Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
921/17.1T8FND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
COISAS
COMÉRCIO JURÍDICO
DOMÍNIO PÚBLICO
Data do Acordão: 02/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - FUNDÃO - JL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.202, 286, 1419 CC, 576, 581, 621 CPC
Sumário: 1. Embora a autoridade de caso julgado pressuponha uma não coincidência do objeto da ação, bastando que a questão decidida se renove no segundo em termos idênticos, não prescindirá nunca da identidade das partes, identidade esta definida pela sua qualidade jurídica.

2. A “incomercialidade” privada prevista no nº2 do art. 202º CC não invalida a possibilidade do uso privativo dos bens que integrem o domínio público.

3. Tendo as entidades administrativas encarregado o condomínio da manutenção de determinado espaço público, a fixação pelo condomínio de uma contrapartida a pagar pelos condóminos das lojas que sejam utilizadores de esplanada naquele espaço, não viola o disposto no art. 202º CC.

4. Encontrando-se a utilização do pátio interior do edifico para esplanada indissociavelmente ligada ao uso das lojas aí existentes, só podendo utilizar para esse efeito “o espaço privado contíguo à sua fachada, uma faixa de 1,5 m” (nº3 do art. 22º), não podendo ser utilizada senão pelo proprietário de uma dessas lojas ou por quem as ocupe com título válido, faz todo o sentido a associação de tal custo ao condómino proprietário da loja, tal como os demais custos relacionados com o uso dos espaços comuns.

Decisão Texto Integral:





Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

O Condomínio do Lote (…), intenta a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra J (…) e esposa, F (…)

pedindo:

A) a condenação dos Réus no pagamento do valor mensal devido pela utilização da área de esplanada que, de Dezembro de 2012 até Dezembro de 2017, perfaz a quantia de € 9.150,00, dos vincendos e respetivos juros até integral pagamento;

B) a condenação dos Réus no pagamento da multa de 10% sobre a quantia em dívida por cada mês completo de atraso ou falta que, até Dezembro de 2017, perfaz o valor de € 915,00, nas vincendas, bem como, nos juros legais, até efetivo e integral pagamento;

C) a condenação dos Réus no pagamento ao Autor do valor de € 250,00 a título de despesas de contencioso, nos termos deliberados em Assembleia de Condóminos.

Alegando, para tal e em síntese:

os Réus são proprietários da fração “BN”, loja, para serviços, comércio e restauração, na qual está instalado e em funcionamento um estabelecimento comercial de café-snack bar com esplanada e em utilização permanente, numa área correspondente a 12 m2 no P(...) ;

em Assembleia Geral Ordinária do Condomínio do Lote 4.45.01, ocorrida em Janeiro de 2012, foi aprovada, por maioria, a permanência, pelo prazo de um ano, das esplanadas em causa nos autos, sob a condição de pagamento de uma prestação mensal ou anual, de demais condições alegadas;

na dita Assembleia, foi discutido, definido e aprovado, por maioria, que o valor a cobrar aos lojistas com esplanadas, nos termos do previsto no número um do artigo 22º do regulamento do Condomínio, é o de € 250,00/m2 por ano, a liquidar mensalmente;

em ulterior assembleia de condóminos foi aprovado, por maioria, o pagamento ao condomínio de € 150,00 por ano e por metro quadrado, sempre que exista utilização de esplanada, com efeitos retroativos;

o autor reclama a quantia em dívida relativa à quotização devida pela utilização das esplanadas, nos termos do seguinte cálculo: utilização de 12m2 de esplanada a € 150,00/m2/ano, no período compreendido entre Dezembro de 2012 e Dezembro de 2017.

a tal valor, crescem outras penalidades devidas pelos atrasos e faltas de pagamento, bem como pelo contencioso.

Os réus contestam, alegando, em síntese:

o “ P... ”, embora administrado pela autora é espaço público, destinando-se à circulação das pessoas, sendo que por se tratar de um espaço muito amplo o condomínio promoveu nele a instalação gratuita de esplanadas;

os réus não aceitam pagar qualquer quantia monetária porquanto são apenas condóminos e não lojistas, tendo dado de arrendamento a sua fração autónoma;

a deliberação da Assembleia de condóminos referida nos pontos 4 e 5 da P.I. e as citadas disposições do Regulamento de Condomínio padecem de nulidade absoluta, por violação do título constitutivo da propriedade horizontal e dos arts. 286º, 294º e 1419º do CC.

Concluem pela improcedência da ação.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar improcedente a presente ação, absolvendo os réus do pedido.



Não se conformando com tal decisão, o autor dela interpõe recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula[1]:

(…)


