Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1038/98.1TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: PENA DE MULTA
NÃO PAGAMENTO
CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Data do Acordão: 02/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - 1º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 49º, DO C. PENAL
Sumário: A lei - art.º 49º, do Cód. Penal - não faz depender a aplicação da prisão subsidiária da instauração de processo executivo, mas da impossibilidade de obter o pagamento coercivo que, como é óbvio, abrange tanto os casos em que se instaurou a execução e através dela não se conseguiu obter o pagamento da multa como aqueles em que a impossibilidade de pagamento coercivo resulta “ab initio”, ou seja, por não existirem bens que permitam pelo menos tentar obter o pagamento.
Se os elementos constantes dos autos permitirem concluir que os seus proventos económicos não são suficientes para o pagamento da multa, não deve o condenado ver-lhe negada a suspensão da execução da prisão subsidiária, prevista no n.º 3, do referido art.º 49º.

E, para o efeito, o que interessa é a situação que o arguido mantém na época em que se lhe impõe a prisão subsidiária, pois só a sua capacidade económica nesta altura releva para a suspensão da execução da prisão subsidiária.

Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência, na 5ª secção, do Tribunal da Relação de Coimbra:

A fls. 458 dos autos supra identificados, consta o seguinte
Despacho:
O arguido A..., foi condenado nestes autos, por sentença de 11 de Maio de 2010, já transitada em julgado, como autor material de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artº 11º nº1, a) do Dec.Lei 454/91, de 28/12, na redacção e com as alterações do Dec.Lei 316/97 de 19/11, pelo Dec.Lei 323/2001 de 17/123 e Dec.Lei 83/2003 de 24/04 e pela Lei 48/2005 de 29/8, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 10 (dez euros), ou seja, na multa de €1.500 (mil e quinhentos euros), a que correspondem 100 (cem) dias de prisão subsidiária.
O arguido não veio pagar a multa.
O arguido veio requerer a prestação e trabalho a favor da comunidade o que foi indeferido a fls. 405.
Não lhe são conhecidos bens penhoráveis.
Pelo exposto, e de acordo com o disposto no artigo 49º nº1 do Código Penal, determino que o arguido cumpra a respectiva prisão subsidiária, ou seja, 100 dias de prisão, advertindo-se expressamente as entidades policiais e o arguido para os termos do disposto no artigo 49º nº2 do Código Penal e 491º nº 1 e 3 do Código de Processo Penal, norma aditada pela Lei nº 115/2009 de 12/11 (Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade) – quantia a pagar €1.500 mil e quinhentos euros.
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Transitado, passem-se e entreguem-se os competentes mandados, nos exactos termos promovidos.
Fls. 456:
Dando-se aqui por integralmente reproduzidos, para todos os legais efeitos, os fundamentos constantes da douta promoção que antecede, indefere-se o requerido, relativamente à suspensão da execução da prisão subsidiária.
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Por seu lado a promoção para a qual o despacho remete tem o seguinte teor:
“Quanto à pretendida suspensão da execução da prisão subsidiária é nosso entendimento não se verificarem os respectivos pressupostos, sendo exigível ao arguido que diligenciasse pelo pagamento da multa – até porque a lei prevê prazos dilatados para o seu pagamento e em prestações –, sendo certo que o mesmo tem rendimento suficiente para ter veículo automóvel”
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Inconformado com o despacho supra transcrito, doravante designado por despacho recorrido, veio o arguido dele interpor recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes:

Conclusões:
A) Por decisão transitada em julgado em 11/06/2010 o arguido foi condenado na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €10,00 perfazendo o total de 1.500,00€, fls. 380.
B) Logo após o trânsito em julgado, com a notificação da conta, o recorrente apresentou o requerimento de fls. 402 esclarecendo a sua condição sócio económica e requerendo a justificação da omissão do pagamento da multa e, ainda, a sua substituição por prestação de trabalho a favor da entidade localizada na área da sua residência ou, se tal se revelasse inexequível declaração de suspensão da execução da pena.
C) Designadamente, o recorrente demonstrou nos autos que reside e trabalha no Brasil.
E) Que nasceu em 22/12/1934 estando portanto, a 3 meses de completar os 78 anos de idade.
