Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS GIL | ||
Descritores: | HIPOTECA HIPOTECA GLOBAL INSOLVÊNCIA MEAÇÃO CÔNJUGE | ||
Data do Acordão: | 02/14/2012 | ||
Votação: | DECISÃO SUMÁRIA | ||
Tribunal Recurso: | MANGUALDE 2º J | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 668º, 690º, 831º, 1715º CC, 141º E 149º CIRE | ||
Sumário: | 1. Constituída hipoteca global a favor de certa credora hipotecária, são também garantidos pelo produto da venda do imóvel sobre que incide essa hipoteca outros créditos garantidos por hipoteca específica, desde que estes outros créditos tenham como fonte a prevista na hipoteca global, os devedores sejam os aí indicados, a obrigação garantida tenha a natureza prevista no acto de constituição da hipoteca global e se contenham dentro dos limites garantidos pela hipoteca global. 2. A credora hipotecária titular de hipoteca constituída sobre imóvel integrante da meação conjugal do insolvente, não goza da preferência conferida pela hipoteca no pagamento pelo produto da venda da meação conjugal do insolvente. | ||
Decisão Texto Integral: | A espécie, o efeito e o modo de subida do recurso são os próprios, as conclusões das alegações não carecem de ser aperfeiçoadas, não se verifica qualquer circunstância que obste ao conhecimento do recurso e, em nosso entender, as questões a decidir são simples, pelo que estão reunidos os requisitos legais para julgamento sumário do recurso (artigo 705º, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), o que se passa a fazer de seguida. *** 1. Relatório A 15 de Setembro de 2011, no âmbito destes autos que constituem um apenso da acção de insolvência referente a JF (…), foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, notificada a 16 de Setembro de 2011, que reconheceu vinte e cinco créditos, efectuando a graduação da seguinte forma: “1) O produto da liquidação dos bens apreendidos servirá em primeiro lugar para pagamento das dívidas da massa insolvente, nos termos dos artigos 46.º, n.º 1, 51.º, n.º 1 e 172.º, n.º 1 e 2, do CIRE; 2) Quanto ao produto da venda do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob o número quinhentos e dois (artigo segundo, alínea a dos factos provados), dar-se-á pagamento: a) Em primeiro lugar, aos créditos laborais mencionados sob os números 7 (sete – ML ( …)) e 8 (oito – MN (…)). b) Em segundo lugar, ao crédito do Estado Português, decorrente de Imposto Municipal Sobre Imóveis (IMI), reconhecido no apenso D), com excepção do valor de custas. c) Em terceiro lugar, ao crédito garantido da Caixa Geral de Depósitos mencionado sob o número três apenas na parte referente a despesas relativas ao descoberto das contas à ordem com os n.ºs x...e y..., acrescido de juros de mora até integral pagamento com o limite máximo garantido pela hipoteca e dos juros relativos a três anos. d) Em quarto lugar, ao crédito do Estado Português referido em nove, apenas no que se refere ao IRS vencido em doze de Janeiro de dois mil e onze no montante de mil novecentos e seis euros e onze cêntimos; e) Em quinto lugar, ao crédito da segurança social mencionado em cinco, no que se refere a contribuições respeitantes ao período de Fevereiro de 2010 a Janeiro de 2011 e juros, no montante total de cinco mil trezentos e dois euros e oitenta e dois cêntimos e ainda as contribuições referentes ao período de Fevereiro de 2010 a Agosto de 2010 e respectivos juros no montante de mil setecentos e noventa e sete euros e vinte e sete cêntimos; f) Em sexto lugar, aos demais créditos mencionados na referida lista de credores reconhecidos e aos demais créditos reclamados pelo Ministério Público, reconhecidos por sentença proferidas nos apensos C) e D), com excepção dos mencionados em g); g) Em sétimo lugar, aos juros de mora constituídos após a declaração de insolvência, em relação aos credores que os reclamaram, com excepção dos abrangidos por garantia real (hipoteca e privilégio imobiliário especial) e por privilégios creditórios gerais, até ao valor dos bens respectivos. 