Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
927/09.4TBCNT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: INJUNÇÃO
NULIDADE
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 05/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CANTANHEDE 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 12º DO ANEXO AO DL 269/98, DE 1/9, E 236º NºS 2 A 5 E 241º DO CPC
Sumário: A notificação na injunção efectuada apenas por via postal simples (carta registada) com prova de depósito, sem mais e qualquer adicional formalidade, é nula.

Fundando-se a execução em requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória, a oposição como fundamento na nulidade da notificação do oponente na conduz, directa e imediatamente, à procedência da oposição e, em consequência, ao levantamento das penhoras sobre os bens do oponente.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., com os sinais dos autos, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe moveu (a si e outros) B..., também identificada nos autos – para haver dele (e dos outros) a quantia global de € 17.591,25 e juros vincendos à taxa legal[1] – veio deduzir oposição à execução e à penhora, invocando, em síntese e no que aqui interessa, que a notificação no procedimento de injunção, aqui título executivo, é nula; que só com a citação para a presente execução, efectuada em 16/10/2009, teve conhecimento (após contacto telefónico que efectuou para o Balcão Nacional de Injunções) que a sua esposa, C..., “assinou o aviso de recepção quanto à injunção”[2], encontrando-se a mesma, nessa altura, muito desorientada com a doença de que o oponente padecia, não lha dando a conhecer; e que pelo Balcão Nacional de Injunções não foi dado cumprimento ao disposto no art.º 241.º do CPC.

Contestou a exequente, dizendo que a citação para o procedimento de injunção foi realizada para a morada que havia sido convencionada entre as partes – juntando mais tarde, para fundar a existência de domicílio convencionado, um documento/recibo (cfr. fls. 59) da sua autoria e em nome de “D..., Lda.” – que foi feita a prova de depósito pelo carteiro e ainda que o próprio executado admitiu que a notificação foi recebida pela sua esposa.

Findos os articulados – e após o Balcão Nacional de Injunções vir esclarecer que, tendo sido indicada expressamente a convenção de domicílio, a notificação na injunção foi feita por carta registada com prova de depósito, não tendo sido dado cumprimento ao art.º 241.º do CPC – foi a instância declarada regular (estado em que se mantém); após o que, entendendo o Exmo. Juiz que os autos contêm todos os elementos de facto para uma decisão de mérito da causa, passou de imediato a apreciá-la e a proferir sentença em que, a final, decidiu:

“ (…) nos termos das disposições legais citadas julga-se a presente oposição procedente por provada e, em consequência:

a) absolve-se o oponente da instância executiva;

b) determina-se o cancelamento e o levantamento da penhora sobre o veículo automóvel de matrícula HU (...) da marca Mercedes-Benz e sobre o veículo automóvel de matrícula 97 (...)da marca Toyota. (…) ”

Inconformado com tal decisão, interpôs a exequente recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a oposição improcedente e que ordene a prossecução da instância executiva; para o que invocou que não foi cometida a nulidade de falta de notificação na injunção, que, ainda que o tivesse sido, não prejudicou a defesa do oponente e que a sentença recorrida padece de nulidade.

O oponente não respondeu.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II. Factos provados

Com base na análise crítica da prova documental carreada para os autos e o acordo das partes, o tribunal a quo considerou provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

1) B (...) intentou acção executiva, para pagamento de quantia certa no valor de 17.591,25 €, que corre termos com o n.º 927/09.4TBCNT, contra o aqui oponente A (...) e outros.

2) No processo n.º 927/09.4TBCNT, a que esta oposição está apensa, encontra-se, a fls. 8 e 9, um documento epigrafado “Requerimento de Injunção”, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:

“ (…)

Este documento tem força executiva (…)

Requerido: C (...) (…) Domicílio Convencionado? Sim. (…)

Requerido: A (...) (…) Domicílio Convencionado? Sim. (…)

Requerido: D (...) Lda. (…) Domicílio Convencionado? Sim. (…)

Requerido: E... (…) Domicílio Convencionado? Sim. (…)

Exposição dos factos que fundamento a pretensão:

1-A Requerente é uma Empresária em nome individual dedicando-se à actividade comercial de compra e venda de gado vivo.

2-A Requerida é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, dedicando-se à actividade comercial de comércio de carnes;

3- No âmbito das suas actividades comerciais a Requerida adquiriu à requerente bovinos.

(…)

12- (…) A (...) e mulher C (...) e E (...), declararam à requerente que se responsabilizavam pessoal e solidariamente com a sociedade no pagamento do seu crédito (da requerente).

(…)

3) A fls. 50 dos presentes autos, encontra-se uma informação do Balcão Nacional de Injunções, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:

Conforme solicitado informa-se que por ter sido indicada expressamente a convenção de domicílio e nos termos do art.º 12.º-A do D.L. 269/98, de 1/9, a notificação da Requerida foi efectuada por carta registada com prova de depósito, em 03/08/2009, pelo que não foi devido o cumprimento do art.º 241.º do CPC”. 

