Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1361/09.1TBVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: RECURSO
PROVA SUPLEMENTAR
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Data do Acordão: 03/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OURÉM 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 662 Nº2 B) CPC/2013, LEI 41/2013 DE 26/6
Sumário: Perante a inexistência de um regime transitório quanto aos recursos das decisões proferidas até 31.8.2013 nos processos instaurados depois de 01.01.2008 (art.ºs 5º, 6º e 7º da Lei n.º 41/2013, de 26.6, que aprovou o actual CPC), e dado que, em princípio [exceptuando-se, por exemplo, as regras de competência e sobre os graus de jurisdição], poderão ser aplicadas, a tais processos, as normas do CPC de 2013, [sem prejuízo da validade dos actos que, até àquela data, foram praticados em conformidade com a lei processual vigente à data da sua prática], a Relação poderá determinar a realização de diligência probatória suplementar, ao abrigo do disposto no art.º 662, n.º 2, alínea b), do referido Código, se estiver em causa o esclarecimento de facto essencial para o desfecho da lide.
Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. S (…), Lda., intentou a presente acção declarativa com processo sumário, contra I (…), Lda. (1ª Ré), I (…), S. A. (2ª Ré), S (…) (3º Réu) e J (…) (4º Réu), pedindo que sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 10 157,41, acrescida de juros vencidos à taxa comercial no montante de € 5 792,89 e de juros vincendos, até integral pagamento.

Alegou, em síntese: em 31.5.2002, a A. celebrou com a 1ª Ré um contrato pelo qual esta se comprometia a executar a contabilidade daquela; com a entrada em vigor do regime fiscal simplificado (em 2001), as empresas que tivessem rendimento inferior a € 149 639,37 seriam tributadas sob a égide deste regime, caso os seus respectivos TOC não fizessem declarar expressamente que determinada empresa com volume de negócios menor que o valor mencionado, optava por continuar no regime geral de tributação; a 1ª Ré, na pessoa dos 3º e 4º Réus, não fez tal declaração de opção pela continuação da A. no regime geral, provocando-lhe um prejuízo, pois, relativamente ao exercício de 2002, ao invés de ter de pagar às Finanças € 1 819,82, viu-se obrigada a pagar € 10 157,41, vencendo-se juros desde o pagamento das respectivas coimas no montante de € 5 792,89.

Os 2º, 3º e 4º Réus contestaram a acção dizendo serem partes ilegítimas, uma vez que não figuram como contraentes no denominado contrato de prestação de serviços de contabilidade e assessoria fiscal que a A. apresentou como fundamento da acção e, ainda, que o direito da A. poder reclamar uma indemnização já prescreveu e é falso o alegado na petição inicial (p. i.); aduziram, nomeadamente, que a 1ª Ré aconselhou as empresas que tinham sido “apanhadas” pela alteração legislativa, a reclamarem da situação tributária e também aconselhou a A. a apresentar a sua reclamação, sendo que os responsáveis da A. não quiseram reclamar; caso a final se entenda que os 3º e 4º Réus possam ter alguma responsabilidade, estes tinham, à data dos factos, um seguro de responsabilidade civil, na Companhia de Seguros (...) S. A., cuja intervenção provocada requereram.

Terminaram pedindo que seja declarada a ilegitimidade dos Réus contestantes; que seja declarada a prescrição do direito da A.; que, caso assim se não entenda, a acção seja julgada totalmente improcedente por não provada; que a A. e os seus legais representantes sejam condenados, solidariamente, a pagar a cada Réu contestante a quantia de € 1 500, a título de litigância de má fé, acrescida do pagamento de todas as despesas que os Réus sofrerem com a acção.

Foi admitida a intervenção principal da Companhia de Seguros (…) S. A, que, citada, contestou, alegando, em síntese, a incompetência territorial do tribunal e que o invocado contrato de seguro teve o seu termo a 27.3.2004; para que a limitação temporal seja eficazmente paralisada, os direitos devem ser judicialmente reclamados dentro do prazo de quatro anos, prazo que terminou em 28.3.2008; face à data da citação da interveniente e porque nunca os acontecimentos dos autos lhe foram comunicados, participados ou reclamados, esgotou-se o prazo de cobertura temporal da apólice em apreço; não sabe se alguma vez os 3º e 4º Réus foram considerados “segurados”. Concluiu pela sua absolvição do pedido.

