Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
889/10.5TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
RECURSO
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
ÓNUS DA ESPECIFICAÇÃO
REJEIÇÃO
VALOR EXTRAPROCESSUAL DAS PROVAS
CONFISSÃO
Data do Acordão: 09/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 421, 425, 640, 651, 659, 662 CPC, 355, 358 , 360 CC
Sumário: 1.-Resulta da combinação dos arts. 651º, nº 1, e 425º do NCPC, que depois do encerramento da discussão só são admitidos, em caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento;

2.- Em qualquer caso, porém, o documento tem de referir-se a facto ocorrido antes do encerramento da discussão em 1ª instância, a facto reportado aos fundamentos da acção (ou da defesa), e devidamente introduzido na causa no respectivo articulado, no limite mediante alegação em articulado superveniente - articulado este que tem como limite temporal justamente aquele encerramento da discussão em 1ª instância (arts. 588º, nº 1, e 611º, nº 1, do NCPC) -, e não a facto novo somente alegado em recurso;

3.- Face ao CPC anteriormente vigente, caso a parte recorrente não tivesse reclamado, oportunamente, da factualidade assente, estava-lhe vedado contestar a mesma em impugnação da matéria de facto;

4.- Tal factualidade assente podia no entanto ser objecto de alteração: ou porque o tribunal de 1ª instância na sentença alterava o facto especificado, com base no art. 659º, nº 3, do CPC, então vigente; ou porque o tribunal de recurso oficiosamente anulava ou ampliava a factualidade a considerar, à sombra dos arts. 712º, nº 1 e 4, do CPC, então vigente, no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto; ou porque o tribunal de recurso alterava tal factualidade, com base no art. 713º, nº 2, por reporte ao dito art. 659º, nº 3, do CPC, então vigente;

5.- Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda;

6.- A omissão desse ónus, imposto pelo nº 2, a), do referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, pois tal ónus não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados no sistema digital com início às …e termo às … (ou que os depoimentos gravados duraram um determinado tempo), nem com a transcrição, total ou parcial, da declaração da parte ou de depoimentos das testemunhas ou da parte, pois tal transcrição é uma mera faculdade;

7.- Tendo o juiz fundamentado a sua convicção da resposta a certos pontos da matéria de facto conjugadamente em múltiplos depoimentos testemunhais, declaração de parte, depoimento de parte e diversa prova documental, não pode a mesma ser alterada, ao abrigo do art. 662º, nº 1, do NCPC, se os documentos existentes nos autos em que o recorrente baseia a sua impugnação factual, não conseguirem impor decisão diversa, por destituídos de força probatória plena;

8.- O valor extraprocessual das provas, no caso uma invocada confissão de parte, nos termos do art. 421º, nº 1, do NCPC, só pode realmente ter eficácia, perante o juiz do segundo processo, se tal depoimento tiver sido reduzido a escrito ou tiver sido gravado no primeiro processo e for apresentado no segundo processo tal redução a escrito ou a gravação; se apenas chegar ao segundo processo o facto como provado e a convicção do primeiro juiz tal facto ficará sujeito à livre apreciação do segundo juiz, a valorar em conjunto com outros meios de prova com que ele é directamente confrontado, valendo a confissão apenas como princípio de prova;

9.- Já no caso de haver registo do depoimento, por meio de gravação ou por redução a escrito, que seja apresentado ao segundo juiz então este é confrontado directamente com o seu conteúdo que pode valorar de acordo com as regras legais probatórias;

10.- Considerando-se ter havido confissão no primeiro processo, há que lidar com o que resulta do art. 355º, nº 3, do CC; tratando-se de uma confissão feita noutro processo, só aí valendo como judicial, mas já não no segundo processo, pelo que será uma confissão extrajudicial com força probatória plena apenas na hipótese de ter sido feita à parte contrária também contraparte nesse primeiro processo, nos termos do art. 358º, nº 2, do CC;

11.- Confissão judicial escrita é o reconhecimento por uma parte da realidade de um facto que o desfavorece e favorece a parte contrária (arts. 352º e 358º, nº 1, do CC), não o sendo se o R. alega na contestação um facto desfavorável que favorece uma terceira pessoa, que não é parte do processo, mas não a A. contraparte no mesmo processo;

12. Mesmo que se pudesse configurar tal alegação como possível confissão teria de se jogar com o princípio da indivisibilidade da confissão, plasmado no art. 360º do CC, dado o R., ao mesmo tempo, também ter narrado outros factos e circunstâncias que infirmariam a eficácia do acto confessado.

Decisão Texto Integral:

 

I – Relatório

1. M (…), SA., com sede em Tondela, propôs acção contra C (…) com residência na Figueira da Foz, alegando, no essencial, que é proprietária de 4 fracções autónomas (uma casa e três garagens) de um prédio constituído em propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia de São Julião da Figueira da Foz sob o art. 4.575º e descrito na competente Conservatória sob o nº 223, por ter adquirido essas fracções mediante escrituras de 6.1.1992 e de 18.7.2000, vindo a possuí-las desde as datas das respectivas escrituras, pelo que as adquiriu por usucapião, além de beneficiar do registo predial a seu favor. Que cedeu gratuitamente ao réu em Junho de 2005 as ditas fracções e recheio do apartamento pelo motivo de aquele se ter separado da esposa e ser pai dos accionistas da autora, não tendo à época lugar onde residir, nem meios de fortuna para arrendar uma casa, situação que perduraria até o réu encontrar outra habitação, passando ele, posteriormente, a viver em vários locais, mas sem lhe entregar o apartamento, respectivo recheio e as demais fracções. Apesar de o ter interpelado, até por notificação judicial avulsa, não conseguiu que o réu desocupasse as fracções, tendo o mesmo mudado as fechaduras. Que pretende ser indemnizada pela perda dos benefícios que poderia obter com as fracções, que em arrendamento lhe proporcionariam uma renda mensal de 600 €. Disse ainda ter sofrido danos não patrimoniais a ressarcir com pelo menos 5.000 €.

Concluiu pedindo: a) Seja o réu condenado a reconhecer que a autora é legítima proprietária das fracções prediais que indicou; b) Seja o réu condenado a desocupar e a entregar esses bens imóveis e respectivo recheio, livres e devolutos, no estado de utilização, conservação e funcionamento em que os encontrou; c) Assim como deve o réu ser condenado a ressarcir a autora com a quantia de 11.400 €, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, bem como 600 € por mês, a título de renda ou cláusula penal, desde a citação até efectiva entrega dos bens imóveis e móveis e ainda, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 5.000 €.

Contestou o réu, alegando, em suma, que se viu envolvido em 3 processos criminais, em que veio a ser absolvido, mas entretanto despojou-se de todo o seu património, bem como das suas participações sociais nas diversas sociedade comerciais que liderara, transferindo todos os seus bens e sociedades para a autora, de quem era sócio. Quanto ao apartamento, tinha-o o réu adquirido e pago em 1987, sempre o tendo destinado, juntamente com as demais fracções, a casa de praia do seu agregado familiar. Porém, em Junho de 2005 por motivos familiares foi expulso da casa da família em Viseu, passando a residir no apartamento da Figueira da Foz ora em causa. A A. nunca exerceu posse sobre os imóveis em causa, tendo sido sempre o réu, possuidor das respectivas chaves, quem os adquiriu por usucapião. Concluiu que o pedido formulado pela autora deve improceder. Deduziu reconvenção que não veio a ser admitida.

A autora replicou, referindo ser a esposa quem trabalhava e geria a actividade empresarial do casal, ao passo que o réu gerou dívidas aqui e em Moçambique, país onde esteve entre 1995 e 2001, nem sequer gozando férias no prédio em questão. Pediu a improcedência da matéria de excepção alegada pelo réu.

*

A final foi proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo-se o réu dos pedidos formulados pela autora.

*

2. A A. recorreu (com alegações prolixas e em algumas partes confusas) tendo concluído como segue:  

(…)

3. O R. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

*

Foi proferido despacho pelo relator, que, ao abrigo do art. 652º, nº 1, e), do NCPC, não admitiu os 4 documentos juntos com as alegações da A., a fls. 650/656, e com as do R., a fls. 669/702, ordenando-se, consequentemente, o seu desentranhamento.

A A. reclamou para a conferência, pedindo a admissibilidade da junção dos ditos documentos.

O R. respondeu que a reclamação não merece provimento.  

