Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
187/10.4T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: DANO
PRIVAÇÃO DO USO
COMBOIO
CUSTO DE INVESTIMENTO
AQUISIÇÃO
Data do Acordão: 09/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO – GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.566º Nº 3 DO CC
Sumário: 1 – A privação do uso duma coisa – dum automóvel, dum comboio, dum imóvel – inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui uma perda que não pode deixar de ser considerada e indemnizada, ainda que a faculdade/direito à reconstituição natural da situação não for ou não poder ser utilizada, tudo se circunscrevendo à detecção do método mais adequado para a quantificação da indemnização compensatória e impondo-se o recurso à equidade na falta ou insuficiência de elementos objectivos.

2 – Será o caso – uso da equidade – quando se está perante a quantificação do custo do aluguer dum equipamento como um Alfa Pendular, situação em que o recurso ao custo do investimento (durante o tempo da imobilização) com a aquisição duma unidade Alfa Pendular excedentária é um bom critério/ponto de referência para a fixação equitativa do dano de privação do uso de tal Alfa Pendular.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

Comboios de Portugal, EPE, com sede na Calçada do Duque, n.º 20, em Lisboa, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra a A..., S. A., com sede na Rua (...), em Lisboa, e contra B..., S. A., com sede em (...) Espanha, pedindo que as rés sejam solidariamente condenadas a pagar-lhe a quantia de € 216.818,25, acrescida de juros de mora devidos, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que, no dia 28.12.2006, o comboio (Alfa Pendular) n.º 132, de sua propriedade, embateu num “obstáculo” que lhe surgiu na linha do norte, na zona de Cacia, Aveiro, “obstáculo” que veio a ser identificado como sendo um tampão de choque que havia caído de um vagão do comboio de mercadorias n.º 64132, composto pelas locomotivas n°s 2551 e 2556, de sua propriedade, e por 21 vagões vazios, propriedade da ré B... e alugados à ré A...; o que – queda do tampão de choque – aconteceu pelo mau estado de conservação do vagão de que caiu; resultando de tal embate diversos prejuízos, cujo ressarcimento peticiona.

As rés contestaram autonomamente.

A ré A..., invocando a incompetência territorial do Tribunal, e por impugnação, alegando desconhecer a generalidade da factualidade alegada pela autora, refutando a responsabilidade civil que lhe é imputada.

Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Requereu ainda a intervenção acessória provocada da C... Companhia de Seguros, S.A., para quem transferiu a responsabilidade civil emergente dos riscos da sua actividade.

A ré B..., invocando a excepção de prescrição, por ter sido citada quando haviam decorrido mais de três anos sobre a data do acidente que originou os prejuízos que a autora pretende ver ressarcidos; e impugnando a essencialidade dos factos alegados pela autora, por os desconhecer, refutando a responsabilidade que lhe é imputada, acrescentando que o vagão 83 71 9305016-3 foi objecto de várias acções de manutenção e de revisão de todos os seus componentes, quer antes da entrega à A..., quer posteriormente, nas datas previstas com vista a obter a competente e necessária autorização do Instituto Nacional do Transporte Ferroviário (INTF) para poder circular na rede ferroviária nacional, e que a peça (tampão de choque) só pode ter-se soltado do seu encaixe em virtude de má utilização do vagão, em manobras ou em circulação, que originasse a quebra do anel de segurança do tampão.

Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido

Replicou a autora, pronunciando-se sobre as excepções invocadas pelas rés e pugnando pela sua improcedência.

Admitida a intervenção acessória provocada, veio a C... – Companhia de Seguros, S.A. apresentar a sua contestação, alegando ignorar por completo a factualidade atinente ao acidente e sustentando, em resumo, que não é a ré A... responsável por qualquer dos danos alegadamente sofridos pela Autora, quer a título de responsabilidade civil extracontratual, quer a qualquer outro título, inexistindo por isso qualquer obrigação de indemnizar da sua parte.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de incompetência territorial e se relegou para a sentença a apreciação da excepção de prescrição; tendo-se em tudo o mais julgado a instância regular, estado em que se mantém.

Foi organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, instruído o processo e realizada a audiência, após o que a Exma. Juíza de Circulo proferiu sentença, concluindo a sua decisão do seguinte modo:

“ (…)

A) – Julga-se a acção improcedente, por não provada, quanto à ré “ A..., S. A.”, absolvendo-a do pedido;

B) – Julga-se a acção procedente, por provada, quanto à ré “ B..., S. A.” e, em consequência, condena-se a pagar à autora a quantia global de 216.818,25 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. (…)”

Inconformada com tal decisão, interpôs a R. B... recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que não a condene no montante indemnizatório de € 91.830,32 pela imobilização do Alfa “pelo facto desse quantitativo não corresponder ao dano emergente do acidente dos autos, que não foi alegado nem provado” (…) Quanto assim se não entenda deve o eventual dano, que a A. não alegou nem provou, ser julgado e quantificado em decisão ulterior, para ela se remetendo o respectivo julgamento e fixação. Quando ainda assim se não entenda, deve o referido montante ser reduzido, nos termos expostos, pelo menos, na quantia de 30.240,00€ correspondente ao valor, calculado segundo o mesmo critério, correspondente a 288 horas em que o Alfa sinistrado sempre estaria inactivo, dentro do período de 872 horas, por determinação da A. e por conveniência de serviço.”