Os Réus contestantes pronunciaram-se quanto à contestação apresentada pela Seguradora, mantendo o que haviam alegado.

Foi elaborado despacho saneador que julgou improcedente a excepção de incompetência do tribunal em razão do território, absolveu a 1ª Ré da instância por falta de personalidade judiciária, julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade da 2ª Ré e do 4º Réu e julgou procedentes as excepções de ilegitimidade do 3º Réu - que absolveu da instância - e de prescrição, absolvendo do pedido o 4º Réu e a chamada; seleccionou-se, sem reparo, a matéria de facto relevante.

Efectuado o julgamento, o tribunal recorrido, por sentença de 22.3.2013, julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré I (…), S. A. (2ª Ré)[1], a pagar à A. a quantia de € 7 801,16 (sete mil, oitocentos e um euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e de juros vincendos até integral pagamento, e julgou improcedente o pedido de condenação da A. como litigante de má fé.

Inconformada, a 2ª Ré, agora com a denominação social de M (…) S. A.[2], interpôs a presente apelação, formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:

(…)

A A. respondeu à alegação da recorrente, concluindo pela sua improcedência.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir as seguintes questões: a) nulidade da sentença; b) erro na apreciação da prova; c) decisão de mérito, tendo em atenção a eventual modificação da decisão de facto e os elementos juntos na sequência do despacho de fls. 531/ponto II.


*

II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

a) A A. é uma sociedade por quotas e dedica-se à actividade de construção civil. (A)

b) Da certidão de matrícula da firma I (…)Lda., constam as seguintes inscrições, no que aqui importa:

- Ap. 2/20061229 a cisão e alterações ao contrato de sociedade, sendo as entidades participantes as mencionadas no Dep. 14/2006-11-27;

- Dep. 14/2006-11-27, projecto de cisão, modalidade de cisão simples – transferência de parte do património para constituir nova sociedade, concretamente contando como sociedade participante a extinta I (…) Lda. (1ª Ré), e como sociedade participada a sociedade Ré I (…), S. A. (2ª Ré), passando o seu capital social de € 165 000 para apenas € 6 000, ou seja, transferindo para a sociedade I (…) S. A., o valor de € 159 000. (B)[3]

c) A 1ª Ré, como 1º outorgante, e A., como 2º outorgante, celebraram um acordo escrito, datado de 31.5.2002, denominado "Contrato de Prestação de Serviços de Contabilidade e Assessoria Fiscal", nos termos do qual:

- "O primeiro contratante compromete-se a executar a contabilidade do segundo, assumindo a correspondente responsabilidade técnica pelas áreas contabilística e fiscal ";[4]

- "O segundo contratante entregará até ao dia dez do mês seguinte a que respeitarem, ou no dia imediato à sua recepção, no caso de documentos cuja contestação ou prova sejam sujeitos a prazos, na sede do primeiro ou onde este indicar, todos os documentos de suporte contabilístico ou de natureza fiscal, conexos com a assunção da responsabilidade assumida pelo primeiro contraente”.

- “A falta de pagamento das contribuições ou impostos nos prazos estabelecidos na lei, é da exclusiva responsabilidade do segundo outorgante, desde que os documentos para o efeito elaborados lhe sejam entregues ou seja dado conhecimento até ao termo do prazo, dos respectivos montantes a pagar" (Cláusula Quarta) e que "estando elaborados os documentos declarativos e deles dado conhecimento ao segundo contraente, nos termos e condições previstas na cláusula quarta, no caso do segundo contraente não juntar os correspondentes meios de pagamento, serão os documentos enviados aos respectivos serviços, sendo aquele o único responsável pelo pagamento das coimas aplicáveis, bem como da responsabilidade criminal daí adveniente".[5]

- "O presente contrato inicia-se na data aposta na cláusula décima segunda (31.5.2002)[6] e é válido até ao dia 31 de Dezembro de 2002, renovando-se automaticamente por períodos de um ano a partir dessa data".