*

II – Factos Provados

 

1. [A] A autora M (…), S.A. desde 25/02/1992, tem inscrita a seu favor, por compra a M (..) e A (…) a aquisição da fracção autónoma designada pelas letras “AP” correspondente ao 3º andar esquerdo, entrada B, do prédio sito na Rua (... ) , Figueira da Foz, inscrito na matriz urbana sob o artigo 4575 e descrito na 1ª Conservatória de Registo Predial da Figueira da Foz sob o nº 223/19860926-AP.

2. [B] A autora M (…), S.A. desde 25/07/2000, tem inscrita a seu favor, por compra a M (…) e C (…) a aquisição da fracção autónoma designada pela letra “G” correspondente à subcave com entrada pelo lado poente, a primeira a contar do lado norte, do prédio sito na Rua (... ) , Figueira da Foz, inscrito na matriz urbana sob o artigo 4575 e descrito na 1ª Conservatória de Registo Predial da Figueira da Foz sob o nº 223/19860926-G.

3. [C] A autora M (…), S.A. desde 25/07/2000, tem inscrita a seu favor, por compra a M (…) e C (…)  a aquisição da fracção autónoma designada pela letra “H” correspondente à subcave com entrada pelo lado poente, a segunda a contar do lado norte, do prédio sito na Rua (... ) , Figueira da Foz, inscrito na matriz urbana sob o artigo 4575 e descrito na 1ª Conservatória de Registo Predial da Figueira da Foz sob o nº 223/19860926-H.

4. [D] A autora M (…) S.A. desde 25/07/2000, tem inscrita a seu favor, por compra a M (…) e C (…) a aquisição da fracção autónoma designada pela letra “H” correspondente à subcave com entrada pelo lado poente, a terceira a contar do lado norte, do prédio sito na Rua (... ) , Figueira da Foz, inscrito na matriz urbana sob o artigo 4575 e descrito na 1ª Conservatória de Registo Predial da Figueira da Foz sob o nº 223/19860926-I.

5. [E] Por escritura pública outorgada em 06/01/1992, M (…) e A (…) declararam vender a M (…), S.A. e esta declarou comprar, pelo preço de três milhões e duzentos mil escudos, já recebido, a fracção autónoma descrita em 1.

6. [F] Por escritura pública outorgada em 18/07/2000, M (…) e C (…) declararam vender a M (…), S.A. e esta declarou comprar, pelo preço de três milhões e novecentos mil escudos, já recebido, as fracções autónomas descritas em 2, 3 e 4.

7. [G] O réu encontra-se a utilizar as fracções descritas em 1 a 4.

8. [H] A autora requereu a notificação judicial avulsa do réu nos termos constantes de fls. 48 a 51, designadamente, para que procedesse, no prazo de 15 dias, a contar da notificação, à desocupação e entrega do imóvel descrito em 1, livre e devoluto de pessoas e bens pessoais, deixando-o no estado em que o encontrou, desde logo limpo, arrumado, e sem marcas da sua presença, quer na fracção, quer em todos os bens que dela fazem parte, que deverão ser entregues no mesmo estado de utilização, conservação e funcionamento em que os encontrou, do que o réu foi notificado em 06/04/2009.

9. [I] A autora tem como objecto social, a indústria, comércio de equipamentos diversos, outro bens móveis e imóveis, direitos e serviços, importação e exportação e o seu capital social é constituído actualmente por 18.750 acções ao portador.

10. [J] Fazem parte do conselho de administração da autora (…)

11. [5º] - A fracção descrita em 1 encontrava-se mobilada, na sala com:

a. Uma mesa para 8 pessoas.

b. 8 cadeiras.

c. Um móvel de sala.

d. Um terno de sofás com cama.

f. Uma televisão, que se avariou.

12. [6º] - A cozinha da fracção descrita em 1 encontrava-se equipada com:

a. Fogão com 4 bicos e forno.

b. Máquina de lavar louça, que se avariou.

c. Máquina de lavar roupa, que se avariou.

e. Exaustor.

f. Torradeira.

h. Grelhador eléctrico, que se avariou.

j. Esquentador.

k. Frigorífico de 2 portas.

l. Mesa com estrutura metálica e tampo em vidro para 8 pessoas.

m. 8 cadeiras.

13. [7º] - A suite da fracção descrita em 1 encontrava-se mobilada com:

a. Cama de casal.

b. 2 camiseiros com tampo em pedra.

c. 1 cómoda com tampo em pedra e espelho incorporado.

d. 1 guarda-fatos com 3 portas.

e. Televisão, que se avariou.

14. [8º] - O primeiro quarto da fracção descrita em 1 encontrava-se mobilado com:

a. 2 camas de solteiro.

b. 2 camiseiros.

c. 1 cómoda.

15. [9º] - O segundo quarto da fracção descrita em 1 encontrava-se mobilado com:

a. Uma cama individual.

b. 1 camiseiro.

c. 1 cómoda.

16. [10º] - O hall da fracção descrita em 1 encontrava-se mobilado com um móvel aparador.

17. [11º] - A fracção descrita em 1 encontrava-se ainda com roupa de banho e de cama.

18. [16º] - O réu deslocou para a varanda da fracção AP, uma máquina de lavar louça e uma outra de lavar roupa, avariadas, onde estiveram um mês, as quais depois guardou numa das garagens.

19. [17º] - As fracções descritas em 1 a 4 têm um valor de mercado para arrendamento não inferior a €600,00.

20. [19º] - O apartamento referido em 1 é de tipo T3 e tem vista frontal para o mar.

21. [21º] - O réu adquiriu a totalidade do capital social da autora juntamente com M (…).

22. [22º] - Para se acautelar contra a procedência de diversas acções instauradas contra si, o autor transferiu os imóveis referidos em 1 a 4 para a autora.

23. [23º] - Por escritura pública outorgada em 10/07/1987, M (…) e A (…) vender ao réu e este declarou comprar, a fracção autónoma descrita em 1.

24. [24º] - Tendo o réu pago o respectivo preço durante a construção do edifício.

25. [25º] - Não obstante o declarado em 5, não foi recebido naquela data qualquer preço.

26. [26º] - Desde 1987, as fracções descritas em 1 a 4 destinaram-se à casa de praia do agregado familiar do réu.

27. [27º] - Desde essa data, o réu ocupou sempre as fracções descritas em 1 a 4, mas fê-lo por vezes acompanhado da esposa e por vezes ainda dos filhos, enquanto menores, que as usaram ocasionalmente depois de atingirem a maioridade.

28. [28º] - Sempre possuiu a chave do apartamento, tal como a esposa, até Janeiro de 2008, passando desde então a possuí-la somente o réu, em consequência de ter mudado a fechadura, na sequência de outra mudança de fechadura feita dias antes por outrem.

29. [29º] - Actuando e arrogando-se como proprietário das mesmas, a par com a esposa até Janeiro de 2008 e só em nome dele próprio posteriormente.

30. [30º] - À vista de toda a gente.

31. [31º] - E sem oposição material ou física de ninguém até Janeiro de 2008.

32. [32º] - As mobílias existentes na fracção descrita em 1 foram adquiridas pelo réu e esposa, salvo um «maple» e um sofá de três lugares com cama, adquirido pelo filho C (…).

33. [33º] - E os electrodomésticos que substituíram os avariados, por uma sua filha, (…)

Factos não provados:

1º - Em meados de Junho de 2005, a autora permitiu que o réu ocupasse os imóveis referidos em A) a D).

2º - sem pagar qualquer quantia.

3º - Tendo autora e réu acordado que tal ocupação persistiria apenas até o réu arranjar outro lugar para habitar.

4º - A autora permitiu ainda que o réu utilizasse todos os equipamentos e electrodomésticos existentes na fracção descrita em A).

5º, a) – (parte) extensível, para 10 pessoas.

5º, b) – (parte) 10 cadeiras forradas a pele.

5º, e) – Móvel de televisão.

5º, g) – Um sistema de Hi-Fi.

6º, d) – Micro-ondas.

6º, g) – Tosteira.

6º, i) – Aspirador.

8º, d) – 1 espelho.

9º, a) – (parte) de casal.

9º, b) – (parte) 2 camiseiros.

9º, d) – 1 espelho.

12º - Em 2006, o réu passou a residir noutro local.

13º - O réu mudou as fechaduras de forma a impedir a entrada da autora.

14º - O réu empresta os imóveis a terceiros sem autorização da autora.