4) A fls. 59 dos presentes autos, encontra-se um documento epigrafado “Recibo n.º 101” “ B (...) ”, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê, as menções manuscritas:

(…) D (...), Lda. (…) (...) Cantanhede (…)”.

5) No processo referido em um, encontra-se a fls. 12 um documento epigrafado “Auto de Penhora” onde consta que foram penhorados as verbas 1 e 2, respectivamente, um veículo automóvel de matrícula HU (...) da marca Mercedes-Benz e um veículo automóvel de matrícula 97 (...) da marca Toyota, em ambos registada a propriedade em nome do Executado A (...).


*

III – Fundamentação de Direito.

A decisão recorrida não pode, a nosso ver, deixar de ser confirmada.

A notificação do oponente, na injunção, não pode deixar de ser considerada nula (cfr. 198.º/1 do CPC); e, fundando-se a execução em requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória, a oposição pode ter como fundamento a nulidade da notificação do oponente na injunção (é o que é forçoso concluir do art. 814.º/2 do CPC, em que se diz que “ O disposto no número anterior – isto é, a sua alínea d) – aplica-se, com as necessárias adaptações, à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória…”), o que conduz, directa e imediatamente, à procedência da oposição e, em consequência, ao levantamento das penhoras sobre os bens do oponente.

E porque é que dizemos que a notificação do oponente, na injunção, é nula?

Por ter sido efectuada – como se refere na informação do Balcão Nacional de Injunções – “apenas e só” por via postal simples (carta registada) com prova de depósito; sem mais e qualquer adicional formalidade.

Não por lapso do Balcão Nacional de Injunções[3]; mas sim por lapso da exequente/recorrente, por ter dado, no preenchimento do requerimento de injunção, uma informação incorrecta.

Disse que havia “domicílio convencionado”, o que não é verdade.

Como se refere na sentença recorrida, citando o Conselheiro Salvador da Costa, por domicílio convencionado deve entender-se “o que é fixado pelas partes em contratos escritos para efeito de o eventual devedor ser procurado pelo credor ou por algum órgão judicial ou administrativo com vista ao cumprimento das obrigações deles decorrentes[4].

Ora, no caso – em face do alegado na contestação à oposição – ficou “confessado” que não só não há contrato escrito como muito menos há convenção de domicílio.

A convenção de domicílio, para o efeito processual tido em vista, tem que ser uma cláusula explicitamente inserida no texto escrito do contrato, tem que ser uma cláusula em que ambas as partes declaram e aceitam, para o caso de litígio dele derivado, que certo lugar de domicílio, certa residência, valem para o efeito de receber a citação ou a notificação no quadro dum concreto processo.

Para este “conceito” e efeito, o documento referido no ponto 4 dos factos provados é duma vacuidade total e absoluta; não é o texto escrito do contrato, não é uma cláusula inserida no texto do contrato, o seu conteúdo nada tem a ver com o que se disse sobre o “conceito” em causa, não é da autoria de ambas as partes e não faz sequer qualquer alusão ao oponente (mas a uma firma social - D (...), Lda.).

Enfim, a partir desta vacuidade “documental” (tendo presente o referido “conceito” e fim tido em vista com a convenção de domicílio), mal se compreende/justifica a informação incorrecta prestada pela exequente/recorrente, no preenchimento do requerimento de injunção, dizendo, sem qualquer fundamento, que havia “domicílio convencionado”.

Informação incorrecta que gerou, logicamente, a nulidade de citação.

Colocado perante tal informação, o Balcão Nacional de Injunções tinha que notificar os requeridos – entre os quais o aqui oponente/recorrido – de acordo com o disposto nos art.º 2.º/1 do Diploma Preambular e 12.º-A/1 do Anexo, do DL 269/98, de 1 de Setembro; isto é, bastava-lhe enviar “notificação via postal simples” ao notificando, considerando-se a notificação realizada com a certificação, pelo distribuidor do serviço postal, do depósito da carta na caixa de correio do notificando[5].

Foi isto que Balcão Nacional de Injunções fez, tendo enviado carta registada com prova de depósito.

Porém – é o ponto – não havendo, como é o caso, nem contrato reduzido a escrito nem “domicílio convencionado”, a notificação de todos os requeridos (e do aqui oponente) tinha que ser feita nos termos do art.º 12.º do Anexo ao DL 269/98, isto é, por carta registada com aviso de recepção, sendo-lhe aplicável, “com as devidas adaptações”, o disposto nos n.º 2 a 5 do art. 236.º do CPC, o mesmo é dizer, tendo o distribuidor de serviço, no caso da entrega da carta a terceiro, de fazer a entrega a pessoa que se declarasse em condições de a entregar prontamente ao notificando e de a advertir expressamente do dever de tal pronta entrega; e tendo a secretaria, em tal hipótese, que enviar, nos 2 dias úteis seguintes, carta registada ao notificando, “comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada” – (cfr. 241.º do CPC, aplicável por “remissão” do 236.º/2 do CPC).

