Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3805/21.5T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RUI MOURA
Descritores: JURISPRUDÊNCIA UNIFORMIZADA EM AUJ
SUBSCRIÇÃO DE OBRIGAÇÕES SLN
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 18.º E 19.º DA DIRECTIVA 2004/39CE
ARTIGOS 4,º, 1; 75.º, E 77.º, 1, DO RGIFC
ARTIGOS 7.º; 289.º, 2; 304.º; 304.º-A; 312.º, 1; 314.º, 2 E 324.º, 2, DO CVM
ARTIGOS 309.º, 562.º; 563.º; 564.º; 799.º E 800.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I- Para a aplicação da jurisprudência uniformizada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, produzida no p.º n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, era preciso resultar provado que o Autor não teria efectuado a subscrição da obrigação SLN RM 2004 caso tivesse sido advertido do risco da perda do capital investido.

II- Não se mostrando provado, designadamente o alegado no artigo 22.º da p.i.: O Autor estava convicto que o reembolso do capital seria efetuado findo o prazo de 10 anos, não tendo subscrito tais produtos se assim não fosse – não se mostra provada a essencialidade do reembolso do capital investido, para o Autor..

III- Porém, a jurisprudência firmada no douto AUJ, não pode deixar de servir de orientação jurisprudencial.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

1)-

AA, reformado e motorista de táxi, residente na Rua ..., ..., intentou em 18 de Outubro de 2021 acção declarativa de condenação, com processo comum contra BANCO BIC PORTUGUÊS S.A., com sede na Avenida ..., ..., ..., pedindo a condenação deste a pagar ao A.

a) o capital e juros vencidos que, nesta data, perfazem a quantia de 50.000,00€, bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento;

ou assim não se entendendo:

b) ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os 50.000,00€ que o A. entregou ao R., em obrigações subordinadas SLN rendimento 2004;

c) ser declarado ineficaz em relação ao A. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes;

d) condenar-se o R. a restituir ao A. 50.000,00€ que ainda não recebeu dos montantes que entregou ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento;

e, sempre,

e) ser o R. condenado a pagar ao A. a quantia de € 2.000,00, a título de dano não patrimonial.

Para tanto alega, no relevante:

11.º

O Autor tem como atividade profissional taxista e tem como habilitações literárias o 4.º ano de escolaridade.

12.º

Foi cliente do Banco Português de Negócios S.A., na agência de ..., posteriormente transferiu a sua conta para a agência de ... e por fim para a agência do ..., no qual a sua conta à ordem tinha o nº ...01, onde movimentava o dinheiro da atividade profissional e dinheiro das suas poupanças.

Cfr. Doc. nº 2, que se junta e cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

13.º

Conta através da qual, recebia e efetuava pagamentos, provenientes da sua atividade, bem como para uso pessoal de gestão familiar.

14.º

Pelo que, existia da parte do Autor para com o Banco BPN atualmente denominado de BIC aqui réu, uma relação de grande confiança, extensiva aos funcionários do Banco, nomeadamente aos funcionários da agência do ... em 2004, particularmente, na pessoa do funcionário BB, seu amigo de infância que era gestor de conta do Autor.

Cfr. Doc nº 2 já junto, onde consta a assinatura do funcionário e cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

15.º

No ano de 2004, o funcionário do Banco BPN de ... Senhor BB deslocou-se à Praça ..., fazendo-se acompanhar de documentação, nomeadamente do Boletim de subscrição correspondente umas aplicações que alegava serem muito boas para o Autor, com uma taxa de juro superior a 3%, em tudo igual a um depósito a prazo, com o capital garantido pelo Banco.

Cfr. Doc. 3 que ora se junta e cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

16.º

No entanto o Autor transmitiu ao Senhor BB, que pretendia um depósito a prazo seguro, tendo o funcionário do Banco referido que a subscrição desde produto era muito segura e que o Autor poderia confiar.

Mais,

17.º

O supra referido funcionário do banco transmitiu ao Autor, que o valor da aplicação era de € 50.000,00 cada uma, (a que quisesse realizar) que não corria qualquer risco, dado que o Banco garantia o pagamento do capital, referindo mesmo, que era como um depósito a prazo igual ao que o Autor possuía em qualquer Banco, o qual poderia ser levantado ao fim do 2.º ou 3.º ano sem qualquer penalização, assim como a fim de 10 anos era levantado sem qualquer problema todo o montante.

18.º

Perante a descrição de que o produto tinha o capital garantido pelo Banco, era seguro, e com juros assegurados semestralmente a uma taxa superior a 3%, o Autor convicto e confiante, acedeu em aplicar as suas poupanças.

Assim,

19.º

O autor convencido que não corria qualquer risco de perder o seu dinheiro, perante a descrição feita pelo funcionário, aceitou entregar o montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).

Cfr. Doc. n.º 4 e cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Mais,

20.º

Foi transmitido ao Autor, que após os 2 ou 3 anos havia a possibilidade de Call Option, ou seja, podia levantar as poupanças a partir do 2º ano, mediante aprovação prévia do Banco de Portugal.

21.º

Ora, dúvidas não restavam que era uma aplicação sem riscos de perder € 50.000,00 (Cinquenta mil euros), quanto muito poderiam não receber os juros atentas as variáveis de mercado.

22.º

O Autor estava convicto que o reembolso do capital seria efetuado findo o prazo de 10 anos, não tendo subscrito tais produtos se assim não fosse.

23.º

Veja-se que o Autor, é uma pessoa humilde, com apenas o 4º ano de escolaridade e, sem conhecimentos técnicos, que lhe permitisse analisar o tipo de produto que lhe fora proposto, nunca duvidando do que lhe estava a ser transmitido.

24.º

Assim o Autor confiou no Banco e, através do referido funcionário da delegação do Réu e, em 2004, logrou efetuar um depósito no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).

Cfr. doc. n.º 3 já junto.

25.º

Produto esse, de que, o Autor, posteriormente a tomar conhecimento, no verão de 2015, que contrariamente ao que lhes fora transmitido não consistia em capital garantido.

26.º

Mas que o Autor à data, desconhecia por completo, uma vez que apenas lhe fora referido, como supra descrito, tratar-se de uma aplicação em produto em tudo igual a um depósito a prazo, com o capital garantido pelo Banco e sem qualquer risco.

27.º

E mais, o Autor não teria subscrito as obrigações caso tivessem sido observados os deveres de informação em causa, ou seja, a explicação da natureza subordinada das obrigações.

28.º

Assim, ao efetuar as aplicações naquele produto, o Autor fez na convicção de que estava a efetuar uma aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, com a garantia do capital e juros pelo próprio Banco, como lhe fora transmitido pela funcionária do Banco Réu e de acordo com o argumentário de venda – conforme doc. nº 12, que se junta.

29.º

Tendo sido, com essa convicção que o Auto logrou efetuar autorização de débito de € 50.000,00 (Cinquenta mil euros), na sua conta para aplicação em tal produto.

30.º

Após a referida aplicação, efetuada 2004, em que o Autor entregou ao Banco a quantia de € 50.000,00 (Cinquenta mil euros), tudo correu conforme fora transmitido ao Autor até 2015, com o Banco a pagar os respetivos juros semestrais e, este, convicto de que o seu dinheiro tinha sido aplicado num produto idêntico a um depósito a prazo, com garantia do próprio Banco e que, no final do prazo, poderia levantar a quantia aplicada, cujos juros venciam semestralmente.

31.º

Nunca ao longo do referido período, entre a data da aplicação, até 2015, o Autor se apercebera de qualquer anomalia.

32.º

Estando completamente descansado em relação à aplicação por si efetuada, que pensava tratar-se de um produto idêntico a um depósito a prazo com capital garantido.

33.º

E, mesmo quando o Banco foi nacionalizado, nada de anormal se passou.

34.º

Tendo o Autor continuado a receber do Banco os juros semestrais, como se de um depósito a prazo se tratasse.

35.º

E, tudo correu bem até 2015, data dos últimos pagamentos dos juros ao Autor.

