Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | BARATEIRO MARTINS | ||
Descritores: | FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA RESOLUÇÃO ARRENDAMENTO CADUCIDADE | ||
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Data do Acordão: | 02/14/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TORRES NOVAS - 2.º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 1041.º E 1085.º DO CC | ||
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Sumário: | 1. Enquanto o inquilino não pagar ao senhorio a renda respeitante aos meses em mora e as respectivas indemnizações, o senhorio tem o direito de recusar o pagamento das rendas de meses seguintes. 2. Com o RAU (art. 65.º), e agora com o NRAU (art. 1085.º do CC), o direito potestativo de resolução do contrato de arrendamento caduca se não for exercido no prazo de um ano a contar do facto que lhe serve de fundamento. 3. No caso das violações contratuais repetidas, como é o caso da falta de pagamento da renda, o prazo de caducidade corre separadamente para cada uma delas. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório A..., CRL, com sede em Torres Novas, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra B..., residente em Riachos – Torres Novas, pedindo: Que se resolva o contrato de arrendamento existente entre A e R. e este condenado a entregar o locado livre e desocupado de pessoas e bens; que o R. seja condenado a pagar à A. o valor das rendas vencidas (que na data da PI ascendiam a € 1.452,88) e o valor das rendas vincendas, até efectiva entrega do locado, acrescidos de juros à taxa legal. Alegou, para tal, em resumo, que o R., como inquilino, e C..., como senhoria, celebraram, no dia 1/02/78, um contrato de arrendamento, para comércio de retrosaria, dum prédio que, entretanto, em 07/12/2001, a A. adquiriu à referida C...; arrendamento de que o R. não procede ao pagamento das rendas desde que a A. adquiriu o prédio/locado. O R. contestou, deduzindo a excepção da prescrição em relação às rendas com mais de 5 anos; e invocando, em síntese, que foi a A. que se recusou a receber as rendas – quando se deslocava à dependência da A. de Riachos, os funcionários, após contactarem telefonicamente uma pessoa, supostamente responsável pela CCA, diziam que não podiam nem tinham ordem para receber as rendas – o que o levou a proceder ao seu depósito na CGD, do que sempre deu conhecimento à A. Respondeu a A., pugnando pela improcedência da prescrição. Foi proferido despacho saneador que julgou a instância totalmente regular – tendo, sem reparo, sido julgada improcedente a excepção de prescrição – estado em que se mantém, e foi organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa; instruído o processo e realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que concluiu do seguinte modo: “ (…) julgo a presente acção (…) integralmente procedente por provada, julgo improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé e, em consequência: a) Declaro resolvido o contrato de arrendamento (…) condenando o R. a entregar aquela o prédio urbano (…) totalmente livre e desocupado de pessoas e bens; b) Condeno o Réu a entregar à Autora a quantia de € 1.452,88 (…) a título de rendas vencidas e não pagas até à data da propositura da presente acção, bem como a pagarem as rendas que se venceram e vencerem desde esta data até ao trânsito em julgado da presente sentença (no valor mensal de € 16,51); c) Condeno o Réu a entregar à Autora, mensalmente, a quantia de € 16,51, desde a data do trânsito em julgado desta sentença até à entrega do locado; (…)
Inconformado, interpôs o R. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a acção improcedente. Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1-A douta sentença a quo sobre a matéria de facto padece de Erro Notório na Apreciação da Prova e na aplicação do Direito. 2-Na discussão da matéria de facto apurou-se que ao contrário do que se estabelece na douta sentença recorrida, que o Réu terá se deslocado em 2002 ás Dependência da Autora sita nos Riachos, para efectuar o pagamento, e que terão se recusado a receber as rendas por não terem ordem para tal, o que levou a que o Réu inicia-se os depósitos junto da Caixa Geral de Depósitos, primeiro tendo como beneficiário a antiga senhoria e depois após tomar conhecimento da transmissão, por carta datada de 06/03/2002 à ordem da Autora. 3-A testemunha D..., confirmou essa deslocação em inícios de 2002 tendo informado ao tribunal que fora ele que alvitrara ao Réu que face a recusa em receber as rendas que fossem depositadas na Caixa Geral de Depósitos, isto porque a experiencia de vida que tinha assim o impunha, e que mais tarde o Réu lhe mostrou os comprovativos de tais depósitos, e que nenhuma das testemunhas que vira lá fora estava nesse dia que se deslocou ao Balcão dos Riachos a pedido do Sr. B..., e que o empregado da A...teve conhecimento pela Via Verbal que o Sr. B... iria fazer os depósitos na Caixa Geral de Depósitos por se recusarem a receber às rendas ( apud depoimento registado em suporte informático) 4-Este depoimento, foi corroborado pela testemunha E... , que informou que lá dentro do balcão, o Senhor que atendeu disse”não temos ordem para receber as rendas, e que o Sr. B... até queria pagar todas as rendas e que o funcionário não quis receber. Aliás esta testemunha, acrescentou que ouviu o Sr. B... dizer para o funcionário que iria fazer o depósito junto da Caixa Geral de Depósitos, esta testemunha até foi mais longe ao afirmar que o Sr B... lhe terá dito que o queriam por dali a andar porque a renda que pagava era uma renda reduzida pêra o espaço que ocupava. ( apud depoimento registado em suporte informático) 5-Ora estes depoimentos conjugados com, os documentos n.