- "O valor acordado entre os contraentes é de 135 € (CENTO E TRINTA E CINCO EUROS) mensais, a que acresce o IVA à taxa em vigor se aplicável, sendo pago até ao dia dez do mês seguinte a que respeita”. (C)

d) A declaração de rendimentos da A. referente ao ano de 2002 foi entregue em 30.5.2003 no regime fiscal simplificado. (D)

e) No ano de 2002 o volume de negócios da A. não ultrapassou a quantia € 149 639,37. (1º)

f) A 1ª Ré apresentou duas declarações junto das Finanças, em nome da A., respeitantes ao período de tributação de 01.01.2002 a 31.12.2002, sendo uma entregue em papel, em 30.5.2003, em que foi feita a opção pelo regime geral de tributação, e outra entregue via internet, em 23.5.2003, em que foi feita a opção pelo regime simplificado de tributação, ambas caracterizadas como primeira declaração do exercício. (resposta ao art.º 3º)

g) Na sequência da opção pelo regime simplificado de tributação, a A. foi notificada pela Direcção-Geral dos Impostos para proceder ao pagamento da quantia global de € 8 801,16, relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) respeitante ao ano de 2002. (resposta ao art.º 4º)

h) Caso a 1ª Ré tivesse optado por apresentar a declaração de IRC da A. respeitante ao ano de 2002 no regime geral, a A. deveria pagar € 463,57 de imposto acrescido de derrama, num total de cerca de € 1 000. (resposta ao art.º 5º)

i) A 1ª Ré, na mesma altura, apresentou reclamação da situação tributária de algumas empresas suas clientes, nomeadamente as sociedades (…)., por não terem optado por outro regime de tributação. (9º)

j) As reclamações foram recebidas, e aceites, tendo as empresas beneficiado dessa reclamação. (10º)

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

a) Ao longo do arrazoado da alegação de recurso e respectivas “conclusões”, a Ré afirma, designadamente, que o Tribunal a quo não fundamentou a sentença, não procedeu a uma correcta interpretação dos elementos constantes dos autos e das normas aplicáveis e deixou de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, pelo que se verificam as causas de nulidade da sentença previstas nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art.º 688º, do Código de Processo Civil de 1961.

Preceitua o referido art.º (na redacção conferida pelo DL n.º 303/2007, de 24.8)[7] que “é nula a sentença quando: não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (b); os fundamentos estejam em oposição com a decisão (c); o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (d)”.

b) Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto Reis, é recorrente a afirmação de que o vício da mencionada alínea b) apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.[8]

No entanto, no actual quadro constitucional (art.º 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório[9].

c) No tocante à referida alínea c) o vício em causa verifica-se sempre que exista contradição dos fundamentos com a decisão, quanto os fundamentos de facto e de direito invocados conduzirem logicamente a resultado oposto ou diverso daquele que integra o respectivo segmento decisório.

Isso significa que os fundamentos de facto e de direito da sentença devem ser logicamente harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão e que tal se não verifica quando haja contradição entre esses fundamentos e a decisão nos quais assenta.

Contudo, uma coisa é a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão da sentença [vício na construção da sentença, vício lógico nessa peça processual], e outra, essencialmente diversa, o erro de interpretação dos factos ou do direito ou na aplicação deste [a errada valoração da prova produzida ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis/o erro de julgamento/a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário] que não raro se confunde com aquela contradição.[10]

d) E a previsão da mencionada alínea d) relaciona-se com o dispositivo do art.° 660°, n.° 2, do mesmo Código[11], e por ele se tem de integrar. A primeira modalidade (omissão de pronúncia) tem a limitação aí constante quanto às decisões que devam considerar-se prejudicadas pela solução dada a outras; a segunda (excesso de pronúncia) reporta-se àquelas questões de que o tribunal não pode conhecer oficiosamente e que não tenham sido suscitadas pelas partes, devendo a palavra “questões” ser tomada em sentido amplo: compreenderá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.