F) Apresentou documento intitulado “Relatório Social” emitido pela “Secretaria Municipal de Assistência Social – SMAS, da Perfeitura Municipal de Parnamirim, Estado do Rio Grande do Norte” autoridade brasileira que esclarece sobre as condições pessoais do recorrente, designadamente que vive com a ajuda de um amigo com quem partilha a habitação constituída por sala/cozinha e wc (“kit net”), trabalha informalmente no mercado imobiliário tendo auferido em 2009, 9.400 reais e possuindo uma viatura no valor de 6.500 reais e, ainda, que o seu rendimento é insuficiente para garantir as necessidades de habitação vivendo da ajuda de amigos. Esclarece, também, que se trata de cidadão vulnerabilizado socialmente e que beneficia de programas sociais financiados pelo governo federal brasileiro estando inscrito no programa social para pessoas carentes Programa Bolsa Família. Informa, ainda, que não tem familiares no país e que padece de deficiência auditiva e hipertensão.
G) Tal factualidade é reveladora de que o não cumprimento do pagamento da multa aplicada ao recorrente ocorreu por circunstâncias a que é alheio e, portanto, que o incumprimento não lhe é imputável;
H) Revelando, também, que o arguido se preocupou em justificar o seu incumprimento perante o Tribunal;
L) Bem como demonstra que o recorrente interiorizou a sanção penal aplicada requerendo, por isso, a substituição pela prestação de trabalho;
J) Pelo que, a decisão proferida deveria ter privilegiado a aplicação do disposto no nº3 do artº 49º do Cód.Penal;
K) Pois, a conversão da multa não paga em prisão subsidiária não pode ocorrer como efeito imediato e irremediável do incumprimento.
L) Tal efeito apenas ocorre quando verificada a impossibilidade de pagamento voluntário ou coercivo da multa e quando o condenado não tenha demonstrado que o incumprimento não lhe é imputável, ou seja, não é culposo.
M) Acresce que, a conversão da multa não paga em prisão apenas pode ocorrer quando não exista pagamento voluntário, bem como, quando se demonstre que não foi possível a sua cobrança coerciva.
N) Ora, não se encontra demonstrada a existência de diligências para a cobrança coerciva, designadamente a respectiva execução.
O) Pelo que, faltando tal requisito não podia ocorrer a conversão que foi declarada, violando-se o disposto no nº1 do artº 49º do Cód. Penal.
P) Assim, com todo o respeito, parece-nos que a decisão recorrida faz uma interpretação do disposto no artº 49º do Cód. Penal que carece de ser rectificada, designadamente quanto à aplicação do disposto nos nºs 1 e 3, o que consequente, impõem a revogação da decisão recorrida.
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O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência.
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Recebido o recurso e enviados os autos a este Tribunal, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto, louvando-se na resposta da 1ª instância, defendeu, também, a improcedência do recurso.
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Corridos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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Como ressalta das conclusões supra transcritas, são duas as questões a decidir:
- Se a existência de execução para cobrança coerciva da multa é condição sine qua non para a conversão em prisão subsidiária nº1 do artº 49º do Cód. Penal; e,
- Saber se no caso dos autos se devia ter recorrido ao instituto da suspensão da execução da pena subsidiária a que se reporta o nº3 do citado artº 49º.
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Decidindo:
Começa por se referir que o despacho recorrido, no que toca à suspensão da prisão subsidiária, é parco no cumprimento do dever de fundamentação a que estão vinculados os tribunais por força do disposto no nº5 do artº 97 do CPP, e artº 205º da Lei Fundamental.
Dizemos isto, não só por se limitar a remeter para uma promoção que o antecede, o que se aceita, mas também porque esta promoção também se apresenta “muito económica”.
É que estamos perante uma decisão de consequências graves, e quiçá a mais importante de todas as decididas em processo penal, que visa a liberdade de uma pessoa. Decisão que pela sua relevância e gravidade exigia que o despacho que a denegou fosse mais concreto e assertivo quanto aos motivos que a determinaram, e não que se limitasse a dizer que o arguido é proprietário de um veículo automóvel logo tem condições de pagar a multa em que foi condenado.
Seja como for, além de não ter sido arguido qualquer vício da fundamentação, também não podemos dizer que a mesma é inexistente, e, por isso, vamos passar às questões levantadas no recurso.