36.º

Acontece que, no verão de 2015, em setembro de 2015, foi o Autor surpreendido com uma carta da Galilei (ex SLN), através da qual lhe davam conhecimento que a empresa se havia submetido a um Processo Especial de Revitalização e, a convidar o Autor para participar nas negociações.

37.º

Tendo o Autor, na sequência de tal carta, deslocando-se à agência do Banco Réu em ..., agora denominado BIC, onde lhe terá sido dito, que o Banco agora já não era responsável pelo pagamento.

38.º

Tendo sido transmitido ao Autor que deveria reclamar o crédito correspondente ao valor aplicado no processo de revitalização, tendo, nessa data, sido entregue pelo Banco aqui Réu ao Autor, uma declaração do Banco, datada de 7/09/2015, a confirmar que no Banco aqui Réu, se encontravam depositados em nome do Autor uma obrigação de € 50.000,00 SLN M2 - SLN 2004.

39.º

Mais foi o Autor informado que, devia reclamar o seu crédito no âmbito daquele processo de revitalização da Galilei, o que fez.

Cfr.Doc.5 que ora se junta e cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

40.º

O que deixou o Autor em pânico.

41.º

Pois quando o Autor procedeu à aplicação do dinheiro, foi-lhe expressamente transmitido pelo Réu, através do supra referido funcionário, que se tratava de um produto do próprio Banco, em tudo idêntico a um depósito a prazo, com capital garantido pelo próprio Banco.

42.º

Nunca foi explicada ao Autor a natureza das obrigações subordinadas.

43.º

Aliás, se tivesse sido explicada, o Autor não investia as suas poupanças.

44.º

O Autor tem agora conhecimento, de que os próprios funcionários do Banco, recebiam ordens internas escritas deste, no sentido de venderem o produto com indicação de que se tratava de um produto igual a um depósito a prazo com capital garantido pelo Banco e elevadas taxas de remuneração, omitindo a natureza das obrigações sobre as quais o Autor investiu, como lhe fora transmitido pelo funcionário do Banco Réu e de acordo com o argumentário de venda – Cfr. doc. nº 6, que se junta e cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

45.º

Motivo pelo qual, os referidos funcionários, em representação do Banco, apresentavam o produto aos clientes com a indicação de capital garantido pelo Banco, tal como o fizeram com o Autor, o que se traduz na garantia do pagamento do capital e juros pelo Banco a quem aplicasse o seu dinheiro em tal produto, neste caso para com o Autor.

46.º

Garantias essas que, o Réu, lamentavelmente, agora vem negar.

47.º

Caso o Autor, tivesse conhecimento que o produto que lhes foi apresentado, não era de capital garantido, ou mesmo que, apresentava algum risco, jamais teria autorizado tal aplicação.

48.º

Pois nunca foi intenção do Autor aplicar o dinheiro das suas poupanças em capital de risco, o que aliás era do conhecimento da gerente do Banco.

49.º

O qual, conhecia o perfil conservador do Autor, no que concerne a aplicações de dinheiro, sendo pessoa da terra, humilde e sem conhecimentos técnicos financeiros.

Aliás,

50.º

Dúvidas não restavam na cabeça do Autor ao ler a documentação que o Banco lhes tinha dado, que:

- O prazo de tempo em que tinham o valor de € 50.000,00 era de 10 anos;

- com possibilidade de reembolso antecipado ao fim do 3º ano com autorização do Banco de Portugal;

- com pagamento de juros semestrais;

51.º

Duvidas não haviam, quanto à segurança em colocar os € 50.000,00 no Banco, na modalidade apresentada, até porque, podiam requerer o reembolso parcial ou total ao fim de 3 anos!

52.º

Contudo, repete-se, que nunca foi intenção do Autor, investir o seu dinheiro em produtos que não fossem de capital garantido

(…)

93.º

Assim, considerando que o Autor entregou ao Banco a quantia de € 50.000,00 conforme supra descrito, cujos juros apenas foram pagos até Maio de 2014, deve o Réu, ser condenado a pagar ao A. o capital de € 50.000,00 que lhe foi entregue.

C) Do Prazo prescricional aplicado

94.º

Vejamos, importa na situação em apreço a data em que Autor teve conhecimento do produto que tinha subscrito.

95.º

Como já fora referido anteriormente, o Autor subscreveu as obrigações SNL 2004, porque as mesmas lhe foram apesentadas como um produto com pouco risco e capital garantido.

96.º

Importa assim, a data em que o Autor teve conhecimento das reais características das obrigações subscritas.

97.º

Ora, no caso em apreço não decorreu o prazo prescricional, uma vez que o Banco atuou a nosso ver com culpa grave, para efeito de não aplicabilidade do prazo de dois anos, tendo ocultado informação grave quanto a um produto que o Autor nunca subscreveria se tivesse noção das suas reais condições.

98.º

Face ao exposto, é aplicável o prazo ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil.

D) Da responsabilidade Civil

i) Dos Danos patrimoniais

99.º

Vejamos dispõe o n.º 1 e o n.º 2 do artigo 314.º do CVM, “ 1 - O intermediário financeiro deve solicitar ao cliente informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro ou ao serviço considerado, que lhe permita avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos.

2 - Se, com base na informação recebida ao abrigo do número anterior, o intermediário financeiro julgar que a operação considerada não é adequada àquele cliente deve adverti-lo, por escrito, para esse facto.”

100.º

Uma vez que está em causa a violação e deveres de informação por parte do Banco BPN, não tendo sido transmitido ao Autor qual a entidade que garantia o reembolso de capital, nem os riscos que comportava.

101.º

Analisando a conduta do Réu, quanto à obrigação de indemnizar o ao Autor, importa verificar os seguintes pressupostos:

A) A ilicitude

B) de do facto danoso, entendida esta como a desconformidade entre o comportamento devido pelo seu autor e o comportamento observado;

C) A culpa sob a forma e dolo ou negligência;

D) O dano;

E) O nexo de casualidade;

102.º

Ora a ilicitude do facto, traduz-se na violação dos deveres de informação, por omissão de informação relevante à subscrição do produto, nomeadamente quanto ao reembolso do capital, o que não ocorreria em caso de insolvência, como veio a suceder, demonstrando-se assim o nexo causal entre a violação de tais deveres e o dano sofrido pelo autor, pela perda do capital investido.

103.º

Assim, face à existência do nexo causal, estão verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar o Autor, indeminização essa correspondente ao capital despendido pelo Autor, € 50.000,00 (Cinquenta mil euros), valor ao qual acrescem juros e mora à taxa legal desde a data citação da presente ação

ii) Dos Danos não patrimoniais

104.º

Acresce que, desde que o Autor tomou conhecimento desta situação, vive num permanente estado de preocupação, com o receio de não reaver a sua poupança, ou de não saber quando viram a reaver.

105.º

O que tem provocado ao Autor grande ansiedade, stress e nervosismo.

106.º

Devendo como tal, ser indemnizado a título de dano não patrimonial num mínimo simbólico de € 2.000,00 (Dois mil euros).

107.º

Somam assim os danos sofridos pelo Autor, em consequência da conduta do Réu, a quantia de total de € 52.000,00 (€ 50.000,00 + € 2.000,00), pela qual, o Banco Réu é responsável.

108.º

O Autor é uma pessoa que tem esperado até á presente data que o Banco resolvesse e assumisse o pagamento, sendo que, continuou a ser cliente, pois nem colocaria em causa perder o dinheiro das suas poupanças, mas, chegados a Setembro de 2021 e confrontado com a falta de resolução viu-se obrigado a intentar a presente ação judicial.

Junta procuração forense e documentos.