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Restrito o objecto do presente recurso à indemnização arbitrada pelo Tribunal pela imobilização do Alfa n°. 132, para reparação das avarias sofridas no acidente dos autos, a aqui Recorrente começa por afirmar que o montante de 91.830, 32€, no qual foi condenada, além de ilegal, é manifestamente injusto para ela e locuplatórico para a A.

2. Este montante correspondente, sem tirar nem pôr, ao custo do investimento com aquisição de uma unidade Alfa Pendular excedentária indispensável para permitir a optimização da exploração do respectivo serviço público, não constitui um dano emergente do acidente dos autos, nem corresponde ao hipotético prejuízo sofrido pela A. com o sinistro.

3. O que consta da conclusão anterior é também a conclusão a que chegou o Tribunal (ver resposta ao quesito 28), a própria A. (ver itens 39 a 47 da petição Inicial) e as suas testemunhas, nomeadamente a testemunha citada supra. (Ver transcrições citadas na fundamentação deste recurso).

4. Na verdade a A. não alegou nem provou a existência de um dano que lhe tenha advindo da imobilização do Alfa 123; o que alegou foi um custo do investimento que ela tem de suportar permanentemente (quer haja acidentes quer não) para possuir um comboio Alfa excedentário, necessário para garantir a actividade normal da exploração ferroviária.

5. Tratando-se de um custo de investimento e não de um dano resultante do acidente dos autos ele não é indemnizável e muito menos, pela ora Recorrente. Pelo que, quanto a este pormenor, a Recorrente nada tendo a pagar à A., devia, por isso, ter sido absolvido de tal pedido.

6. Não faz realmente sentido e até grita à sensibilidade das pessoas que a Recorrente, mesmo que responsável pelo acidente, seja ou possa ser condenada a indemnizar a A. por um valor correspondente a um custo de investimento necessário à exploração da sua actividade mercantil, quando esse custo permanente e necessário nada tem a ver com o acidente dos autos.

7. Na verdade esse custo sempre constituirá encargo da A., quer os seus comboios tenham, ou não, acidentes, pelo que também inexiste qualquer relação de causalidade entre tal valor e o sinistro.

8. Mas ainda que assim não fosse, sempre a quantificação do montante arbitrado pelo Tribunal a tal titulo, nos parece ilegal e incorrecta, porquanto toma em conta as 872 horas que o Alfa esteve a reparar, como se de horas de produção real de proveitos do referido comboio, se tratasse, quando, toda a gente sabe, que, diariamente e, por decisão da A., o serviço de comboios Alfa paralisa a sua actividade lucrativa entre a meia noite e as oito horas da manhã de cada dia.

9. Pelo que, a admitir-se como legal tal indemnização, ela deveria ser reduzida, pelo menos, no montante de 30.240,00€ correspondente a 288 horas em que o referido comboio, dentro do período total de reparação (872 horas) sempre estaria imobilizado, por paralisação do serviço dos comboios Alfa, conforme determinação da A.

10. Não tendo a A. alegado nem provado o dano efectivo que lhe adveio da imobilização de comboio sinistrado, quer a titulo de lucros cessantes, quer a titulo de privação do respectivo uso, a indemnização pedida pela A., por força dessa imobilização, não pode nem deve ser-lhe arbitrada em nome da equidade, devendo antes ser relegada para decisão ulterior.

11. Efectivamente nada custava à A. alegar e provar os prejuízos que teve com a imobilização do Alfa sinistrado, recorrendo ao histórico da rentabilidade do comboio, maxime, alegando o numero de viagens que faz diariamente, o preço dos bilhetes e o numero habitual de passageiros, etc., como constitutivos do seu direito, contrapondo também com as despesas que fez como custos das viagens.

12. A A., porém, nada disto faz ou alegou, abrigando-se comodamente à sombra de uma fórmula abstracta que em vez de danos, nos mostra custos de investimentos, confiada que o Tribunal transforme em danos emergentes do sinistro, o que nada tem a ver com ele, como aliás o próprio Tribunal reconhece.