Com vista à decisão das questões aportadas no recurso impõe-se fazer uma recensão dos elementos contidos no processo e das vicissitudes do mesmo, que passamos a elencar por ordem cronológica:
1 – Depois de o processo ter decorrido desde o seu início (queixa do ofendido), sem se saber o paradeiro do arguido, foi proferido despacho de acusação contra ele em 19 de Maio de 1998, fls. 27, imputando-lhe a prática de um crime de emissão de cheque sem provisão.
2 - Do mesmo despacho já constava que era desconhecido o paradeiro do arguido tendo sido notificado por éditos com referência à última residência conhecida em Portugal, fls. 28 a 30;
3 - Foi proferido despacho que designou o dia 7 de Janeiro de 1998, para a realização da audiência, fls. 36, o que não aconteceu por ser desconhecido o paradeiro do arguido, apurando-se, já então, que o arguido se teria ausentado para parte incerta do Brasil fls. 53;
4 - Depois de se diligenciar pela localização do arguido naquele país, veio a apurar-se que o mesmo residiria na cidade de S. Paulo, fls. 58, a cuja embaixada se pediu a sua notificação para a nova data entretanto agendada, o que não se logrou conseguir fls. 81 e 87.
5 - A fls. 86 foi o arguido notificado por éditos nos termos e para os efeitos do artº 335º do CPP, então e vigor, vindo a ser declarado contumaz em 13 de Julho de 2000, fls. 90, vindo a ser publicados editais e anúncios.
6 - Em resposta aos mandados de condução enviados à autoridade policial da última residência conhecida em Portugal, nos termos do artº 336º nº2 do CPP, a GNR informou que o arguido havia passado nessa residência alguns dias, não deixando na mesma parentes ou pessoa de confiança, desconhecendo-se o seu paradeiro, constando residir em parte incerta do Brasil, fls. 92,102 e 105;
7 - De novo, foram encetadas diligência junto das delegações consulares de Portugal no Brasil, foi fornecido novo paradeiro do arguido em Jacarepaguá, Rio de Janeiro, fls. 124.
8 - A fls. 127, o consulado de Portugal em S. Paulo informou que o arguido declarou em 10.09.75 uma morada na área daquele consulado; em 15.02.98, outra residência diferente e que desde esta última data não retornou ao consulado, desconhecendo-se o seu paradeiro.
9 - Entretanto chegou aos autos informação de que o arguido teria residência em Seia, fls. 142, para onde foram dirigidos novos mandados de detenção e condução, o que mais uma vez se não conseguiu, informando a GNR que o arguido residiria em Viseu onde exploraria uma imobiliária fls, 140 vs., tentando-se de novo a detenção e notificação do arguido nesta cidade na morada já constante dos autos, e na eventual imobiliária, mais uma vez sem êxito, fls. 155 157, por não se ter conseguido apurar o paradeiro do arguido.
10 - A fls, 165 a Direcção de Finanças de Viseu, forneceu nova residência do arguido nesta cidade, para onde, mais uma vez, debalde, se tentou a sua detenção e notificação, fls, 167 a 174, apurando-se, em 23 de Novembro de 2004, que o mesmo se teria ausentado, havia cerca de três anos, possivelmente para o Algarve.
11 - Em 18 de Novembro de 2007, a PSP de Viseu informou, de novo, que o arguido se encontrava em parte incerta do Brasil, fls. 212.
12 - Em 29 de Abril de 2008, o arguido veio aos autos juntar procuração a favor dos seus actuais mandatários, informando que se encontra a residir, por favor, na Rua Helvétia São Paulo, Brasil, que não tem trabalho regular, estar doente e sem apoio familiar, sem condições de regressar ao nosso país, requerendo a realização da audiência sem a sua presença e que as notificações necessárias sejam feitas na pessoa dos seus mandatários – fls. 215.
13 - Em 18.09.2008, foi emitida carta rogatória para a morada indicada pelo arguido, para o notificar da acusação, da sua constituição como arguido, e, também, para prestar TIR, que foi devolvida devidamente cumprida, dando entrada no Tribunal de Viseu em 08 de Outubro de 2009, fls. 248 a 331.
14 - Foi então declarada cessada a contumácia, e designada nova data para julgamento, sem a presença do arguido, fls. 334, julgamento que viria a ter lugar em 19 de Abril de 2010, na sequência do qual veio a ser proferida a sentença condenatória já aludida, junta aos autos a fls. 375 a 380, datada de 11 de Maio de 2010, que por não ter sido objecto de impugnação, transitou em julgado.