3) Quanto ao produto da venda do direito à meação e aos bens móveis, depois de abatidas as dívidas da massa insolvente, dar-se-á pagamento: a) Em primeiro lugar, aos créditos laborais das trabalhadoras ML (…) e MN (…). b) Em segundo lugar, aos créditos do Estado Português, referidos sob o número nove da mencionada lista apenas na parte relativa ao IRS vencido em doze de Janeiro de dois mil e onze, no montante de mil novecentos e seis euros e onze cêntimos, e IVA no montante de dois mil trezentos e sessenta euros e treze cêntimos; bem como dos créditos do Estado Português decorrentes de IVA reconhecidos no apenso C), com excepção da parte relativa a custas e coimas fiscais. c) Em terceiro lugar, ao crédito da segurança social mencionado sob o número cinco da referida relação, no que se refere a contribuições respeitantes ao período de Fevereiro de 2010 a Janeiro de 2011 e juros, no montante total de cinco mil trezentos e dois euros e oitenta e dois cêntimos e ainda as contribuições referentes ao período de Fevereiro de 2010 a Agosto de 2010 e respectivos juros no montante de mil setecentos e noventa e sete euros e vinte e sete cêntimos; d) Em quarto lugar, aos demais créditos supra reconhecidos, salvo os mencionados na alínea seguinte, e aos demais créditos reclamados pelo Ministério Público reconhecidos por sentença proferidas nos apensos C) e D). e) Em quinto lugar, os juros de mora constituídos após a declaração de insolvência, em relação aos credores que os reclamaram, com excepção dos abrangidos por privilégios creditórios gerais, até ao valor dos bens respectivos. 4) Em relação aos credores garantidos e privilegiados se não ficarem integralmente pagos pelo produto da venda dos bens respectivos, o saldo disponível é incluído nos créditos comuns, em substituição dos saldos estimados se não coincidirem nos termos previstos nos artigos 174.º e 175.º, do CIRE; 5) Em relação aos credores comuns o pagamento tem lugar na proporção dos seus créditos, se a massa for insuficiente para a respectiva satisfação integral; 6) Se necessário proceder-se-á a rateio entre os credores na mesma ordem de graduação e na proporção dos montantes reclamados; 7) Depois de obtida a satisfação integral de qualquer crédito, não se atenderá à sua referência posterior, passando-se de imediato para os créditos seguintes.” A 03 de Outubro de 2011, inconformada com a sentença de verificação e graduação de créditos, a Caixa Geral de Depósitos, SA, veio interpor recurso de apelação contra tal decisão, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: “1ª- Sobre o prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na C.R.P. de Mangualde sob a ficha ..., apreendido nos autos de insolvência, existe a inscrição de hipoteca a favor da ora apelante, registada em 11/04/2003, cujo teor da transcrição tabular é a seguinte: “ Para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou a assumir por JF (…) e mulher e pela sociedade J (…), Lda, em conjunto ou em separado, decorrentes de quaisquer operações bancárias, nomeadamente mútuos, aberturas de crédito em qualquer natureza, descobertos em conta à ordem, letras e livranças, fianças e avales até ao montante de 150.000,0€ - juro anual de 11,45% elevável em mais 4% em caso de mora a título de cláusula penal – despesas- 6.000,00 euros”. 2ª- Tal hipoteca qualifica-se como genérica, pelo que, tem como fundamento da sua constituição a garantia de todas e quaisquer obrigações que determinada pessoa, identificada no título constitutivo da hipoteca, neste caso o insolvente, tenha ou venha a ter perante o beneficiário da hipoteca, independentemente da identificação específica do crédito concedido, ou seja, tal hipoteca genérica garante uma universalidade de obrigações constituídas pelo hipotecante, ora insolvente, junto do beneficiário da hipoteca, obrigações estas que poderão já estar abrangidas por outras garantias pessoais ou reais específicas. 