13. O Tribunal ao condenar o Recorrente como condenou, agiu assim, neste pormenor, ilegalmente violando os artigos 483 (falta de nexo casual e de dano) 564 no. 2 e 566 n°. 3 todos do Cod. Civil

A A. respondeu, sustentando, em síntese, que não violou a sentença recorrida quaisquer normas substantivas, designadamente as referidas pela R/recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Devido a um acidente da responsabilidade da ora apelante, que causou graves danos no Alfa Pendular n.º 132, de que é proprietária a ora apelada, esta esteve privada de o utilizar, entre 28.12.2006 e 2.02.2007, num total de 872 horas, período esse correspondente à duração da respectiva reparação;

2. O que a ora apelante discute é tão só o direito à indemnização da A. pela privação do seu uso e a sua quantificação em 91.830,32€;

3. É reconhecido que a privação do uso de qualquer bem, nomeadamente de veículo, em consequência de danos sofridos, envolve para ao seu proprietário a perda de uma utilidade que, considerada em si mesma, tem valor pecuniário, conferindo um direito de indemnização autónomo;

4. Esse dano patrimonial é indemnizável mediante a atribuição de uma compensação pecuniária, recorrendo-se, se necessário à equidade para a sua fixação;

5. Entende a ora apelada e a sentença em apreço que, no caso dos autos, esse direito à indemnização assiste à ora apelada, visto que se trata de material circulante necessário ao exercício da sua actividade e por ela utilizado diariamente;

6. O facto de a ora apelada, por explorar um serviço público, dever ter uma frota de reserva para fazer face a avarias e acidentes não desobriga a ora apelante de a indemnizar;

7. Dada a natureza dos danos e a dificuldade da prova directa nada impede que o tribunal recorra, na formação da sua convicção para o cômputo da indemnização, a instrumentos de natureza financeira, tal como às tabelas utilizadas pela A., como é sustentado doutrinal (nomeadamente A. Geraldes in "Indemnização do dano da privação de uso") e jurisprudencialmente, o que expressamente a douta sentença refere;

8. Por isso nada há a censurar a sentença, por ter recorrido a um juízo de equidade e ter sustentado que à falta de um melhor critério para fixar a indemnização se socorreu “da fórmula a que se reporta o documento n.º 20, a qual é aceite internacionalmente no âmbito da actividade ferroviária, como referem os peritos no relatório pericial”, para obter o valor indemnizatório de 91.830,32€;

9. Esse critério de avaliação do dano de privação de utilização do material circulante da ora apelada, utilizado nessas tabelas, já foi admitido pelos Tribunais superiores (…);

10. A indemnização fixada na sentença reporta-se, correctamente, aos 36 dias de privação de uso do Alfa Pendular acidentado, concretamente entre 28.12.2006 e 2.02.2007, período esse representado em 872 horas (24horasx36dias=872 horas) ;

11. Não há razão para esse cálculo ser diminuído em 1/3 (em 30.240€), correspondente a 8h/diax36 dias, por, virtualmente, como defende subsidiariamente a ora apelante na conclusão 9., a A. não usar 1/3 do dia o Alfa em questão, visto que essa tese não tem qualquer apoio nos factos provados nem no direito aplicável;

12. Deve assim ser considerado improcedente o recurso e confirmada na totalidade a douta sentença recorrida

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II – Fundamentação de Facto

Os factos apurados, logicamente alinhados, são os seguintes:

1. – Da matéria assente nos autos e das respostas dadas à base instrutória, resultam provados os seguintes factos:

1.1. – A CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E.P., como 1ª outorgante, e a A... S.A., como 2ª Outorgante, celebraram entre si o contrato junto como documento n.º 1 da PI, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

1.2. – O Grupo A... celebrou com a Companhia de Seguros “ C...”, utilizando esta para o efeito a denominação comercial “D...” um Contrato de Seguro, cuja apólice pertinente ao ano de 2007 é a RC 82029797, junto por cópia como documento n° 4 da contestação, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

1.3. – No dia 28.12.2006, circulava na Linha Norte, na via D (descendente), no sentido Norte/Sul, o comboio de mercadorias n.° 64132, procedente do Ramal do Leandro – A... e com destino a Souselas, onde a A... iria buscar o comboio para proceder a um novo carregamento, o qual era composto pelas locomotivas n°s 2551 e 2556, pertencentes à A., e por 21 vagões vazios, pertencentes à R. B....

1.4. – Vagões que carecem de ser movimentados por um equipamento de tracção – o comboio – pertença da Autora CP.

1.5. – A ré B... cedeu a utilização dos 21 vagões à ré A..., nos termos dos contratos juntos por cópias traduzidas como documentos n.ºs 1, 2 e 3 da contestação daquela, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

1.6. – No mesmo sentido de marcha, na mesma linha e atrás de tal comboio de mercadorias seguia o comboio de passageiros n.º 132, pertencente à A., efectuado pelo Comboio Alfa Pendular n.°4009, procedente de Braga e com destino a Lisboa – Santa Apolónia.

1.7. – O comboio de mercadorias circulava com cerca de 8 minutos de avanço.

1.8. – Cerca das 14H48m, à passagem pelo PK 274,800 da Linha do Norte Cacia/Aveiro, o comboio n.° 132 embateu num obstáculo que lhe surgiu na mesma via D, o qual veio a ser identificado como sendo um tampão de choque que havia caído do comboio de mercadorias mencionado, cerca das 14H40m.

1.9. – O referido tampão, posicionado no lado esquerdo, atento o sentido de marcha, pertencia ao vagão 83 71 9305016-3, que circulava à cauda da composição, ou seja, em último lugar.