15º - O réu cede os imóveis referidos em A) a D) a terceiros contra a entrega de dinheiro.

16º - (parte) que ali se encontram sujeitas às intempéries.

18º - As garagens descritas em B) a D) têm capacidade para 6 carros.

20º - A autora tem necessidade de depositar e guardar alguns materiais inerentes à sua actividade nas garagens.

21º- (parte) inicialmente.

24º - (parte) então.

*

 

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Junção de Documentos.

- Alteração da matéria de facto.

- Propriedade pela A./recorrente do apartamento e das garagens em causa.

- Em caso afirmativo respectivas consequências.

 

2.1. Além do que consta nas suas conclusões de recurso 1º, 2º, 25º e 26º, a A. no corpo das alegações disse, nomeadamente, que:

“O Tribunal a quo deu como não provado o pagamento do preço dos prédios pela Autora, partindo desta facto para ilidir a sua presunção proveniente do registo e dar como provada a posse do R..

Não obstante a A. entender que a sua presunção de registo não foi ilidida face à abundante prova documental existente nos autos e ainda face à prova testemunhal produzida, facto é que só na sequência desta sentença a Autora veio a descobrir um novo facto e novos documentos que provam cabalmente o pagamento do preço da escritura de compra e venda outorgada em 06/01/1992 por parte da Autora ao Réu, directamente”.

E mais à frente referiu que:

“E assim conseguiu encontrar a prova de que afinal a A. pagou o preço constante na escritura de compra e venda! (Doc. 1 que ora se junta, composto por cópia de três canhotos de cheques).

Já na posse dos canhotos dos 3 cheques, emitidos naquela época pela Autora, à ordem do R., no valor total de 3200 euros (valor da venda dos prédios), requereu-se ao Banco Santander cópia dos cheques.

Sendo que, atento o lapso de tempo decorrido, apenas lograram obter cópia de dois deles, resultando do seu verso o n.º da conta onde foram depositados, conta n.º 017-02239.001/8, e ainda a assinatura do R., Cfr. doc. n.º 2;

O Banco facultou ainda o extrato bancário daquele período, onde constam os débitos dos referidos cheques (doc. n.º 3).

E para prova de que a conta constante no verso dos cheques estava titulada pelo R. (…) além da sua assinatura nos versos dos cheques, requer-se a junção do doc. n.º 4.

Assim, requerem a V.ªs Ex.ªs se dignem aceitar a superveniência deste facto e dos documentos que ora se juntam, atenta a fundamentação supra.

Assim, a A. pagou ao Réu 3200 contos. Veja-se a escritura de 9/1/1992 do referido (…) à Autora, e vejam-se os canhotos dos 3 cheques que agora se lograram descobrir e o extrato bancário:

a) - 31/12/91 – A A. PAGOU AO R. 1.500 CONTOS;

b) - 10/1/92 – A A. PAGOU AO R. MAIS 1.500 CONTOS

c) - 29/1/92 – A A. PAGOU AO R. MAIS 200 CONTOS”.

2.2. O R. nas suas contra-alegações disse no corpo das mesmas que:

“1. Alega a Recorrente que: “o Tribunal a quo deu como não provado o pagamento do preço dos prédios pela Autora, partindo deste facto para ilidir a sua presunção proveniente do registo e dar como provada a posse do R..”.

2. Acontece que, em momento algum, o Tribunal a quo fez inscrever na Douta Sentença, no capítulo sob “Factos não provados”, que deu como não provado que a Autora tivesse pago o preço dos prédios, objecto dos presentes autos.

Mais:

3. Nem tão pouco tal facto vinha alegado pela própria Autora, razão pela qual, não constava de nenhum dos quesitos.

4. Aquilo que a Autora alegou, conforme consta no artigo 2.º da Petição Inicial (P.I.) é que: “a fracção “AP” adveio á posse da Autora por escritura de compra e venda outorgada a 6 de Janeiro de 1992.

Ou seja,

5. Insiste-se: a Autora não invocou que pagou o preço.

(…)

37. Esse alegado “Doc. 3”, procura demonstrar que o banco enviou o referido extracto bancário para o filho do Réu, de nome Pedro Bernardes.

Ou seja,

38. A Recorrente junta como “Doc. 3 fls 1” um e-mail, enviado por “(…) gestor de empresas do Banco Santander Totta, para o e-mail de beirares@gmail.com, com data de 27 de Junho de 2014, pelas 14:36.

39. Da análise do e-mail enviado pelo Banco Santander Totta (…), é possível aferir que não consta qualquer assunto, e não acompanha qualquer anexo.

Mais:

40. Desse mesmo e-mail não consta qualquer redacção sobre qualquer tipo de assunto, isto é, o e-amil terá sido enviado 2em branco”.

41. Curioso é notar que entre o espaço do destinatário e a saudação do remetente, despedindo-se: “Com os melhores cumprimentos, (…) nada é dito, rigorosamente nada.

42. Contra qualquer política comercial de um gestor de conta normal, alguma coisa deveria ter sido dita, mais a mais quando se trata, como alega a Recorrente, o envio de documentação, ao caso presente, de um extracto bancário, de uma conta titulada em nome da própria Autora.

43. Certo é que desse mesmo e-mail também não possível aferir do envio de qualquer tipo de documento, por completa ausência de referência a qualquer anexo.

44. O que parece ter havido foi a utilização indevida de um outro e-mail enviado pelo referido gestor de conta do Santander Totta, e que não versava sobre o envio de nenhum documento, por não acompanhar nenhum anexo,

45. E que respeitaria a um outro qualquer assunto, pois a ausência de “escrita” é muito estranha,

46. E que a Recorrente, na ânsia de pretender reverter a seu favor uma decisão judicial, procurou através de um expediente ilícito e ilegal, dar a entender a existência de determinados factos, bem sabendo que os mesmo são irreais e falaciosos,

47. O extracto de conta que se encontra junto como “fls. 2” e “fls. 3” do “Doc. 3”, chegou às mãos da Recorrente por ordem do então 4.º Juizo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, no âmbito do Proc. n.º 3636/11.0 TBVIS, e que tem como Autora: “M (…) S.A.”, e como um dos Réus: C (…), nada mais nada menos do que os aqui Autora e Réu, encontrando-se actualmente distribuído à Sessão Cível – J1, da Instância Local da Comarca de Viseu.

48. Extracto bancário que foi remetido para aqueles autos de processo há mais 1 (um) ano, mais precisamente no já distante dia 05 de Junho de 2013, conforme cópia que se junta como Doc. n.º 1.

49. Tendo a Autora e aqui Recorrente sido igualmente notificada desse mesmo extracto bancário, e passando a dele ter pleno conhecimento, desde o passado dia 06 de Junho de 2013, conforme notificação à sua Ilustre Mandatária, que se junta como Doc. n.º 2.

50. Nesses autos, que se encontra em fase de julgamento, foi o aqui Réu que requereu a apresentação desse mesmo extracto bancário, para provar que não obstante ter “transmitido” todo o património imobiliário que, juntamente com a sua mulher detinha, para a Recorrente, e transmitido a titularidade desta para os filhos e colocado como testa de ferro o referido João Henriques Gaspar, entre o Réu a Recorrente existia uma intensa circulação de dinheiro, através de depósitos e posteriores levantamentos, conforme Requerimento Probatório então apresentado naqueles autos de Proc. n.º 3636/11.0 TBVIS, que se junta como Doc. n.º 3.

51. Requerimento esse que mereceu deferimento por Despacho proferido a 08 de Abril de 2013, sob a Ref.: 7588563, e que igualmente se junta como Doc. n.º 4.

Ou seja,

52. A primeira audiência de discussão e julgamento teve lugar a 10 de Fevereiro de 2014, tendo, nessa ocasião, sido ouvido o P (…) o Réu, a (…), e demais testemunhas.

53. A segunda sessão ocorreu a 11 de Março de 2014.

54. A terceira sessão de julgamento foi a 03 de Março de 2014.

55. Entre a data de recepção do extracto bancário pela Recorrente - 06 de Junho de 2013, e a data de início do julgamento do presente processo, decorreram 8 (oito) meses.

56. Então e agora vem a Recorrente dizer que teve conhecimento de determinados factos após a prolação da sentença?

57. Quando entre a primeira e a última sessão de julgamento mediaram cerca de dois meses e já na posse do referido extracto de conta, nada veio dizer?