3ª- Pese embora as obrigações decorrentes dos empréstimos PT 00 ... e PT 00 ... estarem garantidas por hipoteca específica sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial sob a ficha k ..., também estão abrangidas, e por isso garantidas, pela hipoteca constituída por escritura outorgada em 30/04/2003 e levada a registo pela Ap. 4 de 2003/04/11 sobre o imóvel descrito sob a ficha .... 4ª- Tendo a ora apelante reclamado quatro créditos (- crédito no valor de 82.457,38€ de capital, 2.147,67€ de juros e 40,13€, relativo ao contrato de mútuo nº PT 00 ...; crédito no valor de 33.769,33€ de capital, 914,09€ de juros e 50,31€ de comissões, relativo ao contrato de mútuo PT 00 ...; descobertos à ordem com os nºs x...e y... ) e tendo invocado no artº 3º da Reclamação de Créditos, e provado por documentos, a existência de hipoteca genérica sobre o prédio descrito sob a ficha ... da Conservatória do Registo Predial de Mangualde, deveriam os referidos créditos ser reconhecidos como garantidos para obter pagamento pelo produto da venda de tal imóvel e, destarte, serem graduados, com a preferência que lhe é dada pelo artº 686º nº 1 do Código Civil, a seguir aos créditos laborais e IMI. 5ª- Ao assim não se decidir na douta Sentença sob recurso, fez-se uma incorrecta interpretação dos documentos juntos pela ora apelante e, consequentemente, uma errada aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso sub judice, nomine, o disposto no artº 686º nº 1 do Código Civil, que, assim, foi violado. Por outro lado, 6ª- Existe conexão entre as hipotecas, registadas a favor da ora apelante pelas Ap. 2 de 16/03/2004 e Ap. 7 de 29/04/2008, sobre o prédio descrito sob a ficha k ... da Conservatória do Registo Predial de Mangualde e os direitos existentes na esfera do mesmo prédio em termos de se considerar que o produto da venda de um direito sobre o imóvel tem consequências no ressarcimento do crédito garantido por hipoteca. 7ª- Deve ser entendido que existe uma extensão da hipoteca, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 691º do Código Civil, sobre os direitos inerentes ao imóvel em causa, nos termos da aliena d) do nº 1 do artº 204º do mesmo diploma, por forma a considerar-se que as hipotecas se estendem ao produto da venda do direito à meação que o insolvente detém sobre o referido imóvel e que está apreendido nos autos de insolvência. 8ª- Assim, o crédito reclamado pela ora apelante, referentes aos contratos PT 00 ... e PT 00 ..., garantido por duas hipotecas, registadas a favor da ora apelante pelas Ap. 2 de 16/03/2004 e Ap. 7 de 29/04/2008, sobre o prédio urbano descrito na CRP de Mangualde sob a ficha k ..., deveria ser considerado como garantido e, consequentemente, ser graduado, pelo produto da venda do direito à meação, com a preferência resultante da hipoteca, em primeiro lugar. 9ª- A não ser assim decidido, violou a douta Sentença o disposto no artº 686º, 691, nº 1 alínea a) e 204º nº 1 alínea d), todos do Código Civil.” O Ministério Público contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso de apelação interposto pela Caixa Geral de Depósitos, SA. Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. 2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil 2.1 A hipoteca constituída sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha ..., inscrita a 11 de Abril de 2003, a favor da Caixa Geral de Depósitos também garante o pagamento dos créditos decorrentes dos empréstimos PT 00 ... e PT 00 ..., não obstante estes beneficiarem de garantia hipotecária específica sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha k ...? 2.2 A garantia hipotecária constituída sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha k ... estende-se ao produto da venda do direito à meação do insolvente que integra esse imóvel? 3. Fundamentos de facto resultantes da decisão sob censura que não foram impugnados, não se divisando motivo para a sua alteração oficiosa nos termos previstos no artigo 712º, nº 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil 3.1 Nos autos de insolvência dos quais os presentes autos de reclamação de créditos são apenso, por sentença proferida a 24 de Fevereiro de 2011, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de JF (…), residente na Rua (…), em Mangualde. 