Contudo, é incorrecto inferir-se que a sentença deverá examinar toda a matéria controvertida, ainda que o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável – neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” (art.º 660º, n.º 2, do CPC).[12]

e) Perante o descrito enquadramento normativo e analisada a sentença sob censura, concluiu-se que a Mm.ª Juíza a quo indicou adequadamente os fundamentos de facto e de direito subjacentes à decisão proferida; a respectiva fundamentação conduz à solução encontrada para a problemática submetida à apreciação do Tribunal, ou seja, a conclusão decisória está logicamente encadeada com a respectiva motivação fáctico-jurídica desenvolvida pelo Tribunal recorrido; foram conhecidas as questões em discussão nos autos, decidindo-se em conformidade com a fundamentação tida por adequada.

Por conseguinte, não ocorrem os apontados vícios na sentença recorrida, os quais, como se sabe, não se confundem com eventuais falhas/erros da decisão de facto ou “erros de julgamento”.

3. a) A Ré/recorrente insurge-se, principalmente, contra a decisão sobre a matéria de facto no tocante à resposta (negativa) aos art.ºs 7º e 8º da b. i., pugnando por uma resposta afirmativa.

No entendimento da Ré, atendida tal impugnação e dado o devido relevo à resposta negativa ao art.º 6º da b. i. ou, de qualquer modo, face ao teor da resposta ao art.º 4º da mesma peça, a acção sempre deverá improceder.

Vistas as posições das partes e o desenvolvimento da acção, inclusive, na sequência da indagação determinada por esta Relação a fls. 532, importa verificar, e antolha-se decisivo para o desfecho da lide (e da apelação), se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto à factualidade dos art.ºs 7º e 8º da b. i..

Pergunta-se em tais art.ºs:

- I (…), Lda., aconselhou a Autora a reclamar da situação tributária? (7º)

- A Autora não quis apresentar reclamação? (8º)

Esta Relação procedeu à audição dos depoimentos produzidos em audiência de julgamento.

Considerados os depoimentos e a prova documental disponível, afigura-se, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que nada justifica a pretendida modificação da decisão de facto (art.º 712º, do CPC de 1961/art.º 662º, do CPC de 2013).

Ante o objecto da impugnação, vejamos o que se destaca dos depoimentos, tendo por referência a (adequada) fundamentação da decisão de facto em 1ª instância, complementada, agora, com alguns excertos (em itálico):

- Relativamente à resposta ao art.º 4º da b. i. – relacionado com a matéria ainda em discussão – a Mm.ª Juíza a quo deu especial relevância aos depoimentos de (…), “que o confirmaram”, sendo que, o segundo, funcionário das finanças em Santarém, procedeu ao exame da contabilidade da A. efectuada pela 1ª Ré e conclui que, não tendo sido feita a “opção”, “caíram no regime simplificado”, sendo do depoente a “informação” de fls. 42.

Esta testemunha disse também não saber qual foi a “solução apresentada” para resolver a situação mas que o legal representante da Inforegisto “assumiu o falhanço”…

- “Quanto ao facto 7º, apenas foram inquiridas (…) sendo que nenhuma das duas mereceu credibilidade.

Ambas trabalham para a ré e a explicação que avançaram para terem conhecimento dos factos que trouxeram ao Tribunal não se afigurou razoável.

Nenhuma delas referiu ter participado diretamente em reuniões com a autora, mas que tomaram conhecimento do teor das reuniões por se encontrarem próximas da porta da sala de reuniões; contudo não lograram explicitar por que razão recordam estas reuniões em concreto, atendendo a que teriam ocorrido há cerca de 10 anos, nem tão pouco como conseguiram ter uma perceção nítida do respetivo conteúdo [por exemplo, a testemunha (…)a chegou a dizer: “Sei porque há sempre aqueles rumores…”], já que estavam no exterior.

Assim, por falta de prova credível, entendeu o Tribunal dar como não provado o facto 7.º.”

- “O facto 8.º foi dado como não provado por ausência de prova, posto que as testemunhas inquiridas não souberam responder se a autora chegou ou não a apresentar alguma reclamação às Finanças e a legal representante da autora não evidenciou sequer saber em que consiste tal possibilidade.”

- Nenhuma censura merece a apreciação da prova testemunhal por parte do Tribunal recorrido.