15 - Relativamente à condição económica e social do arguido, fez-se constar da sentença que o mesmo é primário, é mediador imobiliário em S. Paulo no Brasil, onde reside (10 e 11 dos factos provados).
16 - Na sequência da notificação que lhe foi feita para pagar a multa que lhe foi cominada, veio o arguido, no prazo que lhe havia sido concedido para tal, fls. 394, reiterar a sua débil condição económica - partilha a residência com um amigo e trabalha na imediação imobiliária o que lhe valeu, em 2009 um rendimento anual de 9.408,00 reais o que equivale a € 4.052,90; ser proprietário de um veículo ligeiro no valor de cerca de € 2.800,00, sendo o rendimento insuficiente para a sua subsistência, no que é auxiliado por amigos, deu ainda notícia de que sofre de deficiência auditiva e hipertensão, circunstâncias que não lhe permitem pagar a multa nem mesmo a prestações, nem regressar a Portugal para prestar trabalho comunitário, por ser incomportável o custo da viagem, propondo-se realizá-lo junto da autoridade portuguesa em Natal, Brasil.
17 - Juntou cópia de um documento emitido por uma assistente social da prefeitura municipal de Parnamirim, Estado Rio Grande do Norte, datado de Outubro de 2010, que declara ter-se deslocado à residência do arguido, arrendada, que o arguido partilha com um amigo, que identifica, sendo este que custeia a grande parte das despesas de alimentação e habitação de ambos. Trabalha informalmente no mercado imobiliário exibindo o arguido a Declaração de Imposto de Renda do ano de 2009 a quantia de R$ 9.408,00, e nos bens declarados consta um carro ligeiro do ano de 1996, no valor de R$ 6.500,00.
Mais declara a Srª Assistente Social que:
O lucro oriundo das vendas imobiliárias varia de acordo com a instabilidade económica; e no momento está em dificuldade financeira em virtude da crise mundial económica e hoje se movimenta dos programas sociais financiados pelo Governo Federal brasileiro para construção, reforma e venda de casas; tendo em vista as classes sociais menos abastadas darem preferência às políticas públicas, com preços mais acessíveis à realidade desse publico alvo. Neste sentido o senhor supracitado, encontra-se vulnerabilizado socialmente. Está inscrito no Programa Social para pessoas carentes, Programa Bolsa Família (PBF), coordenado pelo Ministério de Desenvolvimento Social de Combate à Fome, porém sendo estrangeiro não será contemplado, ficando assim, desamparado pela legislação brasileira.
Constatamos ainda que o referido Sr. não tem familiares neste país. E através de documentos médicos verificamos que o mesmo sofre parcialmente de deficiência auditiva e é hipertenso”.
E conclui:
“ Diante do exposto, foi constatado que o Sr A...da Conceição Baptista Pombo, está em dificuldade financeira, necessitando de ajuda, no que se refere a sua permanência neste país, para que possa gozar de uma vida digna”.
18 - Por despacho de fls. 405, foi indeferida a substituição da multa por dias de trabalho, por o arguido não se encontrar em território português, despacho notificado ao arguido, que não foi objecto de impugnação.
19 – Depois de efectuadas várias diligências o MºPº decidiu não instaurar execução contra o arguido por não encontrar bens penhoráveis, fls. 448, tendo então promovido a substituição da multa por prisão subsidiária 2/3, artº 49 nº1 do C.P.
20- Depois de ouvido o arguido, fls 449, veio o mesmo reiterar a impossibilidade de pagar a multa e pedir a suspensão da execução da prisão subsidiária, vindo então a ser proferido o despacho recorrido.
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Necessidade de instaurar execução para se poder aplicar a prisão subsidiária:
Quanto à primeira questão, que é prejudicial em relação à segunda, daí se decidir em primeiro lugar, apesar de ter sido aportada em último, é manifesta a falta de razão do recorrente.
De facto, não se concebe a exigência de instaurar uma execução quando de antemão já se sabe que ela não vai surtir efeito, por não existirem na esfera patrimonial do executado bens que permitam levar a bom porto essa execução, gastando o erário público meios e recursos, que são preciosos, com vista a um fim inútil anunciado.