1.10. – Dada a posição do vagão, o maquinista do comboio de mercadorias n.º 64132 não podia aperceber-se da perda do referido tampão.

1.11. – No momento em que se deu o embate o comboio n.º 132 circulava à velocidade de 127 Km/h.

1.12. – Naquele local é permitida a circulação de comboios Alfa Pendular à velocidade de 150 Km/h.

1.13. – A presença desse obstáculo na via só foi percepcionada pelo maquinista do comboio n.° 132 a menos de 70 metros, dado o seu reduzido tamanho e cor, que aparentava um pedaço de cimento e se confundia com o balastro da via.

1.14. – Àquela distância e velocidade não era possível ao comboio 132 parar antes de atingir o obstáculo uma vez que, dados os condicionalismos dos mecanismos de travagem dos comboios, para parar necessitaria de cerca de 700 metros.

1.15. – Por isso apenas na estação de Aveiro (que se situa ao Km 273 da Linha do Norte), ou seja, cerca de 2 Km depois, o maquinista do comboio n.º 132 foi verificar a composição com o revisor e constatou fuga de óleo e fuga de ar num bogie de um dos veículos que compunham o comboio, pelo que não era possível ao comboio n.° 132 prosseguir até Lisboa, tendo seguido apenas até à Pampilhosa.

1.16. – Nessa ocasião, foi de imediato constatado que as caixas de engrenagem dos veículos BAS e BBS se encontravam partidas e com fuga de óleo, confirmando-se a impossibilidade de aquele comboio poder circular e, por isso, foi suprimido no restante percurso, ou seja, entre Pampilhosa e Lisboa – Santa Apolónia.

1.17. – Foi logo efectuada uma peritagem conjunta pela A. e pela EMEF (empresa de manutenção de equipamento ferroviário) ao referido Alfa n.° 4009 na qual se constatou a existência de danos em equipamentos e sistemas vitais para a sua exploração comercial, havendo necessidade de proceder à sua imobilização para reparação.

1.18. – A vistoria ao local do embate e exame directo do vagão envolvido, após o acidente, permitiu constatar que a queda do tampão de choque do vagão 83 71 9305016-3 se ficou a dever à ausência de meio anel de retenção do batente caixa/haste.

1.19. – A ausência de meio anel de retenção do batente Caixa/haste não é passível de ser verificada a olho nu, apenas em oficina durante os exames a que os vagões são sujeitos.

1.20. – Os agentes da CP do comboio de mercadorias executaram antes do início da marcha do comboio as manobras necessárias à verificação do bom acoplamento do comboio e do bom funcionamento do sistema de freio.

1.21. – Para os agentes da CP toda a composição estava em estado de circular e não era detectável qualquer vício antes ou durante a circulação que a pudesse impedir.

1.22. – O CPA 4009 apresentava:

a) duas caixas de emissão fracturadas (caixas 1 e 4);

b) uma caixa de transmissão com deformação e suspeita de fenda (caixa 2);

d) uma caixa de transmissão com deformação;

e) uma travessa dos motores de tracção com várias fracturas em todo o perímetro;

f) uma travessa dos motores de tracção com uma fractura em 80% do perímetro;

g) duas travessas de suporte dos equipamentos do subleito com fendas;

h) reservatório principal do manipulador de freio do BAN deformado e com ruptura;

i) deformações diversas relevantes na parte inferior de vários grupos de freio, grupos de pendulação e grupos de refrigeração do conversor de tracção e transformador de reservatórios do WC e Bar ;

j) diversas forras do subleito fracturadas e deformadas;

k) antena do CONVEL do BAN com uma aba fracturada;

l) vários parafusos das timoneiras de freio deformados e outros traçados;

m) marcas em diversos discos de freio (necessidade de verificação dos empenos);

n) algumas rodas apresentam lisos ligeiros.

1.23. – Nuns casos foi possível a imediata substituição das peças danificadas por outras de reserva e noutros casos houve necessidade de reparação das peças avariadas.

1.24. – Devido ao aludido embate, a A. pagou à EMEF, pela desmontagem, montagem, reparação geral da unidade e ensaios, o valor de 43.986,72 €.

1.25. – Além disso, a A. teve o seguinte dispêndio com a reparação dos equipamentos a seguir elencados:

a) um Módulo hidráulico da pendulação GHPO10035 – no valor de 3.929,50€;

b) um Módulo de refrigeração do transformador principal n.° 14 – no valor de 7.050,00€;

c) um Rodado motor ROD590045 – no valor de 28.880,19€;

d) um Rodado motor ROD590046 – no valor de 28.880,19€;

e) um Rodado livre ROD600033 – no valor de 799,20€;

f) um reservatório de 160 LT para o Painel de freio PN 1/437820 – no valor de 4.000,00€;– resposta ao(s) quesito(s) 25º

1.26. – O CPA 4009 esteve em reparação no período compreendido entre o dia 28.12.2006 e o dia 02.02.2007, data em que saiu da oficina, tendo estado imobilizado durante 872 horas.

