Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
525/09.2SAGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: INIMPUTABILIDADE
Data do Acordão: 05/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 157º, 340º, 351º E 379º CPP
Sumário: 1.- A questão da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída pode ser suscitada, se o não for antes, nas fases preliminares do processo, até ao final da audiência de julgamento, oficiosamente ou a requerimento.
2.- O arguido, se o entendesse necessário, deveria ter suscitado perante o tribunal recorrido a questão da sua inimputabilidade e, se o achasse conveniente, solicitar a realização do competente exame médico.
3.- Não o tendo feito não pode agora este Tribunal da Relação, a menos que o entendesse fazer oficiosamente, o que não se justifica, conhecer daquela concreta questão, questão que o recorrente só agora alegou.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
I.1. Em processo comum e perante Tribunal Singular o M.P. deduziu acusação contra:
LM..., residente na …, ...,
imputando-lhe factos susceptíveis de integrar a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1, do Cód. Penal, e um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1, e 155º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal.
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1.2. O assistente AF... aderiu à acusação formulada pelo Ministério Público e deduziu ainda o pedido de indemnização civil contra o arguido constante de fls. 117 a 121, peticionando o pagamento do montante total de €10.000,00 a este título.
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1.3 Efectuado julgamento, por sentença de 27 de Setembro de 2010 (fls. 171/183) foi decidido:
a) Condenar o arguido LM... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena parcelar de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, e pela prática de um crime de ameaça agravada previsto e punido pelos artigos 153º, n.º 1, e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Cód. Penal, na pena parcelar de 120 (cento e vinte) dias de multa, tudo na pena única de 220 (duzentos e vinte) dias de multa à taxa diária de €10,00 (dez euros), num total assim de €2.200,00 (dois mil e duzentos euros)
b) Condenar o demandado civil LM... a pagar ao demandante civil AF... a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização civil.
Custas na parte criminal pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) U.C.’s.
Custas na parte cível pelo demandante e pelo demandado na proporção dos respectivos decaimentos.
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I.4. Inconformado, com esta decisão, veio o arguido LM..., recorrer da mesma (fls. 185/191, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
A)Existe questão prejudicial, do conhecimento funcional do julgador, que obstam ao julgamento do arguido, porquanto no mesmo juízo do mesmo Tribunal a cargo do mesmo magistrado judicial (julgador nestes autos) corre termos o Processo n.º 210/10.2TBGRD, onde é promovido o internamento compulsivo do arguido.
B)Tendo o julgador comprovadas suspeitas sobre a imputabilidade do arguido, ao ponto de, no mesmo dia do julgamento o mandar conduzir ao hospital para efectuar exames - avaliação clínico-psiquiátrica -, não o poderia ter submetido a julgamento sem, primeiro aguardar pelos resultados de tal avaliação clínica e psiquiátrica,
C)Esta questão é sindicável em sede de recurso nos termos previstos no artigo 410° do C. P.C., porquanto o Tribunal (o julgador), fruto do seu conhecimento funcional poderia e deveria ter tomado conhecimento desta questão.
D)Deve, assim, ser anulado o julgamento e ordenar a baixa do processo à primeira instância para, previamente ao julgamento, se apurar o estado mental do arguido.
E) A prova produzida nos autos não se nos revela suficiente para a condenação do arguido, sendo formada exclusivamente, a partir das declarações do próprio assistente e os elementos de prova recolhidos, mais não permitiam ao julgador do que sustentar um juízo de dúvida, absolvendo ao arguido em nome do principio constitucional direito penal, do in dúbio pro reo.
F)As penas aplicadas ao arguido não se mostram justas e adequadas, deparando-se desconformes com os critérios legais e com a justiça devida ao caso concreto.
G)De acordo com os critérios enunciados no artigo 71° do C. Penal, a pena deveria situar-se muito próxima dos limites mínimos.
H)Em termos de indemnização cível, os invocados danos não se podem considerar provados e o valor arbitrado, não resulta de qualquer nexo de causalidade entre factos e danos, padecendo, a sentença, neste particular, de contradição, por um lado, e falta de fundamentação, por outro.
I)A sentença recorrida viola as disposições legais constantes dos artigos 20°, 47º, nº2 e 71° do C. Penal, 97, n° 5, 125°, 127°, 374° n° 2 e 410° do CPP e do artigo 32°, n° 2 da CRP, verificando-se em termos cíveis a violação das normas dos artigos 158° n° 2 do CPC e as regras atinentes 'a responsabilidade civil constantes do artigos 483° e segs. do C. Civil.
Nestes termos e mais de direito, revogando a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que decrete a anulação do julgamento com a baixa dos à primeira instância para, previamente ao julgamento, se apurar o estado mental do arguido ou que decrete a absolvição do arguido.
E assim, Vossas Excelências, como sempre, farão JUSTIÇA”
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I.5 Cumprido o art. 413º, nºs 1 e 2 do CPP, o Ministério Público apresentou resposta ao recurso (fls. 197/204), onde pugna pela manutenção da sentença recorrida, formulando as seguintes conclusões (transcrições):
1ª- Face à matéria de facto dada com provada, não merece qualquer reparo a decisão ora em recurso;
2ª- Adere-se, integral e plenamente à decisão ora em recurso, quer no que toca aos argumentos fácticos quer de ius nela explanados, a qual, na nossa opinião, não merece qualquer reparo, encontrando-se exemplarmente trabalhada e fundamentada;
3ª-O arguido praticou os crimes por que foi condenado pelo que se tem, para nós, isenta de reparos e juridicamente inatacável a sua condenação;
4ª- Não se compreende como é que só agora, " in extremis ", o arguido vem alegar que poderá ser inimputável quando se sujeitou a ser julgado e a ser eventualmente condenado, por não ter levantado anteriormente e em sede própria, tal problema, vendo, assim, o seu bom nome e reputação pessoal, profissional, familiar e social serem beliscados;
5ª- Não se aceita, nesta fase, que o presente processo possa ficar dependente de u ma eventual decisão de inimputabilidade do recorrente, decorrente de processo de internamento compulsivo onde ainda não foi realizado o exame às suas faculdades mentais;
6ª- Não se acompanha, pois, neste particular, as motivações do arguido, devolvendo-se-lhe as mesmas;
7ª- Atenta a factualidade dada como provada, entende-se que foi parcimoniosa a pena concreta aplicada ao arguido;
8ª- Também se concorda com o montante fixado a título de indemnização civil;
9ª-Inexistem os vícios apontados pelo arguido na decisão ora em crise;
10°- A sentença ora em recurso não violou as disposições dos art°s 20º, 47º nº 2 e 71° do CPenal, 97° n° 5, 125°, 127°, 374° n° 2 e 410° estes do CPPenal, nem quaisquer outras.