2)-

Citado, veio o Réu contestar, por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou a prescrição, argumentando que o Autor tem conhecimento da subscrição supostamente viciada assente na alegada errada informação que imputa ao banco Réu das Obrigações SLN RM 2004, pelo menos desde o mês seguinte ao da subscrição - altura em que recebeu vários extractos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos, discriminada e separadamente, em 2004, ou pelo menos desde 2015, como alegadamente o Autor confessa, pelo que o prazo de dois anos previsto no artigo 324º do CVM para o demandar por negócio em que haja intervindo como intermediário financeiro, já se encontrava prescrito quando a acção deu entra em juízo (18/10/2021. Por impugnação, contrapôs, em substância, que o Banco Réu, na pessoa dos seus funcionários, designadamente do gestor de conta do Autor, agiu sempre de acordo com a vontade do Autor e com as instruções recebidas do mesmo, sendo que quando subscreveu a Obrigação SLN, foram naturalmente explicadas ao Autor, pelo gestor de conta,  pessoalmente, as características do produto, tendo assinado de forma deliberada e consciente o boletim de subscrição, e recebido a nota técnica.

Ao tempo da subscrição nada desabonava o produto e nada fazia prever a insolvência da entidade emitente.

Termos em que concluiu pela improcedência da acção.  

Junta procuração.

A “SLN Rendimento Mais 2004” é uma obrigação subordinada, sob a forma escritural e ao portador, com o valor nominal de 50 mil euros cada. Emitente é a SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. - cfr. Boletim de Subscrição de fls. 20 verso e ss..

3)-

O Autor veio responder à defesa por excepção do Banco Réu.

Reafirma o alegado na petição inicial, defendendo o prazo prescricional de 20 anos.

4)-

Dispensou-se a audiência prévia.

Foi relegada para momento posterior a apreciação da excepção peremptória da prescrição.

Foi atribuído valor à causa.

Saneou-se a acção.

Elencaram-se os factos assentes.

Identificou-se o objecto do litígio.

Enunciaram-se os temas da prova.

*

Teve lugar audiência final, com gravação dos trabalhos.

Proferiu-se decisão sobre a matéria de facto, motivadamente.

Na 1ª instância deram-se como provados os seguintes factos

1. A BPN - Banco Português de Negócios S.A. foi uma sociedade anónima, identificada com o NIPC n.º ..., a qual tinha por objecto social o exercício de actividades consentidas por lei aos bancos.

2. A ré Banco BIC Português, S.A., é uma sociedade anónima, identificada com o NIPC n.º ..., a qual tem por objecto o exercício de actividades consentidas por lei aos bancos.

3. Através da Lei n.º 62-A/2008, de 11 de Novembro, a BPN - Banco Português de Negócios S.A. foi nacionalizada.

4. No ano de 2012, a BPN - Banco Português de Negócios S.A. foi adquirida pela ré Banco BIC Português, S.A.

5. O autor é taxista.

6. O autor tem como habilitações literárias o 4.º ano de escolaridade.

7. O autor foi cliente do BPN - Banco Português de Negócios S.A..

8. Num primeiro momento, a conta à ordem do autor - conta n.º ...01 - no BPN - Banco Português de Negócios S.A. esteve sediada na respectiva agência de ...; posteriormente foi transferida para a agência de ... e, por último, para a agência BPN sita no ....

9. Em tal conta o autor movimentava o dinheiro proveniente da sua actividade profissional e o dinheiro das suas poupanças.

10. No ano de 2004, o gestor de cliente do autor, no âmbito da orgânica do BPN, foi CC (cfr. documento n.º 2 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

11. Pelo menos nos anos de 2008 e de 2009, o gestor de cliente do autor, no âmbito da orgânica do BPN, foi DD (cfr. documento n.º 2 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

12. Entre 2010 a 2012, EE foi a gestora de cliente no que respeita ao autor (cfr. documento n.º 2 junto com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).

13. Da parte do autor para com o BPN - Banco Português de Negócios S.A. existia uma relação de confiança, extensiva aos funcionários do então Banco, nomeadamente aos funcionários da agência do ..., particularmente, na pessoa do funcionário CC.

14. No ano de 2004, o funcionário da agência de ... do BPN CC contactou o autor.

15. Nas circunstâncias acima indicadas no ponto anterior, CC aludiu a aplicações, tendo dito ainda que tais aplicações seriam muito boas para o autor, que as mesmas apresentavam juros mais altos, eram em tudo iguais a um depósito a prazo, com o capital garantido.

16. BB disse ainda que a subscrição de tal produto era segura e que o autor poderia confiar.

17. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento n.º 3 junto com a PI. Dá-se aqui destaque aos seguintes excertos do aludido documento:

“BPN SLN RENDIMENTO MAIS 2004

Boletim de Subscrição

Emissão de obrigações subordinadas.

Natureza da emissão

Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de €50.000,00 cada uma, oferecidas directamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal. A emissão será efectuada por uma ou mais séries de acordo com as necessidades do emitente e a procura dos investidores.

(…)

Mínimo de subscrição

€ 50.000,00 (1 obrigação)

Período de subscrição

De 11 a 22 de Outubro de 2004

Data de liquidação financeira

25 de Outubro de 2004.

Prazo e Reembolso

O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 27 de Outubro de 2014. O reembolso antecipado de emissão só é possível por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.a. a partir do 5.º

ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

Renumeração

Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:

(…)

Ordem de subscrição

(…) Montante Total € 50.000,00

(…) O Banco

[carimbo aposto com os seguintes dizeres:] BPN – Banco Português de Negócios

[rúbrica ilegível aposta]

O subscritor / o representante do subscritor

Declaro (declaramos) que tomei (tomamos) conhecimento do Prospecto desta emissão e aceito (aceitamos) as respectivas condições.

(…) ..., 12 de Outubro de 2004 (…)

[assinatura ilegível aposta]”.

18. Face ao então expresso por CC – e acima exposto -, o autor sentiu-se confiante e aplicou as suas poupanças nos termos acima constantes do ponto anterior.

19. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento n.º 4 junto com a PI, dando-se destaque aos seguintes excertos do aludido documento:

“BancoBic

Declaração de Titularidade

Para os devidos efeitos, declaramos que se encontra(m) depositado(s) nesta Instituição de Crédito, à data de 9 de Setembro de 2015, em nome de AA, o(s) título(s) abaixo indicado(s).

1 Obrigação de 50.000,00€ - SLNRMAIS – SLN Rendimento Mais 2004.

..., 9 de Setembro de 2015. (…)

20. O autor não dispunha de conhecimentos técnicos, que lhe permitisse analisar o tipo de produto proposto, nunca duvidou do que lhe foi transmitido.

21. Apenas no Verão do ano de 2015, o autor tomou conhecimento de o produto acima referido não garantia o respectivo capital aplicado.

22. O então BPN – Banco Português de Negócios, Sa. não explicou ao autor a natureza subordinada de tais obrigações.

23. Na sequência de carta remetida pela Galilei SGPS, Sa. (ex – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, Sa.), no Verão de 2015, o autor reclamou créditos no respectivo processo especial de revitalização n.º 22922/15.4T8LSB (documento n.º 5 da PI).

24. Ao autor nunca foi facultado documento que contivesse cláusulas sobre as Obrigações Subordinadas SLN 2004.

Deram-se como não provados os seguintes factos

escrevendo-se:

Aspectos não provados.