A lei, artº 49º do Cód.Penal, não faz depender a aplicação da prisão subsidiária da instauração de processo executivo, mas da impossibilidade de obter o pagamento coercivo que, como é óbvio, abrange tanto os casos em que se instaurou a execução e através dela não se conseguiu obter o pagamento da multa como naqueles em que a impossibilidade de pagamento coercivo resulta “ab initio”, ou seja, por não existirem bens que permitam pelo menos tentar obter o pagamento.
Nos termos do disposto no artº 469º do CPP, é ao Ministério Público que incumbe velar pela execução das penas, designadamente da pena de multa. Por outro lado, de harmonia com o disposto artº 35º nº4 do Reg.C.Proc.; “O Ministério Público apenas instaura a execução, quando sejam conhecidos bens penhoráveis do devedor que se afigurem suficientes face ao valor da execução (…)”
Daqui resulta que a instauração da execução quando ao executado não são conhecidos bens, ou estes não são suficientes para cobrir os custos da execução, como é o caso dos autos, não só não deve como não pode ser feita, o que deita por terra a interpretação do recorrente que faz depender a impossibilidade de obter o pagamento coercivo, a que se reporta o nº1 do artº 49º do Cód. Penal, da existência de processo executivo.
Improcede, sem mais, esta questão.
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Substituição da prisão subsidiária:
No caso dos autos, o recorrente não pagou a multa, foi indeferido o pedido de substituição por trabalho por o mesmo não se encontrar em território português, decisão que não foi impugnada, e também não foi possível obter o pagamento da multa coercivamente por não lhe terem sido encontrados, em território nacional, bens ou rendimentos que permitissem solve-la. Então, e de harmonia com o disposto no citado nº1 do artº 49º do Cód. Penal, foi ordenado o cumprimento da prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
E aqui entramos na segunda questão, que constitui o núcleo do recurso, saber se a prisão subsidiária pode ser suspensa, como o recorrente impetra desde que foi notificado para proceder ao pagamento da multa.
No que tange à suspensão da prisão subsidiária, rege o nº3 do artº 49º do C.Penal nos seguintes termos:
“Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta”
Vejamos:
No que concerne ao enquadramento jurídico da questão que nos ocupa, limitamo-nos a citar o Ac. Rel. Évora de 25-09-2012 (Proc. 111/08.4TAVR.E1 disponível in www.dgsi.pt) que tratou de caso com algumas semelhanças com o dos presentes autos.
Aí se diz:
“A prisão subsidiária da multa principal não paga está longe de constituir realidade pacífica no domínio das consequências jurídicas do crime, suscitando problemas do ponto de vista político criminal, dogmático e de constitucionalidade, que em sistemas jurídicos de que somos próximos deu mesmo origem a decisões dos respectivos tribunais constitucionais.
Na verdade, se são conhecidas as vantagens da pena de multa que levam a que se mantenha como opção legislativa significativa para a pequena e média criminalidade, continuando a ser aplicada também entre nós, são-lhe apontados inconvenientes de relevo, sendo essencialmente duas as questões de maior importância e gravidade que se têm suscitado.
Por um lado, a desigualdade resultante das diferenças de fortuna dos condenados e, por outro, os casos de falta de pagamento por falta de meios económicos, que pode levar a que, na prática, acabe por sancionar-se alguém com a prisão, não por ser essa a reacção penal necessária e adequada para punir o ilícito praticado, mas por falta de meios para satisfazer a sanção pecuniária aplicada.
A consciência da sua gravidade tem levado a tentativas sérias de resolver ou minorar aqueles problemas, sendo disso exemplo, no que concerne à questão da desigualdade, o sistema de dias de multa, nomeadamente, quanto ao quantitativo diário que deve ser fixado de acordo com a situação económica e financeira do condenado, como sucede entre nós (artº 47º nº2 do C.Penal), ou através de alternativas à declaração e efectividade do cumprimento de prisão subsidiária nos casos de falta de pagamento da multa, de que o nosso código penal é igualmente exemplo, no que concerne ao segundo problema destacado e que aqui nos ocupa directamente”.
E continua:
“Importa ter presente que o regime do incumprimento da pena principal de multa pretende constituir uma solução equilibrada para um problema jurídico e social que se desenvolve na tensão entre dois pólos.