Termos em que,
Deve ser mantida, nos seus precisos termos, a sentença ora em recurso, como é de Justiça e Direito.”
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I.6. Por sua vez, o assistente, veio também em resposta ao recurso do arguido (fls. 213), defender a manutenção do decidido, devendo ser julgado improcedente o recurso do arguido.

I.7. Admitido o recurso interposto pelo arguido (fls. 214) e subidos os autos, aquando da vista a que se reporta o art. 416.º do CPP, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, acompanhando o Digno Magistrado do M.ºP.º da 1.ª instância, emitiu o parecer de fls. 223/226, manifestando-se no sentido da improcedência total do recurso.
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I.8. Cumprido o artº 417.º, n.º 2 do CPP, ninguém veio exercer o seu direito de resposta.
Colhidos os vistos, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II. Fundamentação.
1. Delimitação dos poderes cognitivos do tribunal ad quem e objecto do recurso:
É hoje entendimento pacífico que as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Por isso, temos, como

Questões a decidir:

Dado que apenas o recurso do arguido foi admitido, importa apenas apreciar as questões suscitadas pelo mesmo e que são:
1- Da questão da imputabilidade ou inimputabilidade do recorrente.
2- Da factualidade provada. Contradição entre factos provados (als O e P) e não provados (ponto 1). Da insuficiência da matéria de facto para a decisão.
3- Da medida da pena.
4 - Do direito á indemnização civil e do seu montante.
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2. Na sentença recorrida foi considerado, como factos provados, não provados e como motivação da matéria de facto, o seguinte (por transcrição):
“A) DOS FACTOS
1. FACTUALIDADE PROVADA
Discutida a causa, resultaram provados, com relevância para a decisão final, os seguintes factos:
A) No dia 9 de Novembro de 2009, pelas 12h55m, no interior do Estabelecimento Comercial “ ...”, nesta cidade da ..., o arguido LM…, sem que nada o fizesse prever, desferiu um murro que atingiu o ofendido AF…, na zona temporal esquerda da cabeça, provocando-lhe dor.
B) Da conduta referida não resultaram lesões ou seus vestígios.
C) O arguido LM... agiu de forma deliberada, livre e consciente, com o intuito concretizado de causar lesões corporais no ofendido AF…, assim o molestando no seu corpo e na sua saúde.
D) Acresce que, no dia 23 de Novembro de 2009, o arguido perto da residência do ofendido, na Rua …, nesta cidade, dirigiu-lhe as seguintes expressões, em tom de seriedade; “ Vem para a escola que eu já te componho a roupa (…)”, “tens os dias contados, hei-de matar-te”.
E) O arguido agiu voluntária livre e conscientemente, bem sabendo que as expressões proferidas, revestiam carácter de seriedade e fê-lo com o propósito de provocar medo e inquietação ao ofendido, bem como de lhe prejudicar a sua liberdade de determinação, o que conseguiu.
F) Sabia igualmente que as suas condutas eram criminalmente puníveis pela lei penal.
G) O arguido é professor, aufere o rendimento mensal de €2.350,00 fruto do seu trabalho, vive sozinho em casa própria, e tem duas filhas menores, de 15 e 11 anos de idade, contribuindo para o seu sustento com a quantia mensal de €204,00 para cada uma.
H) O arguido não tem quaisquer antecedentes criminais.
I) Em consequência da actuação do arguido no dia 9 de Novembro de 2009, AF...sentiu dores e zumbidos durante cerca de 10 dias.
J) AF...estava na altura a trabalhar na sua tese de doutoramento e tais dores e zumbidos perturbaram-lhe o sono e dificultaram-lhe a capacidade de concentração no trabalho na referida tese.
L) Também em consequência dos mesmos factos, AF...sentiu humilhação por ser agredido num local público perante várias pessoas que ali se encontravam.
M) Ao ouvir do arguido as expressões que se deram como provadas como ocorridas no dia 23 de Novembro de 2009, AF...sentiu medo e inquietação, temendo que ele viesse a concretizar as ameaças.
N) AF...já por várias vezes apresentou queixas contra o arguido por motivo de ameaças, tendo essas queixas sido arquivadas por falta de prova bastante.
O) AF...sentiu e sente medo do arguido, de tal forma que em algumas noites fez vigília à janela de sua própria casa e viu o arguido nas proximidades, sendo certo que aí perto não reside.
P) AF...sentiu e sente que o arguido o pode agredir de novo e possivelmente com gravidade, ou ainda pior, vivendo num estado de permanente inquietação, não conseguindo levar uma vida normal.
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2. FACTUALIDADE NÃO PROVADA
Da audiência de discussão e julgamento resultou como não provado que:
1) O arguido já por inúmeras outras vezes tivesse ameaçado AF...anteriormente aos factos em causa nestes autos.
2) AF...não tenha quaisquer outros inimigos.
3) A casa e o carro de AF...tenham sido sucessivamente vandalizados, aparecendo vidros partidos, o carro riscado e uma torneira do jardim destruída.
4) Outras pessoas perseguidas pelo arguido tenham as mesmas queixas e os mesmos receios de AF…, designadamente decorrentes de carros riscados, pneus cortados, vidros partidos, agressões e ameaças.
5) O arguido em todos os outros casos tem agido de forma a nunca haver testemunhas dos seus actos, de modo a que todos os sucessivos inquéritos instaurados contra ele tenham vindo a ser sucessivamente arquivados.
6) Se note no arguido um crescendo de ameaça e perigosidade, tendo o mesmo agido pela primeira vez nos presentes autos em local público e na presença de testemunhas.
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3. MOTIVAÇÃO
Quanto à matéria que se deu como provada quanto ao dia 9 de Novembro de 2009, o tribunal baseou a sua convicção nos depoimentos prestados pelo ofendido AF...e pelas testemunhas LF..., FF... e SC.... Com efeito, as declarações prestadas por tais testemunhas conjugadas entre si forneceram um quadro completo, coerente e consistente de tais factos, os quais foram narrados com total rigor, convicção e segurança. Tais depoimentos afiguraram-se-nos como sérios, credíveis e convincentes, isto mesmo apesar de se tratar em larga medida da palavra do ofendido, de uma sua filha e da sua esposa, as quais, contudo, são complementadas ainda, como se disse, pela testemunha SC…, a qual era meramente funcionária do local onde ocorreram os factos e nenhuma ligação tinha com qualquer dos intervenientes, sendo certo que tal testemunha, apesar de não ter identificado concretamente o arguido como sendo o autor dos factos, verificou que os mesmos ocorreram e foram praticados por alguém com uma compleição física semelhante à do arguido.
