Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1867/08.0TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESSUPOSTOS
NATUREZA SUBSIDIÁRIA DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 11/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU – 3º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 473º E 474º DO C. CIVIL.
Sumário: I – O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
II - A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.

III – O enriquecimento tanto pode traduzir-se num aumento do activo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas.

IV – Enriquecimento (injusto) esse que igualmente tanto poderá ter a sua origem ou provir de um negócio jurídico, como de um acto jurídico não negocial ou mesmo de um simples acto material.

V – O enriquecimento carecerá de causa justificativa sempre que o direito não o aprove ou consinta, dado não existir uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida, isto é, que legitime o enriquecimento.

VI – Dado, porém, que a lei não define tal conceito e dada a natureza diversa da fonte de que pode emergir, tal significa que o enriquecimento injusto terá sempre que ser apreciado e aferido casuisticamente, interpretando e integrando a lei à luz dos factos apurados.

VII – Naquilo que tem sido entendido como uma ampliação ao 3º requisito acima enunciado, a obrigação de restituir pressupõe ainda que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga ao direito à restituição, por forma a não dever haver de permeio, entre o acto gerador do prejuízo dele e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro qualquer acto jurídico – carácter imediato da deslocação patrimonial.

VIII – Porém, tal exigência não deverá assumir um carácter absoluto, por forma a deixar-se ao julgador campo de manobra suficiente de modo a poder aferir se a mesma aplicada a uma situação em concreto se mostra excessiva e evitar, nesse caso, que ela conduza a uma solução que choque com o comum sentimento de justiça.

IX – As acções baseadas nas regras do instituto do enriquecimento sem causa têm natureza subsidiária, só podendo a elas recorrer-se quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reacção.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. O autor, Banco A..., S.A., instaurou (21/6/2008) contra a ré, B..., ambos com os melhores sinais dos autos, a presente acção declarativa, com forma de processo sumário, pedindo que a última seja condenada a restituir-lhe a quantia de € 17.500,00, acrescida de juros de mora, vencidos – no montante de € 1.158,73 – e vincendos, à taxa anual de 4%, até ao seu efectivo e integral pagamento.

Para o efeito, alegou, em síntese, o seguinte:

Na sequência de um ofício recebido das Finanças de Viseu, o autor considerou penhorado à ordem de uma execução fiscal intentada contra a aqui ré o saldo de uma conta bancária (que ali identifica), e da qual a mesma era titular exclusiva e onde tinha depositadas 350 obrigações de caixa aforro C..., com uma cotação à data da efectivação da penhora de € 17.440,50.

Que os referidos valores mobiliários/obrigações tiveram o seu vencimento em Agosto de 2006, tendo então o montante de € 17.500,00, correspondente ao capital investido, sido creditado conta de depósitos à ordem aberta pela ré junto do banco autor.

Porém, devido a manifesto lapso do autor, não ficou tal quantia indisponível e cativa à ordem do órgão de execução fiscal por força da ordenada penhora, pelo que, assim, ficou livre para poder ser movimentado pela ré.

Tomando conhecimento desse facto, a ré ordenou entretanto, em 25/10/2006, a transferência desse saldo para as contas de um terceiro.

Contudo, o banco autor apenas se apercebeu daquele referido lapso quando em Novembro de 2007 o serviço de finanças exequente lhe solicitou a entrega dos valores penhorados.

Tendo então entrado em contacto com a ré, e tendo-se esta recusado a entregar-lhe aquela quantia, não restou ao autor outra alternativa senão do que a de entregar ao serviço exequente a quantia que havia sido penhorada (como resultava do seu dever de fiel depositário).

Pelo que ficou, assim, o autor empobrecido na quantia de € 17.500,00, na exacta medida do injustificado enriquecimento da ré, e que esta lhe deve restituir à luz do instituto do enriquecimento sem causa.

