Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
109/12.8TBIDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 05/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - I.-A-NOVA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.281 CPC.
Sumário:
1.A deserção da instância executiva não dispensa que se apure, concretamente, que a falta de impulso processual dos autos se deve a negligência das partes.
2.Não sendo automática a deserção da instância, pelo decurso do prazo de seis meses, o tribunal, antes de proferir o despacho a que alude o n.º 4 do art. 281.° do CPC, deve ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente.
3.Estando o processo a aguardar, há mais de seis meses, a realização de diligências que são da competência do agente de execução, não poderá concluir-se, sem mais, que a falta de movimento processual é imputável a negligência do exequente, sem que exista, pelo menos, uma notificação adrede que transfira, para este, o ónus de reagir e tomar posição sobre a inércia e o incumprimento o agente e execução.
4.Assim, constatando-se que o processo não apresenta movimento durante um período temporal significativo que seja bastante para concluir que o agente de execução não está a cumprir os deveres inerentes ao cargo, deverá o Tribunal notificar o exequente para requerer o que tiver por conveniente em face desse incumprimento; só a partir desse momento se poderá considerar que o exequente tem a obrigação e o ónus de tomar posição sobre esse incumprimento e que o processo aguarda o seu impulso processual, considerando-se deserta a instância se nada requerer nos seis meses subsequentes.
Decisão Texto Integral:

Procº nº 109.12.8TBIDN.C1
2ª Secção – (Cível)
Apelação – Deserção da Instância; Execução.


Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



I - A Causa:


C (…) S.A., exequente nos autos à margem referenciados e aí melhor identificada, não se conformando com a Decisão proferida no âmbito dos presentes, veio interpor RECURSO DE APELAÇÃO, alegando e concluindo que:

1.ª- A declaração da deserção da instância, nos termos do n.º 5 do artigo 281.º do CPC, nunca poderá ser automática, devendo, antes de ser proferido o despacho de deserção, ser ouvida a parte de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente, bem como, que na concretização do dever de cooperação e do cumprimento do contraditório, dê às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre esta matéria. ( artºs 3º nº3 e 7º nº1, do CPC).
2.ª- Somente depois de ouvir as partes, nomeadamente a exequente, é que eventualmente deveria o Tribunal “a quo”, tendo em conta fundamentos substanciais e materiais, e não meramente formais, emitir despacho adequado.
3.ª- Subjacente à norma jurídica supra aludida está o conceito “negligência das partes”, que determina a apreciação e valoração de um comportamento omissivo dos sujeitos processuais, considerando-se a falta de um impulso processual necessário. Ou seja, tem que se verificar inequivocamente que tenha ocorrido no processo desleixo, descuido na acção, merecedor daquela punição prevista na lei.
4.ª- Desleixo ou descuido esse que não aconteceu no caso concreto, pois que o acto processual a praticar – designação de novo dia de venda em substituição da que havia sido dada sem efeito – estava vedado à exequente por ser da legitimidade do Juiz de Direito a requerimento da Agente de Execução.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a Sentença posta em crise, substituindo-a por outra que determine o prosseguimento dos autos em conformidade, face à inexistência, em concreto, de qualquer negligência da exequente em promover o seu andamento. Fazendo-se assim Justiça!
*

Não foram proferidas quaisquer contra-alegações.
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II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa a materialidade invocada e que consta do elemento redactorial dos Autos, designadamente que:

- O Requerimento executivo deu entrada a 09.05.2012;
- O auto de penhora está datado de 20.07.2012;
- Foram designadas as seguintes datas para a realização da diligência de abertura de propostas em carta fechada: 04.04.2016, 30.05.2016, 08.07.2017, 06.03.2017, que não se concretizou em virtude das partes requererem nos autos a suspensão da instância com vista a alcançarem acordo (com excepção da última data apontada, a qual não veio ocorrer por outras vicissitudes).
- Por despacho datado de 06.03.2017, foi determinada a notificação do credor reclamante de que o processo ficava a aguardar o impulso processual devido, sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º5, do Código de Processo Civil.
- O Exequente foi notificado do referido despacho a 07.03.2017.
- A 02.06.2017, veio a Sra. Agente de Execução informar os autos de que o Exequente não havia ainda impulsionado os autos.
- A 24.09.2017 veio o credor reclamante indicar que o ónus do impulso processual a si não lhe estava acometido, pois a diligência última (abertura de propostas em carta fechada) havia sido desmarcada por causa a si não imputável, pelo que caberia a quem de direito designar nova data para a realização da diligência dada sem efeito.
- Mais requereu que fosse designada de nova data para abertura de propostas em carta fechada.
- O Executado, ao abrigo do direito de exercício do contraditório, veio dizer, em síntese, que o prazo de deserção ocorreu já a 11.09.2017, pelo que deverá o requerimento apresentado pelo credor reclamante ser indeferido
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- Do despacho sequente a conclusão de 06.03.2017, consta, tão só, que:
«Apesar de a Sra. Agente de Execução e do Credor Reclamante terem enviado os seus requerimentos no dia imediatamente a seguir ao despacho proferido no dia 21/02/2017, só hoje é que os autos foram conclusos ao aqui signatário.
Face ao alegado pela Sra. Agente de Execução no seu requerimento de fls. 74 e 75, a diligência designada para o dia de hoje deveria ter sido desmarcada.
Para além disso, o processo já se encontra parado há quase dois anos, à espera da realização do acto de abertura de propostas em carta fechada.
O prazo máximo de suspensão da instância previsto no n." 4 do art. 272.° do Código de Processo Civil há muito que também já foi ultrapassado.
Face ao exposto, notifique o credor reclamante de que o processo aguarda o impulso processual devido, sem prejuízo do disposto no art. 281.°, n." 5 do Código de Processo Civil.
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Fica sem efeito a diligência agendada para o dia de hoje.
Idanha-a-Nova, 6 de Março de 2017»;

- Da decisão recorrida, consta:

«(…) é indubitável que o artigo 281.º, n.º5, do Código de Processo Civil, dita, sem margem para dúvidas, de que no processo executivo a deserção ocorre, independentemente de qualquer despacho judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de 6 meses.
E após a prolação do despacho proferido a 06.03.2017 decorreram já 6 meses, que se completaram a 11.09.2017.
Com efeito, ficou expressamente consignado no referido despacho que os autos ficavam a aguardar o impulso processual do credor reclamante, o que só veio ocorrer na referida data.
Ora, atento o lapso de tempo decorrido sem impulso processual do credor reclamante, verificamos que já decorreu o prazo de 6 meses a que alude a norma legal citada, pelo que se mostra verificada a deserção da instância executiva.
Após trânsito, deverá a Sra. Agente de Execução actuar em conformidade com o supra decidido».

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Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º, do mesmo código.
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As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva, consistem em apreciar que:

1.ª- A declaração da deserção da instância, nos termos do n.º 5 do artigo 281.º do CPC, nunca poderá ser automática, devendo, antes de ser proferido o despacho de deserção, ser ouvida a parte de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente, bem como, que na concretização do dever de cooperação e do cumprimento do contraditório, dê às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre esta matéria. ( artºs 3º nº3 e 7º nº1, do CPC).
2.ª- Somente depois de ouvir as partes, nomeadamente a exequente, é que eventualmente deveria o Tribunal “a quo”, tendo em conta fundamentos substanciais e materiais, e não meramente formais, emitir despacho adequado.
3.ª- Subjacente à norma jurídica supra aludida está o conceito “negligência das partes”, que determina a apreciação e valoração de um comportamento omissivo dos sujeitos processuais, considerando-se a falta de um impulso processual necessário. Ou seja, tem que se verificar inequivocamente que tenha ocorrido no processo desleixo, descuido na acção, merecedor daquela punição prevista na lei.
4.ª- Desleixo ou descuido esse que não aconteceu no caso concreto, pois que o acto processual a praticar – designação de novo dia de venda em substituição da que havia sido dada sem efeito – estava vedado à exequente por ser da legitimidade do Juiz de Direito a requerimento da Agente de Execução.