*

Os réus apresentam contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
Dispensados os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º e 639º, do Novo Código de Processo –, as questões a decidir são as seguintes:
1.  Violação da autoridade de caso julgado
2. Nulidade da sentença por conhecer de questões que não podia conhecer
3. Nulidade dos arts. 22º e 23º do Regulamento do Condomínio e das deliberações subsequentes, por violação do artigo 202º
4. Se as mensalidades são da responsabilidade do condómino ou do arrendatário da fração.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
A. Matéria de Facto
São os seguintes, os factos dados como provados, na sentença recorrida, que aqui não foram objeto de qualquer impugnação:
1) O Autor é o Condomínio do Lote (…) composto de edifício de cinco blocos, com confrontações no (...) , Avª (...) , Avª (...) , Rua (...) e Rua (...) , em (...) , representado pela respetiva Administração.
2) Mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial de (...) a aquisição, por compra, da fração “BN”, composta de loja para serviços, comércio e restauração, aí descrita sob o n.º (...) , da Freguesia (...) (nos termos da certidão permanente patenteada nos autos a fls.10-v a fls.17, cujo conteúdo se dá por reproduzido).
3) Na qual está instalado e em funcionamento um estabelecimento comercial de café-snack bar.
4) Aos dezassete dias do mês de Janeiro do ano 2012, reuniu a Assembleia Geral Ordinária do Condomínio do Lote 4.45.01 e do ponto cinco da Ordem de Trabalhos da referida Assembleia constava:
Esplanadas instaladas junto aos estabelecimentos comerciais de restauração e bebidas no “Pateo (...) ” do lote 04.45.01:
a. Decisão sobre a respectiva permanência (renovação) ou retirada;
b. Definição das condições para continuação do funcionamento das esplanadas (caso o ponto anterior seja votado favoravelmente);
c. Definição da actuação relativamente aos condóminos / lojistas que violem as deliberações da Assembleia Geral respeitantes às condições que venham a ser impostas para funcionamento das esplanadas”, conforme Acta número Cinco – junta aos autos a fls.38-v e segs., cujo conteúdo se dá por reproduzido.
5) Posto à votação o ponto cinco foi aprovada, por maioria, a proposta apresentada pelo condómino da fracção “BV”, correspondente ao 2º C do edifício 3, com o seguinte teor: “Votar a permanência, pelo prazo de um ano, das esplanadas alegadamente autorizadas pela anterior Direcção da Cooperativa, nos termos, condições e com os limites previstos no artigo 22º do Regulamento do Condomínio, desde que, até dia 01 de Março de 2012, cumpram todos os requisitos, termos e condições previstos naquele artigo, com excepção da necessidade de entrega do projecto de arquitetura, e até à mesma data declarem que aceitam o valor e demais condições fixadas em Assembleia Geral para a prestação mensal ou anual estabelecida para aquele efeito. As restantes esplanadas (que não disponham de autorização) em funcionamento deverão, até à mesma data, apresentar o projecto de arquitectura previsto no artigo 22, ponto 1, do Regulamento do Condomínio, e cumprir os demais requisitos, termos e condições previstos no citado artigo do Regulamento do Condomínio, incluindo a aceitação do valor e demais condições fixadas em Assembleia Geral para a prestação mensal ou anual estabelecida para aquele efeito. Cumpridas estas exigências, será então autorizada a sua permanência, durante 1 ano, nos termos, condições e com os limites previstos no citado artigo.” (vide Doc. 2).
6) Dispõe o artigo 22º do Regulamento do Condomínio:
Artigo 22º - Esplanadas:
1-A utilização de esplanadas apenas será permitida no pátio interior do edifício, respeitando as boas práticas estéticas e condicionada à apresentação de um projecto de arquitectura, e está sujeita à autorização da Assembleia de Condóminos, renovável anualmente de forma não automática, e condicionada ao pagamento a favor do Condomínio de uma prestação mensal a determinar pela Assembleia e a actualizar anualmente.
2. O licenciamento de esplanadas será da exclusiva responsabilidade dos proprietários ou das entidades que detenham o uso das fracções “lojas”, encontrando-se o seu licenciamento e autorização sujeita ao respectivo processo administrativo.
3. As lojas poderão utilizar para esplanada no espaço privado contíguo à sua fachada, uma faixa de 1,5 metros, medida transversalmente a partir daquela.
4. As esplanadas apenas poderão funcionar das 09h00 às 20h00 nos dias úteis, e das 10h00 às 19h00 nos fins-de-semana e feriados, estando expressamente proibida a montagem e desmontagem das esplanadas fora destes horários.
5. É expressamente proibido o depósito de materiais da esplanada (cadeiras, chapéus, mesas, etc.) de arcas frigoríficas ou outros objectos nas áreas comuns do edifício fora do seu horário de funcionamento, devendo ser recolhidos diariamente.
6. Caso se verifique que da instalação da esplanada resulta prejuízo para algum condómino, quer a nível da utilização das partes comuns quer a nível da utilização da sua fracção, a Assembleia de Condóminos é soberana para deliberar a retirada da sua autorização de funcionamento.”
7) Dispõe o artigo 23º do Regulamento do Condomínio:
Artigo 23º - Conservação do pátio do edifício
Sem prejuízo do disposto neste Regulamento, o condómino a quem for autorizada a utilização de esplanada, no pátio interior do edifício, deve pagar uma prestação mensal ao Condomínio, a fixar anualmente pela Assembleia, bem como proceder à limpeza diária do espaço ocupado pela mesma.”, conforme Doc. 3 – junto aos autos a fls.47 a fls.60, cujo conteúdo se dá por reproduzido.
8) Nesta sequência, e na dita Assembleia, foi discutido, definido e aprovado, por maioria, que o valor a cobrar aos lojistas com esplanadas, nos termos do previsto no número um do artigo 22º do regulamento do Condomínio, é o de € 250,00/m2 por ano, a liquidar mensalmente, vide Doc. 2 e Doc 3.
9) Mais ficou deliberado, ainda na mesma Assembleia, que “quanto à definição da actuação relativamente aos condóminos /lojistas que violem as deliberações da Assembleia Geral respeitantes às condições que venham a ser impostas para funcionamento das esplanadas, foi solicitado à Administração do Condomínio que faça cumprir o Regulamento do Condomínio, aplicando as penalizações ali previstas.”(vide DOC. 2).
10) Aos vinte e dois dias do mês de Fevereiro de 2013, reuniu a Assembleia Geral Ordinária do Condomínio Autor, consistindo o ponto dois da Ordem de Trabalhos em: “Discutir e deliberar sobre o mandato à Administração do Condomínio para interpor acções judiciais contra os condóminos devedores e consequente débito de despesas e encargos (aos respectivos devedores) que seja forçada a despender neste processo”, conforme Ata número oito junta como Doc. 4, patenteada nos autos a fls.17-v a fls.21, cujo conteúdo se dá por reproduzido.
11) Mais ficou deliberado e aprovado, por maioria, mandatar a Administração do Condomínio para recorrer aos meios coercivos previstos na lei para fazer cumprir a deliberação e bem assim ficou aprovado, pela mesma maioria, que as custas e encargos que resultem destas diligências (de pré-contencioso e contencioso) deverão ser imputadas e suportadas pelos respetivos devedores, que no mínimo importam em 250,00 - vide Doc. 4.