3.2 Para a massa insolvente foram apreendidos os seguintes bens: a. Imóveis: i. Verba Única: Prédio urbano, destinado a instalações fabris, composto de sete divisões, quatro vãos e logradouro, situado na w ... 2, em Mangualde, a confrontar de norte com lote 10, sul com Rua, nascente com Rua ... e poente com ..., inscrito na matriz da freguesia de Mangualde sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob o n.º .../19860611; b. Direitos: i. Direito à meação sobre o prédio urbano, destinado a casa de habitação, composto de cave, rés-do-chão e 1.º andar (Lote oito), situado em ..., Rua z..., Mangualde, a confrontar de norte com Lote 7, sul com Lote 13, nascente com Lote 9 e poente com Rua ..., inscrito na matriz da freguesia de Mangualde sob o artigo q.., descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob o n.º k .../2001051; c. Móveis sujeitos a registo: i. Veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Subaru, modelo Just, com a matrícula OE ...; ii. Veículo automóvel da marca Rover, modelo 418TD, com a matrícula ...CZ; iii. Veículo automóvel da marca Citroen, modelo BX14TGE, matrícula ...CQ; d. Restantes Móveis: i. Stock de candeeiros e acessórios. 3.3 O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob o número .../19860611, da freguesia de Mangualde, tem registadas as seguintes inscrições: a. Ap. 2 de 21-01-1994 – Aquisição a favor de JF (…); b. Ap. 4 de 30-10-1995 – Hipoteca voluntária a favor do Banco Nacional Ultramarino, S.A., para garantia de empréstimo, abertura de crédito, juro anual de 16%, elevável em caso de mora, despesas 800.000$00, tudo até ao limite máximo de 20.000.000,00 escudos; c. Ap. 6 de 22-11-199 – Penhora a favor do Banco Nacional Ultramarino; d. Ap. 4 de 11-04-2003 – Hipoteca Voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou a assumir por JF (…)e mulher e sociedade “J (…)Limitada”, em conjunto ou em separado, decorrentes de quaisquer operações bancárias, nomeadamente mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, descobertos em conta a ordem, letras, livranças, cheques, extractos de factura, warrants, garantias bancárias, fianças, avales e empréstimo obrigacionistas até ao montante de 150.000,00 Euros – juro anual de 11,45% elevável em mais 4% em caso de mora a título de cláusula penal – despesas - €6.000,00; e. Ap. 12 de 15-03-2005 - Hipoteca legal a favor do Instituto de Segurança Social – IP; f. Ap. 8 de 22-10-2007 – Penhora a favor do Instituto de Segurança Social – IP; g. Ap. 4800 de 12-12-2010 – Hipoteca legal a favor do Instituto de Segurança Social – IP; h. Ap. 1393 de 03-06-12011 – Declaração de Insolvência. 3.4 O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob o número k .../20010511 da freguesia de Mangualde está registado a favor de (…)e JF (…), por compra (ap. 1 de 16-03-2004) e tem ainda registadas as seguintes inscrições: a. Pela ap. 2 de 16-03-2004, hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos cujo montante máximo assegurado é de €154.811,80; b. Pela ap. 7 de 29-04-2008, hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos cujo montante máximo assegurado é de €53.480,44; c. Pela ap. 1393 de 03-06-2011 declaração de insolvência a que se reporta estes autos, com a menção do direito à meação. 3.5 Os créditos referidos sob os números 7 e 8 na lista dos credores reconhecidos elaborada pela Administradora da Insolvência constante de fls. 159 a 161, são emergentes de contrato de trabalho. 3.6 Nos apensos C e D) de verificação ulterior de créditos, foram reconhecidos os seguintes créditos: 6.1. No apenso C) por sentença de 13-09-2011, não transitada em julgado, foi reconhecido o crédito reclamado pelo Ministério Público no montante de €47.529,43, relativo a IVA de Dezembro de 2010, no valor de €144,55, acrescido de juros desde 15-02-2011, IVA dos períodos de Março de 2010, Junho de 2010 e Setembro de 2010, e respectivos juros compensatórios, no valor de €46.494,35, cujo prazo de cobrança voluntária terminou em 31-03-2011, acrescido de juros desde 01-04-2011, sendo o restante do crédito reconhecido relativo a coimas, encargos do processo de contra- ordenação e juros; 6.2. No apenso D) por sentença de 13-09-2011, não transitado em julgado, foi reconhecido o crédito reclamado pelo Ministério Público no montante de €148,92, sendo €0,62 de juros e o restante de capital, relativo a IMI do ano de 2010, posto à cobrança em 2011, relativo ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob o n.