(…)

71. Processualmente não poderá ser admitido a junção de tais documentos, ou então os mesmos não poderão servir á formulação da convicção do Tribunal a quem, porque inadmissíveis, nos termos do art. 425.º, do C.P.Civil, e pelas razões supra apontadas.

(…)

Junta: 04 documentos”.

2.3. O despacho do relator foi o seguinte (transcrição integral):

“A A./recorrente pretende a junção de 4 documentos aos autos, ao abrigo do art. 425º do NCPC. Isso porque a junção dos aludidos documentos não pôde ocorrer em 1ª instância, dada a sua superveniência subjectiva.

Carece, porém, de razão.

Efectivamente, dispõe o art. 651º, nº 1, do NCPC, que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º.

E resulta do mencionado art. 425º que depois do encerramento da discussão só são admitidos, em caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento. Por exemplo, ou porque o documento estava em poder de terceiro que só posteriormente o disponibiliza, ou porque foi emitida tardiamente por repartição pública certidão dele ali arquivado, ou porque a parte só posteriormente veio a tomar conhecimento dele (superveniência subjectiva), ou porque o documento se formou apenas depois daquele momento (superveniência objectiva). Em qualquer dos casos, porém, tal documento tem de referir-se a facto ocorrido antes do encerramento da discussão em 1ª instância, a facto reportado aos fundamentos da acção ou da defesa, e devidamente introduzido na causa no respectivo articulado, no limite mediante alegação em articulado superveniente, articulado este que tem como limite temporal justamente aquele encerramento da discussão em 1ª instância (cfr. os arts. 588º, nº 1, e 611º, nº 1, do NCPC).

Analisemos então a justificação da A.

Começa a A. por dizer, no corpo das alegações, que o tribunal a quo deu como não provado o pagamento do preço dos prédios pela A. Mas como assinala o recorrido, nas contra-alegações, em momento algum isso aconteceu, pois no capítulo dos “factos não provados”, não se inscreveu nenhum facto desse teor (compulsar os factos não provados, acima elencados). Mais, até. Nem tão-pouco tal facto vinha alegado pela própria A. razão pela qual não constava de nenhum dos quesitos da base instrutória. Na realidade a A. não invocou tal pagamento.

Assim, a pressuposição em que a A. assenta para juntar os apontados 4 documentos não existe.

Mas lida por inteiro a alegação da A. (corpo e conclusões), vê-se que aquilo que a A. realmente pretende é a junção desses 4 documentos - três canhotos de cheques; cópia de dois deles; extracto bancário daquele período, de Dezembro 1991/Janeiro 1992; conta bancária titulada pelo R(…) – para provar um novo facto: o de que ela, A., procedeu ao pagamento ao R. da quantia de 3200 contos pela aquisição do apartamento, fracção “Ap”.

Ora, como é sabido de todos a apelação não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em 1ª instância, mas tão-somente a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Como resulta de uma jurisprudência uniforme e reiterada, os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas.

Não pode, pois, levar-se em conta, na fase de recurso, esse alegado facto novo. Como tal, logicamente, não pode considerar-se admissível a junção de documentos para provar exactamente esse facto novo, apenas alegado em fase de recurso.    

Como assim, não podem ser admitidos os 4 docs. oferecidos pela A. com as suas alegações.

Perante o ora exposto, queda inútil conhecer da superveniência subjectiva de tais docs., não podendo, também, ser admitidos os 4 docs. oferecidos pelo recorrido, para demonstrar a não superveniência subjectiva daqueles outros 4 docs. oferecidos pela A.  

No nosso caso, por conseguinte, não tem cabimento, o indicado art. 425º, não podendo tais documentos ser admitidos”.

2.4. Na reclamação para a conferência a A. invoca, no essencial, 3 argumentos: que na p.i. tinha afirmado que a propriedade da referida fracção lhe tinha advindo da escritura de compra e venda e na qual consta que a ora recorrente havia procedido ao pagamento do preço; por outro lado tal pagamento resulta do facto provado 5.; por outra banda o quesito 25º foi dado como não provado, o que significa que o tribunal se pronunciou sobre tal pagamento. Enquanto o R. na sua resposta mantém o que já tinha defendido nas contra-alegações.

A A. não tem razão. Quanto ao terceiro argumento já se disse e repete-se que o tribunal a quo não deu como não provado o pagamento do preço da fracção pela A., pois no capítulo dos “factos não provados”, não se inscreveu nenhum facto desse teor. Nem tão-pouco tal facto vinha alegado pela própria A. razão pela qual não constava de nenhum dos quesitos da base instrutória, pois a A. não invocou tal pagamento.

O que o tribunal deu como provado no facto 25., após prévia alegação, mas do R., que constava da base instrutória, foi coisa diversa, a de que não obstante o declarado na escritura não foi recebido naquela data qualquer preço pelos vendedores. Não se confundam as coisas.

Quanto ao segundo argumento ele não é exacto, pois o que consta do facto provado 5. é coisa diferente. O que se provou foi que na referida escritura pública os vendedores declararam que tinham recebido o preço de três milhões e duzentos mil escudos, pela venda da fracção autónoma “AP”, nada mais, declaração essa que veio a demonstrar-se não ser verdadeira, como resulta do facto provado 25. 

Quanto ao primeiro argumento ele não é correcto, pois a A. na p.i. (ou na réplica) não alegou tal pagamento do preço, razão pela qual não foi levada à base instrutória um facto desse tipo.

Finalmente reafirma-se que a A. pretende provar um facto novo, como ela própria reconhece expressamente (vide transcrição supra das suas próprias alegações), ao pretender que se dê por provado o pagamento do preço da compra e venda directamente ao R. e não aos vendedores identificados no facto 5., facto que só agora em recurso veio alegar pela 1ª vez.

Inexistindo razão para alterar o decidido pelo relator, é de manter o seu despacho não se admitindo os indicados documentos e ordenando-se o seu desentranhamento.

3.1. Defende a recorrente que os factos provados 21. a 33. nunca poderiam ter sido dados por provados pois são factos alegados em sede de reconvenção que não foi admitida (vide conclusão 20º). Tais factos derivam dos quesitos 21º a 33º da base instrutória, correspondentes a matéria de facto alegada pelo R. (vide fls. 197/198). Se a A. considera que tal matéria foi mal seleccionada para a base instrutória podia ter apresentado reclamação com fundamento em excesso (art. 511º, nº 2, do anterior CPC). Mas não o fez, limitando-se, tão-só, a reclamar do quesito 23º da mesma base instrutória com fundamento em deficiência mas não em excesso (reclamação que lhe foi deferida, aliás). Ficou-lhe vedado, pois, reclamar agora, em recurso, do suposto e apontado excesso de quesitação, pois para tanto devia ter apresentado a respectiva reclamação e só em caso de despacho de indeferimento poderia impugnar o mesmo no recurso a interpor da decisão final (nº 3 do mesmo preceito).

De qualquer maneira, mesmo que tal fosse possível estaria condenada tal reclamação ao indeferimento visto que o acervo factual constante de tais quesitos foi bem e atempadamente seleccionado já que corresponde a matéria alegada pelo R. a título de excepção (cfr. arts. 14º a 73º da contestação) a que a A. teve oportunidade de responder na sua réplica.

Carece, por isso, a recorrente de razão neste ponto.        

3.2. A recorrente impugna o facto provado 7., pretendendo uma resposta explicativa (vide as suas conclusões de recurso 5º, 22º e parte final das mesmas), pelas razões que avança.

Acontece que tal facto provado resulta da alínea G) dos factos tidos por assentes aquando da selecção da matéria de facto levada a cabo (em 29.6.2012) nos termos do art. 511º do CPC, então vigente. Ora a recorrente apesar de poder ter reclamado contra tal facto tido por assente (art. 511º, nº 2, do CPC) como acima se mencionou, não o fez. Sibi imputet.

E se o tivesse feito e a reclamação fosse indeferida ainda podia impugnar o despacho proferido no recurso interposto da decisão final, (art. 511º, nº 3, do CPC, então vigente) como antes se referiu. Assim, ao não ter reclamado oportunamente da selecção da matéria de facto não pode agora impugnar tal factualidade.