12) No dia cinco de Fevereiro de 2014, reuniu a Assembleia Geral Ordinária do Condomínio Autor, consistindo o ponto dois da Ordem de Trabalhos em: “Discutir e deliberar sobre o mandato à Administração do condomínio para interpor ações judicias contra os condóminos devedores e consequente débito de despesas e encargos (aos respetivos devedores) que seja forçada a despender neste processo.” conforme Ata número Nove - junta como DOC. 5 – patenteada nos autos a fls.31 a fls.37, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
13) Foi renovado, nesta Assembleia, o mandato à Administração para cobrança coerciva das dívidas existentes ao condomínio e bem assim o valor de € 250,00 a imputar a cada devedor a título das despesas com o pré contencioso ou contencioso- vide Doc. 5.
14) Da Ordem de Trabalhos, da mesma Assembleia, constou no ponto sete: “Discutir e deliberar sobre as condições de utilização de esplanadas pelos lojistas, designadamente sobre quem deverá recair o pagamento relativo à utilização do espaço assim como os valores a cobrar” (vide Doc. 5).
15) Foi aprovado, por maioria, o pagamento ao condomínio de € 150,00 por ano e por metro quadrado, sempre que exista utilização de esplanada, com efeitos retroativos, tendo a administração ficado mandatada para recalcular os valores em dívida (incluídas no segundo ponto da ordem da trabalhos) das lojas com esplanada. Também a área das esplanadas objeto de imputação deste débito ficou de ser confirmada loja a loja. (vide Doc. 5).
16) Mais ficou deliberado que, depois de notificados com os valores corretos, os condóminos na situação descrita possuíam o prazo máximo de sessenta dias para efetuar a respetiva regularização, mantendo-se, no mais o deliberado- vide Doc.5.
17) Por carta de 22 de Maio de 2014, o Réu marido foi notificado para o pagamento das quantias calculadas nos sobreditos termos, já corrigidas nos termos da última deliberação, conforme DOC. 6 - junto aos autos a fls.21-v, cujo conteúdo se dá por reproduzido.
18) Dispõe o Regulamento do Condomínio - Artigo 42º - Atrasos e faltas de pagamento:
1. Constituem violação grave do regulamento do condomínio os atrasos e as faltas de pagamento.
2. Em caso de atraso ou falta de pagamento superior a 8 dias, o condómino devedor fica sujeito a pagar uma multa de 10% sobre a quantia em dívida por cada mês completo de atraso ou falta.
3. Os montantes da multa prevista no número anterior, em cada ano nunca poderão exceder a quarta parte do rendimento anual da fracção do infractor.
4. Sempre que o atraso ou falta for superior a 90 dias, o Condómino devedor será notificado, mediante carta registada com aviso de recepção, para proceder ao pagamento, no prazo de 8 dias, da totalidade das quantias em dívida, incluindo as multas previstas nos números anteriores. Expirado este prazo, deverá a Administração propor a correspondente acção judicial.
5. Serão suportadas pelo Condómino que deu causa à acção todas as despesas judiciais e extrajudiciais que a Administração faça para haver a quantia em dívida, incluindo honorários de advogado ou solicitador. Esta disposição aplica-se mesmo na hipótese de, verificando-se o pagamento antes da propositura da acção, não se tenha passado dos actos preliminares a esta.” (vide Doc. 3).
19) Nos termos do disposto nos números 1 e 2 do artigo 42º do Regulamento de Condomínio, o atraso ou falta de pagamento superior a 8 dias, faz incorrer o condómino devedor no pagamento de uma multa de 10% sobre a quantia em dívida por cada mês completo de atraso ou falta.
20) O Autor, antes de lançar mão da presente ação declarativa, em processo comum, para obter a condenação dos RR. no pagamento das quantias peticionadas, instaurou uma ação executiva que correu termos neste Tribunal e instância local cível, J1, sob o processo 13/15.8T8FND,
21) No qual, em sede de Embargos de Executado, veio a ser proferida sentença, segundo a qual, com exceção feita para algumas das quantias aí mencionadas, as que respeitam à ocupação de área de esplanada, penalidades e afins, foi entendido que a ata da assembleia de condomínio não constitui, quanto a essas, título executivo, conforme sentença patenteada nos autos a fls.64 a fls.72
22) No Alvará de Utilização n.º (...) /UT/2008, emitido pela Câmara Municipal de (...) , em nome de C (…), CRL, Lda., que titula a autorização de utilização do edifício a que se alude em 1), consta que: «devem ser constituídos os seguintes condicionamentos:
– No cumprimento do Projecto de Caracterização da Parcela 4.45 e conforme consta na Planta de Síntese do mesmo e na Ficha de Caracterização da Parcela, os espaços exteriores do edifício à cota 10.50 (N.G.P.) constituem domínio público – espaço público à superfície, perpétuo e permanente.
– A manutenção (plantas, rega e limpeza) desses espaços caberá ao futuro condomínio do edifício, por serem espaços realizados sobre edificação privada, com Projecto de Arranjos Exteriores apresentado e executado pelo promotor.
– Conforme procedimentos habituais para espaços de uso público, somente a iluminação exterior ficará ligada à Rede pública.
– (…) deverá ser constituída uma servidão de Passagem de peões, perpétua e permanente, entre o espaço público do pátio P... , a Norte, e o espaço público a Sul, até à face inferior da laje do 1º piso de habitação. Esta passagem integrada no edifício foi executada e deverá ser mantida pelo promotor ou futuro condomínio do edifício.» (nos termos do documento patenteado nos autos a fls.117-v a fls.118, cujo teor se dá por reproduzido.
23) Nos termos da escritura de retificação à escritura de constituição da propriedade horizontal relativa ao conjunto dos edifícios em apreço, escritura de retificação essa datada de 23 de Março de 2009, patenteada nos autos a fls.137 e seg., ficou expressamente consignado que «são condicionantes às partes comuns do prédio os espaços exteriores do edifício à cota 10.50, que constituem domínio público, espaço público à superfície, perpétuo e permanente. A manutenção (plantações, rega e limpeza) desses espaços caberá ao condomínio do edifício por serem espaços realizados sobre edificações privadas, espaços estes em que a iluminação fica ligada à rede pública. Entre o espaço público do pátio P... , a Norte e o espaço público a Sul, até à face inferior da laje do primeiro piso de habitação existe uma passagem de peões, perpétua e permanente, a qual está integrada no edifício e cuja manutenção é do condomínio
24) Este mesmo último parágrafo foi levado a registo, por força da apresentação (...) de 2009/03/24 – Alteração de Propriedade Horizontal.
25) No espaço exterior adjacente à fração a que se alude 2), está instalada e em utilização permanente, numa área correspondente a 12 m2, uma esplanada, que ocupa parte do designado “Páteo do P (...) ”.
26) A esplanada a que se alude em 25) vem sendo utilizada como tal, incluindo no período compreendido entre Dezembro de 2012 e Dezembro de 2017.
27) Os réus deram de arrendamento a fração autónoma a que se alude em 2) , tendo estado a mesma arrendada terceiros no período a que se alude em 26).
*