ºs 3 e 4 Junto com Autora na PI e documento n.º 1 junto com o Réu na Contestação, resulta necessariamente uma conclusão diversa da sentença recorrida, nomeadamente quanto aos fundamentos apresentados pela Meritíssima Juiz a quo para concluir pela procedência da acção interposta pela Autora. 6-Assim, e face à produção de prova ocorrida em audiência de julgamento, com referencia aos depoimentos das testemunhas D..., E..., F...e G..., conjugados com os documentos, n.º 3 e 4 Juntos pela Autora e Documentos, 1,2,3 e4 Juntos pelo Réu na Contestação, deveria o Tribunal a a quo ter considerado provado que, 7-O réu Comunicou a autora o referido em H, desde 2002. 8-Autora se recusou a receber as rendas, desde 2002 9-O Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova decidindo não absolver o réu do pedido. 10-Até porque o recorrente explicou as circunstâncias envolventes do processo, explicando que apenas depositou as rendas na Caixa Geral de Depósitos, porque a Autora se recusou a receber as rendas. 11-Não é a toa que os depósitos vêm sendo depositados desde 2002. 12-Precisamente data da venda do imóvel por parte do antigo senhorio, depósitos esses que inicialmente eram feitos com beneficiário aquele e depois da comunicação de 06/03/2002, a ordem da Autora. 13-A decisão padece do vício de fundamentação, pois, ignorou todos os elementos probatórios e factuais sindicados ao Tribunal pelo recorrente. 14-Pois, se conjugarmos as regras de experiência comum, podendo concluir que a fundamentação justificada na decisão oposta. Isto é, Absolver o Réu do Pedido. 15-Por outro lado, O Réu atendendo a recusa de recebimento por parte da antiga senhoria, dirigiu-se ao balcão da autora nos Riachos para efectuar o pagamento, tendo se recusado a receber estavam reunidos os pressupostos para efectuar o deposto liberatório. 16-Ainda que não se considerasse que o Senhorio, não teve conhecimento dos depósitos, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que, 17-Esse Deposito por si liberava o Réu de qualquer falta, nomeadamente a reclamada pela Autora. 18-Até porque, a notificação ao senhorio do depósito é facultativa, porém, a junção do duplicado à contestação da acção de despejo baseada na falta de pagamento da renda produz os efeitos da notificação (vide doc 1 junto pelo Réu na contestação) 19-Quando o senhorio pretenda resolver o contrato por não pagamento da renda, a impugnação do depósito, estando acção já pendente, deve ser efectuada, na resposta à contestação ou em articulado específico, apresentado a contar da notificação em causa, o que não aconteceu, não houve impugnação nem sequer se pôs em causa tal depósito na réplica. 20-E como mandam as regras do processo civil, não havendo impugnação, dão por provados os factos constantes do documento em causa motivo pelo qual foi levado para a matéria dada como assente o disposto em H. 21-Ora analisando a prova constante dos autos, bem como os elementos factuais a ele juntos 22-O despejo do Réu é efectuado contra o arrepio das regras de direito e desajustado à realidade dos factos. 23-Pelo que o acórdão recorrido viola os princípios da legalidade, proporcionalidade, igualdade, justiça e boa fé, imparcialidade. 24-Enferma ainda, a douta sentença de graves omissões imprecisões e inexactidões quanto a fundamentação. 25-Pois, não obstante a liberdade de apreciação de prova que a lei confere, o julgador não é arbitrário na apreciação nem o poder discricionário que lhe é conferido é ilimitado. 26-Isto é, a liberdade de apreciação de provas é uma liberdade de acordo com o dever de prosseguir a chamada “verdade material” de tal sorte que apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo. 27-De facto, a liberdade de apreciação de prova há-de traduzir na valoração racional e critica de acordo com as regras comuns da lógica da razão da máxima experiência e dos conhecimentos científicos, que permitam o julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação de decisão (cfr Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, anotado Vol IV Coimbra 1981 – pág. 586 e ss). 28-Aliás o despejo ordenado não é mais do que uma artimanha que temos vindo a assistir de forma impávida e serena que os mais Fortes pelo poder que detém, esmagam os mais fracos a pretexto de estarem a coberto da Lei, quando no caso em apreço conforme foi referido pelas testemunhas arroladas e documento n.º 1 com PI, que o Réu, pessoa Humilde, tem instalado desde 1 de Fevereiro de 1978, o seu negócio naquele local. 29-E que paga uma renda mensal de € 16,51. 30-E que segundo as testemunhas da autora, esta confusão intensificou-se apenas quando a loja reconstruída estava pronta. vide depoimento de F..., que disse que o Réu quer-se aproveitar da Autora. 31-Não terá sido porque a renda é de valor irrisório para espaço que agora ocupa o Réu? Não terá a testemunha E..., falado a verdade quando relatou esse assunto? 32-Pelo exposto deve-se revogar a sentença recorrida dando provimento ao recurso, ora interposto absolvendo-se o réu do pedido.
A A. respondeu, sustentando, em síntese, que não violou a sentença recorrida quaisquer normas adjectivas ou substantivas, designadamente as referidas pelo recorrente, pelo que deve ser mantida a sentença nos seus precisos termos.
Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir. * II – “Reapreciação” da decisão de facto Como “questão prévia” à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação do apelante (art. 684º, n.º 3 e 685º-A, n.º 1 do CPC) – analisar as questões a propósito da decisão de facto colocadas a este Tribunal. No caso vertente, os diversos depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª instância se baseou para decidir a matéria de facto, foram gravados; constando, assim, do processo todos os elementos probatórios com que aquela instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto, e é possível modificar aquela decisão, se enfermar de erro de julgamento[1]. Faculdade – de modificar a decisão de facto – em cujo uso, costumamos “avisar”, é nosso dever ser contidos, cautelosos e prudentes, uma vez que existem elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo de exteriorização e verbalização dos depoentes, não importados para a gravação, susceptíveis de influir, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhes. O que, porém – importa salientar e precisar – não significa que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto apenas envolve a correcção de pontuais, concretas e excepcionais erros de julgamento; efectivamente, a Relação, quando aprecia as provas – e pode para tal atender a quaisquer elementos probatórios (cfr. art. 712.º, n.º 2, do CPC) – faz um novo julgamento da matéria de facto, vai à procura da sua própria convicção, assegura o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto (ou seja, a actividade da Relação não se pode/deve circunscrever a um mero controlo formal da motivação efectuada na 1.ª Instância). Efectuados tais prévios e “tabelares” esclarecimentos, debruçando-nos sobre as concretas questões – tendo presente as posições assumidas pelas partes nos articulados, analisados os documentos juntos aos autos e ouvido o registo, efectuado em CD, da sessão de julgamento – concluímos, antecipando desde já a solução, que não assiste a menor razão ao R/apelante. O R. apelante parece[2] colocar em causa o julgamento de todos os factos/quesitos constantes da base instrutória. Quesitos (em número de 3) esses em que se pretendia saber o seguinte: Quesito 1°: “O R. comunicou à A. o referido em H)[3]?” Quesito 2°: “Apesar do referido em I)[4], a A. não conseguiu fazer suas as quantias depositadas?” Quesito 3°: “A A. recusou receber directamente as rendas?” Quesitos a que o tribunal a quo respondeu “provado” quanto ao 1.º e 2.º; e a que deu uma resposta explicativa – “provado que a Autora, ao se aperceber que o Réu vinha depositando as rendas desde momento anterior ao da mencionada transmissão, solicitou ao mesmo, por carta datada de 13 de Março de 2008, que procedesse ao pagamento das rendas devidas desde Janeiro de 2002, e que, como o segundo propôs apenas o pagamento das rendas não depositadas, devidas a partir de Janeiro de 2009, a primeira recusou receber estas quantias” – quanto ao 3.º. Defendendo o R/apelante, se bem entendemos, que os 1.º e 2.º devem ser considerados “não provados” e o 3.º “provado”. Sem qualquer razão, insiste-se. Vejamos porquê: Os autos são duma relativa simplicidade; e as dificuldades que o julgamento da matéria de facto colocava – mais exactamente, as que o exame e análise críticos das provas colocava – foram resolvidas com total acerto pela Ex.ma Juíza a quo. Escreveu-se na motivação do despacho, em que se decidiu a matéria de facto, o seguinte: A propósito do quesito 1.º, fez-se constar que “ (…) não foi produzido qualquer elemento de prova documental demonstrativo da existência duma comunicação escrita, nem se logrou demonstrar que tal comunicação foi efectuada por qualquer outro meio. Neste contexto cumpre salientar que, as testemunhas F...e G..., funcionários da Autora, revelaram desconhecer a existência de qualquer comunicação, e as testemunhas D... e E..., amigos do Réu, fizeram referência à mesma mas de uma forma nada convincente pelo que, como adiante se demonstrará, não mereceram a credibilidade do Tribunal. Refira-se, por fim, que J..., representante legal da Autora, referiu-se a esta factualidade, mas não confessou a verificação da mesma, nem da demais factualidade controvertida.” A propósito do quesito 2.º, fez-se constar que a resposta “ (…) assenta na análise dos documentos de fls. 52, 66 e 67, que reproduzem um requerimento dirigido pela Autora a este Tribunal com o escopo de solicitar que lhe fosse concedido o acesso às quantias depositadas na CGD e uma certidão emitida pelo mesmo Tribunal com o mesmo fim, cujo teor se mostra idóneo e não foi impugnado por qualquer modo, coonestado com os depoimentos das testemunhas F...e G..., que, a despeito da relação profissional que mantêm com a Autora, prestaram um depoimento objectivo, isento e credível, explicando de forma circunstanciada todas as diligências encetadas pelas mesma no sentido de aceder às quantias depositadas e a forma como as mesmas se revelaram infrutíferas, o que tiveram conhecimento directo no âmbito do exercício das suas funções”. E a propósito do quesito 3.º, fez-se constar que “ (…) a resposta explicativa se baseou, desde logo, na análise dos documentos de fls. 26 (carta enviada ao Réu, datada de 6 de Março de 2002, a comunicar a transmissão da posição de senhorio à Autora), de fls. 50 (carta enviada pela Autora ao Réu, datada de 13 de Março de 2001, na qual refere, além do mais, que “desde Dezembro do ano de 2001, altura em que a A... adquiriu o imóvel, onde detinha o seu estabelecimento, que o senhor certamente porque já o vinha fazendo, vem depositando as rendas na Caixa Geral de Depósitos” e solicita o pagamento das rendas devidas desde Janeiro do ano de 2002), de fls. 51 (carta enviada pelo Réu à Autora, em resposta à anterior, na qual o mesmo aceita proceder ao pagamento das rendas vincendas — a partir de Janeiro de 2009 - nas instalações da Autora, mas recusa pagar as rendas vencidas, cujo valor depositou na Caixa Geral de Depósitos) e de fls. 71 a 114 (comprovativos do depósito das rendas na Caixa