Quanto aos factos ocorridos no subsequente dia 23 de Novembro do mesmo ano de 2009, o tribunal baseou a sua convicção, exactamente pelos mesmos motivos, nos relatos fornecidos pelo ofendido AF...e FF.... Também a este respeito tais depoimentos se nos afiguraram credíveis, convincentes e coerentes, de forma plenamente suficiente a convencer o tribunal.
Na verdade, em sentido diverso, o arguido limitou-se a negar os factos, sem mais, nem sequer tendo apresentado qualquer versão alternativa dos mesmos, afirmando apenas que nem esteve sequer nos locais que lhe são imputados e nem sequer se cruzou com o ofendido. Sempre foi afirmando, contudo, que se desloca por frequentes vezes ao estabelecimento comercial ... e que o ofendido é pessoa que já muito o prejudicou profissionalmente e o violentou psicologicamente, circunstâncias estas que assim nos fornecem um móbil para a conduta do arguido. Como é evidente, esta simples negação dos factos por parte do arguido, sem qualquer outra prova que a suporte, não foi nem podia por nós ser de todo considerada suficiente ao ponto de suplantar toda a restante prova produzida que narrou a ocorrência dos factos e a que já fizemos referência. Ao contrário do que pretende a defesa, não podemos retirar credibilidade às declarações proferidas pelo ofendido e seus familiares simplesmente pela circunstância de os mesmos não se recordarem em que dia da semana é que os factos ocorreram, sobretudo quando é certo que narraram o dia do mês, o mês e ano sem qualquer réstia de dúvida.
Por seu turno, os factos que se deram como provados quanto ao pedido de indemnização civil, assim o foram julgados essencialmente pelos mesmos motivos já referidos quanto à matéria criminal, efectuando mais uma vez o mesmo confronto entre as declarações do ofendido e demandante e seus familiares contra a simples negação por parte do arguido e demandado.
Finalizando quanto à matéria que demos como provada, quanto às circunstâncias pessoais, familiares e económicas do arguido, o tribunal baseou-se nas suas declarações a seu respeito, das quais não existem elementos para colocar em causa. Quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido, foi relevante o respectivo CRC que consta dos autos.
No que diz respeito à matéria que demos como não provada, constante toda ela, como se viu, do pedido de indemnização civil, o tribunal assim a julgou na medida em que o arguido e demandado não foi trazido a julgamento por quaisquer outros factos para aqueles que constam da acusação, não tendo o ónus de se defender de outras (vagas) circunstâncias que aí são narradas para além daquelas, designadamente referentes a vandalismo em propriedades, queixas de outras pessoas ou circunstâncias semelhantes que tenham ocorrido com o ofendido ou quaisquer dessas outras pessoas. De qualquer forma, de todo não foi produzida nem o deveria ou poderia ser qualquer prova que se pudesse ter como minimamente suficiente para que se pudesse alicerçar tais factos como provados.”
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3. APRECIANDO.
3.1. Da questão da imputabilidade ou inimputabilidade do recorrente.

A primeira questão suscitada pelo arguido é o que ele chama de questão prejudicial, que na sua tese obsta ao julgamento do arguido e que é o conhecer da imputabilidade ou inimputabilidade do mesmo.
Vejamos então.
Como se sabe, a antijuridicidade e a culpabilidade são as duas referências de que depende a imputabilidade, uma vez que o comportamento humano só é jurídico-penalmente relevante se contrário ao Direito e pessoalmente censurável ao agente, censura só admissível quando o agente se encontra em condições para se comportar de outro modo, isto é, de acordo com as exigências do ordenamento jurídico.
Certo é que nem todos possuem aquelas condições, as quais implicam, não só conhecimento e entendimento, mas também capacidade de auto-determinação, atributos de que alguns se mostram permanente e definitivamente desprovidos, outros parcialmente desprovidos e outros desapossados de forma meramente temporária.
Por isso, a inimputabilidade, tal como a imputabilidade e a imputabilidade diminuída têm de ser aquilatadas e reportadas ao momento da prática do facto.
Assim, a incapacidade de avaliação da ilicitude e de determinação de acordo com essa avaliação, tal como a diminuição da capacidade de avaliação da ilicitude e a diminuição da capacidade de determinação de acordo com essa avaliação, elementos consubstanciadores da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída, respectivamente, só poderão integrar estas situações de supressão ou atenuação do juízo de culpabilidade, quando verificadas no momento da prática do facto. Com efeito, só assim se mostrará justificada a incapacidade ou diminuição da capacidade para o agente se comportar de outro modo, isto é, de acordo com as exigências do ordenamento jurídico.
Ou seja, como se refere no Processo: 0845120-JTRP00041810, em que é relator o ilustre Desembargador, Dr ANTÓNIO GAMA, datado de 29/10/2008, in www.dgsi.pt “A questão deve ser colocada e decidida de um modo muito simples: ou o arguido padece, ou não, de doença mental, tem, ou não, imputabilidade diminuída, …………”.
Ora, por sua vez, o processo penal português segue o modelo acusatório integrado pelo princípio da investigação, através do qual, como ensina Figueiredo Dias no seu “Direito Processual Penal”, Primeiro Volume (1974), 71 e 72, «se pretende traduzir o poder-dever que ao tribunal pertence de esclarecer e instruir autonomamente – i. é, independentemente das contribuições da acusação e da defesa – o “facto” sujeito a julgamento, criando ele próprio as bases necessárias à sua decisão». Com tal integração, prossegue o Mestre, logra-se acentuar convenientemente o carácter indisponível do objecto e do conteúdo do processo penal, a sua intenção dirigida à verdade material.
Estes princípios doutrinários, além de confortados pela Lei Fundamental (cfr. artº 32º, nº 5), encontram-se expressamente consagrados no artº 340º do CPP.
Ora, na sentença recorrida, foi dado como provado, além de outra factualidade, que “O arguido agiu voluntária livre e conscientemente, bem sabendo que as expressões proferidas, revestiam carácter de seriedade e fê-lo com o propósito de provocar medo e inquietação ao ofendido, bem como de lhe prejudicar a sua liberdade de determinação, o que conseguiu………Sabia igualmente que as suas condutas eram criminalmente puníveis pela lei penal.”
Contra tal, vem agora o recorrente alegar que o tribunal a quo deveria ter considerado o arguido inimputável, tanto mais que a cargo do mesmo magistrado judicial (julgador nos autos do tribunal a quo) corre termos o Processo n.º 210/10.2TBGRD, onde é promovido o internamento compulsivo do arguido.