1.27. – O custo do investimento de capital necessário à A. para possuir uma unidade excedentária de modo a possibilitar a actividade normal de exploração ferroviária correspondente a 872 horas ascende a 91.830,32 €.

1.28. – A supressão do comboio 132 que efectuava o CPA 4009 determinou a necessidade de proceder ao bloqueamento de lugares, destinados aos passageiros que ali se faziam transportar, nos comboios 512 e 522, tendo o transbordo sido assegurado na estação da Pampilhosa.

1.29. – Como 15 dos passageiros que circulavam no comboio 132 eram portadores de bilhete de avião, houve a necessidade de os fazer deslocar de táxi até ao aeroporto de Lisboa, uma vez que o aludido comboio 512 só chegaria a Lisboa – Santa Apolónia pelas 18H09m, o que importou para a A. o custo de € 37,35.

1.30. – No comboio 132 seguiam cerca de 60 passageiros com bilhete válido para o comboio 182/3, com destino ao Algarve, os quais tiveram de ser encaminhados para o comboio 574/5.

1.31. – Em indemnizações aos passageiros pelos atrasos a A. despendeu, pelo menos, a quantia de € 3.548,32.

1.32. – Tendo em marchas suplementares suportado a A. um custo de € 3.800,70.

1.33. – O embate determinou atrasos na circulação dos comboios n.°s 132, 512 e 522 que circulavam na Linha Norte, os quais foram penalizados em 9, 5 e 2 minutos, respectivamente, tendo a A. despendido € 49,00, importância correspondente ao custo da energia consumida durante aqueles minutos visto que o comboio mesmo que esteja parado tem que funcionar ao ralenti, consumindo por esse facto energia.

1.34. – Bem como dos comboios 4640/41, 16931 e 4512, os quais foram penalizados em 2, 4 e 7 minutos, respectivamente, implicando um custo que totalizou € 26,76.

1.35. – Todos os vagões, onde se inclui o vagão 83 71 9305016-3, foram objecto de várias acções de manutenção e de revisão de todos os seus componentes, quer antes da entrega à A... quer, posteriormente, nas datas previstas, com vista a obterem a necessária autorização do Instituto Nacional do Transporte Ferroviário (INTF) para poderem circular na rede ferroviária nacional.

1.36. – O citado vagão, referido em 8º, foi objecto de acção de manutenção, realizada em 02-02-2006, por empresa de reparação e manutenção de veículos ferroviários especializada.

1.37. – Tal acção de manutenção incidiu nomeadamente nos respectivos tampões e sistema de pára-choques.

1.38. – Esta operação de revisão e manutenção é válida por um período de 6 anos a contar da data da sua realização.

1.39. – Como o anel de segurança do tampão de choque é, de origem, uma peça interior que não se vê se está partido ou solto, a não ser em caso de desmontagem, a ré B..., ao tomar conhecimento do sinistro, prontificou-se a dotar todos os seus vagões com um dispositivo que evite, em caso de danificação dos componentes interiores, designadamente dos anéis, que o tampão caia.

1.40. – A A..., como utilizadora dos vagões, era quem procedia às respectivas acções de manutenção ao nível da super-estrutura (cuba, onde vai o cimento, tubagens e válvulas).


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III – Fundamentação de Direito

A apreciação e decisão da presente apelação, delimitada pelas respectivas conclusões, circunscreve-se, como claramente resulta do relatório inicial, ao montante indemnizatório correspondente à imobilização do comboio Alfa Pendular acidentado da A/apelada.

Na génese do litígio, como já se mencionou, está o “acidente” sofrido pelo comboio (Alfa Pendular) n.º 132, propriedade da A., no dia 28.12.2006, quando seguia na linha do norte, na zona de Cacia, Aveiro; “acidente” consistente no embate num tampão de choque que havia caído de um vagão dum comboio de mercadorias, propriedade da R/apelante e então sob o aluguer da ré A...; acidente/embate que partiu as caixas de engrenagem dos veículos BAS e BBS, com fuga de óleo, impossibilitando o comboio Alfa Pendular de continuar a circular (sendo suprimido no restante percurso, ou seja, entre Pampilhosa e Lisboa – Santa Apolónia), levando à sua imobilização durante 872 horas para reparação e obrigando a A. a despender diversas verbas com a desmontagem, montagem e reparação dos equipamentos, bem como a outras e diversas despesas e “indemnizações” (por causa da supressão do resto do percurso e da perturbação causada na circulação ferroviária) com os passageiros que então transportava.

Acidente que a sentença recorrida analisou aturadamente, concluindo ser o mesmo da responsabilidade, e pelo risco, tão só da R/apelante B... (por o vagão ser utilizado no seu interesse e proveito – cfr. 503.º/1 do C. Civil); considerando de seguida serem indemnizáveis a totalidade dos danos peticionadas e condenando por isso a R/apelante B... na totalidade do pedido formulado pela A..