É certo que se entendia na altura, conforme jurisprudência pacífica, que se mantinha válida a doutrina do Assento nº 14/94, de 25.6.1994, em DR I-A, de 4.10, hoje com o valor de AUJ, segundo o qual “no domínio de vigência dos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1961 (considerado este último antes e depois da reforma nele introduzida pelo Dec.-Lei nº 242/85, de 9.7), a especificação, tenha ou não havido reclamações, tenha ou não havido impugnação do despacho que as decidiu, pode ser sempre alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio”. Contudo esta alteração, na hipótese verificada nos autos, de não reclamação da selecção da matéria de facto, só podia ocorrer de três maneiras: ou porque o tribunal de 1ª instância na sentença alterava o(s) facto(s) especificado(s), com base no art. 659º, nº 3, do CPC – consideração de factos admitidos por acordo, provados plenamente por documentos ou por confissão reduzida a escrito -; ou porque o tribunal de recurso oficiosamente anulava ou ampliava a factualidade a considerar, à sombra do art. 712º, nº 1 e 4, do CPC, no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto; ou porque o tribunal de recurso alterava tal factualidade, com base no art. 713º, nº 2, por reporte ao dito art. 659º, nº 3, do CPC (vide neste sentido o Ac. do STJ, de 3.3.2004, Proc.03S3782, em www.dgsi.pt)

No nosso caso, nem a 1ª instância alterou a dita factualidade, nem a Relação oficiosamente ora o vai fazer. Pelo que não se aceita que a recorrente afirme que tal ponto 7. da matéria de facto provada está incorrectamente julgado.

Indefere-se, pois, esta parte do recurso.

3.3. A recorrente também impugna os factos provados 21., 22., 24. a 32., este na parte inicial, e os não provados 1º a 4º, 12º, 13º e 20º, pretendendo uma resposta explicativa (ao 21., 24. e 25.), uma resposta de não provado (aos apontados 22. e 26. a 32) e de provado (aos indicados factos não provados (vide as suas conclusões de recurso 5º, 22º e parte final das mesmas), pelos motivos que afirma. Estriba-se na declaração de parte do representante da A. (…) filho do R., no depoimento das testemunhas, arroladas por ambas as partes, (…), esposa do R., (…), genro do R., J(…), (…), filha do R., (…),  no depoimento de parte do R. Carlos Bernardes, e nos documentos que indicou (vide as suas conclusões de recurso 3º, 4º, 6º a 19º e 21º a 23º).

Foi em tal tipo de prova aliás - declaração de parte da A., prova testemunhal, depoimento de parte do R. e prova documental - na qual, conjugadamente, se fundou o julgador de facto para responder, nos termos expostos, à referida factualidade, como consta expressamente da sua motivação à decisão da matéria de facto (vide fls. 482/488).

Nas alegações (corpo e conclusões) a recorrente transcreve - total ou parcialmente, não sabemos – aquilo que o declarante de parte, referidas testemunhas e depoente de parte R. terão dito/afirmado na audiência de julgamento, fazendo depois comentários críticos e extraindo conclusões. Mais refere (no corpo das alegações e referida conclusão) que tais declaração de parte, depoimentos testemunhais e de parte estão gravados no sistema digital, com início às …e termo às … .

Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, sob pena de rejeição.

Ou seja, de tal dispositivo verifica-se que a lei exige 5 requisitos:

i) Que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

ii) Qual o sentido correcto da resposta, que na óptica do recorrente, se impunha fosse dado a tais pontos;

iii) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa;

iv) E por que razão assim seria, com análise critica criteriosa;

v) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes.

Ora, das suas alegações de recurso – corpo e conclusões - verifica-se que a recorrente não cumpriu o 5º dos indicados requisitos legais, pois não indicou, em lado algum, com exactidão as passagens da gravação em que funda a sua impugnação, baseada nas indicadas declaração de parte e depoimentos testemunhais e de parte que referiu, apesar de, face à gravação efectuada (vide as respectivas actas a fls. 338/344, 351, 354/355, 464 e 469/470), haver identificação precisa e separada de tais declarações e depoimentos.  

Na realidade, o ónus imposto a qualquer recorrente no aludido nº 2, a) do art. 640º, do NCPC não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados com início às …e termo às … (ou que os depoimentos gravados duraram um determinado tempo), nem sequer com a transcrição, total ou parcial, das declarações ou dos depoimentos prestados, já que esta é meramente facultativa. Não deixando a lei neste ponto qualquer dúvida, face aos termos claros e terminantes com que está redigida (vide igualmente no mesmo sentido L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T. I, 2ª Ed., nota 4. ao artigo 685º-B, págs. 62/64, e A. Geraldes, Recursos em P. Civil, 2ª Ed., 2008, notas 3. e 4. ao referido artigo, págs. 138/142, normativo do CPC semelhante ao actual 640º do NCPC, e a título de exemplo os recentes Ac. desta Rel. de 10.2.2015, Proc.2466/11.4TBFIG e de 17.12.2014, Proc.6213/08.0TBLRA, e Ac. do STJ, de 19.2.2015, Proc.405/09.1TMCBR, disponíveis em www.dgsi.pt). No caso, a recorrente limitou-se a referir que as apontadas declaração e depoimentos se encontram gravados no sistema digital com início às …e termo às …, e transcreveu as mesmas – total ou parcialmente não sabemos -, em vez de indicar com exactidão as passagens da gravação em que tais pessoas depuseram, no sentido supostamente afirmado/defendido pela apelante, a fim de permitir, como pretendia, a eventual resposta de provado, de provado com esclarecimentos ou não provado aos apontados factos, depois de prévia audição por esta Relação e subsequente análise e ponderação de tais depoimentos.

Assim, face ao não cumprimento do referido ónus legal, a impugnação da matéria de facto não pode proceder com base em tais declaração e depoimentos.

Vejamos agora a prova documental indicada pela recorrente.

O Doc. nº 7 junto com a p.i. (fls. 24/29) refere-se a 6 liquidações de IMI, efectuadas pela fazenda nacional, sobre os identificados imóveis, datadas de Março de 2007, 2008 e 2009, referentes aos anos de imposto de 2006, 2007 e 2008, tendo como devedor a A., em 5 delas estando apostilhado, pela fazenda, o pagamento. Trata-se de documento de apreciação livre para efeito de impugnação dos factos deduzida pela recorrente, designadamente dos factos provados 29. a 31. 

O Doc. nº 8 junto com a p.i. (fls. 30) refere-se a factura de dívida de água emitida pelas (…), SA, referente ao aludido apartamento, tendo como devedora a A., relativa ao período de facturação de Novembro a Dezembro de 2007, tendo aposto à mão a menção de “pago”. É, igualmente, documento de apreciação livre, nos termos acabados de referir.

Os docs. 1 a 28 (do requerimento da A. de 21.3.2014, que se encontram a fls. 364/415) reportam-se a pedido, datado de 1996, da filha do R(…), para pagamento da água por transferência bancária de conta do filho (…), de contrato titulado pelo pai R. referente ao falado apartamento; facturas da água referentes ao mesmo apartamento de períodos de 2001 a 2005 a serem debitadas de conta do mesmo filho do R.; nova factura de água agora em nome da A. referente ao período de Dezembro/2007 a Fevereiro/2008; facturas da luz, do mesmo apartamento, de períodos de 2001 a 2008, de contrato titulado quer pela A. quer pelo R., mas facturada à firma (…) Lda, maioritariamente detida pela A.; factura e recibo relativo a obra realizada na F. Foz respeitante a portas, facturado à mesma (…); 5 actas referentes a reuniões de condomínio do prédio onde se integram as ditas fracções, dos anos de 2002, 2004, 2005 e 2013, das quais consta terem estado presentes quer a A. quer o R.; cópia da p.i. relativa à propositura de acção executiva pela administradora do condomínio contra o R. e esposa para pagamento das respectivas quotas partes das mesmas fracções nas quais se alega que ambos foram interpelados a pagar tais quotas mas não as pagaram; cópia da sentença proferida da qual consta que o R. e mulher nos embargos que deduziram afirmaram apenas serem donos das fracções relativas às garagens mas não serem donos do apartamento, facto este aceite pela exequente e dado por provado pelo tribunal mas com base em documento; e cópia de requerimento para suspensão da instância executiva por acordo entre a exequente e a A. com vista ao pagamento extrajudicial em prestações de quantia relativa a tais quotas. Aliás, o julgador de facto ponderou a aludida sentença proferida nos referidos embargos na sua motivação (cfr. fls.483). Todos estes documentos são também, como já mais acima se mencionou, de apreciação livre, nos termos aí referidos.

