a cargo da autora que se destina precisamente a igualar a prestação deste ao valor da obra com defeito, pretensão esta que, a ser deferida, viria a acarretar um novo desequilíbrio das prestações. Ou seja, se a autora opta pela redução do preço, que trás ínsita a aceitação da obra no estado em que ela se encontra, com os defeitos por eliminar, pretendendo que o preço a pagar pela mesma corresponda, não ao valor inicialmente acordado entre as partes, mas ao valor da obra tal como a mesma se encontra e se mostra executada pelo empreiteiro, não pode, no momento seguinte, exigir do empreiteiro que custeie a eliminação dos defeitos, pretensão esta que pressupõe o pagamento do preço acordado. O segundo pedido formulado pela autora é, assim, de improceder. A apelação é de proceder parcialmente. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida: Custas na ação e na apelação, a suportar por Autora e Ré, na proporção do decaimento, sendo as custas da reconvenção a suportar pela ré.
Coimbra, 24 de fevereiro de 2015
Maria João Areias ( Relatora ) Fernando Monteiro Inês Moura
V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC. 1. Na responsabilidade por cumprimento defeituoso ao dono da obra incumbe a prova da existência dos defeitos e da sua gravidade, e ao empreiteiro a prova de que a existência daqueles não é imputável à má-execução da obra. 2. A ordem preferencial dos meios atribuídos ao dono da obra não obsta a que, depois de várias tentativas sem sucesso de eliminação dos defeitos por parte do empreiteiro, o dono da obra requeira a redução do preço. 3. A redução do preço deverá ser proporcional à diminuição do valor da obra, a encontrar numa ponderação entre o valor acordado entre as partes, o valor objetivo da obra com defeitos e o valor ideal da obra à data da sua aceitação. 4. O pedido de condenação do empreiteiro no pagamento do custo necessário à eliminação dos defeitos não é cumulável com a pretensão de redução do preço da empreitada, uma vez que esta pressupõe a aceitação da obra no estado em que se mostra executada pelo empreiteiro, vindo o equilíbrio entre as prestações a achar-se, não ao nível da obra conforme ao acordado, mas da obra com defeito, sendo a contraprestação do dono da obra reduzida proporcionalmente ao valor desta.
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