Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
988/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
COMUNICAÇÃO AO PROCESSO
INTERRUPÇÃO DOS PRAZOS PROCESSUAIS
CONSTITUCIONALIDADE DO ARTº 24º
Nº 4
DA LEI Nº 34/2004
DE 29/07
Data do Acordão: 05/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 24º, NºS 1 E 4, DA LEI Nº 34/2004, DE 29/07
Sumário: I – No regime de acesso ao direito e aos tribunais decorrente da Lei nº 34/2004, de 29/07, cuja entrada em vigor ocorreu em 1/09/2004, dispõe-se no artº 24º, nº 1, dessa Lei que “o procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário (onde se compreende a referida nomeação e pagamento de honorários de patrono) é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nessa mesma disposição .
II - E entre estas excepções conta-se a prevista no nº 4 desse mesmo preceito, segundo a qual “quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo” .

III - Já na anterior lei sobre o regime de acesso ao direito e aos tribunais – Lei nº 30-E/2000, de 20/12 – figurava idêntica disposição, como bem resulta do seu artº 25º, nºs 1 e 4, relativamente à qual o Tribunal Constitucional proferiu acórdãos a debater a sua inconstitucionalidade, como sejam os Acórdãos nºs 98/2004 (in D.R. – II série, nº 78, de 1/04/2004, pg. 5233) e 285/2005 (in D.R. – II série, nº 129, de 7/07/2005, pg. 9919), onde concluiu pela não inconstitucionalidade dessa norma .

IV - Porque entendemos que os fundamentos desses ditos acórdãos se mantêm relativamente à actual norma que rege a mesma matéria – o artº 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004 - , não podemos deixar de concluir no mesmo sentido .

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial da comarca de Viseu, A..., advogado, com escritório na Rua Alexandre Herculano, nº 43 – 1º, em Viseu, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra B... e C..., residentes nas Telhadas, Talhadas do Vouga, pedindo a condenação dos R.R. no pagamento da quantia de € 3.050,54 , acrescida de juros de mora, respeitante a honorários forenses que, segundo alega, lhe são devidos pelos R.R. .
II
Citados os R.R., pelos mesmos nenhuma oposição foi deduzida, face ao que foi proferido o despacho saneador-sentença de fls. 35, no qual foi considerada como processualmente regular a tramitação seguida, sendo considerados como confessados os factos articulados pelo autor, face ao que foi a acção julgada como procedente, com a condenação dos R.R. no pagamento ao autor da referida quantia de € 3.050,54 , acrescida de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento – fls. 35 .
III
Posteriormente a essa sentença foi pelos R.R. apresentado o seu requerimento de fls. 40, no qual alegam que na sequência da sua citação para a presente acção e dadas as suas condições económicas, solicitaram ao Instituto da Segurança Social de Sever do Vouga a nomeação de um patrono para os poder representar nesta acção, pelo que foram surpreendidos com a sentença condenatória proferida nestes autos, tanto mais que esse seu pedido foi atendido .
IV
Tal requerimento foi objecto de apreciação pelo despacho de fls. 75, no qual foi entendido ter sido interrompido o prazo para efeitos de interposição de recurso da sentença proferida .

A fls. 96 pelos R.R. foi interposto recurso da sentença proferida nestes autos, recurso que foi admitido pelo despacho de fls. 105, como sendo de apelação e com efeito devolutivo .

Nas alegações apresentadas pelos Apelantes formularam as seguintes conclusões:
1ª - Verificada a necessidade de assistência judiciária, envolvendo não só o benefício da dispensa do pagamento das custas e encargos do processo, mas também a nomeação de patrono e do pagamento dos respectivos honorários, deverá proceder-se à adequação do processo, anulando-se, se necessário, os actos já praticados e concedendo-se aos R.R. o direito de apresentarem a sua defesa .
2ª - São inconstitucionais as normas dos nºs 4 e 5 do artº 24º da Lei nº 34/2004, quando interpretadas no sentido de que a falta de conhecimento no processo da formulação do pedido de apoio judiciário conduza à preclusão do direito de defesa dos R.R. .
3ª - Nos autos deverá ser declarada nula a sentença proferida, por violação dos referenciados preceitos, oferecendo-se tempo razoável aos R.R. para que possam formular a sua defesa .
4ª - Termos em que deve ser declarado nulo e sem efeito todo o processado, concedendo-se aos R.R. o direito a apresentarem a sua defesa, através do oferecimento de contestação .
V
Não foram apresentadas contra-alegações .
VI
Neste Tribunal foi aceite o recurso interposto e tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, pelo que nada obsta ao conhecimento do seu objecto, o qual se resume a apreciar se a omissão, por parte dos R.R., em comunicar ao Tribunal que formularam um pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono para os defender em acção contra eles instaurada, tem ou não relevância no que diz respeito à interrupção do prazo processual que à data desse pedido esteja em curso .
Ou (e) se a norma onde se preceitua a obrigatoriedade de comunicação ao processo judicial pendente sobre a formulação de um pedido dessa natureza, sob pena de não se interromper o prazo processual em curso, deve ou não ser considerada como inconstitucional .
Apreciando, damos conta de que o requerimento de protecção jurídica inicialmente apresentado pelos aqui Recorrentes no Instituto de Segurança Social de Sever do Vouga, para efeitos de lhes ser nomeado um patrono (e correspondente pagamento de honorários) a fim de poderem contestar a presente acção, deu entrada nos referidos serviços em 18/02/2005 – fls. 42 a 47 .
A citação dos R.R. na acção teve lugar em 16/02/2005 e nos ofícios de citação que lhes foram entregues não só consta o prazo para poderem contestar e a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo autor, mas, ainda, de que “ sendo requerido nos serviços de segurança social benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, deverá o citando juntar aos presentes autos, no prazo da contestação, documento comprovativo da apresentação do referido requerimento, para que o prazo em curso se interrompa até notificação da decisão do apoio judiciário”– fls.30, 31, 32, 33 e 34 .
Nos requerimentos de protecção jurídica apresentados pelos R.R. e por eles devidamente assinados, foi dado conhecimento aos Requerentes, que disso dão fé, de que “ deveriam entregar cópia do presente requerimento no tribunal onde decorre a acção, no prazo que lhes foi fixado na citação” – fls. 43 e 45 .
A sentença recorrida foi proferida em 4/04/2005 .
Só em 15/04/2005 é que os R.R. deram conhecimento no presente processo da apresentação dos seus requerimentos de protecção jurídica no I.S.S. de Sever de Vouga – fls. 40 e 41 .