Geral de Depósitos a favor da anterior senhoria C... nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2002 e a favor da Autora nos meses seguintes e até Dezembro de 2008), documentos que se mostram idóneos e cujo teor não foi infirmado por qualquer modo. A este propósito cumpre salientar que as D... e E..., amigos do Réu, afirmaram que acompanharam o mesmo numa deslocação que efectuou às instalações da Autora, logo no início de Janeiro de 2002, com o propósito de pagar a rendas e que, tendo o funcionário daquela recusado o recebimento, o Réu anunciou que iria passar a proceder ao depósito das mesmas na Caixa Geral de Depósitos. Sucede que, estes depoimentos não se mostraram nada credíveis na medida em que não só se revelaram manifestamente parciais e estudados, revelando muitas obscuridades nos pontos de facto que se desviavam do discurso claramente pré-preparado com o intuito de apoiar a versão do Réu, mas sobretudo foram infirmados pela análise da prova documental supra elencada. Com efeito, não faz sentido afirmar que no início de Janeiro de 2002 o Réu se deslocou às instalações da Autora com o propósito de pagar as rendas quando a transmissão do arrendamento só lhe foi comunicada por carta datada de 3 de Março de 2002 (cfr. fls. 26) e quando nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2002 aquele depositou as rendas a favor da anterior senhoria (cfr. fls. 71 e 72). Sem prejuízo, da análise da correspondência de fls. 50 e 51 resulta evidente que, entretanto, a Autora apercebeu-se de que as rendas vinha sendo depositadas. Tal como resulta dos depoimentos credíveis e circunstanciados das testemunhas F...e G..., que a Autora recusou a proposta de pagamento das rendas vincendas contida na carta reproduzida a fls. 51. Aliás, foi a primeira destas testemunhas que afirmou peremptoriamente que, na qualidade de funcionário da Autora e seguindo instruções da mesma, recusou receber as quantias referentes às rendas que se vencessem a partir de Janeiro de 2009 que, em meados de 2008, o Réu se propôs pagar nas instalações daquela.” Sintetiza/relata o que se acaba de transcrever os depoimentos das 4 testemunhas ouvidas – dois funcionários da A. e dois amigos do R. – e o depoimento de parte de J..., membro do CA da autora; além disto e fundamentalmente, retrata a correcta apreciação/valoração de todos os meios de prova produzidos. Indo ao fulcro da questão dos autos/recurso, importa começar por enfatizar que não é por uma testemunha referir um certo facto que o tribunal tem que incluir tal facto na sua “reconstituição do passado”. A prova testemunhal, é sabido, é apreciada livremente pelo tribunal, o que significa que o tribunal não está vinculado, na sua apreciação, a quaisquer regras legais estritas. É recorrendo a todas as circunstâncias envolventes, a todos os detalhes, munindo-se de todo o seu sentido crítico e analítico, fazendo uso de toda a sua perspicácia, argúcia e experiência, que o tribunal avalia o depoimento das testemunhas, só “validando” para a sua “reconstituição do passado” o que lhe possa merecer valor e crédito. Foi exactamente isto que a Ex.ma Juíza a quo fez e que externalizou na motivação do despacho, designadamente quando, a propósito dos depoimentos do D... e do E..., amigos do Réu, expendeu que os mesmos “se mostraram nada credíveis na medida em que não só se revelaram manifestamente parciais e estudados, revelando muitas obscuridades nos pontos de facto que se desviavam do discurso claramente pré-preparado com o intuito de apoiar a versão do Réu, mas sobretudo foram infirmados pela análise da prova documental supra elencada.”. É exactamente isto – esta “análise crítica das provas e dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do tribunal” (cfr. art. 653.º/2, parte final, do CPC) – que colhe a nossa total concordância. Razão pela qual nos limitaremos a acrescentar, reforçando tal linha argumentativa, os seguintes “pequenos/grandes” detalhes: As duas testemunhas do R./apelante vieram dizer, em síntese, que, “um dia, em Janeiro de 2002, estavam no café P... e que o R. lhes pediu para irem com ele testemunhar uma coisa na A...”; foram com ele e “o R. puxou por uma carta para o moço do banco e deu-a ao moço que foi para dentro e depois veio e disse que não tinha ordens para receber” (dando ambos a entender que se estavam a referir à renda). Sem conseguirem ser exactos sobre a generalidade dos factos, foram contudo muito precisos e enfáticos sobre a data em que o correu tal ida à A...: Janeiro de 2002[5]. Primeira perplexidade – devidamente salientada pela Ex.ma Juíza a quo – em Janeiro de 2002 não se vê que carta o R. pudesse levar, uma vez que a carta a comunicar a compra por parte da A. é de Março de 2002 (cfr. fls. 26). Disse também a testemunha D... que o R. ficou sem saber o que fazer, em face da recusa da A. em receber a renda, e que foi ele (testemunha) que “lhe alvitrou que depositasse a renda na CGD à ordem do tribunal.”[6] Segunda perplexidade, como é que o R. ficou sem saber o que fazer, como é que o R. ignorava a possibilidade de fazer o depósito da renda na CGD – como tal testemunha deu claramente a entender na resposta a uma pergunta final da Ex.ma Juíza – se ele próprio (R.) já vinha efectuando tal depósito há anos em relação ao anterior senhorio. Disseram ambas as testemunhas ( D... e do E...) que eram 3 as pessoas que foram à agência da A.; mas, curiosamente, o E... identifica a terceira pessoa (além dele e do R.) como uma tal “Sr. L... de Riachos” (cfr. 16:20 a 16:50). Terceira perplexidade, a 3.ª pessoa, a outra testemunha, não se chama L...; teria sido interessante, estando a testemunha E... a ser ouvida por vídeo conferência, que lhe tivesse sido pedida uma descrição detalhada do tal “Sr. L...”