Com relevância para a boa Decisão da causa, e sem prejuízo da factualidade acima dada como provada, resultam como não provados quaisquer outros aspectos alegados nos articulados e acima não indicados, nomeadamente:

a) Que à conta n.º ...01, acima referida nos factos provados, o autor recorresse para uso pessoal de gestão familiar.

b) Que CC fosse amigo de infância do autor.

c) Que no âmbito do acima expresso no ponto 15 dos factos provados, tivesse sido dito ao autor que o respectivo capital era garantido pelo próprio Banco.

d) Que, o acima expresso nos pontos 14, 15 e 16 dos factos provados tenha ocorrido na Praça ..., e que CC aí se tenha dirigido.

e) Que, nas circunstâncias de tempo e de lugar acima referidas nos pontos 14, 15 e 16 dos factos provados, CC tenha-se feito acompanhar de documentação, nomeadamente do boletim de subscrição das aplicações em causa.

f) Que, nas circunstâncias de tempo e de lugar acima referidas nos pontos 14, 15 e 16 dos factos provados, CC tenha explicitado que a taxa de juro de tais aplicações era superior a 3%; que o mesmo tenha ainda dito ao autor que tal subscrição do produto em causa fosse muito secura.

g) Que CC tivesse então referido ao autor que o valor entregue poderia ser levantado ao fim do 2.º ou 3.º ano sem qualquer penalização, e que ao fim de 10 anos a totalidade do montante poderia ser levantado sem qualquer problema.

h) Que tenha sido transmitido ao autor que, após os 2 ou 3 anos, havia a possibilidade de Call Option, ou seja poderia levantar as poupanças a partir do 2.º ano, mediante aprovação prévia do Banco de Portugal.

i) Que a recepção da carta acima referida no ponto 24 dos factos provados tenha deixado o autor em pânico.

j) Que o autor alguma vez tenha mostrado apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco e, nomeadamente, valores mobiliários.

*

Subsumindo os factos provados ao Direito, atenta a causa de pedir e os pedidos, deu-se a acção como improcedente por não provada, tendo-se absolvido o Banco Réu dos pedidos.

As custas ficaram pelo Autor.

*

Inconformado, recorre o Autor, recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo, conforme despacho de fls. 150.

CONCLUSÕES DO RECURSO do Apelante:

O Autor, Apelante, conclui a motivação da sua apelação alinhando os seguintes vectores:

A – Não aponta factos que pretenda aditar à matéria dada como provada. Do mesmo modo não refere pretender reduzir esse complexo;

B – Argui a nulidade da sentença proferida que reconduz ao artigo 615, 1, c) do CPC por alegadamente a decisão de mérito estar em contradição clara com a prova que dá como assente.

C – Pretende que em sede de escolha, interpretação e aplicação da competente norma jurídica aos factos dados como provados, se dê, a final, por provada e procedente a acção.

Contra-motiva o Banco Réu, pugnando pelo acerto da sentença recorrida.

Junta parecer do Senhor Professor António Pinto Monteiro, Insigne professor catedrático da faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – fls. 119 verso a fls. 148 verso.

*

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo.

“Questões” são as concretas controvérsias centrais a dirimir.

III - OBJECTO DO RECURSO 

As questões que se colocam ao julgador através da presente apelação são:

I- saber quais os factos a ter em conta.

II- decidir do mérito da causa.

IV- mérito do recurso

1ª questão  

O Autor, ora Apelante, não impugna a decisão sobre a matéria de facto.

Não cumpre os ónus do artigo 640º do CPC.

Os factos a considerar são os vindos do 1º grau, supra transcritos, e agora dados por reproduzidos.

*

Não cabe oficiosamente alterá-los.

2ª questão  

O Apelante vê na sentença recorrida o vício da contradição entre os fundamentos e a decisão, invocando em consequência o disposto no artigo 615º, 1, c) do CPC.

Mas sem razão.

Na sentença recorrida, perante a factualidade provada, expende-se no sentido de que à data da subscrição da obrigação pelo Autor, não era exigível ao BPN antever o colapso financeiro da SLN SA, de cujo grupo o BPN fazia parte. Daí que se tenha absolvido o banco Réu.

Não está em causa uma contradição silogística na própria peça da sentença recorrida.

Pode estar em causa – sim – um erro de julgamento, uma deficiente ou errada escolha, interpretação e aplicação da competente norma ao caso, o que não constitui nulidade.

Vai indeferida a arguição.

*

**

*

Resulta da factualidade provada que:

10. No ano de 2004, o gestor de cliente do autor, no âmbito da orgânica do BPN, foi CC (

13. Da parte do autor para com o BPN - Banco Português de Negócios S.A. existia uma relação de confiança, extensiva aos funcionários do então Banco, nomeadamente aos funcionários da agência do ..., particularmente, na pessoa do funcionário CC.

14. No ano de 2004, o funcionário da agência de ... do BPN CC contactou o autor.

15. Nas circunstâncias acima indicadas no ponto anterior, CC aludiu a aplicações, tendo dito ainda que tais aplicações seriam muito boas para o autor, que as mesmas apresentavam juros mais altos, eram em tudo iguais a um depósito a prazo, com o capital garantido.

16. BB disse ainda que a subscrição de tal produto era segura e que o autor poderia confiar.

17. e 18. Face ao então expresso por CC, o autor sentiu-se confiante e na sequência subscreveu em 12 de Outubro de 2004 uma obrigação “BPN SLN RENDIMENTO MAIS 2004”.

20. O autor não dispunha de conhecimentos técnicos, que lhe permitisse analisar o tipo de produto proposto, nunca duvidou do que lhe foi transmitido.

21. Apenas no Verão do ano de 2015, o autor tomou conhecimento de o produto acima referido não garantia o respectivo capital aplicado.

22. O então BPN – Banco Português de Negócios, Sa. não explicou ao autor a natureza subordinada de tais obrigações.

24. Ao autor nunca foi facultado documento que contivesse cláusulas sobre as Obrigações Subordinadas SLN 2004.

O Autor subscreveu um título representativo deste produto - obrigação subordinada, sob a forma escritural e ao portador, com o valor nominal de 50 mil euros cada. Emitente foi a SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., e a finalidade era a consolidação da dívida da emitente.

Mas o que é uma obrigação subordinada?

Socorremo-nos para tal da informação constante do site do Banco  Bankinter a operar no País.

Nesse sítio pode ver-se:

Obrigações Subordinadas.

agosto 2021

Definição: são obrigações abrangidas por uma cláusula de subordinação, isto é, no caso de falência ou liquidação da entidade emitente, apenas são reembolsadas após os demais credores por dívida não subordinada, tendo, todavia, prioridade sobre os acionistas.

Emitente e Mercado: os emitentes são empresas ou instituições financeiras.

Moeda: caso a emissão seja feita numa moeda diferente do euro, isto implica um risco adicional, o risco cambial, resultante das possíveis flutuações da taxa de câmbio.

Horizonte temporal: trata-se normalmente de emissões a médio ou longo prazo e existem várias modalidades relativamente à taxa de juro e às condições de reembolso. A entidade emitente reserva-se a faculdade de reembolsar antecipadamente parte ou a totalidade da emissão durante a vida da mesma

Subscrição: destinam-se normalmente a investidores institucionais.

Liquidez: o investidor poderá vender as Obrigações no mercado secundário, através de um intermediário financeiro, de acordo com a procura existente, sendo que o preço de venda pode ser inferior ou superior ao montante investido, dependendo das condições do mercado na altura da venda.

Comissões: poderão ser aplicadas, entre outras, as seguintes comissões:

- Comissão de compra/venda no mercado secundário.

- Comissão de custódia.

- Comissão de pagamento dos cupões.

- Comissão de reembolso.

Rentabilidade: as obrigações conferem um cupão periódico à taxa fixa ou variável, de acordo com as condições da emissão.

Grau de complexidade: é imprescindível que o investidor conheça todas as características do produto: prazo, rentabilidade, possibilidade de venda no mercado secundário, para que possa tomar uma decisão informada e evitar as consequências negativas de um investimento não adequado à situação e expetativas do investidor.

Fiscalidade: os rendimentos decorrentes de obrigações ou outros títulos de dívida têm a natureza de rendimento de capital no caso de juros e de mais-valias no caso de ganhos derivados da alienação onerosa ou reembolso dos títulos de dívida.

No caso das pessoas singulares residentes em Portugal, a tributação dos juros opera mediante retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) à taxa de 28% com possibilidade de opção pelo englobamento dos rendimentos, caso em que a retenção efetuada terá a natureza de pagamento por conta e se aplicam as regras e taxas gerais consagradas no Código do IRS. As mais-valias não estão sujeitas a retenção na fonte e o saldo positivo é tributado em IRS à taxa especial de 28% que será final exceto se o sujeito passivo optar pelo englobamento, caso em que se aplicam as regras e taxas gerais

Já no site do Plano Nacional de Formação Financeira, onde se integra, além de outras instituições, o BdP, podemos ler:

As obrigações subordinadas diferem das obrigações clássicas, sobretudo por, em caso de falência do emitente, serem as últimas a serem reembolsadas.