Porém, a perícia psiquiátrica dever realizar-se sempre que se suscitem dúvidas fundadas sobre a imputabilidade do agente ou sobre a sua imputabilidade diminuída ou seja, quando os elementos trazidos ao processo levam a suspeitar que o arguido sofre de uma anomalia psíquica que o tornou incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação (artigo 20.º, n.º 1 do CP) ou quando esses mesmos elementos levam a suspeitar que o arguido, por força de uma anomalia psíquica, tem a sua capacidade para avaliar a ilicitude do facto ou para se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída (artigo 20.º, n.º 2, do CP).
Por isso, a questão da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída pode ser suscitada, se o não for antes, nas fases preliminares do processo, durante a audiência de julgamento, oficiosamente ou a requerimento.
Ora, como se sabe, o objectivo final do Processo Penal é a descoberta da verdade material e a produção - com respeito pelos direitos de defesa do arguido - da decisão ajustada ao caso. Contudo a descoberta da verdade não pode ser conseguida a qualquer preço, sem respeito pelos trâmites do processo e pelos princípios processuais que regem a produção e valoração da prova.
Assim, a prova pericial, sobretudo quando puder influir na apreciação da questão da imputabilidade ou, por outra forma, no juízo de culpa, deve ser realizada, em princípio, nas fases preliminares do processo (n.º 4 do artigo 157.º do Código de Processo Penal), podendo, no entanto, ser ordenada, oficiosamente ou a requerimento, no decurso da audiência (artigo 351.º do mesmo diploma), pelo que nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 351.º do CPP, quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída do arguido, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, da acusação ou da defesa, deve ordenar a comparência de um perito para se pronunciar sobre o estado psíquico daquele.
Por sua vez, acrescenta o n.º 3 do mesmo artigo que, em casos justificados, pode o tribunal requisitar a perícia a estabelecimento especializado.
Isto é, o Código Processo Penal tem normas próprias quanto à produção de prova que se têm de respeitar.
Por isso o arguido se entendia que era inimputável, deveria no final do julgamento, se o entendesse necessário, suscitar perante o tribunal recorrido a questão da sua inimputabilidade e, se o achasse conveniente, solicitar a realização do competente exame médico. A questão deve ser colocada e decidida de um modo muito simples: ou o arguido padece, ou não, de doença mental, tem, ou não, imputabilidade diminuída ou é ou não inimputável, sendo certo que tal deve ser suscitado até ao final da audiência de discussão e julgamento, em primeira instância,
Ora, compulsados os autos, constatamos que, não houve em sede de audiência de discussão e julgamento ou antes disso, qualquer suscitação de tal questão. Ninguém, até à interposição do presente recurso levantou a questão da eventual inimputabilidade do arguido e ora recorrente.
É certo que também o tribunal “a quo” o poderia ter feito em audiência de julgamento, face ao princípio da investigação que tempera o nosso processo penal (artº 340º do C.P.P), mas o mesmo não foi feito, certamente porque o tribunal a quo, não teve qualquer dúvida, relativamente á imputabilidade do arguido e este também nada disse.
Por isso não se percebe, e muito menos se aceita, a atitude do recorrente: em audiência, não suscitou qualquer questão sobre a sua eventual inimputabilidade e logo de seguida em recurso queixa-se do tribunal e atira-se à decisão recorrida porque, segundo diz “Existe questão prejudicial, do conhecimento funcional do julgador, que obstam ao julgamento do arguido, porquanto no mesmo juízo do mesmo Tribunal a cargo do mesmo magistrado judicial (julgador nestes autos) corre termos o Processo n.º 210/10.2TBGRD, onde é promovido o internamento compulsivo do arguido.”
Até e na audiência, ninguém teve dúvidas, por isso não foi suscitada a questão da inimputabilidade do arguido e agora para o recorrente é só dúvidas... O recorrente quando podia ter agido não agiu e agora acusa o tribunal de não ter agido.
Sucede que os recursos visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar novas decisões sobre matérias ou questões novas que não foram, nem podiam ter sido, suscitadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido.
Aliás é hoje pacífica a jurisprudência no sentido de que "a missão do tribunal de recurso é a de apreciar se uma questão decidida pelo tribunal de que se recorreu foi bem ou mal decidida e extrair daí as consequências atinentes; o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questão nova, salvo se isso for cometido oficiosamente pela lei"(vidé, entre outros, Acs. STJ de 6-2-87 e de 3-10-89, BMJs 364/714 e 390/408; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-01-2011,Processo: 6034/08.0TDPRT.P1.S1,Nº Convencional: 3ª SECÇÃO, Relator: OLIVEIRA MENDES e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09-02-201, Processo: 904/10.2GAMAI.P1, Relator: ÁLVARO MELO, estes in www.dgsi.pt)
Se a Relação atendesse à pretensão do recorrente (declarando inimputável o arguido), não formularia um juízo sobre a justeza da decisão recorrida, considerando os elementos ao dispor do tribunal “a quo”, mas estaria a proferir decisão nova sobre a uma questão que não foi suscitada em primeira instância e que apenas o não foi porque o arguido e ora recorrente o não quis fazer. O tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questão nova, salvo se isso for cometido oficiosamente pela lei, que não é o caso.
Ou seja, ao tribunal de recurso não compete proferir decisões que não tenham sido colocadas ao tribunal recorrido, mas sim analisar as decisões por este proferidas e aferir da sua conformidade com as provas e com a lei e nesta análise terá que se circunscrever aos elementos a que o tribunal recorrido teve acesso. Daí que esses elementos devam manter-se inalterados.
Uma vez que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre a i(ni)mputabilidade do arguido/recorrente, questão que o recorrente lhe não colocou, é evidente que não pode agora este Tribunal da Relação, a menos que o entendesse fazer oficiosamente, o que não se justifica, conhecer daquela concreta questão, questão que o recorrente só agora entendeu alegar.
Concluindo, diremos ainda que o tribunal de recurso só pode conhecer, para além das de conhecimento oficioso, as questões que hajam sido examinadas na decisão recorrida, desde que, obviamente, lhe sejam colocadas no recurso, estando-lhe vedado pronunciar-se sobre questões que não tenham sido objecto de conhecimento na decisão impugnada, sob pena de, ao fazê-lo, incorrer em nulidade por excesso de pronúncia – artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
Aquilo que o arguido/recorrente pretende com o ora requerido é a alteração da decisão sobre a matéria de facto com recurso a novos elementos não acessíveis no momento da prolação da decisão, o que, como vimos a lei não contempla.
Consequentemente improcede o recurso, nesta parte, não tendo ocorrido qualquer violação de preceitos legais, nomeadamente artº dos artigos 20°, 47º, nº2 e 71° do C. Penal, 97, n° 5, 125°, 127°, 374° n° 2 e 410° do CPP e do artigo 32°, n° 2 da CRP.