Donde resulta que o regime de acesso ao direito e aos tribunais aplicável à presente situação é o decorrente da Lei nº 34/2004, de 29/07, cuja entrada em vigor ocorreu em 1/09/2004 .
Sendo assim, dispõe-se no artº 24º dessa Lei que “o procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário (onde se compreende a referida nomeação e pagamento de honorários de patrono) é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nessa mesma disposição – nº1 .
E entre estas excepções conta-se a prevista no nº 4 desse mesmo preceito, segundo a qual “quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo” .
É precisamente esta a disposição visada pelos Recorrentes, pretendendo que a mesma seja considerada como inconstitucional, por forma a que deva ser considerada como desnecessária a comunicação ao processo judicial da apresentação do requerimento administrativo para nomeação de patrono na modalidade de apoio judiciário, com o que se deverá entender que a simples apresentação deste requerimento já releva para efeitos de interrupção do prazo judicial que então esteja em curso .
Ora, acontece que já na anterior lei sobre o regime de acesso ao direito e aos tribunais – Lei nº 30-E/2000, de 20/12 – figurava idêntica disposição, como bem resulta do seu artº 25º, nºs 1 e 4, relativamente à qual a questão agora suscitada pelos Recorrentes também foi invocada, tendo o Tribunal Constitucional proferido acórdãos a debater a alegada inconstitucionalidade, como sejam os Acórdãos nºs 98/2004 (in D.R. – II série, nº 78, de 1/04/2004, pg. 5233) e 285/2005 (in D.R. – II série, nº 129, de 7/07/2005, pg. 9919), onde concluiu pela não inconstitucionalidade dessa norma .
Porque entendemos que os fundamentos desses ditos acórdãos se mantêm relativamente à actual norma que rege a mesma matéria – o artº 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004 - , não podemos deixar de concluir no mesmo sentido .
Com efeito, não podemos conceber que basta a mera existência do instituto do apoio judiciário no nosso ordenamento para daí resultarem consequências ou implicações de natureza processual judicial, sendo legítimo que aos interessados no recurso a tal instituto se imponha o dever de tomarem determinadas condutas relativamente a estes processos, especialmente como é o caso dos autos, em que os Recorrentes foram expressamente advertidos para o dever de entrega de cópia do requerimento de protecção jurídica no tribunal onde decorre a acção a contestar e no prazo fixado para essa mesma contestação .
Desde que seja respeitada a possibilidade da defesa dos direitos dos requerentes desse apoio, o que acontece com essa advertência e com a imposição do referido dever de conduta, nada torna inconstitucional o referido preceito, uma vez que feita tal comunicação ao processo pendente fica interrompido o prazo processual que se encontre a decorrer , assim se salvaguardando o direito de defesa .
Como se escreve nos referidos acórdãos, “não se considera gravoso para o requerente, em termos de lesar o seu direito de aceder à justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa, pois trata-se de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica” .
Donde decorre que uma vez que os agora Recorrentes apenas deram conhecimento nos autos da formulação do requerimento de protecção jurídica já depois de proferida decisão recorrida e, portanto, já depois do decurso do prazo para contestarem, apenas deles se podem queixar, não podendo, por isso, aceitar-se a sua tese de que o referido prazo deveria ter-se considerado como interrompido logo que requereram no I.S.S. de Sever do Vouga a referida protecção jurídica .
Falecem, pois, os argumentos constantes da alegação de recurso, pelo que tem de se julgar improcedente a apelação deduzida, o que se decide .
VII
Decisão :
Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação interposta, mantendo-se a sentença recorrida, além de que não se julga inconstitucional a norma do artº 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29/07 .

Custas pelos Recorrentes .
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Tribunal da Relação de Coimbra, em / /