Decisão esta com que a A. se conformou (na parte em que a R. A... é absolvida) e de que a R/apelante B... interpõe a presente apelação, porém, começa logo por advertir que “o presente recurso restringe-se à matéria atinente com a indemnização devida à A., em consequência da imobilização do comboio Alfa Pendular n.º 132 (…). A ora Apelante nenhum reparo tem a fazer quanto ao modo como foi julgado o problema da responsabilidade pelo sinistro nem pelos demais prejuízos dele emergentes, nem mesmo quanto ao respectivo valor, aceitando-se como a única responsável pelo acidente. O que não aceita nem concorda é com a maneira como o Tribunal da 1.ª Instância calculou e fixou o montante indemnizatório resultante da imobilização anormal do Alfa em consequência do sinistro sofrido.

Assim, numa delimitação negativa do recurso – a partir do confronto entre o decidido na sentença recorrida e o âmbito do recurso interposto – podemos afirmar que tudo o que foi decidido está em definitivo estabilizado/consolidado nos autos, com uma única excepção respeitante ao montante indemnizatório devido pela imobilização do Alfa pendular durante 872 horas[1]; evidência que apenas aqui mencionamos para, fazendo o “ponto de ordem e de sequência”, circunscrevermos sem lacunas o apertado objecto da presente apelação.

Mais, ainda em termos de delimitação do objecto do recurso, poder-se-á acrescentar que nem estará verdadeiramente colocada em crise a questão de saber se a imobilização do Alfa constitui um dano autónomo indemnizável; a questão – o âmago da questão suscitada – está em saber o modo como deve ser juridicamente configurada/construída a indemnização de tal dano e, em função disso, o quantum do seu montante indemnizatório.

Ponto este em que, antecipando desde já a nossa conclusão, concordamos totalmente com a posição da decisão recorrida.

A questão em causa, reconhecemo-lo, tem suscitado alguma polémica e divergência nos nossos tribunais[2], mas, a nosso ver e com o devido respeito por opinião diversa, a questão, devidamente colocada/configurada, pode tornar-se relativamente pacífica.

Vejamos:

O princípio geral da obrigação de indemnizar, constante do art. 562.º do C. Civil, diz que o responsável pela reparação de um dano deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto – é o chamado princípio da reconstituição natural – sendo o dano o prejuízo real que o lesado sofreu in natura; dizendo-se a seguir também que, se a reconstituição natural não for possível, a indemnização é fixada em dinheiro (566.º/1) e que esta se determina pela diferença entre a situação real actual do lesado e a hipotética em que se encontraria se não tivesse havido lesão (566.º/2).

Mas – é o ponto – o que se diz a seguir e se acaba de referir, sobre a possibilidade da indemnização ser fixada em dinheiro e sobre o modo da determinação desta, não tem em vista – não é plausível que assim o tenha sido concebido – conduzir a uma conclusão de denegação da obrigação de reparar o dano.

Se alguém está obrigado a reparar um dano – se está adstrito à obrigação de indemnizar – e se por uma construção silogística efectuada a partir de normas legais chegarmos à conclusão contrária, isto é, que nenhuma prestação tem que fazer ao lesado, então, a conclusão é a de que, no caso, a construção/raciocínio silogísticos encerram algum sofisma.

Expliquemo-nos:

É incontroverso que, ocorrendo um acidente de que resultem danos num veículo que obrigam à sua reparação e paralisação, a lei confere ao lesado o direito à reconstituição natural; direito que se materializa pela entrega dum veículo com características semelhantes às do danificado, facultando-se ao lesado a sua utilização durante o período da carência/paralisação, ou, então, atribuindo-se-lhe uma quantia para ele mesmo proceder, se o entender, ao aluguer dum veículo com idênticas características.

Ora, no exemplo acabado de dar, se aplicarmos a teoria de diferença (566.º/2 do C. Civil) na sua lógica pura e dura, não se provando que haja sido feito o aluguer dum veículo com idênticas características, seremos levados a negar a indemnização por não estar feita a prova duma diferença patrimonial entre a situação constatada no momento da decisão e a que existiria se não ocorresse o evento.

Ou seja, embora seja inequívoco e incontroverso o direito à reconstituição natural, o simples facto do lesado poder enfrentar uma recusa ilegítima de substituição (e de ele/lesado não ter porventura meios financeiros para antecipar o custo de tal substituição) pode desembocar sem mais na total liberação do responsável.

Como é evidente não pode ser, ou melhor, não é; uma vez que sempre que a lei nos conduz a soluções claramente injustas, o mais certo é o “mal” não estar na lei mas na interpretação/aplicação que estamos a fazer do sistema legal.

A teoria da diferença, consagrada no art. 566.º/2, é uma ferramenta legal importante para o cálculo da indemnização em dinheiro, porém, não pode a sua relevância ir ao ponto, em pura lógica e no seu artificialismo silogístico, de se sobrepor às exigências da justiça e a outros princípios legais (como o do art. 562.º do C. Civil).