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3.2. Da discordância do recorrente/arguido, com a decisão de facto.
Face aos factos dados como provados e não provados, na primeira instância, vejamos então, se assiste alguma razão ao recorrente.
Defende o arguido/recorrente que a prova produzida nos autos não se nos revela suficiente para a condenação do arguido, sendo formada exclusivamente, a partir das declarações do próprio assistente e os elementos de prova recolhidos, mais não permitiam ao julgador do que sustentar um juízo de dúvida, absolvendo ao arguido em nome do principio constitucional direito penal, do in dúbio pro reo.
Vejamos então.
Face ao disposto no artigo 428.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma doravante designado de C.P.P.), os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito. Dado que no caso em análise houve documentação da prova produzida em audiência, com a respectiva gravação, pode este tribunal reapreciar em termos amplos a prova, nos termos dos artigos 412.º, n.º3 e 431.º do C.P.P., ficando, todavia, o seu poder de cognição delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente.
De acordo com esse dispositivo, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo de, mesmo que o recurso se limite à decisão proferida sobre a matéria de direito, se ter de conhecer oficiosamente dos vícios indicados no art. 410°, n° 2, do mesmo diploma legal.
Por outro lado, em obediência ao n.º 3, do art. 412º, do Código de Processo Penal o recorrente deveria especificar, sob pena de rejeição do recurso nos termos do art. 420º, n.º 1, do mesmo diploma, as provas que, no seu entender, impunham decisão diversa da recorrida, sendo certo que tal especificação haveria de fazer-se por referência aos respectivos suportes técnicos, conforme o preceituado no n.º 4 do citado preceito legal.
As menções a que aludem as alíneas a), b) e c) do n.º 3 e o n.º 4 do art. 412º do Código de Processo Penal estão intimamente relacionadas com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão da matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre a matéria de facto.
No caso concreto o recorrente indicou os factos que, no seu entender, o tribunal recorrido não deveria ter considerado provados e aqueles que deveriam ter sido considerados provados e foram considerados como não provados.
Porém, o recorrente tinha, ainda, o ónus de especificar, relativamente a cada prova que considera­va impor uma decisão diversa da assumida pelo tribunal a quo, a parte concreta das declarações e/ou dos depoimentos produzidos em julgamento e gravados, com referência aos respectivos suportes técnicos.
Assim não fez.
Na verdade o recorrente limitou-se a de forma genérica indicar que, na sua opinião, os depoimentos prestados poderiam levar a uma decisão dos factos provados de modo diferente.
Uma vez que resulta das motivações e das conclusões de recurso, que o arguido não fez tal, a decisão do Tribunal de 1ª instância não pode ser modificada, nos termos do art. 412º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 259/2002, de 18/6/2002, publicado no D.R. II Série, de 13/12/2002, «quando a deficiência de não se ter concretizado as especificações previstas nas alíneas a), b) e c), do n.º 3 do art. 4l2º, do CPP, reside tanto na motivação como nas conclusões, não assiste ao recorrente o direito de apresentar uma segunda motivação, quando na primeira não indicou os fundamentos do recurso ou a completar a primeira, caso nesta não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos
Não há, desta forma, que pensar em despacho de aperfeiçoamento nos termos do decidido pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 140/2004, de 10/3/2004, publicado no D. R. II Série, n.º 91 de 17/4/2004.
Não satisfazendo minimamente, o recorrente, o ónus de especificação a que se refere o nº 3 do artº 412° do C.P.P., o recurso terá de ser rejeitado, por manifestamente improcedente, quanto à matéria de facto, nos termos do art. 417º nº 3 al. c), 419º nº 4 al. a) e 420° nº 1 do C.P.P.
Neste sentido, aliás, já se pronunciaram, entre outros o Ac. T R Porto de 06/03/02 in www.dgsi.pt, onde se refere:
"Não tendo o recorrente cumprido o ónus de especificar os excertos da prova gravada, que em seu entender, impõe decisão diversa, por referência aos suportes técnicos, nem procedeu à respectiva transcrição, limitando-se nas conclusões da Sua motivação a tecer considerações sobre a forma como o tribunal apreciou os depoimentos de determinadas testemunhas, sem concretizar as eventuais incorrecções e os excertos e prova potenciadores de decisão diversa da recorrida, o recurso da matéria de facto apenas poderá incidir sobre o conhecimento dos vícios a que alude o artº 410º nº 2 do C.P.P.. Impõe-se a imediata rejeição do recurso em matéria de facto se o recorrente não observar o preceituado no artº 412º n° 3 do C.P.P., não havendo lugar ao prévio convite para suprir tal deficiência".
No fundo, percorrendo a motivação do recurso quer na sua fundamentação quer nas conclusões, verificamos que o recorrente mais que uma intervenção direccionada na apreciação da matéria de facto pretende deste tribunal um novo julgamento, ou pelo menos um julgamento diferente, no sentido de não vir a ser condenado, como foi.
Ora, como já nos pronunciámos noutros acórdãos por nós relatados (Recursos nºs 123/04.7PATNV.C1, Processo nº 283/09.0GAOHP.C1, 99/05.3TAVLF.C1 e Recurso n.º 143/07.0TTNV.C2 deste TRC) não tendo sido cumprido tal requisito, não pode este Tribunal conhecer da impugnação fundada na apreciação dos depoimentos prestados em primeira instância ou dos documentos juntos aos autos, mantendo-se a factualidade provada.
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3.2.1. Contradição entre factos provados (als O e P) e não provados (ponto 1). Da insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Assim sendo, estando esta Relação impossibilitada de modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto nesses pontos, cumpre tão só aferir, nesta sede, da existência dos vícios das alíneas do n.º 2, do art. 410º, do CPP pois, a existirem podem determinar o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do art. 426º, n.º 1, do citado diploma legal.
Resulta da análise da motivação que o recorrente entende que existe contradição entre os factos provados (als O e P) e não provados (ponto 1) e que existirá insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Será que tem razão?
Adiantaremos, desde já, que a razão lhe não assiste.
Vejamos então porque assim é.
Estabelece o art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.
Ora, existe o vício previsto na alínea a) do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal quando a factualidade dada como provada na sentença não permite, por insuficiência, uma decisão de direito ou seja, quando dos factos provados não possam logicamente ser extraídas as ilações do tribunal recorrido. A insuficiência da matéria de facto determina a incorrecta formação de um juízo, porque a conclusão ultrapassa as respectivas premissas. Ou ainda, por outras palavras, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão.