Ao subscrever obrigações subordinadas, o investidor deve, por isso, estar particularmente atento ao risco de insolvência da entidade, ou seja, ao risco de crédito.

As obrigações subordinadas, uma vez que têm associado um risco relativamente mais alto, oferecem, por norma, uma remuneração mais elevada do que as restantes categorias de obrigações.

Em caso de insolvência, a recuperação de créditos por parte dos investidores obedece a prioridades, encontrando-se estabelecidas quatro hierarquias:

•          os créditos garantidos, que são os que beneficiam de garantias reais incidentes sobre bens integrantes da massa insolvente até ao montante correspondente ao valor dos bens objeto de garantias. Neles se incluem também os privilégios creditórios especiais. Esta categoria abrange não só os créditos como também os respetivos juros;

•          os créditos privilegiados, que são aqueles que gozam de privilégios creditórios gerais sobre bens integrados na massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objeto desses privilégios, quando eles não se extingam por efeito da declaração de falência;

•          os créditos comuns, que englobam todos os créditos não abrangidos nas categorias anteriores;

•          os créditos subordinados, que são aqueles cujo pagamento tem lugar apenas depois de integralmente pagos os créditos comuns.

Trata-se, portanto, de um produto financeiro de investimento cuja subscrição exige por parte do investidor específico cuidado na análise e compreensão da situação de crédito da instituição que se visa financiar, aquando da formação de vontade em investir.

No site da pt.Wikipédia.org podemos verificar a seguinte informação:

A Sociedade Lusa de Negócios, também conhecida pela sigla SLN, foi uma holding portuguesa fundada em 1999 e extinta em 31 de Maio de 2010.

A SLN detinha o BPN, SGPS na área financeira, sector de maior importância dentro do grupo. Detinha também empresas na área da tecnologia (Seac Banche, I2S, Datacomp e NlS), concessionários automóveis (Sorel e SLV), hotéis e turismo (Hotel do Caramulo, Hotel da Costa da Caparica e Turivisa), saúde (Grupo Português de Saúde, British Hospital XXI), alimentos e agricultura (Murganheira, Tapada do Chaves) e indústria (C.N.E. - Cimentos, CANAM, Omni, Inapal Plásticos).

Após o caso BPN o accionistas da defunta SLN decidiram no mesmo dia em que foi extinta a SLN, em assembleia geral, mudar o nome e a imagem da sociedade para Galilei. A mudança de nome para Galilei mereceu os votos favoráveis de 89,17% dos accionistas, tendo havido 1,81% de votos desfavoráveis e 9,13% de abstenções.

Ora o gestor da conta do Autor aberta no BPN que na altura apresentou ao Autor o produto de investimento financeiro em causa, e que conhecia de longa data o Autor e bem assim o seu “perfil” de investidor, não explicou ao Autor as implicações de uma obrigação subordinada.

Também não lhe forneceu qualquer material tendente a perceber o propósito do lançamento do empréstimo obrigacionista.

A organização e montagem de um empréstimo obrigacionista fica geralmente a cargo de um banco ou sindicato de bancos, independentes, não pertença do mesmo grupo do emitente.

Em regra, apresenta-se uma análise financeira e contabilística do emitente/beneficiário, com demonstração de resultados, com fiabilidade de análise sobre a valia do investimento, sobre a oportunidade do investimento, e com a indicação de quem se responsabiliza por ela. Esta obrigação, quando bem executada, permite distinguir entre o que é um investimento com grau de qualidade, e um investimento “de lixo”. 

Ora esta actividade tendente ao esclarecimento e à formação de uma vontade no potencial investidor, livre e esclarecida de investir, não foi levada a cabo pelo então BPN, ora Réu.

É este o fulcro factual do litígio.

*

Muitos têm sido os casos levados a Tribunal por factualidade idêntica ou muito semelhante à dos presentes autos.

Pelo STJ foi prolatado o AUJ nº 8/2022, no Proc. nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 212, de 3 de Novembro de 2022, com a Declaração de Retificação nº 31/2022, DR-224, SÉRIE I de 2022-11-21, onde se delibera:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”

A factualidade dos autos data de 12 de Outubro de 2004, quando vigorava o Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro.

Porém o AUJ não tem aplicação directa ao caso dos autos uma vez que se não pode dizer que as garantias que lhe foram datas pelo Réu foram determinantes para a decisão da subscrição da obrigação. Não se mostra provado, designadamente o alegado no artigo 22.º da p.i.: O Autor estava convicto que o reembolso do capital seria efetuado findo o prazo de 10 anos, não tendo subscrito tais produtos se assim não fosse.

Não deixa, todavia, de servir de orientação jurisprudencial.

*

O aqui ora Relator foi relator de acórdão prolatado no processo nº 11188/17.1T8SNT.L1, que correu termos no TRL, de que veio a ser interposto recurso de revista, e que veio a ser confirmado por Douto Acórdão agora proferido no STJ, na 1ª secção, Relatora Exma. Juíza Conselheira Maria Clara Sottomayor, a 23 de Junho de 2023, desconhecendo-se lugar onde possa estar publicado.

A partir de agora, segue-se de perto o por nós relatado no 2º grau  no processo nº 11188/17.1T8SNT.L1.

*

**

*

A situação sub judice é de enquadrar nas competentes disposições do RGIFSC (1), do Código dos Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro [com as actualizações introduzidas pelas Rectificações n.º 23-F/99, de 31/12 e 1-A/2000, de 10/01; pelo Dec.-Lei n.º 61/2002, de 20/03; pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 08/03; pela Rectificação n.º 5-C/2003, de 08/03; pelo Dec.-Lei n.º 107/2003, de 04/06; pelo Dec.-Lei n.º 183/2003, de 19/08; e pelo Dec.-Lei n.º 66/2004, de 24/03], ou seja, antes ainda das alterações ao CVM introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro. Pode, ainda, atender-se às disposições imperativas e suficientemente claras e precisas da Directiva n.º 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril, que entrou em vigor nesta data, relativa aos mercados de instrumentos financeiros (DMIF), que só foi transposta para a ordem jurídica interna pelo Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro.

De entre as disposições imperativas da referida Directiva, contam-se as dos artigos 18º e 19º, que se transcrevem, pela sua relevância, a primeira relativa a “conflitos de interesses e a segunda respeitante a “normas de conduta a seguir na prestação de serviços de investimento aos clientes”.

«Artigo 18ª - «Conflitos de interesses»:

1. Os Estados-Membros devem exigir às empresas de investimento que tomem todas as medidas razoáveis para identificar possíveis conflitos de interesses entre elas próprias, incluindo os seus dirigentes, empregados e agentes vinculados ou quaisquer pessoas com elas directa ou indirectamente ligadas através de controlo, e os seus clientes, ou entre os próprios clientes, susceptíveis de surgir no quadro da prestação de quaisquer serviços de investimento e auxiliares, ou de combinações desses serviços.

2. Caso as medidas a nível organizativo ou administrativo, adoptadas pela empresa de investimento nos termos do n.º 3 do artigo 13.º para gerir conflitos de interesses, não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados os riscos de os interesses dos clientes serem prejudicados, a empresa de investimento deve informar claramente o cliente, antes de efectuar uma operação em seu nome, da natureza genérica e/ou das fontes destes conflitos de interesses.

3. A fim de atender à evolução técnica dos mercados financeiros e para assegurar uma aplicação uniforme dos n.º 1 e 2, a Comissão adoptará, nos termos do n.º 2 do artigo 64.º, medidas de execução destinadas a:

a) Definir as diligências que é razoável esperar que as empresas de investimento empreendam para identificar, impedir, gerir e/ou divulgar eventuais conflitos de interesses na prestação dos diferentes serviços de investimento e auxiliares, ou de combinações desses serviços;

b) Estabelecer critérios apropriados para determinar os tipos de conflito de interesses cuja existência possa prejudicar os interesses dos clientes ou clientes potenciais da empresa de investimento.