Apreciando, diga-se que a deserção da instância executiva não dispensa que se apure, concretamente, que a falta de impulso processual dos autos se deve a negligência das partes. Considera-se, também, que, não sendo automática a deserção da instância, pelo decurso do prazo de seis meses, o tribunal, antes de proferir o despacho a que alude o n.º 4 do art. 281.° do CPC, deve ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente (Ac. RC, de 14.6.2016: Proc. 4386/14.1T8CBR.C1.dgsi.Net).

Com efeito, ainda que, no domínio do processo executivo, a deserção da instância opere automaticamente - independentemente, portanto, de qualquer decisão judicial que a declare -, ela não se basta com a mera circunstância de o processo estar parado ou não apresentar qualquer movimento processual durante mais de seis meses; para que tal deserção se tenha por verificada, será ainda necessário que essa circunstância se deva a uma falta de impulso processual que possa ser imputada a negligência das partes, sendo irrelevante, para esse efeito, a falta de impulso processual, que apenas é imputável ao agente de execução.
Estando o processo a aguardar, há mais de seis meses, a realização de diligências que são da competência do agente de execução, não poderá concluir-se, sem mais, que a falta de movimento processual é imputável a negligência do exequente, sem que exista, pelo menos, uma notificação adrede que transfira, para este, o ónus de reagir e tomar posição sobre a inércia e o incumprimento o agente e execução.
Assim, constatando-se que o processo não apresenta movimento durante um período temporal significativo que seja bastante para concluir que o agente de execução não está a cumprir os deveres inerentes ao cargo, deverá o Tribunal notificar o exequente para requerer o que tiver por conveniente em face desse incumprimento; só a partir desse momento se poderá considerar que o exequente tem a obrigação e o ónus de tomar posição sobre esse incumprimento e que o processo aguarda o seu impulso processual, considerando-se deserta a instância se nada requerer nos seis meses subsequentes (Ac. RC, de 14.6.2016, Proc. 500/12.0TBAGN.C1.dgsi.Net).

Circunstancialmente, em particular, na individualização temática dos Autos - que sai referido, por expresso decisionismo voluntarista do Recorrente (fls. 95v.-98) -, deles, ressuma que:

«Não olvida a recorrente que o Despacho de 06/03/2017 encerrava a notificação de que o processo aguardava o impulso processual devido, sob cominação do nº 5 do art. 281º do CPC.
No entanto, tomou como certo que o impulso processual devido se reconduziria à pessoa da Agente de Execução que tem a legitimidade processual de requerer ao Juiz a designação de nova data, atento que tinha formulado o pedido de alteração da data de 06/03/2017.
(…)
E se a exequente tivesse sido ouvida, o Tribunal a quo seria informado da razão (a supra exposta) de nada ter sido requerido no prazo de 6 meses.
Outrossim, atento o lapso de tempo decorrido sem que a Srª Agente de Execução (ou o Tribunal a quo) tenha requerido a designação de nova data para venda, a exequente veio, passando por cima de quem de direito o tinha de fazer, a requer fosse designado novo dia para venda.
E foi este requerimento de 24/09/2017 que despoletou a decisão de que se recorre e já não qualquer notificação para prévia audição da exequente sobre a verificação ou não da cominação do art 281º nº 5 do CPC, que no nosso humilde entendimento deveria ter existido.
Veja-se que o Tribunal a quo em 22/05/2017 (Ref: 28997579) notificou a Srª Agente de Execução para informar o “estado das diligências”. Mas a mesma “audição” não teve para com a exequente.
(…)
Mais, quando a Agente de Execução é notificada em 22/05/2017 e responde a 02/06/2017, fá-lo sem que tenha, sequer, ouvido a exequente ou lhe tenha dado a conhecer o teor da resposta dada ao Tribunal a quo!
(…)
Mas no presente caso, mesmo depois de ter recebido a notificação de 22/05/2017, nem para isso a exequente foi notificada pela Srª Agente de Execução!
(…)
Desleixo ou descuido esse que não aconteceu no caso concreto, pois que o acto processual a praticar – designação de novo dia de venda em substituição da que havia sido dada sem efeito – estava vedado à exequente por ser da legitimidade do Juiz de Direito a requerimento da Agente de Execução».