º .... 4. Fundamentos de direito 4.1 A hipoteca constituída sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha ..., inscrita a 11 de Abril de 2003, a favor da Caixa Geral de Depósitos também garante o pagamento dos créditos decorrentes dos empréstimos PT 00 ... e PT 00 ..., não obstante estes beneficiarem de garantia hipotecária específica sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha k ...? Na decisão recorrida entendeu-se que os créditos da Caixa Geral de Depósitos, SA decorrentes dos empréstimos PT 00 ... e PT 00 ... não podiam ser considerados créditos garantidos em virtude de não ter sido apreendido para a massa o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha nº k ..., mas apenas a meação nos bens comuns do insolvente, na qual se integra o citado imóvel. Por isso se concluiu que tais créditos eram créditos comuns, não se tendo equacionado o problema de saber se a garantia hipotecária constituída sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha ... também garantia o pagamento de tais créditos. A recorrente sustenta que os aludidos créditos gozam de garantia hipotecária sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha ..., porquanto a hipoteca que foi constituída a seu favor é genérica e na reclamação que efectuou junto da Sra. Administradora da Insolvência não limitou tal garantia hipotecária a quaisquer créditos, mas antes a invocou para garantia do pagamento de todos os seus créditos. Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do disposto no artigo 686º, nº 1, do Código Civil, “A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.” A obrigação garantida pela hipoteca pode ser futura ou condicional (artigo 686º, nº 2, do Código Civil). No caso em apreço, sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha nº ... está inscrita hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos, SA para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou a assumir por JF (…)e mulher e sociedade “J (…) Limitada”, em conjunto ou em separado, decorrentes de quaisquer operações bancárias, nomeadamente mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, descobertos em conta a ordem, letras, livranças, cheques, extractos de factura, warrants, garantias bancárias, fianças, avales e empréstimo obrigacionistas até ao montante de 150.000,00 Euros – juro anual de 11,45% elevável em mais 4% em caso de mora a título de cláusula penal – despesas - €6.000,00 (ponto 3.3 dos fundamentos de facto). Trata-se de uma hipoteca genérica ou global que se caracteriza por garantir uma dívida que não está inicialmente determinada, nem muitas vezes ainda constituída, apenas sendo indicado o montante máximo garantido[1]. Tem-se admitido a validade desta modalidade de hipoteca desde que sejam indicados elementos que permitam determinar com alguma certeza o ou os créditos que a hipoteca garante, mediante a identificação dos devedores dos créditos garantidos, as fontes das obrigações garantidas e as prestações compreendidas nos créditos garantidos. No caso em análise estão indicados os sujeitos passivos dos créditos garantidos (JF (…) e mulher e sociedade J (…), Limitada”), as fontes das obrigações garantidas (operações bancárias), a natureza pecuniária de tais obrigações e o montante máximo garantido pela hipoteca. Desta forma não se suscita qualquer dúvida relativamente à validade da hipoteca global constituída a favor da recorrente sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha .... Os créditos da recorrente que têm como fonte os empréstimos PT 00 ... e PT 00 ... emergem de operações bancárias, têm como devedor o insolvente JF (…), têm