A privação do uso duma coisa – dum automóvel, dum comboio, dum imóvel – inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui uma perda que não pode deixar de ser considerada e indemnizada, tudo se resumindo à detecção do método mais adequado para a quantificação da indemnização compensatória; e se a faculdade/direito à reconstituição natural da situação não for ou não poder ser utilizada, a recomposição da situação danosa não pode passar sem a atribuição dum equivalente pecuniário, não pode passar sem que o lesado seja reintegrado “a posteriori”[3].

E, naturalmente, quando os elementos objectivos que permitam a quantificação forem insuficientes, há que recorrer à equidade.

É justamente por tudo isto que a argumentação da R/recorrente não pode colher.

A imobilização/paralisação do Comboio Alfa acidentado constitui um dano que obriga a R/recorrente a reconstituir a situação, o mesmo é dizer, a indemnizar a A..

Sustenta a R/recorrente que o montante de € 91.830,32 correspondente, sem tirar nem pôr, ao custo do investimento com aquisição de uma unidade Alfa Pendular excedentária indispensável para permitir a optimização da exploração do respectivo serviço público, pelo que não constitui um dano emergente do acidente dos autos, nem corresponde ao hipotético prejuízo sofrido pela A. com o sinistro.

Trata-se de argumentação – embora a R/recorrente diga que aceite a indemnizabilidade da imobilização/paralisação do Comboio Alfa – tributária duma lógica pura e dura da teoria de diferença; ao ponto de, a ser pertinente, conduzir a que não haja qualquer indemnização, ou seja, demonstra “demais”.

O que a R/recorrente está a dizer é que, em termos de diferença, o património da A. não sofreu qualquer diminuição, uma vez que, durante a imobilização/paralisação do Comboio Alfa acidentado, utilizou um idêntico comboio excedentário, que possui para garantir a eficiência na sua actividade normal da exploração ferroviária; pelo que, conclui, o custo financeiro da aquisição de tal comboio excedentário é um custo normal, permanente e necessário – que teria sempre e que constitui um encargo normal da A. – e não um dano que seja resultante do acidente dos autos.

Acrescenta mesmo, para reforçar a sua argumentação, que “nada custava à A. alegar e provar os prejuízos que teve com a imobilização do Alfa sinistrado, recorrendo ao histórico da rentabilidade do comboio, maxime, alegando o numero de viagens que faz diariamente, o preço dos bilhetes e o numero habitual de passageiros, etc., como constitutivos do seu direito, contrapondo também com as despesas que fez como custos das viagens (…), porém, nada disto faz ou alegou, abrigando-se comodamente à sombra de uma fórmula abstracta que em vez de danos, nos mostra custos de investimento (…)”.

Sem qualquer razão.

No exercício do direito indemnizatório, deve o lesado proceder de boa fé (762.º/2 do C. Civil); não fazendo exigências irrazoáveis e não contribuindo para o agravamento dos danos.

Assim, se a A/lesada dispunha de outro comboio para cumprir as viagens que o comboio acidentado tinha que fazer (e que não podia fazer por estar imobilizado), era de elementar boa fé que o utilizasse para evitar o agravamento dos prejuízos/indemnização.

Tendo-o feito, ficou factualmente prejudicada a alegação acabada de referir (não podia vir alegar e provar os prejuízos que teve com a imobilização do Alfa sinistrado, recorrendo ao histórico da rentabilidade do comboio, alegando o numero de viagens que faz diariamente, o preço dos bilhetes e o numero habitual de passageiros, etc.), uma vez que, como é evidente, nada disso corresponderia à verdade, isto é, não tinha havido viagens por fazer e passageiros por transportar[4].

Mais, não se vislumbra o racional de apelar, como faz a R/apelante, ao “histórico de rentabilidade” da A. e de dizer que a omissão “ou foi comodidade, ou para esconder talvez os prejuízos da sua exploração, bem conhecidos, aliás da população portuguesa que os paga duramente com os seus impostos”.

Uma coisa são os resultados de toda a actividade operacional da A., outra coisa são os resultados da operação com os comboios Alfa Pendular e outra coisa ainda são as receitas brutas geradas pelos Alfa Pendular; e, caso tivessem sido suprimidas viagens Alfa Pendular ao longo dos dias da paralisação do Alfa acidentado, era disto e apenas disto (dos prejuízos consistentes na não realização de tais receitas brutas) que estaríamos a falar.

Ora, é o ponto a que se pretende chamar a atenção, as receitas brutas diárias (descontadas da energia consumida) geradas por um Alfa Pendular são certamente bem superiores ao custo diário do investimento na aquisição duma unidade Alfa Pendular (este, o custo de investimento, não é certamente o único custo que a A. suporta com a operação diária do Alfa Pendular).

Com o que mais uma vez nos deparamos com a boa fé da A. no exercício do seu direito indemnizatório; pelo que, repetindo, sendo a ocorrência do dano real (sofrido “in natura”) uma conclusão que se extrai automaticamente da imobilização/paralisação do Alfa, a questão reduz-se à quantificação do dano “patrimonial”[5].