Artigo 19.º - «Normas de conduta a seguir na prestação de serviços de investimento aos clientes»:

1. Os Estados-Membros devem exigir que as empresas de investimento, ao prestarem serviços de investimento e/ou, sendo o caso, serviços auxiliares aos clientes, actuem de forma honesta, equitativa e profissional, em função do interesse dos clientes, respeitando nomeadamente os princípios enunciados nos n.ºs 2 a 8.

2. Todas as informações, incluindo as comunicações comerciais, enviadas pelas empresas de investimento aos seus clientes ou clientes potenciais devem ser correctas e claras e não induzir em erro. As comunicações comerciais devem ser claramente identificadas como tal.

3. Devem ser prestadas informações adequadas, de forma compreensível, aos clientes ou clientes potenciais acerca:

- da empresa de investimento e dos respectivos serviços,

- dos instrumentos financeiros e estratégias de investimento propostas; tal deve incluir orientações adequadas e avisos sobre os riscos inerentes a investimentos nesses instrumentos ou no que respeita a determinadas estratégias de investimento,

- dos espaços e das organizações de negociação, e

- dos custos e encargos associados,

que lhes permitam razoavelmente compreender a natureza e os riscos inerentes ao serviço de investimento e ao tipo específico de instrumento financeiro que é oferecido e, por conseguinte, tomar decisões de investimento de forma informada. Estas informações podem ser fornecidas em formato normalizado.
4.
Ao prestar serviços de consultoria para investimento ou de gestão de carteiras, a empresa de investimento deve obter as informações necessárias relativas aos conhecimentos e experiência do cliente ou cliente potencial em matéria de investimento no que respeita ao tipo específico de produto ou serviço em questão, bem como as relativas à sua situação financeira e aos seus objectivos de investimento, de modo a permitir à empresa recomendar ao cliente ou cliente potencial os serviços de investimento e os instrumentos financeiros que lhe são mais adequados.

4.Os Estados-Membros devem assegurar que, ao prestarem serviços de investimento diferentes dos referidos no n.º 4, as empresas de investimento solicitem ao cliente ou potencial cliente que lhes forneça informações sobre os seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo específico de produto ou serviço oferecido ou solicitado, de modo a permitir à empresa determinar se o produto ou o serviço de investimento considerado lhe é mais adequado.

5.Se, com base nas informações recebidas ao abrigo do parágrafo anterior, a empresa de investimento considerar que o produto ou serviço não é adequado ao cliente ou potencial cliente, deve avisá-lo desse facto. Este aviso pode ser feito em formato normalizado.

6.No caso de o cliente ou cliente potencial decidir não fornecer as informações a que se refere o primeiro parágrafo, ou não fornecer informações suficientes, sobre os seus conhecimentos e experiência, a empresa de investimento deverá avisar o cliente ou cliente potencial de que essa decisão não permitirá à empresa determinar se o produto ou serviço de investimento considerado lhe é adequado. Esse aviso pode ser feito em formato normalizado. (…)».

Decorre da factualidade provada que, em 12/10/2004, o Autor subscreveu ao balcão do BPN – Banco Português de Negócios S.A., do ..., por conta de terceiro, a SLN – Sociedade Lusa de Negócios SGPS S.A., uma Obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor nominal de €50.000,00, convicto de que estava a colocar o dinheiro numa aplicação segura e com características similares a um depósito a prazo, com garantia de capital assegurada pelo próprio BPN, sendo que, até ao presente, passados mais de seis anos sobre o prazo do vencimento das referidas obrigações (previsto para 27 de Outubro de 2014 – cfr. Fls 69), não logrou, ainda, o Autor ser reembolsado da referida quantia.

O objecto do processo tem a ver com a actividade de intermediação financeira exercida pelo então BPN, enquanto entidade bancária, e tendo presente que uma «Obrigação subordinada» [para todos os efeitos um valor mobiliário, cfr. artigo 1º, alínea b), do CVM, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, em face do disposto no art.º 348º, do CSC, representa um direito de crédito sobre a entidade emitente (in casu a SLN, a Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.), sendo portanto o titular da obrigação um credor perante a entidade emitente, e sendo a relação jurídica [no âmbito da qual o credor obrigacionista tem o dever de entregar fundos à entidade emitente, ficando esta vinculada à obrigação sinalagmática de restituir o montante que lhe é mutuado, e sendo convencionado, os respectivos juros] subjacente e existente na base do referido valor mobiliário, tipicamente, um contrato de mútuo.

Decorre do n.º 2 do artigo 289º do CVM que apenas os intermediários financeiros - nos quais se incluem as instituições de crédito (artigo 4º, n.º 1, alínea f), do RGIFC), vulgarmente designadas por “Bancos” - podem exercer, a título profissional, actividades de intermediação financeira, assim se compreendendo que esteja o desfecho da presente acção directamente interligado com a forma/modo como o então BPN em sede da actividade de intermediação financeira exercida, “convenceu” o Autor a subscrever as referidas Obrigações.

Foi o Recorrente, na qualidade de cliente da agência do BPN do ..., [instituição de crédito à data autorizada a exercer actividades de intermediação financeira em Portugal], direccionado para a aplicação de € 50.000,00 no referido produto financeiro.

Resultou provado que:

15. Nas circunstâncias acima indicadas no ponto anterior, CC aludiu a aplicações, tendo dito ainda que tais aplicações seriam muito boas para o autor, que as mesmas apresentavam juros mais altos, eram em tudo iguais a um depósito a prazo, com o capital garantido.

16. BB disse ainda que a subscrição de tal produto era segura e que o autor poderia confiar.

17. e 18. Face ao então expresso por CC, o autor sentiu-se confiante e na sequência subscreveu em 12 de Outubro de 2004 uma obrigação “BPN SLN RENDIMENTO MAIS 2004”.

20. O autor não dispunha de conhecimentos técnicos, que lhe permitisse analisar o tipo de produto proposto, nunca duvidou do que lhe foi transmitido.

21. Apenas no Verão do ano de 2015, o autor tomou conhecimento de o produto acima referido não garantia o respectivo capital aplicado.

22. O então BPN – Banco Português de Negócios, Sa. não explicou ao autor a natureza subordinada de tais obrigações.

24. Ao autor nunca foi facultado documento que contivesse cláusulas sobre as Obrigações Subordinadas SLN 2004.

O CVM, no seu n.º 1 do artigo 7.º estabelece que a informação do intermediário financeiro ao cliente/investidor “deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”.


Resulta do enunciado legal que protecção conferida por esta norma e por outras destinadas a disciplinar a actuação do intermediário financeiro não se centra na decisão de investimento mas sim no processo que leva à formação dessa decisão de investimento. O que releva é a formação esclarecida da decisão de investimento, sendo o critério da exigência da qualidade da informação seguido pelo legislador o
critério do “investidor médio e as suas necessidades para formar uma decisão de investimento esclarecida”.


O requisito da
completude da informação visa a suficiência da informação, em ordem a obstar à omissão de dados informativos que, pela sua relevância, devam ser tidos como essenciais e que seriam susceptíveis de influenciar negativamente o processo de tomada de decisão. Em conformidade, o intermediário financeiro deverá explicitar ao cliente/investidor quais as especificidades do contrato e/ou produto financeiro que possam influir no processo de tomada de decisão. Cfr. Paulo Câmara, in Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2016, Almedina, pág. 689.

 
No caso em apreço, o BPN, agindo na qualidade de intermediário financeiro da entidade emissora das obrigações, não prestou uma informação completa ao Autor, omitindo especificações próprias das obrigações SLN RM 2004, como a da subordinação, e do risco acrescido que essa circunstância acrescentava ao investimento. Ora estas omissões são claramente violadoras do requisito da completude da informação.