natureza pecuniária e contêm-se dentro do montante garantido pela hipoteca global constituída a favor da recorrente sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha .... A circunstância de tais créditos beneficiarem de outra hipoteca específica constituída sobre outro imóvel, não se colocando nem se tendo suscitado qualquer problema de uma eventual sobregarantia[2], não exclui que também possam beneficiar da aludida hipoteca global. Assim, nesta parte, o recurso merece provimento, devendo os créditos da recorrente reconhecidos como comuns e emergentes dos empréstimos PT 00 ... e PT 00 ... ser reconhecidos como garantidos pela hipoteca voluntária global constituída a seu favor sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha ..., sendo graduados em terceiro lugar[3], juntamente com o crédito garantido sobre este imóvel a favor da recorrente. 4.2 A garantia hipotecária constituída sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha k ... estende-se ao produto da venda do direito à meação do insolvente na qual se integra esse imóvel? A recorrente pugna pela revogação da sentença sob censura na parte em que não reconheceu os seus créditos emergentes dos empréstimos PT 00 ... e PT 00 ... como garantidos por hipoteca sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha k ..., rectius como não beneficiando de preferência no pagamento pelo produto da venda da meação do insolvente, meação na qual se integra o imóvel hipotecado a favor da recorrente. Na decisão sob censura, na senda de um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de Outubro de 2008, proferido no processo nº 2007/08-1 e acessível no site do ITIJ, sustentou-se que o bem apreendido para a massa insolvente não era o imóvel sobre o qual incide a hipoteca a favor da recorrente, mas sim um direito que até não é passível de ser hipotecado. Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do disposto no artigo 149º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente ainda que hajam sido arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social ou que hajam sido objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831º e seguintes do Código Civil. No caso em apreço, o insolvente é casado sob o regime da comunhão de adquiridos e o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha k ... foi adquirido onerosamente na constância do seu matrimónio. Por isso, dado o disposto no artigo 1724º, alínea b), do Código Civil, esse imóvel integra a comunhão conjugal. Daí que aquando da apreensão de bens na insolvência não tenha sido apreendido o bem imóvel hipotecado a favor da recorrente, ou sequer uma quota indivisa sobre o mesmo imóvel, mas apenas tenha sido apreendido o direito à meação conjugal do insolvente, na qual se integra o citado imóvel. Em bom rigor, o conteúdo exacto do direito à meação apreendido para a massa insolvente só se determinará em separação de bens, após efectivação da liquidação do passivo do casal e partilha dos bens comuns (artigos 1715º, nº 1, alínea d), do Código Civil e 141º, nº 1, alínea b) e nº 3, do CIRE). A hipoteca constituída a favor da recorrente incide sobre o direito de propriedade do insolvente e do seu cônjuge sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha k .... Esse bem imóvel não foi enquanto tal apreendido para a massa insolvente, como já vimos, sendo certo, além disso, que é legalmente proibida a constituição de hipoteca sobre a meação conjugal (artigo 690º do Código Civil). A pretensão da recorrente de que se lhe dê preferência no pagamento pelo produto da venda da meação conjugal do insolvente, na qual se integra o imóvel hipotecado a favor da recorrente, a ser admitida, traduzir-se-ia numa violação indirecta do disposto no artigo 690º do Código Civil, pois dar-se-lhe-ia preferência no pagamento pelo produto da venda de um direito, sem que fosse admitida a constituição da garantia fundamentadora da preferência no pagamento sobre o direito objecto da venda. Por outro lado, o direito à meação conjugal não se traduz num qualquer direito inerente ao