E é tendo em vista esta quantificação que tem relevo o montante de € 91.830,32 correspondente ao custo do investimento com a aquisição de uma unidade Alfa Pendular excedentária.

Escreveu-se na sentença recorrida que “ (…) a forma privilegiada de reparação do dano [de privação do uso] é a substituição do bem por outro de idênticas características, em consonância com o princípio da reconstituição natural. Todavia, nem sempre tal é possível, como sucede no caso em apreço em que estamos perante um equipamento muito específico. Na verdade, sendo a aqui autora a única entidade autorizada a efectuar o transporte ferroviário naturalmente não existem no mercado outros comboios, além dos pertencentes àquela, nem seria viável, em termos económicos, a aquisição de equipamento com idênticas características para lhe facultar o uso durante o período de imobilização”.

Ou seja, na falta de elementos objectivos (e face à impossibilidade de determinação exacta do dano “patrimonial” – cfr. 566.º/3) que permitam a quantificação do custo do aluguer dum equipamento como um Alfa Pendular durante as 872 horas em que esteve paralisado, há que recorrer à equidade na sua quantificação (sem necessidade de relegar a sua fixação para posterior liquidação); sendo no manejo e aplicação da equidade que o custo de investimento da aquisição do Alfa Pendular excedentário “entra”, ajudando a evitar subjectivismos e discricionariedades.

Seria adequado utilizar como baliza – como aproximação ao justo valor – a quantia necessária para proceder ao aluguer de um Alfa Pendular de características semelhantes ao sinistrado, pelo que, não estando disponível no mercado o aluguer dum tal bem e não se podendo assim recorrer ao preço/custo dum tal aluguer, o “melhor” que consegue – o mais aproximativo ao preço/custo de tal aluguer e menos discricionário – ainda é o custo financeiro da aquisição do Alfa Pendular excedentário[6].

Na fixação dum montante indemnizatório, é tão inadmissível que o lesado retire benefício indevido como é inadequado que seja o lesante a beneficiar com uma injustificada poupança de despesas.

Ora, é justamente aqui que entra a equidade (perante a indisponibilidade de elementos objectivos ou face à impossibilidade de determinação exacta do dano – cfr. 566.º/3), permitindo que o tribunal pondere prudentemente as circunstâncias que o processo ou as regras da experiência revelam; é justamente aqui que “entram” os € 91.830,32, correspondentes ao custo do investimento (durante o tempo da imobilização) com a aquisição da unidade Alfa Pendular excedentária, € 91.830,32 que não “entram” na veste do dano sofrido que se está a indemnizar, mas apenas e só como critério/ponto de referência (para afinar a equidade) do dano de privação do uso do Alfa Pendular acidentado.


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Enfim, concluindo, consideramos improcedente tudo o que a R/apelante invocou e concluiu na sua alegação recursiva, o que determina o naufrágio do recurso e a confirmação do sentenciado na 1ª instância que não merece os reparos que se lhe apontam, nem viola qualquer uma das disposições indicadas.

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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se totalmente a sentença recorrida.

Custas nesta instância pela R/apelante.


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Coimbra, 24/09/2013

 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)



[1] Podemos até dizer, em termos precisos, que a divergência recursiva se inicia no § 4 da página 27 da sentença, quando na mesma se diz “Mais problemática é a verba peticionada pela A. – € 91.830,32 – a título de indemnização pela imobilização do CPA 4009”.
[2] De que são exemplo as decisões opostas sobre a paralisação de veículos acidentados da Carris (transcritas por Abrantes Geraldes, in Indemnização do Dano da Privação do Uso, 2.ª ed., pág. 89 a 100).

[3]Se a privação do uso do veículo durante um determinado período originou a perda das utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se essa perda não foi reparada mediante a forma natural de reconstituição impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente. Fazer depender a indemnização da prova da ocorrência de danos imputáveis directamente à privação é solução que pode justificar-se quando o lesado pretenda a atribuição de uma quantia suplementar correspondente aos benefícios que deixou de obter, ou seja, aos lucros cessantes, nos termos do art. 564.º, n.º 1, ou ás despesas acrescidas que o evento determinou; já não quando o seu interesse se reduza à compensação devida pela privação que, nos termos da mesma norma, corresponde ao prejuízo causado, isto é, aos danos emergentes.” - Abrantes Geraldes, in Indemnização do Dano da Privação do Uso, 2.ª ed., pág. 49.

[4] Se porventura a A. enveredasse por tal tipo de alegação, a R. evidenciaria decerto a falsidade de tal alegação, dizendo que a A. tinha utilizado outro comboio e efectuado todas as viagens previstas.
[5] É deste – e não do dano real – que a R/recorrente fala quando, em alguns passos da sua argumentação recursiva, conclui que não há ou que não foi alegado o dano.
[6] Custo este que tem a “vantagem”, para a R/recorrente, de não incluir as despesas e o lucro duma empresa de aluguer.