[7]. Assim, acabamos por ficar com esta situação, nada explicável, de se designar como “ L...” alguém que se chama D.... Finalmente e mais relevantemente, as testemunhas D... e E... não só não identificaram minimamente o moço do banco que, em Janeiro de 2002, atendeu o R. e que foi para dentro e depois veio e disse que não tinha ordens para receber; como, inclusivamente, declinaram[8] a realização de qualquer esforço para tal, dizendo que foi aquela a única vez que foram à A.... Cada um pode dizer o que muito bem entender, mas, evidentemente, para aspirar a que lhe seja reconhecido valor e crédito tem que fornecer elementos que permitam sujeitar a contraditório o que diz. O que as duas testemunhas ( D... e do E...) disseram, renunciando à partida à identificação do moço do banco e por via disso a poderem ser contraditados, teve um valor – sem prejuízo da regra, supra referida, da prova testemunhal ser apreciada livremente pelo tribunal – idêntico ao valor do zero na multiplicação. Em contraponto com a vacuidade substantiva de tais dois depoimentos, produziram os meios de prova indicados pela A. depoimentos límpidos e cristalinos; quer os 2 funcionários da A., quer o seu administrador J..., foram completamente consistentes, congruentes e credíveis no que disseram. Admitiram a vinda do R. ao balcão de Riachos, mas a meio do ano de 2008, para, na sequência de cartas coevas (juntas a fls. 50 e 51) trocadas entre as partes, pagar a renda; o R. queria pagar a partir daquela data/mês, uma vez que, segundo disse, tinha até ali feito depósitos na CGD, tendo-lhe sito respondido que tinha que pagar as rendas todas (apenas em singelo) e que se quisesse pagar só uma renda ela teria que ser imputada à 1.ª renda em dívida (Janeiro de 2002), o que o R. não aceitou, não tendo assim sido feito qualquer pagamento (continuando tudo, até hoje, como até ali[9]). Em face de tudo isto – que a motivação da decisão de facto refere – e das atinentes regras da experiência, o sentido e a avaliação da prova produzida, em termos de análise crítica, não poderia ser outra senão a que enformou as respostas dadas; que assim reflectem e exprimem com fidelidade a prova produzida. Mais, para além da manutenção das respostas dadas, irradia do que acabámos de expor a forte convicção de não haver de modo algum ocorrido, em Janeiro de 2002, o episódio que as testemunhas D... e E... vieram trazer ao tribunal. Algo parecido como o que eles contaram poderá porventura ter acontecido em meados de 2008 – não sendo de algum modo seguro que, nesta data, eles hajam estado presentes e assistido – mas, em Janeiro de 2002, não aconteceu certamente nada de parecido com o que eles contaram. Assim, tratando-se a data de Janeiro de 2002, no caso, um elemento juridicamente relevante, não podemos – em face do prejuízo que tais comportamentos (em que testemunhas vêm, sob juramento, dizer algo que, a nosso ver, não pode ser verdade) causam à imagem, dignidade e prestígio da Justiça – permitir que tais comportamentos passem em claro, sem ser investigados; razão porque – tendo tomado conhecimento dos mesmos, isto é, de indícios de crimes de falsidade de testemunho, no exercício das funções (cfr. art. 242.º/1, b), do CPP) – os iremos comunicar, para os fins tidos por convenientes, ao M.º P.º[10]. É quanto há a dizer e concluir sobre o recurso de facto, que improcede “in totum”. *
III – Fundamentação de Facto Os factos apurados, logicamente alinhados, são os seguintes: 1) A aquisição do prédio urbano, sito no Lugar da ..., freguesia de Riachos, concelho de Torres Novas, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...e descrito na CRP de Torres Novas sob o n.º ..., da mesma freguesia, encontra-se inscrita a favor da Autora pela apresentação n.º 2 de 18 de Dezembro de 2001. 2) Por escritura pública, celebrada em 7 de Dezembro de 2001 no Cartório Notarial de Torres Novas, C..., H... e I...declararam vender à Autora o prédio descrito em A) pelo preço de dezasseis milhões de escudos, o que esta aceitou de igual modo. 3) Em 1 de Fevereiro de 1978, C..., na qualidade de “senhorio”, e o Réu, na de “arrendatário”, celebraram um acordo referente ao prédio identificado em A), que reduziram a escrito e designaram por “Contrato de Arrendamento”, no qual consagraram, além do mais, as seguintes cláusulas: “1.ª -O prazo de duração é de seis meses, a contar de 1 de Fevereiro de 1978, prorrogável por iguais e sucessivos períodos de tempo, nos termos da lei; 2.ª – A renda anual é de 6.600$00, a pagar em duodécimos de 550$00 na casa do senhorio no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito; 3.ª – O prédio destina-se a estabelecimento não lhe podendo ser dado outro destino, nem ser sublocado, total ou parcialmente, sem autorização por escrito do senhorio; (…)”. 4) A Autora comunicou ao Réu a transmissão reproduzida em 2), informando-a que passava a assumira a qualidade de “senhorio” no mencionado acordo. 5) Desde o momento da referida transmissão até ao presente a mencionada renda nunca foi actualizada, cifrando-se em €16,51 (dezasseis euros e cinquenta e um cêntimos). 6) Desde então, o Réu nunca entregou directamente à Autora o valor das rendas. 7) O Réu tem vindo a depositar a mencionada renda na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas. 8) A A Autora envidou esforços no sentido de fazer suas as quantias depositadas, mas não conseguiu. 9) O Réu não comunicou à Autora o referido em 7). 10) A Autora, ao se aperceber que o Réu vinha depositando as rendas desde momento anterior ao da mencionada transmissão, solicitou ao mesmo, por carta datada de 13 de Março de 2008, que procedesse ao pagamento das rendas devidas desde Janeiro de 2002, e que, como o segundo propôs apenas o pagamento das rendas não depositadas, devidas a partir de Janeiro de 2009, a primeira recusou receber estas quantias. * IV – Fundamentação de Direito A apreciação e decisão do recurso, delimitado pelas conclusões da alegação do R/apelante, circunscreve-se, em termos jurídicos e no essencial, à questão da resolução do contrato de arrendamento (vigente entre A. e R.) por falta de pagamento das rendas. Questão a que a decisão impugnada – decretando a resolução do contrato – deu a resposta que reputamos como correcta pelas seguintes razões: Quanto à lei aplicável: Na sentença recorrida entendeu-se, pese embora o contrato (com a primitiva senhoria) ter sido celebrado em 01-02-1978, ser aplicável – tendo em vista o que está em causa, isto é, a resolução da relação contratual subsistente – o regime legal introduzido pela Lei nº 6/2006, de 27-02, que aprovou o novo regime do arrendamento urbano (NRAU). Com inteira razão; embora a solução seja a mesma quer os preceitos aplicáveis sejam os anteriores ao RAU quer seja o RAU ou o NRAU. Efectivamente, sem prejuízo do disposto no artigo 12.