imóvel hipotecado a favor da recorrente pois, à semelhança do que sucede relativamente ao quinhão hereditário, não confere qualquer direito sobre bens concretos e determinados integrantes da comunhão conjugal[4]. Como já foi antes referido, o direito à meação apenas se virá a determinar em separação de bens, após efectivação da liquidação do passivo do casal e partilha dos bens comuns (artigos 1715º, nº 1, alínea d), do Código Civil e 141º, nº 1, alínea b) e nº 3, do CIRE). Assim, ao invés do pretendido pela recorrente, neste segmento, a decisão recorrida não enferma de qualquer ilegalidade, não tendo violado o disposto nos artigos 686º, 691º, nº 1, alínea a) e 204º, nº 1, alínea d), todos do Código Civil. Por tudo quanto precede, deve ser dado provimento parcial ao recurso, devendo os créditos da recorrente reconhecidos como comuns e emergentes dos empréstimos PT 00 ... e PT 00 ... ser reconhecidos como garantidos pela hipoteca voluntária global constituída a seu favor sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha ... e sendo graduados em terceiro lugar, juntamente com o crédito garantido sobre este imóvel já reconhecido e graduado a favor da recorrente. 5. Dispositivo Pelo exposto, dá-se provimento parcial ao recurso de apelação interposto pela Caixa Geral de Depósitos, SA e, em consequência, decide-se revogar a decisão sob censura, na parte em que reconheceu como comuns os créditos emergentes dos empréstimos PT 00 ...[5] e PT 00 ...[6], os quais se reconhecem como garantidos pela hipoteca voluntária global constituída a favor da recorrente sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha ... e se graduam em terceiro lugar, a par com o crédito garantido sobre este imóvel a favor da recorrente relativo ao descoberto das contas à ordem com os nºs x...e y..., créditos acrescidos de juros de mora até integral pagamento com o limite máximo garantido pela hipoteca constituída sobre o imóvel descrito sob a ficha nº ... da Conservatória do Registo Predial de Mangualde e dos juros relativos a três anos, mantendo-se, no mais, a sentença recorrida, no que tange o outro segmento impugnado. Custas do recurso de apelação a cargo da recorrente e da massa insolvente, na proporção de metade para cada. ***
Carlos Gil ( Relator ) [1] Sobre esta figura veja-se, Da Hipoteca, Caracterização, Constituição e Efeitos, Almedina 2003, Maria Isabel Helbling Meneres Campos, páginas 108 a 114. [2] Sobre esta figura vejam-se, o Professor Calvão da Silva in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 136º, páginas 161 a 162; no domínio da fiança, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina 2000, Manuel Januário da Costa Gomes, páginas 829 a 834. [3] A recorrente conformou-se com a graduação efectuada pelo tribunal a quo relativamente ao crédito que foi conhecido como garantido por hipoteca constituída sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob a ficha ..., pelo que esta questão da graduação não constitui objecto do recurso, sendo certo, em todo o caso, que a graduação efectuada está conforme com a lei aplicável (artigos 333º do Código do Trabalho, 122º, nº 1, do Código do Imposto municipal Sobre Imóveis 744º, nº 1, 748º e 751º, estes do Código Civil). [4] No Curso de Direito da Família, Volume I, 3ª edição, Coimbra Editora 2003, da autoria dos Professores Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, página 550, afirma-se que “os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela.” Acrescenta-se na mesma obra e na mesma página que se trata “de um património que pertence em comum a várias pessoas, mas sem se repartir entre elas por quotas ideais, como na compropriedade.” [5] Constituído por € 82.457,38 de capital, € 2.147,67 de juros de 07 de Dezembro de 2010 a 06 de Maio de 2011, com agravamento diário de € 23,30 a partir de 06 de Maio de 2011 e € 40,13 de comissões. [6] Constituído por € 33.679,33 de capital, € 914,09 de juros de 24 de Dezembro de 2010 a 06 de Maio de 2011, com agravamento diário de € 9,54 a partir de 06 de Maio de 2011 e € 50,31 de comissões. |