Ora, não é possível impugnar determinados factos com base apenas em documentos de apreciação livre, quando o julgador de facto se baseou adicional e conjugadamente em vários tipos de prova, como a prova testemunhal, a declaração de parte, o depoimento de parte e a prova documental (art. 662º, nº 1, do NCPC).

Na verdade, nos termos deste normativo, deve alterar-se a matéria de facto quando a prova produzida impuser decisão diversa, seja quando constarem do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto, seja por os elementos fornecidos pelo processo serem insusceptíveis de ser destruída por quaisquer outras provas.  

Abarcam-se neste segmento as situações em que a decisão de facto, na parte impugnada, tenha sido exclusivamente sustentada na apreciação, isolada ou conjuntamente, de documentos, de declarações confessórias, de relatórios periciais, de depoimentos escritos ou gravados, sem exclusão do uso simples ou conjugado de regras da experiência congregadas em presunções judiciais.

Por exemplo, constam do processo elementos que, só por si, determinem uma decisão diversa e cujo valor probatório seja insusceptível de ser afectado ou perturbado pela análise de outros meios de prova, como ocorre quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força probatória plena de certo meio de prova. É o caso de ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto (arts. 371º, nº 1, e 376º, nº 1, do CC), mas apesar disso, o julgador considerou-o não provado, ou foi desatendida determinada declaração confessória constante de documento ou resultante do processo (arts. 358º, do CC, 567º, nº 1, e 463º, do NCPC), ou um acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art. 574º, nº 2, do NCPC), atribuindo-se prevalência à livre convicção formada a partir de outros elementos probatórios. Ou, ainda, foi dado como provado certo facto com base em meio legalmente insuficiente (por ex. depoimento testemunhal, nos termos do art. 393º do CC).

Ora, os aludidos documentos referidos pela apelante, não tem a virtualidade de, por si, implicar, sem mais, resposta diferente aos indicados factos impugnados. Primeiro, por não terem força probatória plena. Segundo, porque a possibilidade legal de alteração encontra no citado dispositivo o seu limite, ou seja, que não tenham sido produzidas outras provas capazes de destruir o efeito probatório livre decorrente de tal documento.

Constatando-se, assim, que o julgador de facto não estava vinculado probatória e plenamente, pelos mencionados documentos, a responder como a apelante pretende aos apontados factos impugnados, antes podendo fazê-lo com recurso a outros elementos probatórios, como o fez.

Quando assim acontece, como no caso em apreço, quando o julgador de facto motiva a sua decisão da matéria de facto, conjugadamente, em múltipla prova testemunhal, prova por declaração de parte, prova por depoimento de parte e diversa prova documental, então a impugnação da matéria de facto com base apenas em documentos de apreciação livre não tem a aptidão de conseguir desmontar ou fazer desabar a matéria dada por provada ou não provada, invertendo o teor da resposta dada como agora pretende a apelante.

Vejamos, finalmente, a prova por confissão indicada pela recorrente.

É o que a recorrente diz existir resultante do doc. nº 13 junto com a p.i. Trata-se de cópia de sentença proferida na acção 776/07 do T. Trabalho de Viseu, proposta pelo ora R. contra a (…) Lda, pedindo, além do pagamento de determinadas quantias, o reconhecimento do despedimento operado pela aí R. como ilícito. Nessa sentença deu-se por provado (facto 4.) que no ano de 2005 o ora R. e os sócios da aí R., seus filhos, passaram a ter divergências e conflitos familiares na sequência do que o ora R. a partir de Junho de 2005 deixou de residir em Viseu e foi residir para uma casa na Figueira da Foz, propriedade de uma outra sociedade de que os seus filhos também são sócios. Na fundamentação o juiz para dar por provado tal facto baseou-se na confissão feita pelo ora R. em depoimento de parte, conjugado com o depoimento da testemunha sua filha (…) (vide fls. 71 e 73).

Supõe-se que a referida casa na F. Foz será aquela que é o objecto do presente litígio e a referida outra sociedade será a A. E que a A. pretende que o ora R. confessou nesse processo que a propriedade da dita casa era da A. Erguem-se, porém, 2 obstáculos.

Em primeiro lugar, o valor extraprocessual das provas, no caso uma invocada confissão de parte, nos termos do art. 421º, nº 1, do NCPC, só pode realmente ter eficácia, perante o juiz do segundo processo, se tal depoimento tiver sido reduzido a escrito ou tiver sido gravado no primeiro processo e for apresentado no segundo processo tal redução a escrito ou a gravação, sob pena de assim não sendo o juiz do segundo processo ser confrontado com a convicção formada no primeiro processo mas não com o conteúdo do acto da sua produção. Nessa hipótese apenas lhe chegando o facto como provado e a convicção do primeiro juiz o mesmo ficará sujeito à livre apreciação do segundo juiz, a valorar em conjunto com outros meios de prova com que ele é directamente confrontado. Tal confissão constituirá, pois, um princípio de prova. A não se entender assim, à livre apreciação do segundo juiz substituir-se-ia o exercício dum poder vinculado, se se entendesse que teria que concluir como concluiu o juiz no processo anterior, e que teria por base a formação da convicção de outrem. Já no caso de haver registo do depoimento, por meio de gravação ou por redução a escrito, que seja apresentado ao segundo juiz então este é confrontado directamente com o seu conteúdo que pode valorar de acordo com as regras legais probatórias (vide neste sentido L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 4. ao anterior art. 522º semelhante ao actual 421º, pág. 449/450).

Ora, no nosso caso tal documento não corresponde à apresentação de qualquer registo do depoimento, por meio de gravação ou por redução a escrito, mas sim dum facto que foi dado por provado noutro processo por outro juiz de acordo com uma referenciada confissão que terá ocorrido nesse primeiro processo. A valer, portanto, face ao que expusemos, como facto sujeito a livre apreciação e não com força probatória plena. Tendo, aliás, tal documento sido valorado livremente pelo juiz a quo, como resulta da motivação da decisão de facto que exarou (cfr. fls. 483).

Em segundo lugar, mesmo que se considerasse ter havido confissão no primeiro processo, havia que lidar com o que resulta do art. 355º, nº 3, do CC, como impõe o antecitado art. 421º, nº 1. Tratar-se-ia de uma confissão feita noutro processo, só aí valendo como judicial, já não no presente processo, pelo que seria uma confissão extrajudicial que só teria força probatória plena se tivesse sido feita à A./recorrente como parte contrária nesse primeiro processo, nos termos do art. 358º, nº 2, do CC (vide, também, A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 3. ao artigo 358º, pág. 316 e L. Freitas, ob. cit., nota 5. ao indicado artigo, pág. 451). O que não ocorre, porquanto a A./recorrente não era a contraparte nesse primeiro processo, antes o sendo a firma (…) Lda.

Igualmente diz a recorrente que existe uma confissão do R. nos arts. 63º a 66º da sua contestação, com força plena (vide conclusão de recurso 21º). Nesses artigos afirma o R. que a firma (…) Lda, por ele constituída e de sua propriedade, utilizava 2 de 3 garagens, as fracções “H” e “I”, para o exercício do seu comércio, de depósito e venda de frangos, estando, também, aí instalada uma câmara frigorífica e servindo, ainda, para residência do motorista da sociedade e confecção das refeições do mesmo, sendo tal firma a verdadeira titular dos contratos de luz e não simples beneficiária.               

Cremos que não tem razão. Essa matéria foi alegada pelo R. para contrariar a alegada posse invocada pela A. sobre os imóveis, sem prejuízo da alegada posse pelo mesmo R. sobre tais fracções, factualidade esta respeitante à sua pessoa que foi levada à base instrutória (designadamente nos arts. 26º a 33º). Ao alegar tal matéria que contradiz a alegação da A., afirmando outra que comprovaria a sua posse, o R. não reconhece a realidade de um facto que o desfavorece e favorece a parte contrária, nos termos dos arts. 352º e 358º, nº 1, do CC, pois neste caso a parte contrária seria a (…)Lda, que não só é pessoa jurídica diferente da A./recorrente, embora possa por ela ser maioritariamente titulada, como não é parte no presente processo.

Acresce que mesmo que se pudesse configurar tal alegação como possível confissão judicial então teríamos de jogar com o princípio da indivisibilidade da confissão, plasmado no art. 360º do CC, visto que o R. ao mesmo tempo também afirmou a sua posse sobre as ditas fracções, narrando outros factos e circunstâncias que infirmariam a eficácia do acto confessado, indivisibilidade que, contudo, a A./recorrente não se mostra disponível para considerar.            