A informação é verdadeira sempre que, por assentar em factos verídicos, seja coincidente “com a realidade dos factos, situações, circunstâncias, valores ou perspectivas que se destina a reflectir, não induzindo em erro o investidor ou o potencial investidor” - Cfr. MAFALDA GOUVEIA MARQUES/MÁRIO FREIRE, A Informação no Mercado de Capitais, in Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, n.º 3, 2º Semestre de 1998, Lisboa, p. 116. A discrepância entre a realidade e a comunicação tem de ser tomada como violadora do dever de verdade, sendo, sem mais, falsa. Assim tem de ser entendido, porque o legislador quis acautelar que a informação prestada sobre qualquer instrumento financeiro contratado - no caso obrigações subordinadas – eram correctas, com o propósito de obviar a que o intermediário financeiro induza, ainda que negligentemente, em erro o investidor.


Na situação que nos ocupa, o funcionário do BPN/Réu - CC -, apresentou o produto financeiro em causa como um produto similar a um DP, sem riscos, com garantia de capital assegurada pelo próprio Banco, mas ainda mais atraente nos juros. Mas não disseram tratar-se de um investimento por 10 anos, que não estava, por exemplo, protegido pelo mecanismo de garantia dos depósitos. Tudo falsidades que induziram em erro o Autor/Recorrente e tiveram, claramente, um efeito catalisador, da sua decisão de contratar/investir, uma vez que este depositava nos funcionários da agência grande confiança.

Afigura-se-nos, assim, que tal conduta do BPN foi, claramente, violadora do requisito da veracidade da informação relevante que deveria ter sido prestada por este intermediário financeiro.


O requisito da
actualidade da informação esta conexionado com o da veracidade da informação, na medida em que a partir do momento em que uma determinada informação deixa de ser actual, necessariamente deixa de ser tida como verdadeira.


O requisito
da informação clara considera-se preenchido sempre que o cliente/investidor entenda as especificidades do instrumento financeiro que lhe é proposto para investir ao ser informado pelo intermediário financeiro das suas características. A informação prestada tem de ser apta a dissipar todas as dúvidas que possam surgir ao cliente/investidor durante o processo de decisão de investimento. A informação não pode ser vaga, ambígua, omissa, pouco explícita ou confusa. Cfr. FILIPE MATIAS SANTOS, Divulgação de Informação Privilegiada, in Estudos Sobre o Mercado de Valores Mobiliários, 2011, Lisboa, pág. 37.

 
No caso dos autos em que não se explicou ao Autor as características do produto, nem o que era uma obrigação, nem a condição de subordinação a que estava sujeita, nem lhe foi explicado o que era a “SLN”.

Não se provou que o Autor investia em títulos. Na conta DO movimentava o dinheiro proveniente da sua actividade como taxista e ainda o das suas poupanças.

Não lhe explicaram que o empréstimo era concedido à SLN SGPS SA.. Nem o informaram das características da emissão, da solvabilidade do grupo SLN, não lhe prestaram informações com vista a perceber se se tratava de um investimento com grau de qualidade.

Não foi prestada ao Autor uma informação clara, nem objectiva, nem lícita, como obriga o artigo 7º do CVM.

Não o colocaram a par dos riscos do investimento, tanto mais ser do conhecimento do BPN que o Autor tinha um perfil de investidos deveras conservador.

Ao Autor, que não era um cliente especialmente instruído em literacia financeira e não tinha experiência de aplicações em títulos, foi ocultada a informação minimamente correcta, certa, credível, específica da operação proposta. Cfr. Factos 6. e 20..

Antes, a aplicação lhe foi apresentada como sendo sem risco, de capital garantido, de remuneração superior à dos DP.

Esta actuação constitui uma “sedução” ludibriosa do cliente/investidor, por parte do intermediário financeiro, e é idónea a induzir dolosamente uma situação de erro na formação da vontade do investidor.


É que, para todos os efeitos, e como chama à atenção Paulo Câmara, in
Direito dos Valores Mobiliários, Relatório, Lisboa, 2005, pág. 711, um dos alicerces do sistema mobiliário reside na função de apoio, assistência, aconselhamento e conselho que os intermediários financeiros desempenham em relação aos seus clientes, razão porque obrigados estão eles a “pautar, em geral, o seu comportamento, no relacionamento que estabelecem com os intervenientes no mercado, por critérios de transparência [cfr. art.º 304º, do CVM], devendo prestar ao seu cliente, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada [cfr. art.º 312, n.º 1, do CVM].

E esse desiderato não foi cumprido pelo BPN/Réu.


Por conseguinte, não foi uma decisão livre e informada por parte do Autor que o determinou a subscrever uma unidade da Obrigação SLN RM 2004, investimento que se revelou desastroso, e que ele não quis.

Ante o exposto, face à prova efectuada, no caso sub judice o BPN – intermediário financeiro - violou grosseiramente o dever de informação, não elucidando convenientemente [antes prestando informação inexacta e enganadora] o Autor sobre as características do instrumento financeiro que lhe era proposto/sugerido.

 
Demonstrada a grosseira violação do dever de informação por parte do BPN, importa apreciar quais as consequências jurídicas civis dessa conduta, ou seja, se mesma dá ou não lugar a responsabilidade civil e à consequente obrigação de indemnização dos danos sofridos pelo Autor.

O artigo 304º, do CVM, com a epígrafe «Princípios», e com redacção introduzida logo com o Dec.-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março, prescrevia:
“1 -
Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 -
Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

Também do n.º 1, do art.º 77º, do RGICSF (Dec.-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro), e ainda com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 1/2008 , de 3 de Janeiro, dispunha que:

“1- As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes.”

Por sua vez, o art.º 304º-A, do CVM [com a epígrafe de Responsabilidade civil, aditado pelo Dec.-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, mas na linha do que já dispunha o art.º 314º, com a redacção do Dec.-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro], veio dispor que:

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 -
A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”


MENEZES LEITÃO
In Direito Dos Valores Mobiliários, Vol. II, Coimbra Editora, pág. 148- considera existir neste quadro legal uma acentuação da responsabilidade no âmbito das ligações especiais como as da responsabilidade contratual e pré-contratual entre as quais se inclui o dever de informação.

Porém, como refere o Ac. TRL de 15 de Março de 2018 proferido no processo nº 5075/16.8T8LSB.L1-6, Relator Des. Manuel Rodrigues, que, com a devida vénia, de muito perto temos igualmente seguido - a doutrina e a jurisprudência não são consensuais em sede de caracterização da natureza da responsabilidade civil dos intermediários financeiros.

Alguns qualificam-na como sendo uma responsabilidade delitual, apresentando os deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade como normas de protecção, outros antes se inclinam para a integrar no campo da responsabilidade contratual.


No que nos diz respeito, com o amparo dos doutos considerandos explanados no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/3/2016 proferido no processo n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1, Relatora Cons. Maria Clara Sottomayor, inclinamo-nos a considerar que, se por um lado a responsabilidade do intermediário financeiro e a que alude o artigo 314º do CVM, é uma responsabilidade contratual, por outro e porque é fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos nos temos do artigo 75º, nº 1, do RGIFSC, a responsabilidade civil aproxima-se da delitual, logo, e em última análise, a responsabilidade em apreço situa-se numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, aplicando-se em todo o caso o regime do art.º 799.º do Código Civil.

Presumindo-se a culpa nos termos do art.º 799.º do CC., e também por força do disposto no art.º 314º, n.º 2, do CVM, e, porque a norma do CC referida contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa, então, e quando na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente [caso em que a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade»] a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado, apenas logrando este último obstar à sua responsabilização se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa (Cfr. Menezes Cordeiro, in Direito Bancário, 5.ª Edição revista a actualizada, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 431 e segs.).