B. O Direito.

O Condomínio do Lote (…), do qual os réus são condóminos, na qualidade de proprietários da fração BN, loja para serviços, comércio e restauração, intenta a presente ação para cobrança da quantia de 9.150,00 €, pela utilização da esplanada, em conformidade com o aprovado em Assembleia Geral Ordinária de 17 de janeiro de 2012 e de 5 fevereiro de 2014, e os arts. 22º e 23º do Regulamento do Condomínio, mais 915,00 € de penalidades pelo atraso no pagamento e mais 250,00 € de despesas de contencioso.

Mais alega a autora, desde logo, que em anterior ação – Processo nº 609/14.5TVLSB – proposta por um condómino, também proprietário de loja com utilização de esplanada, contra o condomínio e demais condóminos, e em que se pediu a declaração de nulidade dos arts. 22º e 23º do Regulamento de condomínio, e das subsequentes deliberações dos dias 17-02-2012, 16-11-2012 e de 05-02-2014, ou caso assim se não entendesse, a anulabilidade das deliberações do dia 05-02-2014, ou a ineficácia das referidas deliberações de 17-02-2012, 16-11-2012 e de 05-02-2014, ação na qual foi proferida sentença a julgar improcedente a ação, absolvendo os réus dos pedidos.

Os réus contestam, negando a obrigação de pagamento de tais quantias, com os seguintes fundamentos:

- os réus apenas são condóminos e não lojistas, uma vez que deram de arrendamento a sua fração, não tendo assumido qualquer tipo de relação contratual com o autor para a utilização de tal esplanada;

- tratando-se da ocupação de um espaço público, embora administrado pela autora, esta pretende transformar parte de tal espaço no sentido de nela ser exercida uma atividade industrial ou comercial, pelo que as deliberações citadas pelo autor e as citadas disposições do Regulamento de condomínio referidas nos pontos 6e 28º da P.I. padecem de nulidade absoluta, por violação do título constitutivo da propriedade horizontal e dos arts. 286º, 294º e 1419º, CC.

 A sentença recorrida veio a julgar a ação improcedente, absolvendo os Réus do pedido, com base na seguinte fundamentação:

- enquanto espaço público, a utilização que lhe vem a ser dada pelo condomínio não viola as regras da propriedade horizontal;

- a prestação mensal prevista nos arts. 22º e 23º do Regulamento do condomínio, constitui uma espécie de custo associado à utilização das esplanadas e não um critério de repartição das despesas associadas à manutenção do espaço em si;

- tratando-se de um espaço do domínio publico, o Condomínio não pode regular ou gerir o seu uso, mas apenas tratar da sua manutenção, pelo que a as disposições respeitante à regulamentação/exploração da esplanada, encontram-se feridas de nulidade, por violação do disposto no artigo 202º, nº2 do CC.


*

1. Violação da autoridade do caso julgado.

Insurge-se a apelante contra o decidido, alegando que na ação por si identificada na P.I., foi decidido por sentença, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que a deliberação que aprovou as disposições dos arts. 22º e 23º do Regulamento de Condomínio e as subsequentes deliberações de 17-02-2012, 16-11-2012 e de 05-02-2014, não padecem de nulidade, declarando a eficácia de tais deliberações.

No entender da apelante, a decisão proferida em tal ação relativamente à nulidade, anulabilidade ou eficácia de tais deliberações, teria a força de autoridade de caso julgado, impedindo que tais questões fossem aqui apreciadas de novo.

Não podemos dar razão à apelante.

A 1ª ação foi proposta por um dos condóminos (N (…) Lda.), contra os demais condóminos, entre os quais se encontrariam os aqui réus,

alegando, em síntese:

o Condomínio (aqui autor) lhe estava a exigir determinada prestação mensal, pela ocupação do referido espaço público através da instalação no mesmo de uma explanada; os artigos 22º e 23º do Regulamento de Condomínio, que regulamenta a utilização de tais esplanadas, bem como as deliberações subsequentes, que as tivessem por fundamento, são ilegais:

a) quer por violação direta do artigo1429º-A, nº1 CC;

b) quer por se traduzir no exercício de poderes sobre a área apenas sujeita aos poderes públicos em violação de uma norma imperativa ínsita no art. 202º CC;

c) quer por limitar direitos dos condóminos a instalar esplanadas sem outras restrições que não as impostas pelos mesmos poderes públicos.

Conclui, pedindo:

a) a declaração de nulidade da deliberação que aprovou as disposições dos arts. 22º e 23º do Regulamento do Condomínio, aprovado em Assembleia de Condóminos de 14.12.2010, e as subsequentes deliberações tomadas ao abrigo das mesmas disposições dos dias 17.02.2012, 16.11.2012 e 05.02.2014;

b) caso assim se não entenda, a declaração de anulabilidade das deliberações tomadas ao abrigo das mesmas disposições no dia 05.02.2014;

c) caso assim se não entenda, seja declarada a ineficácia das deliberações tomadas ao abrigo das mesmas disposições do regulamento do condomínio no dia 17.02.2012, 16.11.2012 e 05.02.2014.

Em tal ação foi proferida sentença que, considerando que as disposições dos arts. 22º e 23º do Regulamento do Condomínio não violam o disposto nos artigos 202º CC e 1429º do CC,  e que procedendo a exceção de caducidade não poderia conhecer-se já da anulabilidade e ineficácia das deliberações de condomínio tomadas nas assembleias de 14.01.2010, 17.02.2012 e de 16.11.2012, não reconheceu os vícios invocados relativamente à deliberação tomada na assembleia de 05.02.2014, e julgando a ação improcedente, absolveu os réus do pedido.

Na presente ação, interposta, não pelos condóminos, mas pelo próprio condomínio, contra um dos condóminos relativamente ao qual pretende cobrar essa mesma mensalidade pelo uso da esplanada, Réus vêm os réus opor-se a tal pedido, invocando a nulidade dessas mesmas disposições por violação do título constitutivo da propriedade horizontal nos termos do artigo 1419ºCC – a autorização da praça para a instalação de esplanadas pressuporia a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.