Por sua vez, existe o vício previsto na alínea b), do n.º 2 do art. 410.º quando há contradição entre a matéria de facto dada como provada, entre a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada, entre a fundamentação probatória da matéria de facto, e ainda entre a fundamentação e a decisão.
Finalmente, ocorre o vício previsto na alínea c), do nº 2 do art. 410º quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente.
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.
No caso em apreço, o recorrente veio dizer que o tribunal recorrido não deveria ter dado como provados determinados factos, por entender, ele recorrente, que não existiam fundamentos para tal.
Porém isto não consubstancia nem o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nem o erro notório na apreciação da prova, pois que o que o recorrente pretende é atacar o processo de formação da convicção do tribunal por, na sua óptica, a prova produzida não ser suficiente para dar por assentes determinados factos (o que não constitui o vício da alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º) e por determinados factos assentes resultarem de uma incorrecta valoração da prova produzida (o que não constitui o vício da alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º).
Isto porque, do acima exposto, resulta que a motivação expressa pelo Tribunal recorrido é suficiente para habilitar os sujeitos processuais, bem como o Tribunal de recurso, a concluir que as provas a que o Tribunal “a quo” atendeu são todas permitidas por lei de acordo com o preceituado no art. 355º, do CPP, e que o julgador seguiu um processo lógico e racional na formação da sua convicção, desta não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras experiência comum na apreciação da prova.
Com efeito, o Tribunal “a quo” baseou-se, no depoimento de diversas testemunhas, para dar como provados os factos que deu e sempre com o respeito pelas regras da prova e do princípio in dubio por reo.
Assim, conforme consta da sentença recorrida, foi explicado que os factos que foram dados como provados e não provados, o foram com o fundamento em que “……….. tribunal baseou a sua convicção nos depoimentos prestados pelo ofendido AF...e pelas testemunhas LF..., FF... e SC.... Com efeito, as declarações prestadas por tais testemunhas conjugadas entre si forneceram um quadro completo, coerente e consistente de tais factos, os quais foram narrados com total rigor, convicção e segurança. Tais depoimentos afiguraram-se-nos como sérios, credíveis e convincentes, isto mesmo apesar de se tratar em larga medida da palavra do ofendido, de uma sua filha e da sua esposa, as quais, contudo, são complementadas ainda, como se disse, pela testemunha SC…, a qual era meramente funcionária do local onde ocorreram os factos e nenhuma ligação tinha com qualquer dos intervenientes, sendo certo que tal testemunha, apesar de não ter identificado concretamente o arguido como sendo o autor dos factos, verificou que os mesmos ocorreram e foram praticados por alguém com uma compleição física semelhante à do arguido.
Quanto aos factos ocorridos no subsequente dia 23 de Novembro do mesmo ano de 2009, o tribunal baseou a sua convicção, exactamente pelos mesmos motivos, nos relatos fornecidos pelo ofendido AF...e FF.... Também a este respeito tais depoimentos se nos afiguraram credíveis, convincentes e coerentes, de forma plenamente suficiente a convencer o tribunal.”, acrescentando que “Na verdade, em sentido diverso, o arguido limitou-se a negar os factos, sem mais, nem sequer tendo apresentado qualquer versão alternativa dos mesmos………….”
Ora, como se sabe, julgar o facto não é apenas reproduzir aquilo que directamente é observado ou dar acolhimento ao maior número de testemunhas que depõem em determinado sentido.
A justiça não se faz ao peso, nem pelo número de testemunhas que depõem neste ou naquele sentido.
O juiz, no âmbito do processo penal não se pode encostar a uma das versões, como também não deve descansar no princípio in dubio pro reo ou ficar na mera expectativa do que ditem as regras do ónus da prova, pois deve procurar sempre a verdade material e a dúvida deve resultar como consequência normal da incapacidade de o tribunal poder formular um juízo de certeza relativamente á matéria submetida a julgamento.
Na verdade, o juiz é livre na apreciação da prova, mas não discricionário, isto é, para além da maior ou menor argúcia em julgar o facto, o mesmo está sujeito critérios que deve explicar, quanto à formação da sua convicção, devendo seguir designadamente as regras da experiência comum. Ou seja, a prova é apreciada na sua globalidade, segundo a regra da livre apreciação da prova inserta no art. 127º, do CPP, “…a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, que não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, mas tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (Ac. do STJ de 09MAI96, in Procº. nº 48690/3ª).
Caso contrário, o juiz seria julgador de evidências exteriores.
Contudo, dúvidas não existem que o princípio in dubio pro reo, constitui manifestação da presunção de inocência e representa a outra face do princípio da livre apreciação da prova, contemplado no artº 127º do CPP, entendido como “liberdade para a objectividade, uma verdade que transcende a pura subjectividade e por isso se comunica aos outros” (Germano Marques da Silva, Produção e valoração da prova em processo penal, revista do C.E.J., nº4, 2006, pág, 46.). Constitui um limite normativo de tal princípio, determinando que ante uma dúvida positiva e racional que impeça um juízo de certeza condenatória, que não exclua a possibilidade de as coisas se passarem num dado sentido mas não afaste a consistente hipótese do contrário, deve esse non liquet ser ultrapassado em favor do arguido (Neste sentido, Ac. do STJ de 11/7/2007, Pº 07P1416, relator Pereira Madeira, www.dgsi.pt.). Porém, embora constitua princípio probatório, o in dubio pro reo postula a finalização da apreciação das provas e, por isso, em bom rigor não constitui regra de valoração probatória (Claus Roxin, Derecho Procesal Penal, Ed. Del Puerto, Bueno Aires, 2000, p. 111).
Ora, tendo o tribunal de 1ª instância adquirido a certeza sobre a verdade dos factos, não lhe sendo suscitada qualquer dúvida irremovível, não tinha que fazer uso do princípio in dubio pro reo.
Da fundamentação da decisão recorrida resulta que o tribunal ficou sem qualquer dúvida, muito menos patente e insuperável, pelo que na aplicação da regra processual do art. 127.º do CPP – livre apreciação da prova -, depois de avaliada a prova produzida, segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador, conduziu à certeza no espírito do tribunal que levou á fixação dos factos, como o fez.
Assim, conjugando todos os elementos de prova na sua globalidade, de acordo com as regras da experiência comum e a lógica do homem médio, concluímos que bem andou o Tribunal “a quo”, uma vez que a decisão recorrida indica com precisão, o porquê e a relevância que deu aos meios de prova apresentados pela acusação e pela defesa e resultantes da discussão da causa, seguindo um raciocínio lógico e coerente, constando expressamente qual o raciocínio a que chegou o tribunal para formar a sua convicção (neste sentido, Ac. do STJ de 30JAN02, sumariado no Site da Internet do STJ, Boletim Interno 2002).