Na verdade, como resulta, inclusive, da mera leitura da transcrição dos depoimentos incluída na alegação de recurso (correctamente efectuada), as duas últimas testemunhas prestaram depoimentos denotando contradições e discrepâncias [relativamente a outras empresas em situação semelhante à da A., já não souberam identificar/”precisar” quem esteve presente nas reuniões realizadas na empresa de contabilidade da Ré…/atente-se, por exemplo, na seguinte parte do depoimento: Advogado:”E estava mais alguém presente?” - Testemunha: “Não me lembro, não lhe sei dizer se estava ou não.” - Juíza: “Foi essa única a única vez que assistiu a conversas entre os seus patrões e a sócia gerente da Sansiquel, que se recorda?” - Testemunha: “Que me recorde; recordo porque…, sim, foi uma discussão.”] e falhos do necessário distanciamento em relação aos interesses em presença.

É assim por demais evidente que as referidas testemunhas não merecem o “crédito” invocado pela recorrente…

b) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efectivação do princípio da imediação[13], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, existem elementos suficientes que possibilitam aquilatar da credibilidade das testemunhas e da verosimilhança da perspectiva trazida a juízo pelas partes e que se pretendeu comprovar através dos respectivos meios de prova.

E sendo inequívoco que a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento foi, nalguns pontos, falha e/ou pouco consistente, importa outrossim referir, até em razão da exigência de prudência na apreciação da prova testemunhal[14], que a Mm.ª Juíza a quo não terá desconsiderado regras elementares desse procedimento, inexistindo elementos seguros que apontem ou indiciem que não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou, pela simples razão de que tal resultado não se antolha inverosímil e à sua obtenção não terão sido alheias as regras da experiência e as necessidades práticas da vida[15]

Improcede, pois, a dita impugnação de facto.

4. Relativamente à resposta negativa ao art.º 6º da b. i. [com a seguinte redacção: “I (…), Lda., não informou a autora do referido em 5º?”, perguntando-se no art.º 5º: “Quando se I (…) Lda., tivesse feito a declaração junto das Finanças que a autora optava por se manter no regime geral de tributação a autora pagaria apenas € 1 819,82?”], dir-se-á, apenas, que, sem prejuízo das regras do ónus da prova quanto à matéria objecto de litígio (cf., nomeadamente, os art.ºs 342º e 799º, n.º 1, do CC, e 516º, do CPC de 1961) – devidamente consideradas na fundamentação da sentença recorrida –, tal resposta equivale à não alegação do facto não provado (tudo se passa como se tal facto não tivesse sequer sido articulado)[16], a tal se devendo confinar a consequência a extrair do decidido.[17]

5. Resta considerar a questão ligada à matéria do art.º 4º da b. i., no qual se pergunta se em razão do referido nos três primeiros art.ºs da b. i. a A. liquidou determinada quantia nas Finanças.

Perante a inexistência de um regime transitório quanto aos recursos das decisões proferidas até 31.8.2013 nos processos instaurados depois de 01.01.2008 [cf., sobretudo, os art.ºs 5º, 6º e 7º da Lei n.º 41/2013, de 26.6, que aprovou o actual CPC], e dado que, em princípio (com a excepção, por exemplo, das regras de competência e sobre os graus de jurisdição), poderão ser aplicadas, a tais processos, as normas do CPC de 2013, sem prejuízo da validade dos actos que, até àquela data, foram praticados em conformidade com a lei processual vigente à data da sua prática, esta Relação [despacho do Relator, a fls. 531 verso e seguinte] - atendendo às posições expressas nos articulados, nas alegações de recurso e, também, em audiência de discussão e julgamento, e visando a resolução do litígio no respeito pela verdade material - determinou que se indagasse, junto da Fazenda Pública, se e quando a A. pagou o imposto/IRC que lhe foi liquidado relativamente ao exercício de 2002.

            Na verdade, tratava-se de um facto essencial e que podia ser esclarecido mediante a realização de diligência probatória suplementar[18], ao abrigo do disposto no art.º 662, n.º 2, alínea b), do CPC de 2013.

Em resposta àquela solicitação, a Autoridade Tributária e Aduaneira, através do Serviço de Finanças de Ourém, informou que o IRC em nome da empresa A., com referência ao exercício de 2002, foi pago, no montante de € 8 801,16 (fls. 536 a 539), ou seja, o valor atendido na sentença recorrida para determinar a indemnização devida.