A questão colocada pela apelante passa por determinar se a apreciação feita nessa 1ª ação relativamente às disposições dos artigos 22º e 23º do Regulamento do Condomínio, se imporá nos presentes autos, não podendo aqui ser reapreciada.
O instituto ou eficácia do caso julgado tem sido apreciado pela doutrina[2] sobre duas vertentes:
a) enquanto impedimento, proibição de que a mesma causa volte a ser apreciada pelo tribunal – aquilo a que se vem chamando de efeito negativo do caso julgado;
b) força ou autoridade de tal decisão, enquanto vinculação do tribunal à decisão proferida – efeito positivo do caso julgado.
A nossa jurisprudência tem vindo a associar esse efeito negativo, enquanto inadmissibilidade da segunda ação, à exceção de caso julgado[3], caso em que não prescinde da verificação de coincidência quanto aos três elementos – sujeitos, pedido e causa de pedir (artigo 581º, nº1, atual CPC) –, fazendo corresponder o efeito positivo, enquanto imposição da primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda, à autoridade ou força de caso julgado (e aqui a coincidência já não terá de ser perfeita)[4].
Já Castro Mendes[5], aos conceitos de eficácia direta/eficácia reflexa exceção/autoridade de caso julgado, prefere a seguinte distinção: a) efeitos do caso julgado quando a eadem quaestio inter esdem personas se suscite no processo ulterior como thema decidendum do mesmo processo[6]; b) efeitos do caso julgado quando a eadem quaestio inter esdem personas se suscite no processo ulterior como questão de outra índole, fundamental ou mesmo tão-somente instrumental.
Segundo aquele autor, uma vez que a autoridade do caso julgado, quando se não faz valer através da exceção, será necessariamente exercida em processos em que o objeto, o thema decidendum, não é o mesmo, não é exigível entre os dois processos identidade do objeto (pressupondo-se precisamente que a questão que num processo constituiu thema decidendum seja no outro questão de outra índole, maxime fundamental), sendo tão só necessário que a questão decidida se renove no segundo em termos idênticos.
Podemos, assim, assentar em que, enquanto a identidade das ações é um requisito ou pressuposto da exceção de caso julgado, já o não será do caso julgado no seu referido efeito positivo, enquanto autoridade de caso julgado.
No caso em apreço, é nítido que a força do caso julgado é invocada na sua vertente positiva – enquanto autoridade de caso julgado.
Pretende a autora a imposição nos presentes autos da solução atribuída na 1ª ação relativamente à nulidade, anulabilidade ou ineficácia da deliberação que aprovou os arts. 22 e 23º do Regulamento do condomínio e posteriores deliberações conexas com tais disposições, e que se tenha tais disposições como válidas.
Antes de mais, os sujeitos processuais não são os mesmos. Na 1ª ação tínhamos um condómino a quem fora pedido o pagamento de uma mensalidade pela ocupação da praça por uma esplanada e que propôs uma ação contra todos os demais condóminos, sustentando a ilegalidade de tal cobrança. Na presente ação temos o próprio condomínio – entidade juridicamente diversa da totalidade dos respetivos condóminos – a pretender cobrar essa mesma mensalidade de um outro condómino que não o autor da 1ª ação, condómino este que, embora tenha sido demandado na 1ª ação, foi-o em qualidade diversa (na 1ª, enquanto um dos vários condóminos do edifício constituído em propriedade horizontal, e nesta, enquanto proprietário de uma das frações a favor da qual se encontra a ser utilizada uma esplanada)[7].
Por outro lado, e uma vez que o pedido e o objeto do processo de cada uma das ações não é o mesmo – na 1ª ação pretende-se a declaração de nulidade, anulabilidade ou ineficácia de tais deliberações e na presente ação pretende-se a condenação de um dos condóminos no pagamento das prestações cuja obrigação derivaria dessas mesmas deliberações –, para que se pudesse falar em caso julgado seria necessário que a questão aí formulada a título principal fosse aqui renovada em termos idênticos.
E não é. Se na 1ª ação era peticionada a declaração de nulidade, anulabilidade ou ineficácia das deliberações em causa com fundamento na violação dos artigos 1429º e 202º, ambos do CC, e por limitar direitos dos condóminos que não impostas por poderes públicos, a nulidade de tais deliberações é invocada pelos réus a título de exceção com base num fundamento completamente distinto – por violação do disposto no artigo 1419º CC, por em seu entender, a legalidade da autorização do referido espaço público para esplanadas estaria dependente da alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.
A questão da nulidade/anulabilidade/ineficácia das deliberações em causa era tema decidendum na 1ª ação, sendo a questão da nulidade novamente questão fundamental a decidir, na presente ação, porque invocada como facto impeditivo por via de exceção por parte dos réus.
Contudo, um olhar mais atento revela não existir qualquer coincidência de questões jurídicas a apreciar numa e noutra ação. Ao contrário do que sustenta o Condomínio apelante, na 1ª ação não foi decidido que as invocadas deliberações eram válidas. Nem podia, porquanto tal pretensão não lhe foi formalmente peticionada por qualquer dos réus, uma vez que, embora alguns dos réus possam ter deduzido oposição ao requerido, nenhum deles formulou pedido reconvencional a requerer que o tribunal as declarasse válidas.
Nessa 1ª ação, o tribunal só decidiu que os fundamentos aí invocados pelo condómino “N(…)” não importavam a nulidade de qualquer uma das deliberações em causa. Quanto aos demais fundamentos invocados, considerou que não importam a anulabilidade ou ineficácia da deliberação tomada na assembleia de condomínio de 2014. Quanto às deliberações tomadas nas assembleias realizadas em 14.12.2010, 17.02.2012 e 16.11.2016, o tribunal, julgando procedente a caducidade dos invocados fundamentos de anulabilidade e de ineficácia, absteve-se de os conhecer.
É certo que na sentença proferida na 1ª ação, o juiz aprecia a pretensão do autor relativamente à nulidade, por violação do artigo 202º do CC, dos arts. 22º e 23º do Regulamento de Condomínio e as subsequentes deliberações da assembleia respeitantes à cobrança de uma prestação mensal pela manutenção de uma esplanada, questão esta que vem a ser retomada, oficiosamente, na sentença recorrida. Contudo, o simples facto de não haver identidade de sujeitos entre ambas as ações será suficiente para afastar o efeito da autoridade de caso julgado.
Como sustentam Antunes Varela, Miguel Mesquita e Sampaio Nora[8], a proclamação da eficácia relativa do caso julgado (quanto às pessoas), dá efetivamente, como resultado que a mesma relação jurídica pode ser julgada de um modo (válida, por ex.) em determinada ação e julgada de modo diferente (anulável) noutra ação, porquanto a primeira ação não obsta, por falta de identidade dos sujeitos, à proposição da segunda, em cuja apreciação e julgamento, o juiz é tão livre como na primeira.
Indefere-se assim, a pretensão do apelante no sentido de que nesta ação o tribunal se encontraria impedido de apreciar a (in)validade de tais cláusulas – poderá fazê-lo, na medida em que a questão da nulidade tenha sido suscitada pelos réus por via de exceção ou em que seja de conhecimento oficioso, o que nos remete para a segunda questão suscitada pelo apelante.


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2. Nulidade da sentença por conhecer questões que não lhe era permitido conhecer.

Segundo o apelante a decisão recorrida não pode manter-se por violar o disposto no artigo 615º, nº1, al. d), CPC: não constitui objeto do processo o conhecimento das invalidades das referidas deliberações de condomínio nem do regulamento do condomínio, por não integrarem nem a respetiva causa de pedir nem qualquer dos pedidos.

A apreciação da invocada nulidade pressupõe a análise das seguintes questões:

1. Quais os fundamentos dos réus para negarem a obrigação de pagamento das mensalidades relacionadas com a ocupação do espaço público com esplanadas:

- serem meros condóminos e não efetivos utilizadores de tal espaço publico (quem lá terá instalado a esplanada terão sido os arrendatários da sua fração);

- pressupondo uma alteração do destino, a autorização do uso de tal espaço público para esplanada estava dependente da alteração do titulo constitutivo da propriedade horizontal.

2. Qual ou quais os fundamentos jurídicos de que se socorreu a decisão recorrida para julgar a ação improcedente.

A sentença recorrida começa por analisar as disposições dos arts. 22º e 23º do Regulamento do Condomínio, afirmando delas resultar que a autorização da utilização de esplanada está dependente do pagamento de uma prestação mensal ao condomínio. Contudo, encontrando-se em causa um espaço público e entendendo que a referida mensalidade não corresponde a uma mera repartição dos custos associados à manutenção do espaço em si, consagrando antes uma espécie de custo associado à utilização das esplanadas, uma taxa, conclui pela nulidade das disposições que a preveem e regulamentam, por violação do disposto no artigo 202º, nº2, do CC.