Significa isto – é onde se pretende chegar – que a notificação efectuada (na injunção) ao aqui exequente/recorrido não observou, como devia, as formalidades acabadas de referir e também prescritas na lei, o que, nos termos do art. 198.º/1 do CPC, acarreta a sua nulidade, uma vez que não é possível afirmar que a ausência de tais cuidados e advertências não prejudicaram a sua defesa.

A lei processual, no âmbito das citações e notificações, ao mencionar determinados cuidados e advertências, não está a estabelecer procedimentos mais ou menos facultativos e indicativos, mas sim a estabelecer prescrições que, em face das consequências e significado de tais actos processuais, devem ser escrupulosamente cumpridas.

Vale isto por dizer que a circunstância da carta (enviada por via postal simples) haver sido recebida pela esposa do aqui oponente/recorrido não apaga a omissão de tais formalidades, tanto mais que o oponente não diz/admite – como a exequente/recorrente parece ter entendido – que teve oportuno conhecimento da carta e da injunção, mas sim que só com a citação para a presente execução, efectuada em 16/10/2009, teve conhecimento (após contacto telefónico que efectuou para o Balcão Nacional de Injunções) que a sua esposa, C (...), “assinou o aviso de recepção quanto à injunção”[6], e que a mesma se encontrava, nessa altura, muito desorientada com a doença de que o oponente padecia, não lha dando a conhecer.

Se o credor (aqui exequente/recorrente) diz “falsamente” existir convenção de domicílio – para o que basta assinalar o campo respectivo sem necessidade de o comprovar – o devedor (aqui oponente) que não tenha explicitamente declarado e aceite por escrito, para a hipótese de litígio, que certo lugar de domicílio, certa residência, vale para o efeito de receber a notificação, ficará potencialmente desprotegido, quando e se foi usada a notificação exclusivamente prevista para situação que, no caso, não se verifica; mais, se tal notificação puder ser, sem mais, considerada “boa”, não se está sequer a desincentivar/censurar a produção de declarações inexactas nos processos.

Enfim, o erro na notificação, provocado pela exequente/recorrente, era potencialmente prejudicial ao exercício dos direitos de defesa do oponente/recorrido – nada sendo aduzido no sentido de afastar tal prejuízo potencial – viciando assim o procedimento injuntivo e a constituição do próprio título executivo, ou seja, em face da nulidade da notificação do oponente na injunção, não pode o oponente ser aqui executado (na acção executiva a que este autos estão apensos) e, por consequência, não lhe podem ser penhorados quaisquer bens.

Confirma-se pois, como se começou por referir, a sentença recorrida.

Que não padece, como é evidente, de qualquer nulidade.

O oponente suscitou a nulidade da sua notificação na injunção e foi exactamente a partir e com base em tal nulidade – com explícitas menções na página 6 da sentença recorrida – que a oposição à execução foi julgada procedente; o percurso/raciocínio jurídico duma sentença – desde que com base nos elementos de facto aduzidos e/ou naqueles que o tribunal tem o dever de ofício de obter – não tem que ser igual ao das partes e se o não for não há nulidade de sentença for falta de fundamentação ou por excesso de pronuncia; o percurso/raciocínio jurídico duma sentença (em que vale o disposto no art. 664.º do CPC) tem apenas que ser coerente, consistente e exaustivo a apontar e definir o caminho da solução/decisão, tanto mais que, ao sê-lo, dá uma implícita resposta negativa e excludente aos argumentos, questões e soluções/decisões que não se mostram pertinentes e compatíveis com o caminho da solução/decisão decretada.


*


IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se totalmente a sentença recorrida.

Custas, em ambas as instâncias, pelo exequente/recorrente.


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Barateiro Martins (Relator)

Arlindo Oliveira

Emídio Santos


[1] Embora não se compreenda, na liquidação efectuada a fls. 4 do requerimento executivo, qual o título executivo para os € 750,00 aí referidos; embora não se compreenda a menção, feita a fls. 6 do requerimento executivo, do valor da execução serem € 17.616,75; e embora não se compreenda a incoerência na liquidação de juros, na injunção “à taxa legal para as transacções comerciais”, aqui “à taxa de 4%”.
[2] Trata-se de lapso do oponente; a notificação – como se vê da informação do Balcão Nacional de Injunções (fls. 50 a 54) – foi feita por via postal simples e a carta foi tão só registada.
[3] Ao contrário do que a exequente/recorrente refere na conclusão 19.
[4] In A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Almedina, 2005, pág. 49.

[5] O modo de notificação do requerido no procedimento de injunção depende apenas de ser assinalado no requerimento de injunção que foi convencionado o domicílio entre as partes, sem ter que se juntar contrato escrito que comprove essa domiciliação – neste sentido Salvador da Costa, in A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Almedina, 2005, pág. 50.
[6] Trata-se, neste ponto, insiste-se, de alegação incorrecta, uma vez que, como se retira da informação/resposta do Balcão Nacional de Injunções, a notificação foi por via postal simples (carta registada) com prova de depósito.