Ora, na acção executiva, a verificação da extinção da instância por deserção, incumbirá, em regra, ao agente de execução. Embora a deserção da instância (na acção executiva) não necessite de ser declarada por despacho judicial, não prescinde de uma apreciação prévia sobre a verificação dos seus pressupostos e que serão a negligência do exequente em promover o respectivo andamento. Não dependendo, em regra, a marcha do processo executivo do impulso do exequente, só se poderá falar em inércia do exequente para promover os respectivos termos se for expressamente notificado, por parte do agente de execução ou por determinação do tribunal, de que o processo ficará a aguardar a sua resposta ou impulso (Ac. RC, de 7.6.2016: Proc. 302/15.6TBLSA.C1.dgsi.Net). O que, no presente circunstancialismo, e nos referidos termos, fixados em probatório, e com tal alcance, não aconteceu.

Desta forma relevando, pois, que, à luz do CPC de 2013, na acção executiva, a deserção da instância opera de forma automática, não dependendo de decisão judicial, desde que, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. No entanto, não deixará o juiz de avaliar, em concreto, ao julgar a deserção, se houve efectiva negligência das partes motivadora da paralisação do processo por mais de seis meses.
A imediata e gravosa consequência que hoje pode associar-se a um tal período de inactividade do processo, aconselham, deste modo, face ao quadro normativo anterior, uma cautelosa ponderação dos requisitos que poderá passar, em caso de dúvida, e atendendo ao princípio da cooperação previsto no art. 7.° do NCPC, pela audição das partes ou pela sua notificação prévia com aquela expressa cominação.
Não se cumprindo tal formalismo, não se pode afirmar que exista qualquer negligência do exequente em promover o andamento processual. Para que haja lugar à deserção da instância, é indispensável que a parte esteja obrigada a promover o impulso e o não faça, nos termos e prazos que a lei impõe (Ac. RG. de 2.5.2016: Proc. 1417/10.8TBVCT-A.G I.dgsi.Net).

O que, com este específico alcance, determina responder afirmativamente às questões em perfil.

***

Podendo, assim, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7, NCPC), que:

1.
A deserção da instância executiva não dispensa que se apure, concretamente, que a falta de impulso processual dos autos se deve a negligência das partes. Considera-se, também, que, não sendo automática a deserção da instância, pelo decurso do prazo de seis meses, o tribunal, antes de proferir o despacho a que alude o n.º 4 do art. 281.° do CPC, deve ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente.
2.
Com efeito, ainda que, no domínio do processo executivo, a deserção da instância opere automaticamente - independentemente, portanto, de qualquer decisão judicial que a declare -, ela não se basta com a mera circunstância de o processo estar parado ou não apresentar qualquer movimento processual durante mais de seis meses; para que tal deserção se tenha por verificada, será ainda necessário que essa circunstância se deva a uma falta de impulso processual que possa ser imputada a negligência das partes, sendo irrelevante, para esse efeito, a falta de impulso processual, que apenas é imputável ao agente de execução.
3.
Estando o processo a aguardar, há mais de seis meses, a realização de diligências que são da competência do agente de execução, não poderá concluir-se, sem mais, que a falta de movimento processual é imputável a negligência do exequente, sem que exista, pelo menos, uma notificação adrede que transfira, para este, o ónus de reagir e tomar posição sobre a inércia e o incumprimento o agente e execução.
4.
Assim, constatando-se que o processo não apresenta movimento durante um período temporal significativo que seja bastante para concluir que o agente de execução não está a cumprir os deveres inerentes ao cargo, deverá o Tribunal notificar o exequente para requerer o que tiver por conveniente em face desse incumprimento; só a partir desse momento se poderá considerar que o exequente tem a obrigação e o ónus de tomar posição sobre esse incumprimento e que o processo aguarda o seu impulso processual, considerando-se deserta a instância se nada requerer nos seis meses subsequentes.

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão proferida, no despacho em causa, que haverá de ser substituído por outro que, agora, determine o prosseguimento dos autos, em conformidade.

Sem Custas.
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Coimbra, 15 de maio de 2018.

Carvalho Martins (Relator)
Carlos Moreira
Moreira do Carmo