º, n.º 2, 1.ª parte, do CC – isto é, sem prejuízo de ser a lei vigente à data da celebração do contrato a aplicável às condições de validade substancial e formal do arrendamento – o artigo 59.º, n.º 1, da lei 6/2006 manda aplicar o NRAU às relações contratuais subsistentes na data da sua entrada em vigor; e se é certo que, em relação aos contratos celebrados antes da sua vigência, para alguns aspectos, a Lei 6/2006 prevê um regime transitório, a verdade é que, para o caso (o regime transitório aplicável é o dos artigos 27.º a 29.º, que também remete para o art. 26.º), no que aqui interessa, quanto às causas de resolução, não há qualquer norma no regime transitório; pelo que, em resumo, vale na sua plenitude a regra constante do artigo 59.º, n.º 1, da lei 6/2006, ou seja, é aplicável o que actualmente se dispõe nos artigos 1064.º a 1113.º do C. Civil. Quanto à verificação da causa resolutiva: Entendeu-se, na sentença recorrida, que os factos provados espelham a causa resolutiva prevista no art. 1083.º/3 do C. Civil – segundo o qual “é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda (…) sem prejuízo do disposto nos nºs. 3 e 4 do artigo seguinte” – para o que se considerou que o legislador pretendeu claramente presumir que a mora de três meses no pagamento da renda preenche só por si o requisito enunciada no corpo do 1083.º/2 do C. Civil, tornando inexigível a manutenção da relação locatícia. Concorda-se inteiramente; como se concorda com a propriedade do presente meio processual, isto é, apesar da lei (1084.º do CC) prever a possibilidade da resolução do contrato de arrendamento, fundada em mora no pagamento de rendas superior a três meses, operar por via extrajudicial, não está vedado ao senhorio, como é o caso, recorrer à via judicial (acção de despejo). Não é, todavia, exactamente aqui, nas específicas normas do arrendamento urbano, que reside a questão dos autos e do recurso; é nas normas gerais da locação, ao caso aplicáveis, que se situa o centro da questão. Vejamos: Constitui obrigação do inquilino pagar a renda (art. 1038.º/a) do CC)[11]. Renda que deve ser paga no domicílio do inquilino à data do vencimento, “se as partes ou os usos não fixarem outro regime” (art. 1039.º/1 do CC). Assim, de acordo com tal regra legal, o inquilino que não paga a renda na data do vencimento não se constitui em mora quando o senhorio não vem nem manda recebê-la; nesse caso, a mora é do senhorio (art. 813.º do CC), constituindo o disposto no art. 1039.º/2 do C. Civil – em que se afasta a presunção de culpa do devedor/inquilino – uma excepção à regra do art. 799.º/1 do CC. Trata-se, porém, de regra legal que é, na generalidade dos contratos, afastada pelas partes[12]; dizendo-se, como é o caso do contrato sub-judice, que a renda é paga “na casa do senhorio no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito” (clausula 2.ª). Temos pois, em contratos como o sub-judice, que a renda deve ser paga pelo inquilino na “casa” do senhorio; o que significa que o inquilino se constitui em mora se não for pagar a renda, na data do vencimento, a casa do senhorio; sendo pois o inquilino que tem que elidir a presunção de não pagamento, isto é, que tem de provar que foi pagar a renda e que o senhorio a não recebeu. E se o inquilino se constituir em mora, se não pagar a renda no dia do vencimento, ou seja, no 1.º dia útil do mês anterior àquele a que a renda diz respeito, pode fazer cessar a mora – sem que a mesma dê ao senhorio direito a qualquer indemnização ou à resolução do contrato – se pagar a renda nos 8 dias seguintes (art. 1041.º/2); daí o ouvir-se, “correntemente”, que a renda se paga até ao dia 9. Se tal não acontecer, se o inquilino não fizer cessar a mora nos 8 dias seguintes, o senhorio fica com o direito de lhe exigir, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento; é o que dispõe o art. 1041.º/1. Ainda se tal não acontecer, o senhorio – enquanto o inquilino não lhe pagar a renda respeitante ao mês em mora e, exigindo-o, a respectiva indemnização – tem direito de recusar o pagamento, que o inquilino lhe ofereça, das rendas dos meses seguintes; e/ou as importâncias que receber serão imputadas, em 1.º lugar, na dívida existente, não perdendo o senhorio o direito à indemnização ou à resolução do contrato com base nas prestações em mora; é o que também resulta do art. 1041.º/ 3 e 4. É justamente neste ponto – da mora na renda – que entra/encaixa a questão do depósito das rendas. Depósito que o inquilino tem a faculdade de efectuar nos exactos termos, previstos no art. 841.º do CC, em que o devedor pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa vendida; ou seja, quando sem culpa sua não puder pagar a renda ou quando o senhorio estiver em mora ou se recuse a recebê-la. Depósito este que, como resulta do art. 841.º/2 do CC, é facultativo. Depósito que tanto pode ser em singelo como acrescido do montante indemnizatório de 50% previsto no art. 1041.º/1 do CC; 2.ª hipótese esta que acontece quando o inquilino reconhece que está em mora e ofereceu ao senhorio tal pagamento (com a indemnização de 50%) e este se recusou a receber. Depósito do acréscimo indemnizatório de 50% que tanto pode ser puro e simples como condicional; conforme o inquilino aceite mesmo e em definitivo a sua mora ou apenas o faça à cautela, para a hipótese de vir a considerar-se que estava em mora. Com o que, isto dito, estamos chegados ao âmago do litígio. Estando pendente, como é o caso, acção de despejo com fundamento em falta de pagamento de rendas, o inquilino tem dois caminhos[13]: Ou reconhece que está em mora e tem que pagar as rendas acrescidas da indemnização; hipótese em que, não querendo o senhorio receber as rendas e a indemnização, pode/deve o inquilino efectuar o seu depósito, à ordem dos autos, até ao termo do prazo da contestação (cfr. art. 1048.