Por um lado, vale a necessidade de garantir a credibilidade e eficácia intimidatória da multa enquanto pena criminal, tanto mais que continua a ser uma das penas com maior potencialidade para constituir alternativa à pena de prisão, para além de sempre estar em causa a ineludibilidade e inderrogabilidade das penas em geral. Referindo-se à eventual contradição, no plano político criminal, resultante do cumprimento de prisão por falta de pagamento da multa que a lei penal perspectiva como alternativa às penas curtas de prisão, refere por todos, Quintero Olivares (Gonzalo Quintero Olivares, tradução de F.Morales Prats e J.M: Prats Canut, Manual de Derecho Penal, Aranzadi Editorial – 2000, p. 669) que a prisão subsidiária constitui o elemento coercivo necessário para que a pena de multa seja eficaz. De contrário, conclui, a pena pecuniária não serviria para nada. O direito penal deve evitar o recurso à pena clássica, mas não deve substitui-la pelo vazio).
Por outro lado, está bem presente a preocupação de assegurar o princípio constitucional da igualdade no domínio das consequências jurídicas do crime, procurando prevenir, essencialmente, qua alguém venha a cumprir prisão por falta de capacidade económica e financeira para solver a multa”.
Este enquadramento da prisão subsidiária leva-nos é constatação, intuitiva, aliás, de que a prisão subsidiária da multa e a prisão como pena principal, são respostas criminais que, por atingirem a liberdade individual, bem jurídico fundamental, devem ser aplicadas como ultima ratio, ou seja, quando outras medidas não detentivas sejam insuficientes para realizar as finalidades da punição.
Com efeito, apesar de as duas medidas terem géneses diferentes - a prisão subsidiária tem uma função de constrangimento ao pagamento da pena de multa, e a pena de prisão constituí uma censura penal directa -, na fase de execução ambas actuam como uma verdadeira pena de privativa da liberdade, sendo nesta fase em tudo idênticas (Neste sentido conf. Ac. Rel Porto de 22/09/2010 e 02/11/2011 in www.dgsi.pt).
Assim, a suspensão da prisão subsidiária a que se alude no nº 3 do artº 49º do Cód.Penal, surge como tentativa de resolução desta verdadeira quadratura do círculo realização das finalidades da punição e preservação da liberdade dos mais carentes economicamente.
Daqui decorre que o recorrente só pode ver-lhe negado qualquer meio substitutivo da pena de prisão alternativa se não for permitido concluir que a falta de pagamento da multa não lhe é imputável, ou seja, se os elementos constantes dos autos permitirem concluir que os seus proventos económicos não são suficientes para o pagamento da multa.
E, aqui chegados, não podemos concordar com o despacho recorrido nem com a análise simplista que o Ministério Público faz da situação económica do recorrente, já que ambos inferem que, pelo facto de o arguido ser proprietário de um veículo automóvel, não pode beneficiar da suspensão, ao que se entende, por esta propriedade ser incompatível com insuficiência económica de que a referida suspensão depende.
Vejamos:
Como resulta do acervo factual acima referido, o arguido tem mantido uma vida algo errante mudando com frequência de residência quer no nosso país quer no Brasil, onde reside pelo menos desde Abril de 2008.
Mas este facto só por si não é indiciador de que ele goza de uma situação económica pelos menos razoável, pois, ao que tudo indica, estas movimentações foram determinadas pela procura de proventos que não conseguiu angariar.
Seja como for, o que nos interessa é a situação que o arguido mantém na época em que se lhe impõe a prisão subsidiária, pois só a sua capacidade económica nesta altura releva para a suspensão da prisão subsidiária.
Ora, actualmente - para além das informações das autoridades policiais onde o arguido residiu no nosso país que relatam a inexistência de bens – os elementos de que dispomos, ao contrário do que diz o Ministério Público, não são apenas baseados nas declarações do arguido, mas na percepção da assistente social que na República do Brasil se ocupou do caso, e elas não permitem outra conclusão que não seja que o arguido não dispõe de meios económicos que lhe permitam levar uma vida digna ou usando a expressão de português com “toque de Brasil” é uma pessoa “vulnerabilizada socialmente” e que está inscrito no programa social para pessoas carentes.
É verdade, que a referida assistente social percepcionou que o arguido possui um veículo automóvel, de 1996, portanto com mais de 16 anos, mas também constatou que ele não tem meios de subsistência suficientes para se manter fazendo-o com a ajuda de amigos brasileiros, levando-a a concluir que a pessoa em questão tem uma situação económica débil, acrescentando que sofre de algumas maleitas, como, aliás, é próprio da sua idade, já que conta 78 anos, circunstâncias que ele mesmo referiu logo que teve intervenção no processo.