Concordamos em que, a partir do momento em que reconhece que tal obrigação de pagamento resulta das disposições dos artigos 22 e 23º do RC e das deliberações tomadas em assembleia geral extraordinária, o tribunal só poderia recusar a pretensão do condomínio com base na procedência de alguma exceção invocada pelos réus ou de qualquer outra questão de conhecimento oficioso.

No caso em apreço, o tribunal afasta a aplicação de tais disposições do Regulamento e das deliberações do condomínio que as concretizam, com fundamento da nulidade das mesmas por violação do disposto no artigo 202, nº2 do CC, nulidade esta que não integrou nenhum dos fundamentos de oposição invocados pelos réus na sua contestação.

Ao recusar a aplicação de tais disposições com base na nulidade por violação do disposto no artigo 202º, nº2, o tribunal conheceu, de facto, para além do pedido ou das exceções invocadas pelo réu.

Contudo, a nulidade decorrente da violação do disposto no artigo 202º Código Civil (como, por regra, qualquer nulidade) não só é invocável a todo o tempo, como pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal (artigo 287º CC).

Assim sendo, podia o tribunal conhecer da nulidade de tais disposições, não se reconhecendo a invocada nulidade da sentença.


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3. Nulidade das disposições em apreço por violação do artigo 202º do CC

Sendo-lhe facultada a apreciação da validade das disposições e deliberações em causa, nomeadamente da sua eventual violação do disposto no artigo 202º do CC, passemos então à análise do mérito da questão.

Segundo o nº2 do artigo 202º do Código Civil, consideram-se “fora do comércio jurídico todas as coisas que não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insuspeitáveis de apropriação individual”.

A interpretação de tal norma para efeitos da sua aplicabilidade ao caso em apreço pressuposta a resposta prévia a duas questões, uma quanto ao conceito de coisa “fora do comércio jurídico”, e outra quanto à definição de coisa do domínio público.

O é que isso de estar “fora do comércio jurídico”?

Rui Pinto Duarte[9] sublinha que a palavra “comércio” é aqui usada no seu sentido jurídico e não no seu sentido vulgar.

Por sua vez, Pires de Lima[10] afirma que, abrangendo o conceito de “coisa”, contido no nº1, coisas que não podem ser objeto de direitos privados, a segunda parte do artigo tem pelo menos o mérito de esclarecer que sobre as coisas do domínio público não podem constituir-se direitos privados, tais como servidões ou posse, no sentido rigoroso que estas palavras comportam.

A comercialidade do domínio público é uma comercialidade pública, não sendo possível constituir direitos reais menores ou de garantia sobre bens dominiais. A tutela jurídica concedida às coisas públicas está essencialmente associada ao facto de estarem fora do comércio jurídico privado, ou seja, serem insuscetíveis de redução à propriedade particular, inalienáveis, imprescritíveis, impenhoráveis e não oneráveis pelos modos do direito privado[11].

Qualquer negócio jurídico que ofenda estes princípios será, pois nulo por impossibilidade do respetivo objeto, conforme diretiva resultante do artigo 280º do Código Civil[12].

Naturalmente, esta “incomercialidade” privada não invalida o aproveitamento pelos particulares dos bens dominiais.

Como salienta Rui Pinto Duarte, “o nº2 não pode ser entendido como excluindo a possibilidade de os particulares utilizarem o domínio público, nomeadamente de lhes ser atribuído um uso privativo de bens que o integrem. O que se pode discutir – e discute-se quanto a essa utilização é o titulo da mesma, nomeadamente o carater público ou privado desses direitos e a sua estrutura real ou obrigacional[13]”.

Para além do seu uso comum, a forma mais habitual do referido aproveitamento é mesmo a do respetivo uso privativo – consubstanciado num direito de aproveitamento ou utilização de um bem do domínio público concedido a pessoa determinada através de um contrato (concessão de uso privativo) ou ato administrativo (licença de uso privativo)[14].

Pelo Alvará de Utilização nº (...) /UT/2008, emitido pela CML, que titula a autorização de utilização do Edifício ficou definido que os espaços exteriores do edifico à cota 10.50 (N.G.P.) constituem domínio público – espaço público à superfície, perpétuo e permanente. Mais ficou aí determinado que a “manutenção (plantas, rega e limpeza) desses espaços caberá ao futuro condomínio do edifício, por serem espaços realizados sobre edificação privada, com projeto de arranjos exteriores, apresentada «o e executado pelo promotor (cfr. ponto 22 dos factos provados).

Por escritura de retificação à escritura de constituição da propriedade horizontal relativa ao conjunto dos edifícios em apreço, datada de 23 de março de 2009, ficou expressamente consignado que “são condicionantes às partes comuns do prédio os espaços exteriores do edifício à cota 10.50, que constituem domínio público, espaço público à superfície, perpétuo e permanente. A manutenção (plantação, regra e limpeza) desses espaços caberá ao condomínio do edifico por serem espaços realizados sobre edificações privadas, espaços estes em que a iluminação fica ligada à rede pública”.

A sentença recorrida considera que, não lhe competindo questionar a licitude da utilização daquele espaço como esplanada – quando muito levantaria questões de natureza administrativa, a serem endereçadas em primeira linha à Camara Municipal de (...) – e sendo embora lícita a imposição de um encargo sobre os condóminos que aí tem instalada uma explanada, enquanto atribuição dos respetivos custos de manutenção, a regulação e a exploração do uso das mesmas e nomeadamente a fixação pelo condomínio de um valor que constitui a contrapartida pelo uso da esplanada por um dos condóminos, violaria o disposto no artigo 202º.

Voltando novamente ao teor do artigo 202º, o mesmo só subtrai os bens públicos ao comércio jurídico privado, não impede que a entidade pública autorize a sua utilização por privados.

No caso em apreço, a Câmara Municipal de (...) limitou-se a determinar que constituindo domínio publico, a manutenção dos espaços exteriores do edifício à cota 10.50 ficava a cargo do condomínio.

E, se a manutenção (plantação, regas, limpeza) destes espaços fica a cargo do condomínio, não se vê como o condomínio poderá assegurar tal manutenção sem que regulamente o respetivo uso e a distribuição dos custos de tal manutenção.

Todas as deliberações em apreço respeitam ao encargo atribuído pela CML ao condomínio, de manutenção desse espaço – sendo que, como foi feito constar expressamente do art. 22º do Regulamento do Condomínio, o licenciamento de cada uma das esplanadas é da competência das entidades administrativas.