Observado o contraditório, as partes nada disseram (fls. 541 e seguintes).

Por conseguinte, estão agora dissipadas quaisquer (eventuais) dúvidas decorrentes do teor da resposta ao art.º 4º da b. i. [cf. II. 1. g), supra] e que, em bom rigor, constituía o derradeiro argumento aduzido pela Ré/recorrente contra a sentença em análise.

Improcedendo a impugnação de facto e atenta a demais argumentação da alegação de recurso – sendo claro e evidente que, nesse circunstancialismo, na ausência de prova da inexistência de culpa, a Ré dever-se-á considerar culpada pelo incumprimento contratual, por presunção (art.º 799º, n.º 1, do CC), dos deveres emergentes do contrato de prestação de serviços de contabilidade e assessoria em apreço (designadamente, em matéria fiscal, em que lhe cumpria assegurar uma adequada e vantajosa relação da recorrida com o Fisco), com os efeitos (legais e contratuais) daí decorrentes, inclusive, a eventual obrigação de indemnização por danos derivados de tal incumprimento [cf., por exemplo, a “conclusão 11ª”/ponto I, supra - não se enjeitando, pois, a fundamentação da sentença sob censura, mormente ao aderir e reproduzir o entendimento expresso, em situação semelhante, no acórdão da RL de 30.11.2006-processo n.º 9189/2006-6, publicado no “site” da dgsi] –concluiu-se, necessariamente, pela insubsistência das restantes “conclusões” e consequente improcedência da apelação.

Ademais, sem quebra do respeito sempre devido, algumas destas “conclusões” da alegação [particularmente, as enunciadas em 14 e 15/ponto I, supra] em nada contribuem para a boa apreciação e decisão do recurso, antes repetem, ad nauseam (numa espécie de “alegação-circular”…), a invocação de pretensos vícios da sentença, manifestamente inexistentes.

Não foram obviamente violadas quaisquer disposições da lei ordinária ou da lei fundamental; o recurso é manifestamente improcedente.


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            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Ré/apelante.


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11.3.2014

Fonte Ramos ( Relator )

Inês Moura

Fernando Monteiro



[1] A parte injuntiva da sentença contém, pois, um lapso manifesto [cf., nomeadamente, o decidido no despacho saneador, o subsequente processado, a factualidade provada e fls. 402 e seguintes, a fundamentação de fls. 452 a 454 e o segmento decisório de fls. 461; art.º 249º, do Código Civil].
[2] Cf. o requerimento de fls. 478 e, designadamente, o documento de fls. 386 e a acta de fls. 402.
[3] Rectificou-se, atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos (cf. fls. 255 e seguintes).
[4] Rectificou-se a redacção face ao teor do documento de fls. 26 (“documento n.º 4”), junto com a p. i..
[5] Idem.
[6] Idem.
[7] Aplicável ao caso vertente, atenta a data da sentença – vide, neste sentido, A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 15.
[8] Veja-se o Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, reimpressão, Vol. V, pág. 140.
[9] Neste sentido, o acórdão do STJ de 02.3.2011-processo 161/05.2TBPRD.P1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[10] Vide, de entre vários, Antunes Varela, e Outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 671 e os acórdãos do STJ de 21.5.1998, 22.6.1999, 30.9.2004-processo 04B2894 e 06.7.2011-processo 7295/08.0TBBRG.G1.S1, in CJ-STJ, VI, 2, 95; BMJ 488º, 296 e “site” da dgsi, respectivamente.
[11] Preceitua-se no referido normativo: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
[12] Vide, de entre vários, A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, págs. 142 e seguinte e Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 670.

[13] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979 págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, págs. 266 e seguinte.
[14] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 277.
[15] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 192 e nota (1) e Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, 82.

[16] E fez-se constar da fundamentação da decisão de facto: “No que respeita ao facto 6.º, não foi produzida qualquer prova, não tendo as testemunhas inquiridas revelado ter conhecimento de tal matéria.”
[17] Vide, designadamente, J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Coimbra Editora, 2001, pág. 630 e, entre outros, o acórdão do STJ de 20.01.2005-processo 04B4502, publicado no “site” da dgsi.
[18] Vide, neste sentido, A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., págs. 231e seguintes.