Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
673/15.0GCVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
PRISÃO EFETIVA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 03/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA LOCAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 50.º DO CP; ART. 2.º DO DL. 2/98
Sumário: I - Se é verdade que o crime de condução sem habilitação se insere na pequena criminalidade, também é verdade que o legislador tem pretendido reprimir cada vez mais este tipo de ilícito dados os ainda elevados índices de sinistralidade das estradas portuguesas.

II - Essencial à decisão de suspender é a convicção que o arguido tem capacidade de sentir essa ameaça de eventual cumprimento da pena e que esta tenha sobre si o efeito dissuasor necessário à repetição de factos ilícitos.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

1.

O arguido A... foi condenado na pena de 14 meses de prisão pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, do art. 3º, nº 1 e 2, do D.L. nº 2/98, de 3/1.

2.

Inconformado, o arguido recorreu, concluindo:

«I - Entendeu o tribunal ad quo que se impunha a pena de prisão efetiva aplicando ao arguido 14 meses de prisão invocando fortes exigências de prevenção geral e especial, o que se nos revela manifestamente excessivo e desproporcional.

II - Na verdade atento os factos descritos e a personalidade demonstrada nenhuma fundamentação encontramos na douta sentença para aplicar ao arguido aquela pena em concreto.

III - A pena de prisão aplicada, apenas foi aplicada e valorizada tendo em conta os antecedentes criminais do arguido.

IV - Não foram considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o denominado binómio factos - personalidade do agente.

V - Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal deve dar preferência á segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - art.º 70 do C. P.

VI - O arguido encontra-se social e profissionalmente integrado.

VII - O arguido está actualmente a tirar de condução, estando para o efeito inscrito numa escola de condução a frequentar as aulas.

VIII - A natureza e gravidade do crime praticado pelo arguido, de delinquência menor.

IX - O grau de ilicitude dos factos não é muito relevante, o recorrente conduzia um veículo automóvel sem ser titular de licença de condução que o habilitasse.

X - O grau de culpa é diminuto.

XI - Não ficou provada a personalidade do arguido no sentido da perigosidade para voltar a delinquir, quando e ao contrário, está demonstrada a sua reintegração social.

XII - No caso de crimes puníveis, em alternativa, com prisão ou multa, escolhida a primeira destas penas, pode ainda ser substituída por outra não detentiva que seja legalmente admissível, como por exemplo o trabalho a favor da comunidade, desde que a prisão não seja in casu, imposta por razões de prevenção - Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 363 e Dr.ª Anabela Rodrigues, RPCC, Ano 9º, 4º, 663. Medida essa que atendendo ao caso concreto, alcançaria, com maior sucesso, os fins pretendidos.

XIII - Entre as vozes criticas mais recentes e mais estruturadas estão as recomendações do Relatório da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, concluído a 12 de Fevereiro de 2004 [http://www.portugal.gov.pt] em que se pugna pela restrição da aplicabilidade da pena prisão à criminalidade mais grave e pela diversificação das penas não privativas da liberdade.

XIV - A comissão detectou, entre outros "demasiada rigidez nas possibilidades de flexibilização da execução das penas, escassa utilização da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e, em geral, de outras penas e medidas penais não privativas da liberdade".

XV - Em sumula, o tribunal ad quo deveria não obstante o passado judiciário do arguido ter optado pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade - o caso de prestação de trabalho a favor da comunidade - visando consolidar no arguido a consciencialização da necessidade de um comportamento cívico e do cumprimento definitivo das suas obrigações.

XVI - Deste modo, na medida em que na sentença ora recorrida não foi dada preferência à pena não privativa da liberdade, capaz de, in casu, realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, violou o referido aresto o disposto nos artigos 43º e 70º do CP».

3.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção do decidido. Alega que a suspensão da pena assenta num juízo de prognose favorável ao arguido, que no caso não é possível fazer, considerando que o crime foi cometido no período de suspensão da execução de uma pena de 10 meses de prisão, em que fora condenado apenas 4 meses antes.

Sobre a duração da pena, também defende a sua manutenção considerado a culpa elevada, as necessidades elevadas de prevenção geral e especial

Nos mesmos termos se pronunciou o sr. P.G.A., que realça a circunstância de os factos revelarem que o arguido foi indiferente à condenação recentemente sofrida, demonstrando não ter interiorizado a ilicitude da conduta nem as consequências do facto. Entende, porém, que a pena deveria situar-se nos 12 meses.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

4.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Realizada a conferência cumpre decidir.


*

FACTOS PROVADOS

5.