Por tudo o exposto e uma vez que este Tribunal ad quem, sem os benefícios que inegavelmente conferem a imediação e a oralidade que bafejaram o Tribunal recorrido, não pode formular um juízo valorativo diferente do assumido pelo tribunal “a quo”, pois a convicção a que chegou o tribunal, está objectivada e motivada em termos de dar a perceber qual o raciocínio seguido e que o mesmo, não se divorcia das regras da experiência e da vida, não merece, pois, reparo a convicção alcançada relativamente a tais factos pelo tribunal recorrido.
Consequentemente, e dado que não foi feito uso de provas proibidas, concluímos que se não verificou qualquer erro na apreciação da prova nem ocorreu qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, como alegava o recorrente, pelo que os factos provados e não provados ficarão como consta da decisão recorrida, não enfermando o acórdão recorrido de qualquer dos vícios enunciados nas alíneas a) e c) do nº2 do art.410º do CPP.
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Igualmente se não verifica qualquer contradição entre os factos provados (als O e P) e não provados (ponto 1), pois que o que resulta é que está provado que “O) AF...sentiu e sente medo do arguido, de tal forma que em algumas noites fez vigília à janela de sua própria casa e viu o arguido nas proximidades, sendo certo que aí perto não reside.
P) AF...sentiu e sente que o arguido o pode agredir de novo e possivelmente com gravidade, ou ainda pior, vivendo num estado de permanente inquietação, não conseguindo levar uma vida normal.” enquanto se considerou como não provado que “1) O arguido já por inúmeras outras vezes tivesse ameaçado AF...anteriormente aos factos em causa nestes autos.”
Isto é o tribunal “ a quo” deu como não provado que arguido já tivesse ameaçado, anteriormente (á data da prática dos factos), o ofendido e deu como provado que este (o ofendido sentiu e sente medo do arguido e de ser por este novamente agredido (o que naturalmente resultará dos factos ora praticados pelo arguido). Não existe aqui a mínima contradição entre estes factos ou quaisquer outros.
Nesta conformidade e sem mais desenvolvidas considerações por supérfluas, o recurso vai improceder, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida, que não afronta nem posterga nenhum dos princípios e preceitos legais invocados pelo recorrente.
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3.3. Da escolha e medida da pena
Veio ainda o recorrente colocar em causa o quantum da pena, defendendo que a ser condenado pela prática do crime em causa a pena a aplicar ao mesmo, tendo em conta os critérios informadores, e únicos a atender, previstos no artº 72 do C. Penal, moldados pelo disposto nos artºs 71°, 73° e 74° do mesmo Código, deveria ser inferior ao que foi.
Vejamos então.
Em matéria de escolha da espécie e medida da pena, há que ponderar, nos termos do artigo 70º C Penal, que se ao crime foram, aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Foi isso o que o tribunal a quo fez e o recorrente a isso se não opõe, recorrendo apenas no que se refere ao quantum da pena.
Vejamos.
Como se sabe, a todo o crime corresponde uma reacção penal, pela qual a comunidade expressa o seu juízo de desvalor sobre os factos e a conduta realizada pelo arguido, partindo-se para o efeito do respectivo tipo legal.
No caso dos autos, face a toda a factualidade dada como provada, o arguido foi considerado autor material, de um crime ofensa á integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º1 e um outro crime de ameaça agravada previsto e punido pelos artigos 153º, n.º 1, e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Cód. Penal, crimes esses a que são aplicáveis as penas de multa de 10 a 360 dias e de 10 a 240 dias (artº 47º e 155, nº1 do C.P.), tendo-lhe sido aplicadas as penas parcelares de 150 (cento e cinquenta) e de 120 (cento e vinte) dias de multa, respectivamente, e, em cúmulo jurídico a pena 220 (duzentos e vinte) dias de multa à taxa diária de €10,00 (dez euros), num total assim de €2.200,00 (dois mil e duzentos euros).
Ora, tendo em conta os critérios da sua determinação, a pena deve ser aferida em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.
Assim e retomando os critérios para a determinação concreta da pena, temos, duas regras centrais: a primeira consiste em ter presente que a culpa é o fundamento para a concretização da pena; a segunda, é de que deverá ter-se em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido na sociedade e a necessidade desta se defender do mesmo, mantendo a confiança da comunidade na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.
Perante isto, podemos dizer que nesta acção a pena serve primacialmente, por um lado, para a retribuição justa do ilícito e da culpa (função retributiva), contribuindo ainda, por outro lado e ao mesmo nível, para a reinserção social do arguido, procurando não prejudicar a sua situação social mais do que estritamente necessário (função preventiva especial positiva) – como aludia Kohlrausch “Na determinação da pena o tribunal deve considerar principalmente que meios são necessários para que o réu leve de novo uma vida ordenada e conforme a lei” (vide “Mitt IKV Neue Folge”, t. 3, p. 7, citado por H.-H. Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal”, Vol. II, p. 1195).
Ou ainda, como refere Figueiredo Dias (Consequências Jurídicas do Crime, pág. 227 e seg) a propósito da questão da medida da pena, a finalidade da aplicação desta reside primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível na reinserção do agente na comunidade. A determinação da medida da pena é, assim, a conjugação da expectativa da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida que se consubstancia com a ideia de prevenção geral positiva e as exigências derivadas da inserção social e reintegração do agente na comunidade.
Tal conjugação terá como parâmetro a culpa que constitui um limite máximo que não pode ser ultrapassado.
Para a determinação da medida concreta da pena há que fazer apelo aos critérios definidos pelos artigos 71º, 40º e 47º, n.º 1 do Código Penal, nos termos dos quais, tal medida será encontrada dentro da moldura penal abstractamente aplicável, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.
Atendendo à materialidade considerada provada, são os seguintes os factores que relevam para a medida da pena:
- Execução do facto
O arguido actuou com consciência da ilicitude do seu acto e plena liberdade de decisão e com intenção de ofender a integridade física e de ameaçar o ofendido, provocando-lhe medo e inquietação sabendo que tais comportamentos eram ilícitos.
Assim, contra o recorrente milita o grau de ilicitude da conduta do mesmo e o modo gravoso de execução dos factos, bem evidenciado no factualismo provado, sendo o seu dolo directo (modalidade mais gravosa do dolo).
Pesa, ainda, em desfavor do arguido o facto de a actuação do mesmo ter sido determinada por motivo que consideramos de algum modo leviano e insignificante, não existindo, qualquer razão para que o arguido adoptasse tal conduta.
A seu favor, as suas condições pessoais, a sua inserção social e a ausência de antecedentes criminais.