º/1 do CC)[14]; Ou, não reconhecendo que caiu em mora, não tem evidentemente que fazer qualquer depósito; mas – é este o ponto – no seu próprio interesse, pode/deve proceder ao depósito condicional das rendas e da respectiva indemnização, isto é, deve depositar também a indemnização para o caso de a final vir a julgar-se, contra a sua opinião, que o atraso no pagamento das rendas lhe é imputável. Ora, aplicando o que se vem de expor ao elenco dos factos provados, deve afirmar-se que foi justamente aqui que o R/apelante falhou; “falha” que o montante mensal da renda (16,51 €) torna até pouco compreensível. Toda a defesa do R/apelante assentou na invocação da recusa da A. em receber as rendas, isto é, na mora da A/apelada. Devendo a renda, de acordo com os termos do contrato, ser paga na “casa” da senhorio, era ao R/apelante – como supra explicámos – que cumpria elidir a presunção de não pagamento, isto é, que foi pagar a renda e que o A/apelado a não recebeu. O que – elisão – não conseguiu fazer. Efectivamente, apenas se provou que a Autora, “ao aperceber-se que o R. vinha depositando as rendas desde momento anterior ao da mencionada transmissão, solicitou ao mesmo, por carta datada de 13 de Março de 2008, que procedesse ao pagamento das rendas devidas desde Janeiro de 2002, e que, como o segundo propôs apenas o pagamento das rendas não depositadas, devidas a partir de Janeiro de 2009, a primeira recusou receber estas quantias.” Ou seja, o R/apelante, com reporte temporal anterior a 2008, não demonstrou – porventura e em rigor nem sequer alegou (uma vez que, como é o caso do art. 13.º da contestação, não situou no tempo a recusa) – um qualquer momento em que haja ocorrido a recusa, por parte da A. ou da anterior senhoria, em receber as rendas; impedindo assim a aplicação, entre tal hipotético momento e 2008, da regra constante do art. 25.º do RAU (directamente, até ao momento da entrada em vigor, em 2006, do NRAU; daí para cá, o “princípio”). Assim, em 2008, quando ocorreu o evento que a resposta ao quesito 3.º reflecte, o R/apelante estava em mora. Estando em mora, o senhorio – enquanto o inquilino não lhe pagar a renda respeitante aos meses em mora e, exigindo-o, as respectivas indemnizações – tem (como supra se referiu) o direito de recusar o pagamento, que o inquilino lhe ofereça, das rendas de meses seguintes; e/ou as importâncias que receba serão imputada, em 1.º lugar, na dívida existente, não perdendo o senhorio o direito à indemnização ou à resolução do contrato com base nas prestações em mora (é o que resulta, como também se referiu, do art. 1041.º/ 3 e 4 do CC). Por conseguinte, pretendendo o R. pagar rendas apenas a partir de Janeiro de 2009, a recusa da A. em as receber foi totalmente legítima (cfr. art. 1041.º/3 do CC); e mantendo-se, até ao presente, o impasse então criado (isto é, não pagando o R. as rendas vencidas até 2008 e não recebendo – nem lhe sendo oferecido o recebimento – o A. as que entretanto se foram vencendo), permaneceu o R/apelante em mora – continuamente, desde Janeiro de 2002. Em síntese: O R/apelante não reconheceu que caiu em mora. Porém, não elidiu a presunção de mora que (em face do lugar do pagamento da renda) milita contra ele. Ademais – foi este o lapso “fatal” – não fez, como era prudente, o depósito condicional das rendas e respectiva indemnização (de 50%), não permitindo que, agora, concluindo-se que a mora no pagamento das rendas lhe é imputável, se possa dizer que fez caducar o direito à resolução do contrato por falta de pagamento de renda (cfr. art. 1048.º/1 do CC[15]). São estas as razões que, a nosso ver, conduzem à verificação da causa resolutiva invocada, à eficácia da resolução declarada na PI e à confirmação do decidido. Significa isto que não perfilhamos o percurso que a sentença recorrida fez pelo abuso de direito; sem prejuízo, como foi o caso, de se haver concluído que não se verifica o abuso de direito. Segundo a sentença recorrida, o tempo decorrido, entre a transmissão do arrendamento (2002) e a data da propositura da presente acção (22/05/2009), colocava, em face dos depósitos efectuados pelo R., a questão de saber se “o comportamento assumido pela Autora (…) ultrapassa as fronteiras de um comportamento pautado pela boa fé, e pelas regras sociais vigentes na nossa sociedade para um bonus pater famílias”. Com o devido respeito, não vemos aqui uma plausível questão de “abuso de direito”. Há, isso sim, um problema de caducidade. Efectivamente, antes do RAU (antigo 1094.º do CC), com o RAU (art. 65.º) e agora com o NRAU (art. 1085.º do CC), o direito potestativo de resolução caduca se não for exercido dentro do prazo de 1 ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento; sendo que no caso das violações contratuais repetidas (como é o caso da falta de pagamento da renda) o prazo de caducidade corre separadamente para cada uma delas[16]. Significa isto que, tendo a acção entrado em 22/05/2009, os direitos resolutivos emergentes das violações contratuais consistentes no não pagamento das rendas anteriores a Maio de 2008 estavam, nos termos do art. 1085.º/1 e 2 do CC, caducos. Ou seja, o exercício do direito resolutivo, com fundamento no não pagamento das rendas anteriores a Maio de 2008, não era propriamente ilegítimo (cfr. 334.º do CC); tal direito estava, isso sim, caduco, todavia, para tal, para a caducidade poder ser declarada – uma vez que estamos perante matéria não excluída da disponibilidade das partes – tinha o R/apelante que ter invocado tal caducidade (cfr. 333.º do CC). Não o tendo feito, “sibi imputat”; e tal omissão no exercício do direito de invocar a caducidade inibe, a nosso ver, a convocação da figura do abuso de direito. Seja como for, neste ponto, ficaria sempre de pé – ainda que a caducidade houvesse sido invocada – o direito resolutivo com fundamento no não pagamento das rendas posteriores a Maio de 2008.