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

«1. No dia 11/09/2015, pelas 22h10, o arguido conduziu o automóvel ligeiro de passageiros de matrícula RL (...) , na EN 229, km 81, na localidade de Cavernães, Viseu;

2. Na referida data, o arguido conduziu o referido veículo, sem ser titular de carta de condução ou de qualquer licença que o habilitasse à condução desse veículo motorizado;

3. O arguido sabia que para conduzir aquele veículo automóvel na via pública necessitava de ser titular e portador da respetiva carta de condução, passada pelo organismo competente;

4. E, ciente de tal, o arguido conduziu o veículo nas circunstâncias de tempo e lugar ali referidas, querendo proceder dessa forma, bem sabendo não ser titular de carta de condução;

5. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que os factos eram proibidos e punidos pela lei como crime;

Mais se apurou que o arguido:

6. É proveniente de uma família estruturada, sendo o pai trabalhador na construção civil e a mãe doméstica;

7. Até à idade dos 20 anos, trabalhou como pedreiro e manobrador de máquinas, acompanhando o pai em trabalhos no Alentejo e Algarve;

8. Posteriormente e devido ao consumo de drogas e dependência da heroína, desorganizou a sua vida;

9. Beneficia de Liberdade Condicional concedida aos 5/6 da pena em 21/06/2014, até 15/04/2016, sendo acompanhado pela DGRSP, estando a cumprir as obrigações impostas pelo tribunal, nomeadamente, frequenta as consultas na Equipa de Tratamento do CRI de Viseu, trabalha com alguma regularidade na construção civil, e tem comparecido às entrevistas com pontualidade e estabilizado;

10. Vive com uma companheira em casa arrendada;

11. Realiza trabalhos ocasionais na agricultura e construção civil;

12. Encontra-se inscrito em escola de condução;

13. Confessou integralmente e sem reservas os factos;

14. Tem os antecedentes criminais constantes do CRC de fls. 11 a 37, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais, tendo sofrido, além das demais, as seguintes condenações, por sentenças já transitadas em julgado, proferidas:

a. Em 05/06/1992, pela prática, no mesmo dia, de um crime condução sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa;

b. Em 19/01/2004, pela prática, em 09/12/2003, de um crime condução sem habilitação legal, na pena de 110 dias de multa, extinta pelo cumprimento;

c. Em 10/12/2004, pela prática em entre 26/12/2003 e 26/01/2004, de três crimes de condução sem habilitação legal e um crime de condução perigosa, três crimes de furto qualificado e 2 crimes de desobediência qualificada, em pena única de 10 anos de prisão, extinta pelo cumprimento;

d. Em 28/06/2005, pela prática em 16/12/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, extinta por prescrição;

e. Em 08/03/2005, pela prática, em 25/01/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 168 dias de multa, posteriormente convertida em prisão subsidiária e extinta pelo cumprimento;

f. Em 12/05/2015, no processo n.º 49/15.9PTVIS, desta instância local criminal – J3, transitada em 07/03/2015, pela prática em 23/04/2015, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 10 meses de prisão, suspensa por um ano, sujeita a regime de prova».


*

DECISÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação a questão a decidir respeita à aplicação de pena detentiva.

O crime de condução sem habilitação legal, cometido pelo arguido, é punível com prisão até 2 anos ou multa até 240 dias - art. 3º, nº 1 e 2 da Lei 2/98, de 3/1.

            Pela prática de um tal crime foi o arguido condenado na pena de prisão de 14 meses, com base nas seguintes razões: 

«Tendo em conta o passado criminal do arguido com seis condenações por oito crimes de condução sem habilitação legal, a última delas em pena de prisão suspensa e transitada em julgado quatro meses antes da prática dos factos, que assim foram praticados durante o período de suspensão da execução da pena de prisão, entendemos que só a aplicação de uma pena de prisão poderá satisfazer as necessidades da punição.

No que respeita à concreta medida da pena, a mesma terá como limite a culpa do arguido, revelada nos factos por si praticados (cfr. artigo 40º, n.º 2, do Código Penal) e terá de se mostrar adequada a assegurar as exigências de prevenção geral e especial, nos termos do disposto nos artigos 40º, n.º 1, e 71º, n.º 1, do Código Penal.

Na determinação da medida da pena ter-se-ão em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as enumeradas no artigo 71º, n.º 2, do Código Penal.