Ademais cabe deixar uma nota final, desta feita respeitante aos factos provados 24. e 25. A recorrente pretendia uma resposta com esclarecimentos, como acima se referiu, nos termos redactoriais que indicou. O facto 24. corresponde ao facto constante do art. 24º da base instrutória, alegado pelo R. com o esclarecimento que o preço foi pago pelo R. durante a construção do edifício e não na data da escritura, como se perguntava no quesito. Enquanto o facto 25. correspondia ao art. 25º da base instrutória e ficou provado integralmente. Ora, as respostas concretas que a A. pretendia extravasariam o perguntado no quesito por completo, e como respostas excessivas não poderiam ser admitidas.

Por conseguinte, face ao explanado, a impugnação da matéria de facto tem de ser rejeitada relativamente aos apontados pontos (factos provados 21., 22., 24. a 32., este na parte inicial, e não provados 1º a 4º., 12º, 13º e 20º.).  

3.4. Defende, ainda, a recorrente que não sendo admitido o esclarecimento feito ao facto 25. deverá ser acrescentado um novo quesito, com a redacção que propõe (vide a sua conclusão de recurso 24º).

Além de um novo quesito trata-se, sim, da alegação de um facto novo em recurso, o que é vedado pelas razões já expostas no supracitado ponto 2.

Infere-se, pois, o pretendido. 

4. Na sentença recorrida, considerando a matéria de facto provada, que se mantém inalterada, escreveu-se o seguinte:

“O direito de propriedade sobre as fracções prediais em causa mostra-se definitivamente inscrito no registo predial a favor da autora.

A presunção decorrente do artº 7º do Cód. Reg. Predial é «juris tantum», pelo que admite prova em contrário - Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, 4ª ed., p. 341. A declaração de aquisição derivada de escritura de compra e venda, feita após uma escritura de distrate, na qual, em lugar de figurarem como compradores o réu e a mulher, como na escritura primitiva, passou a figurar a autora, sem pagar qualquer parcela do preço, apenas permitiu o registo predial a favor da demandante, não se demonstrando, contudo, que quem a dirige tenha tomado posse do apartamento, nem que tenha tomado posse das outras fracções, após registo a seu favor, com base na escritura de venda das garagens pelo réu e mulher.

Enquanto a autora somente consta formalmente no registo como proprietária, o réu manifestou sempre «corpus» e «animus» de possuidor das fracções como seu dono, nunca deixando de ter domínio das chaves e das fracções autónomas, mas sem ficar excluída a esposa, por ser com ele casada em comunhão geral de bens e também ter acesso às chaves até Janeiro de 2008 (artº 1291º do Código Civil; artº 1108º do Código Civil de 1967 e artº 53º, nº 1, do actual Código Civil).

Como continuou casado após a separação de facto em Junho de 2005, a posse continuou a beneficiar a esposa, por ser feita contra o interesse da empresa autora.

A posse usucapível sobre determinado bem, iniciada pelo casal, prolonga-se até à adjudicação dos bens a cada um dos cônjuges, em processo de inventário para partilha dos bens comuns (Ac. Rel. C.ª de 12/6/2012, proc. 933/06.0TBSCD.C1, em www.dgsi.pt).

A posse não deixa de ser exercida se o dono se ausentar temporariamente do imóvel possuído (sendo dado como provado no Tribunal do Trabalho que o réu foi trabalhar em Moçambique entre 1996 e 2001, vindo periodicamente a Portugal durante diversos períodos – fls. 94) pois as chaves permitem-lhe sempre entrar e usufruir das fracções, quando regressa, para os fins do artº 1257º do Código Civil. Como refere Mota Pinto, Direitos Reais, (por A. Moreira e C. Fraga), p. 181, para haver «corpus», “não é necessário um permanente contacto físico com a coisa. Basta que a coisa esteja virtualmente dentro do âmbito do poder de facto do possuidor.” No mesmo sentido, Oliveira Ascensão, ob. cit., p. 89/90.

Nesta conformidade, apesar de separados de facto desde Junho de 2005, ambos os cônjuges mantiveram exemplares das chaves do apartamento até Janeiro de 2008 (podendo aceder às das fracções de garagem), só a partir daí ficando na posse exclusiva do réu, devido à mudança de fechadura. A anterior mudança de fechadura, presumivelmente efectuada pela autora dias antes, representa a efectiva oposição material a que o réu usasse as fracções (as demais questões de contratos de fornecimento e participação em reuniões de condomínio não tinham relevância para obstar à posse efectiva).

Até então a posse ocorreu em benefício de ambos os cônjuges (P. Lima e A. Varela, Cód. Civil Anot., III, 2ª ed., p. 70). Posteriormente, mesmo que houvesse inversão do título de posse pelo réu em Janeiro de 2008, não passou tempo suficiente para que sozinho tivesse adquirido as fracções por usucapião até à entrada da acção em Tribunal em Março de 2010 (artº 1296º do Código Civil).

Por outro lado, nos termos do artº 1252º, nº 2, do Código Civil, presume-se que quem tem o «corpus» tem também o «animus» (Ac. Rel. C.ª de 31/1/2006, proc. 3809/05 e jurisprudência ali citada, em www.dgsi.pt).

Da parte da autora, esta tinha o ónus de provar que o réu não era possuidor (artº 350º, nº 1, do Código Civil), não logrando atingir esse resultado. Veja-se Menezes Cordeiro, Direitos Reais, reprint, p. 288.

A citada presunção ilidível derivada do registo foi contrariada pelo réu mediante prova de que ele e a sua esposa sempre foram possuidores das ditas fracções com «animus» de donos, por compra, no quadro da comunhão conjugal, que não cessou no decurso desta acção, pelo que a tese da autora fica prejudicada, face ao artº 342º, nº 2, do mesmo Código.

A presunção derivada do registo predial a favor da autora cede perante a presunção de titularidade do direito pelo réu e sua mulher, por a posse destes se ter iniciado vários anos antes do acto de registo a favor da autora, conforme resulta do artº 1268º, nº 1, do Código Civil, que dá guarida ao antigo princípio de que a «posse vale título», podendo conduzir à usucapião a favor do casal no prazo de 20 anos (ainda que de má fé quanto aos credores), pois compraram e possuíram desde 1987 até início de 2008 sem oposição efectiva da autora (artº 1296º do Código Civil). … antes de 2008, apenas houve actos de turbação pela autora, mas não de desapossamento do réu e esposa, tendo sempre estes mantido a posse das fracções, actuando o réu em acção directa quando viu mudada a fechadura, mudando-a novamente para ficar ele com as chaves [arts. 1277º e 1267º, nº 1, d), do Código Civil].

Naquele sentido, vejam-se Mota Pinto, ob. cit., p. 204/205; P. Lima e A. Varela, Cód. Civil Anot., 2ª ed., p. 34/35; Henrique Mesquita, Direitos Reais, edição policopiada de 1967, p. 110/111; André Pereira, A Característica da Inércia dos Direitos Reais, Estudos de Homenagem ao Prof. Dr. M. Henrique Mesquita, disponível na Internet; Oliveira Ascensão, ob. cit., p. 343; Menezes Cordeiro, ob. cit. p. 287/288; Ac. Rel. C.ª de 3/12/2013, proc. 194/09.0TBPBL.C1, em www.dgsi.pt.

Tradicionalmente, a prova da propriedade é considerada «diabólica», pela dificuldade que apresenta, sendo necessário invocar e provar a usucapião para se mostrar ser dono de um prédio ou de parte dele.

Em conformidade, refere Mota Pinto, ob. cit., p. 162/163, que a usucapião vem precisamente resolver esse problema. «Se um indivíduo está há mais de vinte anos – ou mesmo menos tempo – na posse de uma coisa, bastar-lhe-á invocar a posse prolongada para justificar o seu direito.»