Ora, compulsando a materialidade considerada provada e tendo em conta os factores enunciados e o disposto no citado artigo 71º, entendemos ser de manter a medida da pena. É que, face ao elevado grau de ilicitude da conduta do arguido, à intensidade do dolo, às concretas exigências de prevenção geral e a personalidade revelada pelo arguido, fica inviabilizada por si só a possibilidade de acolhimento da pretensão por ele formulada.
Assim, perante estas concretas circunstâncias e face à moldura penal do tipo legal de crime acima mencionada, entendemos, que se mostra adequada para o arguido/recorrente a pena aplicada.
Ou seja, atentos os critérios contidos nos artigos 40º, 70º e 71º C Penal, como suficientemente claro, se deixou exarado na decisão recorrida – ser, assim, óbvia a constatação que bem se decidiu, não merecendo qualquer censura, mostrando-se ajustadas, quer a espécie, quer a medida concreta da pena, relativamente a ambos os crimes e ao cúmulo efectuado.
Consequentemente, não foi violada qualquer das disposições legais referidas, mormente artºs 40º, 47º, 71º e 72°, do C.Penal, nem o art.º 32º da CRP, pelo que, também nesta parte o recurso improcederá.
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3.4. Da Indemnização civil
Nos termos do art. 71.º do Código de Processo Penal e em conformidade com o princípio da adesão que aí se consagra, o pedido de indemnização civil, fundado na prática de um crime, deve ser deduzido no âmbito do processo penal em que se aprecia a responsabilidade criminal emergente da infracção cometida.
A razão de ser do sistema consagrado prende-se, como salienta Figueiredo Dias, com “necessidades de protecção do lesado e de auxílio à função repressiva do direito penal”. (in Direito Processual Penal, pág. 543).
O tribunal a quo, julgou procedente o pedido de indemnização civil, tendo condenado o demandado civil LM... a pagar ao demandante civil AF... a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização civil.
Veio agora o recorrente dizer que “Em termos de indemnização cível, os invocados danos não se podem considerar provados e o valor arbitrado, não resulta de qualquer nexo de causalidade entre factos e danos, padecendo, a sentença, neste particular, de contradição, por um lado, e falta de fundamentação, por outro.”
Uma vez que todos os pontos anteriores do recurso forma improcedente e mantendo-se como provada toda a factualidade, que consta da primeira instância, dúvidas não existem que existe a obrigação de o demandado indemnizar o ofendido.
Vejamos então, no que se refere ao quantum indemnizatório, fixado.
Conforme dispõe o art. 483, n.º 1, do Cód. Civil, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Nos termos do art. 70.º, n.º 1, do Cód. Civil, a lei protege todos os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
Dispõe o artº 483 nº 1 do Cód Civil “aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Nos termos do 496.º, n.º 1, do Cód. Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
“A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada); por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” - Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2.ª Edição, pág. 486 e 489.
Não há fórmulas concretas ou tabelas para de uma forma matemática se determinar o “quantum” indemnizatório. Aliás a própria natureza dos danos não se coaduna com tais critérios, o que se conclui de uma simples leitura dos art. 496, n.º 3 e 494.º, do Cód. Civil.
Assim, o montante da indemnização a atribuir deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
O recorrente entende ser exagerado o montante indemnizatório fixado em primeira instância, mas não tem razão.
Não há fórmulas concretas ou tabelas para de uma forma matemática se determinar o “quantum” indemnizatório. Aliás a própria natureza dos danos não se coaduna com tais critérios, o que se conclui de uma simples leitura dos art. 496, n.º 3 e 494.º, do Cód. Civil.
No primeiro preceito acabado de citar, consagra-se que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias relevantes do caso concreto.
O facto de se tratar de um julgamento de equidade não impede juiz deva referir, com motivação adequada, o processo lógico através do qual chegou à liquidação equitativa do dano.
O montante da indemnização a atribuir deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Como foi referido no acórdão do Supremo Tribunal de 17/04/1997, proferido no Proc. n.º 59/96, da 2.ª Secção, “na fixação do montante dessa indemnização deve o Tribunal orientar-se por um critério de equidade, que não pode fazer corresponder a indemnização a um enriquecimento despropositado do lesado, nem a uma simples esmola, a um valor meramente simbólico”.(cfr. o Ac. do mesmo Tribunal de 16/12/93, publicado na Col. Jur., STJ, III, pág. 182.)
Nesta perspectiva, conforme se sabe, tem existido uma acentuada tendência para a elevação das indemnizações a arbitrar em casos como o dos autos, de maneira a ultrapassar uma certa timidez que se instalou na prática dos nossos Tribunais e a acompanhar a evolução positiva dos padrões económicos da nossa sociedade, geradora de maiores hábitos de consumo por parte das famílias, pretendendo-se que o lesado atinja prazeres e bem estar que de algum modo lhes façam esquecer ou mitigar o sofrimento causado pela lesão.
Assim, o montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Postas estas considerações, vejamos, então, o caso concreto.
Como já ficou referido, o arguido foi condenado a pagar ao ofendido uma indemnização no montante de € 5.000,00, a título de indemnização por danos morais, sendo certo que o ofendido havia deduzido um pedido de € 10.000,00.
Ora, temos que o ofendido, como resulta da matéria de facto provada, sofreu danos não patrimoniais, que se traduzem no facto de em virtude das ameaças proferidas pelo arguido o demandante sentiu humilhação por ser agredido num local público perante várias pessoas que ali se encontravam e sentiu medo e inquietação, temendo que ele viesse a concretizar as ameaças; sentiu e sente que o arguido o pode agredir de novo e possivelmente com gravidade, ou ainda pior, vivendo num estado de permanente inquietação, não conseguindo levar uma vida normal.
Além disso sofreu dores em consequência das agressões de que foi vitima.
O ofendido estava na altura a trabalhar na sua tese de doutoramento e tais dores e zumbidos perturbaram-lhe o sono e dificultaram-lhe a capacidade de concentração no trabalho na referida tese.
O arguido sabia que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.
O arguido é professor, aufere o rendimento mensal de €2.350,00, vive sozinho em casa própria, e tem duas filhas menores, de 15 e 11 anos de idade, contribuindo para o seu sustento com a quantia mensal de apenas €204,00, pelo devemos concluir que vive bem, para os tempos que decorrem.
Assim, ponderadas estas circunstâncias, à luz de juízos de equidade, entendemos dever manter todas as indemnizações fixada, a titulo danos não patrimoniais.
Assim, o recurso será improcedente, não se verificando a violação de qualquer das normais legais invocadas.

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III – Decisão.
Posto o que precede, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso do arguido, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 6 UCs.
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Calvário Antunes (Relator)
Félix Almeida