Ou seja, poderemos afirmar que, o facto de tal pátio, sendo embora um espaço do domínio público, se situar no interior de um edifício constituído em propriedade horizontal, e o facto de a CML ter atribuído a sua manutenção ao respetivo condomínio, levará a que a instalação e funcionamento de esplanadas em tal espaço se encontre sujeita a dois tipos de limitações:

- em primeiro lugar, às limitações impostas pelas autoridades administrativas e pelo Regulamento Municipal de ocupação do espaço público em vigor;

- às quais acrescerão as limitações decorrentes de se situarem dentro do espaço físico do condomínio, responsável pela sua manutenção, encontrando-se nesta parte necessariamente sujeitas ao Regulamento do Condomínio.

Ainda que, de acordo com a regulamentação camarária, só esta pudesse proceder à cobrança de uma contrapartida pela esplanada – questão que não foi colocada nos autos e teria de o ser junto da CML, não se vê de que modo o facto de condomínio fazer depender a utilização de uma esplanada – cujo licenciamento e autorização se encontra sujeito ao respetivo processo administrativo (como consta expressamente do ponto 2. do artigo 22º do Regulamento) – do pagamento de determinado valor ao condomínio (desconhece-se se para ajudar a custear as despesas de manutenção ou se como meio de restringir o número de esplanadas existentes), possa violar o disposto no artigo 202º, quando este só proíbe, de facto, que os bens do domínio público sejam alienados, adquiridos por usucapião penhorados ou de algum modo onerados pelos modos do direito privado.

A regulamentação constante dos arts. 22º e 23º, atinentes ao modo de funcionamento das esplanadas, horário de funcionamento, área que possam ocupar e contrapartida a pagar, não implica qualquer alienação ou oneração daquele espaço público por algum modo de direito privado: a autorização de funcionamento de cada uma das esplanadas que os condóminos pretendam aí instalar, é dada pelas entidades administrativas competentes. O condomínio por sua vez, encontrando-se encarregado da manutenção do espaço público onde as mesmas se encontram instaladas, terá necessariamente que fazer refletir sobre os condóminos/ocupantes de tais esplanadas os custos inerentes a tal ocupação.

Será de revogar, nesta parte a sentença recorrida, não se reconhecendo que as deliberações em causa se encontrem feridas de tal nulidade.


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Em sede de meras contra-alegações, vêm os Réus – sem que formulem qualquer pretensão relativamente ao objeto do recurso, nomeadamente relativamente a algum dos fundamentos em que decaiu –, reiterar a nulidade da deliberação da Assembleia de Condóminos referida nos pontos 4 e 5 da P.I. e das disposições contidas no Regulamento de Condomínio contidas nos pontos 6 a 28 da P.I., por violação do título constitutivo da propriedade horizontal, nos termos dos arts. 286º, 294º e 1419º, do CC – para que no pátio fossem instaladas esplanadas, seria necessário alterar o título constitutivo da propriedade horizontal, o que só pode ocorrer por acordo unanime de todos os condóminos.

O tribunal recorrido apreciando tal questão, que havia sido suscitada pelos réus por via de exceção, e considerando tratar-se de um espaço público e negando a sujeição do mesmo ao estatuto modelador da propriedade horizontal, não reconheceu a invocada nulidade de tais deliberações e disposições do Regulamento do Condomínio.

Tendo a ação vindo a ser julgada improcedente com um outro fundamento – na nulidade de tais deliberações e disposições do Regulamento por violação do disposto no artigo 202º do CC –, tendo sido interposto recurso da sentença por parte do Condomínio, os Réus poderiam ter requerido a ampliação do objeto[15] do recurso para o caso de o tribunal vir dar razão à Apelante (artigo 636º, nº1, CC).

Na ausência de formulação de qualquer pretensão a tal respeito[16], a apreciação feita na sentença recorrida transitou em julgado, não podendo ser objeto de apreciação por parte deste tribunal.


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4. Se o encargo deverá ser suportado pelo condómino ou pelo arrendatário que explora o estabelecimento instalado na fração

Na contestação apresentada pelos réus, estes afirmam não se oporiam a que o condomínio ajuste com os utilizadores das esplanadas os termos e condições de tal utilização, na base do utilizador/pagador, defendendo que tal encargo não poderá recair sobre si por serem meros condóminos – não são lojistas nem ocupam qualquer espaço para esplanada, nem assumiram com o condomínio qualquer tipo de relação contratual relativamente a tal espaço – tendo arrendado a sua fração a terceiros.

É atualmente pacífico que a obrigação de contribuir para as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum é uma obrigação real (ou propter rem), recai sobre o proprietário da fração e não sobre o seu ocupante (que o ocupe ao abrigo de qualquer relação obrigacional, a título de arrendamento, comodato, etc.)[17].

A questão que aqui se poderá colocar é se tal raciocínio será igualmente aplicável à situação em apreço, que apresenta como particularidade o facto de a prestação mensal em causa constituir a contrapartida pela utilização de um espaço que não faz parte da respetiva fração nem sequer dos espaços comuns do edifício – o espaço a ocupar pela esplanada é espaço público e ao licenciamento de uma esplanada em espaço público encontra-se normalmente associada uma taxa de utilização, a pagar pelo titular da exploração do estabelecimento.

Contudo, afigura-se que tal particularidade não é suficiente relevante para fazer deslocar o custo de tal despesa do lojista para aquele que explora o estabelecimento comercial instalado na fração.

No caso em apreço, apesar de se encontrar em causa a utilização de um espaço do domínio publico, por se tratar de um espaço realizado sobre edificação privada, a manutenção (plantas, regas, limpeza) do mesmo foi pelo Município confiada ao Condomínio aqui autor, encontrando-se a utilização e manutenção de tais espaços igualmente sujeita ao Regulamento do Condomínio.

E se é o condomínio o responsável pela sua manutenção, este terá de regulamentar a distribuição dos respetivos custos, afigurando-se-nos razoável a sua adequação ao critério do utilizador/pagador.

O Regulamento do Condomínio, no Capitulo IV, respeitante aos “Espaços Comerciais”, contém dois artigos em que regulamenta a utilização das ditas esplanadas, sendo que, do teor do artigo 22º, é de concluir que a possibilidade de utilização de um espaço no pátio interior do edifício se encontra indissociavelmente ligada a cada uma das lojas aí existentes:

As lojas poderão utilizar para esplanada no espaço privado contíguo à sua fachada, uma faixa de 1,5 metros, medida transversalmente a partir daquela”.

E, por sua vez, dispõe-se no artigo 23º que a contrapartida mensal pelo uso da esplanada fique a cargo do condómino proprietário da fração:

O condómino a quem for autorizada a utilização da esplanada, no pátio interior do edifício, deve pagar uma prestação mensal ao Condomínio, a fixar anualmente pela Assembleia”.

Segundo o artigo 23º do Regulamento do Condomínio em vigor, a obrigação de pagamento relativo à utilização do espaço de esplanada recai sobre proprietário da loja a que respeita (obrigação que foi confirmada por deliberação da Assembleia Geral de 5 de fevereiro de 2014, na qual a fração dos aqui réus se encontrava representada).