Face ao exposto, e porque a factualidade que resultou provada é elucidativa no que concerne à verificação de um facto voluntário do devedor/Banco Réu [pelo menos, na modalidade de comissão por omissão de um dever de informação, ou dolo omissivo do dever de elucidar] e cuja ilicitude resulta do não cumprimento do referido dever/obrigação de informação, a que acresce a culpa [pelo menos com base em presunção não ilidida], o dano [o não reembolso de capital investido em instrumento financeiro] e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, prima facie tudo aponta para a inevitabilidade da condenação do Réu no pagamento ao Autor de uma indemnização.

Importa ainda ter presente que o Banco Réu é responsável perante o Autor pelos “actos dos seus representantes legais ou pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados por si” – artigo 800º, n.º 1, do CC.

*

O Banco Réu invocou na sua contestação a excepção de prescrição e o tribunal recorrido remeteu para momento ulterior a sua apreciação.

Alegou que o Autor tem conhecimento da subscrição supostamente viciada assente na alegada errada informação que imputa ao banco Réu das Obrigações SLN RM 2004, pelo menos desde o mês seguinte ao da subscrição - altura em que recebeu vários extractos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos, discriminada e separadamente, em 2004, ou pelo menos desde 2015 – cfr. Facto provado 15. -.

Extrai daqui já ter decorrido o prazo prescricional de dois anos estipulado no artigo 324º, n.º 2, do CVM.

Nos termos do artigo 324º n.º 2 do CVM “Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”.


Ora, em face da factualidade provada é necessário verificar se os factos apurados integram dolo ou culpa grave, pois que em tal caso o prazo de prescrição a considerar é o ordinário, isto é, o de 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil.

Atentos os factos provados e o que vem de se dizer, pode pois concluir-se, se não por um dolo ao menos por uma culpa particularmente grave por parte do BPN é que o Autor foi determinado a investir naquele produto concreto.


Em rigor, tudo aponta para que [tal como o considerado no Ac. do STJ de 17-03-2016 já citado] tenha o Autor sido vítima de “
técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido”, e, consequentemente, não se justifica considerar in casu como aplicável o prazo curto de prescrição fixado no art.º 324.º, n.º 2 do CVM, mas antes o prazo geral de prescrição mais alargado de 20 anos, e ao qual alude o art.º 309.º do CC.

Termos em que se conclui pela improcedência da excepção peremptória da prescrição.

*

Aqui chegados, impõe-se ponderar agora sobre a procedência do pedido formulado pelo Autor.

O Autor pretende com esta acção a condenação do Réu a pagar-lhe o capital que liquida em 18-10-2021, e perfaz a quantia de 50.000,00€, bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento, e ainda a título de danos não patrimoniais a quantia de 2.000,00€.

Ficou provado em 19., 21. e 23.: o Autor não foi restituído do capital investido e foi reclamar o seu crédito no processo especial de revitalização da GALILEI SGPS – conforme doc. de fls. 22.

 “In casu, porém, e como vimos supra, a obrigação do Banco Réu, enquanto intermediário financeiro, apenas é concebida com fundamento em responsabilidade civil pré-contratual ou culpa in contrahendo (cfr. art.º 227.º do Código Civil), já que, estando em causa a violação de deveres de informação, e os quais têm por escopo, a título principal, apoiar os clientes para que possam eles tomar as decisões de investimento de forma esclarecida e informada, inquestionável é que o timing primordial do seu in/cumprimento é o momento anterior à tomada de decisão de investimento. Não é por acaso que o sistema protege aquele que dispõe de menos meios, ou menor capacidade para entender a informação fornecida, mas também aquele que disponha de menor informação para a tomada da decisão de contratar (Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos I, Conceito, Fontes, Formação, 2013, Reimpressão da 5ª edição, Lisboa, Almedina, p. 199).

Provado que ficou que o que motivou a autorização, por parte do Autor, à subscrição da aplicação na obrigação SLN, foi o facto de se tratar de um (…) investimento seguro, com capital garantido, pagamento de juros em percentagem superior ao que auferiria um depósito a prazo, (…), também não deve questionar-se a verificação do nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, sendo este último equivalente à perda do capital investido pelo Autor na subscrição de OBRIGAÇÕES SLN (…).

Completamente irrelevante e sem respaldo na factualidade provada, entender que ao BPN, na altura, não era exigível prever o colapso da SLN e com ele, o do próprio banco.

A fonte da obrigação de indemnizar não está na falta de exigência para si de previsão do colapso futuro do grupo.


Decorre do art.º 562º, do Código Civil, que o princípio básico da obrigação de indemnização obriga a que, quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento, se não fosse a lesão.


Por outro lado, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, certo é que o dever de indemnizar compreende, não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (cfr. art.ºs 563º e 564º, ambos do CC).


Ou seja, a indemnização devida abrange não só os danos emergentes como os lucros cessantes, representando os primeiros uma diminuição efectiva e actual do património e, os segundos, a frustração de um ganho.


Não se olvidando que, em sede de responsabilidade pré-contratual, não é a doutrina e a jurisprudência consensual quanto à questão de saber se a indemnização está limitada ao interesse contratual negativo ou, ao invés, se abrange o interesse contratual positivo, temos para nós que de controvérsia que
in casu não se justifica, porque, para todos os efeitos, o relacionamento entre Autor e Réu não se quedou pela fase pré-contratual e /ou meros contactos e negociações, antes culminou com a efectiva conclusão/subscrição pelo Autor de um concreto instrumento financeiro ou instrumento mobiliário.

Destarte, inclinamo-nos para que a indemnização deva abranger o interesse contratual positivo, ainda que o facto ilícito e atinente à violação de deveres de informação tenha tido lugar na fase da formação do contrato, maxime em momento em que era a informação omitida a decisiva para que tivesse o Autor tomado a decisão de investimento de forma esclarecida e informada.
De resto, mesmo em sede de ruptura ilícita de negociações, mas quando as negociações tenham atingido um desenvolvimento tal que justifique a confiança na celebração do negócio, tem a jurisprudência vindo a admitir que a indemnização possa/deva ser medida pelo interesse contratual positivo Cfr. Ac. do STJ de 28-04-2009, proferido no processo n.º 09A0457, Relator: Juiz Conselheiro AZEVEDO RAMOS).


Aqui chegados, e tendo o Autor ficado despojado do montante de 50 mil euros há-de o montante indemnizatório, no mínimo, corresponder ao referido valor, a título de dano emergente.


Já relativamente
aos lucros cessantes, sabe-se que ao Autor foram sendo semestralmente pagos juros da aplicação; estão juntos os “avisos de crédito” emitidos pelo BPN. Mas o Autor nada peticiona relativamente a esses eventuais danos.

Destarte, resta a atribuição ao Autor dos juros de mora sobre a quantia/capital de € 50.000,00, e devidos desde a data peticionada da interpelação  do Réu – artigo 805º, 1 do CC – vencidos e vincendos até integral pagamento, à taxa supletiva legal que for vigorando para as operações meramente civis.

O Autor pretende a condenação do Banco Réu em danos morais, no montante de 2 mil euros.

Não está provada factualidade relevante que possa ser considerada em tal pedido.

Improcede a acção nesta parte.

*

V-DECISÃO:

Pelo que fica exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar a Apelação parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida que vai substituída pela seguinte:

Condena-se o Banco Réu a pagar ao Autor a quantia de € 50.000,00 acrescida de juros moratórios, vencidos desde 21 de Outubro de 2021 – cfr. Fls 28 -, e vincendos, até integral pagamento, à taxa supletiva legal que for vigorando para as operações meramente civis.

No mais absolve-se o Banco Réu do peticionado.

Custas nas duas instâncias pelo Banco Réu em 19/20 e pelo Autor em 1/20. 

Valor da causa – € 52.000,00.

----

(1) – Do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades (RGICSF), importa relevam as seguintes disposições:

«- Artigo 73º

1 - As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência.

- Artigo 74º

Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.

- Artigo 76º

Os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direcção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores”.


                                                          -o-

Coimbra, 12 de Julho de 2023.

(Rui António Correia Moura)                                

(João Moreira do Carmo)

(Fonte Ramos)