Nos termos dos arts. 342º, nº 1, 1259º, nº 1; 1260º, nºs 1 e 2, 1261º, nº 1, 1262º, 1263º, a); 1287º, 1288º e 1296º do Código Civil e vista a jurisprudência citada por Frederico Baptista, em Jur. e Anot., Direito Civil, vol. 2, p. 6 a 13; a citada por Armando P. Bastos, Sumários da C.J., 76/80, p. 137/138; bem como a dos B.M.J. 284º, 286 e 326º, 494, competia à autora, portanto, claudicando a presunção ilidível resultante do registo a seu favor, provar que, por si e antecessores, tinha posse pública, pacífica, continuada, de boa fé e em nome próprio, das fracções que indicou para registo de tal prédio urbano, mas tal não se provou, antes se provando que quem sempre teve posse das fracções foram o réu e a sua mulher, em detrimento da autora, apesar de o registo predial estar efectuado a favor desta. Consequentemente, a acção tem de improceder, não obtendo ganho de causa a autora quanto aos seus pedidos”.

Atenta a bem elaborada e correcta fundamentação de direito da sentença recorrida dela não dissentimos, merecendo, assim, a mesma a nossa adesão. Apenas sendo de introduzir uma afinação no seu discurso, pois, diversamente do que nela se diz, bastava o prazo de 15 anos para aquisição por usucapião a favor do casal, ou seja até 2002, pois compraram e possuíram desde 1987 até início de 2008 sem oposição efectiva da A./recorrente (citado art. 1296º do CC), visto que, atenta a matéria provada (factos 23., 24. e 26.) no acto de aquisição da posse, em 1987, estava o casal de boa fé, por ser uma posse titulada que se presume de boa fé, presunção não ilidida, e por o casal ignorar que lesava o direito de outrem ao adquirir a posse, nos termos do citado art. 1259º, nº 1 e 2, do CC.

Contudo a recorrente ergue à mesma fundamentação de direito várias objecções (conclusões de recurso 27º a 39º).

Que pagou o preço de aquisição do apartamento (conclusão 27º), o que já vimos não se ter demonstrado. Que o R. transmitiu à A. a propriedade do apartamento (conclusão 28º), o que não é verdade pois quem vendeu o apartamento à A. foi Manuel Antunes e outra (facto 5.). Que não se verificam os requisitos da posse conducentes á usucapião (conclusões 28º a 32º) o que não é verdade como decorre da matéria provada (factos provados 23., 24., 26. a 31.) e foi dito na sentença recorrida. Que no referente às garagens e resultando da escritura (Doc. nº 3 da p.i.) que o R. e mulher venderam as mesmas à A. e receberam o preço, escritura que é documento autêntico e que não foi impugnada com base em falsidade, resulta da mesma uma confissão extrajudicial com força probatória plena de recebimento de tal preço, pelo que a escritura comprova a propriedade da A. sobre as garagens, tudo nos termos dos arts. 371º, 372º, nº 1, 355º, nº 1 e 4, e 358º, nº 2, do CC (conclusões 36º, 38º e 39º). O referido doc. nº 3 da p.i. atesta a venda das garagens (fracções “G”, “H”, e “I”). E tal facto provado sob 6. já vinha provado desde a selecção da matéria de facto (sob F). E dele resulta que o preço foi recebido pelos vendedores, R. e esposa. Quanto a tal facto não está em jogo qualquer arguição de falsidade da escritura ou arguição de simulação negocial que o R. aliás não apresentou. O que está em jogo é a posse das garagens e sua aquisição por usucapião pelo R. (e mulher). Ora, neste aspecto a sentença recorrida entendeu que foram apenas formalmente vendidas à A./recorrente para ludibriar os credores do réu. E foi isso que se provou (facto 22.). Apesar disso, provou-se que o R. manteve sempre a posse das mesmas, posse com características usucapíveis (factos 26. a 31.) e que conduziram à usucapião ao fim do prazo de 15 anos, como vimos. Assim, impõe-se concluir que o R. é proprietário de tais garagens, por virtude de usucapião.      

Não procede esta parte do recurso.

5. Mantendo-se o decidido na 1ª instância sobre a não propriedade pela A./recorrente do apartamento e das garagens em causa terá necessariamente de improceder, como improcederam, os pedidos formulados pela mesma supra referidos sob b) e c).

6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Resulta da combinação dos arts. 651º, nº 1, e 425º do NCPC, que depois do encerramento da discussão só são admitidos, em caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento;

ii) Em qualquer caso, porém, o documento tem de referir-se a facto ocorrido antes do encerramento da discussão em 1ª instância, a facto reportado aos fundamentos da acção (ou da defesa), e devidamente introduzido na causa no respectivo articulado, no limite mediante alegação em articulado superveniente - articulado este que tem como limite temporal justamente aquele encerramento da discussão em 1ª instância (arts. 588º, nº 1, e 611º, nº 1, do NCPC) -, e não a facto novo somente alegado em recurso;

iii) Face ao CPC anteriormente vigente, caso a parte recorrente não tivesse reclamado, oportunamente, da factualidade assente, estava-lhe vedado contestar a mesma em impugnação da matéria de facto;

iv) Tal factualidade assente podia no entanto ser objecto de alteração: ou porque o tribunal de 1ª instância na sentença alterava o facto especificado, com base no art. 659º, nº 3, do CPC, então vigente; ou porque o tribunal de recurso oficiosamente anulava ou ampliava a factualidade a considerar, à sombra dos arts. 712º, nº 1 e 4, do CPC, então vigente, no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto; ou porque o tribunal de recurso alterava tal factualidade, com base no art. 713º, nº 2, por reporte ao dito art. 659º, nº 3, do CPC, então vigente;

v) Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda;

vi) A omissão desse ónus, imposto pelo nº 2, a), do referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, pois tal ónus não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados no sistema digital com início às …e termo às … (ou que os depoimentos gravados duraram um determinado tempo), nem com a transcrição, total ou parcial, da declaração da parte ou de depoimentos das testemunhas ou da parte, pois tal transcrição é uma mera faculdade;

vii) Tendo o juiz fundamentado a sua convicção da resposta a certos pontos da matéria de facto conjugadamente em múltiplos depoimentos testemunhais, declaração de parte, depoimento de parte e diversa prova documental, não pode a mesma ser alterada, ao abrigo do art. 662º, nº 1, do NCPC, se os documentos existentes nos autos em que o recorrente baseia a sua impugnação factual, não conseguirem impor decisão diversa, por destituídos de força probatória plena;

viii) O valor extraprocessual das provas, no caso uma invocada confissão de parte, nos termos do art. 421º, nº 1, do NCPC, só pode realmente ter eficácia, perante o juiz do segundo processo, se tal depoimento tiver sido reduzido a escrito ou tiver sido gravado no primeiro processo e for apresentado no segundo processo tal redução a escrito ou a gravação; se apenas chegar ao segundo processo o facto como provado e a convicção do primeiro juiz tal facto ficará sujeito à livre apreciação do segundo juiz, a valorar em conjunto com outros meios de prova com que ele é directamente confrontado, valendo a confissão apenas como princípio de prova;

ix) Já no caso de haver registo do depoimento, por meio de gravação ou por redução a escrito, que seja apresentado ao segundo juiz então este é confrontado directamente com o seu conteúdo que pode valorar de acordo com as regras legais probatórias;

x) Considerando-se ter havido confissão no primeiro processo, há que lidar com o que resulta do art. 355º, nº 3, do CC; tratando-se de uma confissão feita noutro processo, só aí valendo como judicial, mas já não no segundo processo, pelo que será uma confissão extrajudicial com força probatória plena apenas na hipótese de ter sido feita à parte contrária também contraparte nesse primeiro processo, nos termos do art. 358º, nº 2, do CC;

xi) Confissão judicial escrita é o reconhecimento por uma parte da realidade de um facto que o desfavorece e favorece a parte contrária (arts. 352º e 358º, nº 1, do CC), não o sendo se o R. alega na contestação um facto desfavorável que favorece uma terceira pessoa, que não é parte do processo, mas não a A. contraparte no mesmo processo;

xii) Mesmo que se pudesse configurar tal alegação como possível confissão teria de se jogar com o princípio da indivisibilidade da confissão, plasmado no art. 360º do CC, dado o R., ao mesmo tempo, também ter narrado outros factos e circunstâncias que infirmariam a eficácia do acto confessado.           

IV – Decisão

 

Pelo exposto:

a) indefere-se a reclamação para a conferência, mantendo-se o despacho do relator de inadmissibilidade de junção dos documentos apresentados pela A./recorrente com as suas alegações e ordenando-se o seu desentranhamento;

b) julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pela A./recorrente.

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                                                                               Coimbra, 15.9.2015

                                                                               Moreira do Carmo ( Relator )

                                                                             Fonte Ramos

                                                                               Maria João Areias