Em conclusão, improcede tudo o que o R./apelante invocou e concluiu na sua alegação recursiva, o que determina o naufrágio do recurso e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que se lhe apontam, nem viola as disposições indicadas. *
V - Decisão Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida. Custas pelo R/apelante. * Pelas razões constantes de fls. 13 deste acórdão – por, a nosso ver, haver indícios das testemunhas D... e do E..., quando ouvidas na audiência de julgamento ocorrida em 24/02/2011, haverem incorrido em “falsidade de testemunho” – extraia-se certidão de fls. 124 a 133, 154 a 157, 18 a 26, 48 a 52, 63 a 67, 136 a 141 e do presente acórdão e envie-se – com cópia do CD do registo sonoro do julgamento – ao M.º P.º de Torres Novas, para os fins tidos por convenientes. * Barateiro Martins (Relator)
Arlindo Oliveira
Emídio Santos [1] Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 154 e António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 1997, pág. 254. [2] Dizemos “parece”, uma vez que o R. apelante não é muito rigoroso no cumprimento do ónus imposto pelo art. 685.º-B do CPC; mas para o caso pouco importa, uma vez que, também em substância, não lhe assiste qualquer razão. [3] Os depósitos na CGD à ordem do TJ de Torres Novas. [4] Ter a A. envidado esforços no sentido de receber as quantias depositadas. [5] Argumentando a testemunha E...que “foi no princípio do ano, em Janeiro, porque a minha filha tinha um ano e tal”. [6] O que, aliás, não é corroborado pela testemunha E.... [7] É a vantagem de quem está apenas a ouvir, comodamente, a prova – sem ter que estar a pensar noutra coisa excepto no que está a ouvir – e que, não raro, fica com a noção que ficou uma “boa” pergunta por fazer. [8] Perscrutando-se atentamente o que o registo sonoro revela, percebe-se claramente o modo como as duas testemunhas não admitiram sequer pensar numa resposta, com conteúdo, para a pergunta. Como inclusivamente não pensaram nas respostas que estavam a dar a outras perguntas pertinentes, designadamente: a determinada altura, no final do depoimento do E..., a Ex.ma Juíza perguntou-lhe “se foi/era a 1.ª vez que o R. queria pagar a renda à A”, ao que a testemunha respondeu de imediato “não sei”, deixando a clara impressão que só estava ali para se lembrar, num exercício de memória selectiva, do episódio de Janeiro de 2002 (não é por demais ocioso lembrar que, quando alguém pede a outrem que vá com ele presenciar um pagamento de renda, é porque algo já aconteceu antes e esse “antes” não é coisa que se omita àquele a quem se pede que vá assistir a algo que, depois, pode ser chamado a testemunhar). [10] Em casos como este – em que tudo está gravado, em que se sabe exactamente o que as testemunhas disseram, em que os “falsos testemunhos” estão registadas para a posteridade – há, a nosso ver, uma grande tensão para não olvidar o dever de comunicação obrigatória imposto ao tribunal/juiz. [14] Identicamente, na vigência do RAU (e antes dela), o depósito tinha que ser efectuado até ao termo do prazo da contestação (cfr. art. 22.º do RAU) para fazer caducar o direito à resolução do contrato por falta de pagamento de rendas; na mesma linha, o disposto no actual art. 1084.º/3 do CC, em que não se fala em caducidade mas em que se diz, em termos suficientemente peremptórios (para ambas as partes), que a resolução “fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de 3 meses”. [16] Ao contrário do que acontece com as infracções duradouras ou continuadas em que o prazo se renova sucessivamente (enquanto a infracção se mantiver), só caducando decorrido um ano sobre a cessação da infracção. A tal propósito, ficou bem conhecida a polémica que no passado se gerou sobre o conteúdo do Assento de 03/05/1984, “revogado” pela Lei n.º 24/89, de 01-08, que deu ao então art. 1094.º do CC um n.º 2 com uma redacção de acordo com a “boa doutrina”: “O prazo de caducidade previsto no número anterior, quando se trate de facto continuado ou duradouro, conta-se a partir da data em que o facto tiver cessado.” |