Há assim que ponderar:

- O grau de ilicitude do facto, que se afigura mediano;

- O dolo, que reveste a forma de dolo direto;

- As condições pessoais do arguido e a sua situação económica, que resultaram provadas e aqui se dão por reproduzidas;

- A conduta anterior e posterior aos factos, sendo de atentar na existência de oito antecedentes criminais pelo mesmo tipo de crime, à data da prática dos factos a que acresce uma condenação por condução perigosa.

Há que ponderar ainda as necessidades de prevenção geral que são elevadas, atenta a frequência com que são praticados estes crimes.

As necessidades de prevenção especial mostram-se elevadíssimas, em face da insensibilidade à aplicação de penas decorrente da sujeição a penas privativas da liberdade e da incapacidade de conformação com a ilicitude da conduta revelada nos factos, sendo a antiguidade de parte delas pouco relevante porquanto o período em que não há condenações foi, na sua maioria, de reclusão.

Assim, tudo ponderado, concluo ser adequada a aplicação da pena de 14 meses de prisão».

            Tal como resulta do elenco dos factos provados, o arguido cometeu o crime em análise em 11-9-2015 e por sentença de 12-5-2015, transitada em 3-7-2015, havia sido condenado na pena de 10 meses de prisão, suspensa por 1 ano com sujeição a regime de prova, por crime semelhante.

            Este tribunal de recurso concorda, inteiramente, com a opção feita pelo tribunal recorrido.

            Efectivamente, as necessidades de prevenção geral e especial a satisfazer são muito elevadas.

            O passado do arguido é revelador pois que, não obstante as várias condenações sofridas, ele persistiu na repetição do comportamento.

Para além disso, se é verdade que o crime de condução sem habilitação se insere na pequena criminalidade, também é verdade que o legislador tem pretendido reprimir cada vez mais este tipo de ilícito dados os ainda elevados índices de sinistralidade das estradas portuguesas.

Fixada a pena é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. Relativamente à determinação do quantum exacto de pena será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada [1].

Não obstante o passado criminal do arguido, entendemos que a pena de 14 meses de prisão se revela algo desproporcional, atendendo a boa integração do arguido e ao facto de, finalmente, se indiciar que ele anda a tentar inverter esta situação.

Assim, temos por adequada a pena de 11 meses de prisão.

            O tribunal recorrido decidiu não suspender a execução da pena de prisão nem proceder à sua substituição, porque «atentas as anteriores condenações do arguido em pena de prisão efetiva e o facto de as mesmas se não revelaram suficientes para o afastar de praticar novamente a mesma conduta, ainda mais quando, quatro meses antes da prática dos factos lhe foi concedida nova oportunidade de, em liberdade, se reinserir socialmente, e ainda assim, sujeito a ameaça de 10 meses de prisão, o arguido não se coibiu de praticar novamente o crime, não é possível realizar tal prognóstico positivo.

Assim, é impossível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, inibindo o arguido da prática de futuros crimes de semelhante natureza, pelo que não estão reunidos os pressupostos da suspensão da pena de prisão.

Pelos mesmos motivos, também não é de esperar qualquer sucesso na substituição da pena de prisão por trabalho, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 58.º, medida que exige grande empenho e conformação com as obrigações que dela decorrem por parte do condenado e capacidade de interiorização do desvalor da conduta, que o arguido já revelou não possuir».

O nº 1 do art. 50º do Código Penal atribui ao juiz o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos sempre que, reportado à data da decisão, faça um juízo de prognose favorável à suficiência da ameaça da pena. Essencial à decisão de suspender é a convicção que o arguido tem capacidade de sentir essa ameaça de eventual cumprimento da pena e que esta tenha sobre si o efeito dissuasor necessário à repetição de factos ilícitos.

Também aqui concordamos com a sentença recorrida quando afasta a possibilidade de suspender a execução da pena pois, no caso, a prognose favorável indispensável à suspensão não é possível. Não obstante o arguido ter sido recentemente condenado em pena de prisão, cuja execução estava suspensa, isso não demoveu de reincidir na prática de factos ilícitos.

Significa isto que a pena de suspensão de execução da pena não cumpriu, afinal, os seus objectivos.

           

            Por isso entendemos, também, que não é possível a suspensão da execução da pena.


*

DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos nega-se provimento ao recurso e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, do art. 3º, nº 1 e 2, do D.L. nº 2/98, de 3/1, vai o arguido A... condenado na pena de 11 meses de prisão.

Fixa-se no mínimo a taxa de justiça.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

Coimbra, 2016-03-09

(Olga Maurício – relatora)

(Luís Teixeira - adjunto)


[1] Acórdão do S.T.J. de 29-3-2007, processo 07P1034.