A referida assistente social também deu conta que por força da actual política governamental brasileira de ajuda às classes sociais mais desfavorecidas, a actividade de agente imobiliário nesse segmento social, onde o arguido agia, deixou de dar proventos por o público alvo dessa actividade recorrer à aquisição de habitação com esse apoio social.
Esta realidade está bem longe da traçada pelo Ministério Público quando, baseado nos jornais que noticiam o Brasil como um país com uma economia florescente e em crescimento, afirma que a actividade do arguido também beneficiou do desafogo económico que o país atravessa, esquecendo que, mesmo nos países mais ricos, há sempre bolsas de pobreza que nunca se conseguem erradicar.
Seja como for, as percepções e observações da assistente social que elaborou o relatório junto aos autos, conhecedora da realidade do Brasil e que indagou as condições económicas do arguido, tem sempre de valer mais do que as ilações tiradas por quem apenas conhece a realidade global do país pelo que lê nos jornais, tanto mais que os autos não revelam factos concretos que permitam infirmar o teor do referido relatório.
Também nada se pode extrair, acerca da culpa do arguido em não solver a multa, das suas constantes mudanças de paradeiro.
Com efeito, não está demonstrado nos autos que estas constantes mudanças de paradeiro foram determinadas pela fuga às suas responsabilidades, com diz o Ministério Público na sua resposta, e, muito menos, que tiveram na sua génese o presente processo.
Sem embargo de se reconhecer que à apresentação do arguido não é estranha a declaração de contumácia e a pendência de mandados de detenção, também não se pode daqui inferir qualquer juízo de culpa, ele apenas usou e fruiu das vicissitudes processuais que a lei portuguesa prevê, usando-as a seu favor e na prossecução dos seus interesses.
Por tudo o que foi dito, temos de concluir que o arguido conseguiu provar a sua debilidade económica e por via disso, que o não pagamento da multa não lhe é imputável.
Não obstante, temos de ter em conta que o preceito de que estamos a tratar, nº3 do artº 49º do Cód. Penal, condiciona a suspensão da execução da pena subsidiária ao cumprimento de deveres e regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
No entendimento do Ex.mo Procurador Geral Adjunto esta condição é impossível de cumprir porque o arguido se encontra no Brasil, onde os nossos serviços de reinserção social não podem nem têm capacidade de actuar, concluindo que ele não pode beneficiar da suspensão.
Entendemos esta posição mas, salvo sempre o respeito devido, não podemos concordar com ela. Em primeiro lugar, porque parte do princípio que o arguido se pôs em condições de não poder ser controlado pelos serviços de reinserção social, o que como já dissemos, não resulta minimamente dos autos, pois, não sabemos a (s) razão(es) que determinaram a que o arguido emigrasse para o Brasil, ou ao que tudo indica, voltasse emigrar para o Brasil, (sem esta ideia de culpa “germinal” mal se compreende como se pode privar alguém da liberdade, só por residir fora do território nacional). E, em segundo lugar, porque há sempre uma medida da natureza das prevista no preceito que pode ser imposta a pessoas residentes no estrangeiro, que é a de não cometerem crimes, o que se pode comprovar através do registo criminal e da embaixada respectiva, caso ele continue a residir no estrangeiro (isto para nos reportarmos só ao caso dos autos, já que em abstracto, podem configura-se outras situações v.g. crimes contra a integridade física ou contra a liberdade em que se pode impor ao arguido que não frequente determinados lugares, não exerça determinadas actividades ou não contacte com determinadas pessoas quando se deslocar a território nacional, ou mesmo no estrangeiro, basta que os ofendidos possam dar notícia da falta de cumprimento).
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É, essencialmente, pelas razões expostas, que se entende provada a débil condição económica do arguido e consequentemente, que ele pode beneficiar da suspensão da prisão subsidiária da multa pelo prazo de um ano, na condição de durante esse período não cometer crimes, quer no território nacional quer no estrangeiro.
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Decisão
Em face do exposto, acorda-se em revogar o despacho recorrido e substituí-lo por outro que decreta a suspensão da prisão subsidiária da multa, pelo prazo de um ano, na condição de durante esse período não cometer crimes.
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Sem tributação.
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Coimbra,


(Cacilda Sena)



(Alberto Mira)