E, encontrando-se a utilização do pátio interior do edifico para esplanada indissociavelmente ligada ao uso das lojas aí existentes, só podendo utilizar para esse efeito “o espaço privado contíguo à sua fachada, uma faixa de 1,5 m” (nº3 do art. 22º), não podendo ser utilizada senão pelo proprietário de uma dessas lojas ou que em ocupe com titulo válido, faz todo o sentido a associação de tal custo ao condómino proprietário da loja, como modo de contribuir para os custos de manutenção de tal espaço, tal como o artigo 1424º, nº1, CC, prevê relativamente ao uso dos espaços comuns.

E, assim sendo, serão os réus responsáveis pelas prestações mensais em atraso (sem prejuízo da faculdade de fazerem refletir tal custo sobre as quantias por si peticionadas junto do respetivo arrendatário), e igualmente responsáveis pelo pagamento das demais quantias peticionadas a título de penalidades e de despesas de contencioso.

A apelação é de proceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, e revogando-se a decisão recorrida, julga-se a ação procedente, condenando os Réus:

 A) no pagamento do valor mensal devido pela utilização da área de esplanada que, de Dezembro de 2012 até Dezembro de 2017, perfaz a quantia de € 9.150,00, dos vincendos e respetivos juros até integral pagamento;

B) no pagamento da multa de 10% sobre a quantia em dívida por cada mês completo de atraso ou falta que, até Dezembro de 2017, perfaz o valor de € 915,00, nas vincendas, bem como, nos juros legais, até efetivo e integral pagamento;

C) no pagamento ao Autor do valor de € 250,00 a título de despesas de contencioso, nos termos deliberados em Assembleia de Condóminos.

Custas a suportar pelos apelados, na ação e na Apelação.

Coimbra, 26 de fevereiro de 2019

 

V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC

1. Embora a autoridade de caso julgado pressuponha uma não coincidência do objeto da ação, bastando que a questão decidida se renove no segundo em termos idênticos, não prescindirá nunca da identidade das partes, identidade esta definida pela sua qualidade jurídica.

2. A “incomercialidade” privada prevista no nº2 do art. 202º CC não invalida a possibilidade do uso privativo dos bens que integrem o domínio público.

3. Tendo as entidades administrativas encarregado o condomínio da manutenção de determinado espaço público, a fixação pelo condomínio de uma contrapartida a pagar pelos condóminos das lojas que sejam utilizadores de esplanada naquele espaço, não viola o disposto no art. 202º CC.

4. Encontrando-se a utilização do pátio interior do edifico para esplanada indissociavelmente ligada ao uso das lojas aí existentes, só podendo utilizar para esse efeito “o espaço privado contíguo à sua fachada, uma faixa de 1,5 m” (nº3 do art. 22º), não podendo ser utilizada senão pelo proprietário de uma dessas lojas ou por quem as ocupe com título válido, faz todo o sentido a associação de tal custo ao condómino proprietário da loja, tal como os demais custos relacionados com o uso dos espaços comuns.

Maria João Areias ( Relatora

Alberto Ruço

Vítor Amaral


[1] Face ao nítido incumprimento do dever de nelas se sintetizarem os fundamentos do recurso (artigo 639º, nº1, CPC).
[2] Neste sentido, entre outros, João de Castro Mendes, “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, Ed. Ática, pp. 38 e 39, José Alberto do Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. III, 4ª ed., Coimbra Editora 1985, Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, Lisboa 1997, p. 572.
[3] Segundo Manuel Domingues de Andrade, o que a lei quer significar com a identificação do objeto da ação através do pedido e da causa de pedir, “é que uma sentença pode servir como fundamento da exceção de caso julgado quando o objeto da nova ação, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova ação do mesmo direito (…) que já lhe foi negado por sentença noutro processo – identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objeto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo)” – “Noções Elementares de Processo Civil”, Reimpressão, Coimbra Editora 1993, pág. 320.
[4] Fazendo coincidir as referidas funções positiva e negativa com a distinção entre autoridade e exceção de caso julgado, afirma Rodrigues Bastos: “Enquanto que a autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a exceção destina-se a impedir uma nova decisão, inútil, com ofensa do princípio da economia processual – “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, Lisboa 1972, págs. 60 e 61.
[5] Obra citada, pág. 42 e 43.
[6] Não sendo possível uma nova ação sobre a mesma questão, e no caso da questio judicata vir a ser objeto de novo processo, o respeito pela res judicata seria assegurado, a título preventivo, pela exceção de caso julgado, e a título repressivo, pela circunstância de a nova decisão ser ferida de inexequibilidade (art. 675º) – cfr., Castro Mendes, obra citada, págs. 44 a 49.
[7][7] O caso julgado vale apenas com relação às respetivas partes, tomadas estas não no sentido da sua identidade física, mas da sua qualidade jurídica – neste sentido, Manuel Domingues Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Reimpressão, Coimbra Editora – 1993, pp. 309-310.
[8] Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora – 1985, p. 709-710.
[9] “Código Civil Anotado”, Volume I, 2017, Almedina, Coord. Ana Prata, p. 248.
[10] “Das Coisas”, Lisboa 1860, Separata do BMJ nº92, Dezembro 1959, p.7.
[11] Marcelo Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, Tomo II, 9ª ed., Coimbra Editora, 1972, p.867.
[12] Pedro Nuno Rodrigues, “As propostas não solicitadas e o regime da contratação pública: reflexões a pretexto dos procedimentos de atribuição de usos privativos de recursos hídricos por iniciativa particular”, p. 59, in Revista de Direito Público e Regulação, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, disponível na Net - http://www.contratacaopublica.com.pt/xms/files/Bibliografia/Rev._DP_Regulacao_3_PNR.pdf.
[13] Obra citada, p. 248.
[14] Pedro Nuno Rodrigues, artigo citado, p. 60.
[15] A ampliação do objeto do recurso pressupõe que não foi acolhido um fundamento (ou fundamentos) invocado pela parte para sustentar a decisão que, apesar disso, lhe foi favorável – cfr., António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2016 – 3ª ed., Almedina, p. 84, nota 146.
[16] A parte vencedora tem o ónus de suscitar as questões de facto ou de direito que foram resolvidas a seu favor desfavor na decisão recorrida, tendo o recorrente, por seu lado, a possibilidade de exercer o contraditório, nos termos do art. 683º, nº8 – António Abrantes Geraldes, obra citada, p. 103.
[17] Neste sentido, Rui Pinto Duarte, “Código Civil Anotado”, Coord. Ana Prata, Vol. II, 2017, Almedina, p. 262; sobre a distinção entre ónus reais e obrigações propter rem, cfr., ainda Manuel Henrique Mesquita, “Obrigações Reais e ónus Reais”, Coleção Teses, Almedina, p. 420.