2. Na sua contestação, a ré defendeu-se, em síntese, negando a sua responsabilidade pelo pagamento da dívida tributária sob execução (e à qual deduziu oposição), afirmando ainda que se limitou a movimentar a sua conta livremente, desconhecendo sequer que tal quantia se encontrasse indisponível para o efeito.

Pelo que terminou pedindo a improcedência da acção.

3. Respondeu ainda o autor, para concluir pugnando pela procedência da acção.

4. Foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e a regularidade da instância e dispensada a selecção da matéria de facto.

5. Procedeu-se, mais tarde, à realização do julgamento – com a gravação dos depoimentos prestados em audiência -, sem que a decisão da matéria de facto tivesse sido objecto de qualquer censura.

6. Seguiu-se a prolação da sentença que, a final, julgou a acção improcedente, absolvendo, em consequência, a ré do pedido contra si formulado pelo A..

7. Não se conformando com tal sentença, o autor dela apelou.

8. O autor/apelante concluiu as respectivas alegações de recurso que apresentou nos seguintes termos:

[…]

9. A ré não contra-alegou.

10. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


***

II- Fundamentação


A) De facto.

Pelo tribunal da 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

[…]


***

B) De direito.

1. É sabido (entendimento que continua a manter-se com a actual reforma, aqui aplicável, introduzida ao CPC pelo DL nº 303/2007 de 24/8 - artºs 684, nº 3, e 685-A, nº 1) que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o seu objecto.

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do presente recurso, verifica-se que a grande questão que importa aqui verdadeiramente apreciar e decidir traduz-se em saber se no caso configurado na acção pelo A./apelante ocorre ou não uma situação de enriquecimento sem causa por parte da ré, e, em caso afirmativo, quais as consequências jurídicas daí a extrair na perspectiva da pretensão daquele ali formulada.

Na verdade, fundando, como acima deixámos expresso, o autor a sua pretensão condenatória contra a ré no enriquecimento sem causa por parte desta, através da situação que configurou na acção, o êxito da mesma passa, desde logo, por saber se, no caso sub júdice, se mostram ou não preenchidos todos os requisitos do instituto do enriquecimento sem causa.

Na sentença recorrida entendeu-se que não, fazendo-se naufragar a acção por se ter considerado não se mostrarem preenchidos os requisitos do carácter imediato deslocação patrimonial, ou seja, por o alegado enriquecimento da ré não ter ocorrido ou ter sido imediatamente obtido à custa património do autor (que se reclama empobrecido), e da falta de causa justificativa desse alegado enriquecimento da ré.
1.2 Vejamos então.
1.2.1 É sabido que o enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e que assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia. Ou seja, na base desse instituto encontram-se situações de enriquecimento sem causa, de enriquecimento injusto ou de locupletamento à custa alheia.
Instituto esse que entre nós encontra a sua consagração legal no artº 473 do C. Civil, ao dispor-se que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou” (nº 1) e que “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou” (nº 2).
Como decorre do princípio geral ínsito no citado o citado artº 473, nº 1, do CC, e na esteira do que escrevem os profs. Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., págs. 427/431”), a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à coisa alheia pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes três requisitos:

a) É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento.

Enriquecimento esse que consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista, tanto podendo traduzir-se num aumento do activo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas.

Enriquecimento (injusto) esse que tanto poderá ter a sua origem ou provir de um negócio jurídico, como de um acto jurídico não negocial ou mesmo de um simples acto material.

b) Em segundo lugar, a obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa (quer porque nunca a tenha tido, quer porque, tendo-a inicialmente, a haja entretanto perdido).
É sabido que o conceito de causa do enriquecimento não se encontre definido e que a causa do enriquecimento varia consoante a natureza jurídica do acto que lhe deu origem.

Devendo, todavia, funcionar como directriz geral, em todos os casos, a ideia de que o enriquecimento carece de causa justificativa quando, segundo a lei, deve pertencer a outra pessoa.

Ou seja, e por outras palavras, o enriquecimento carecerá de causa sempre que o direito não o aprove ou consente, dado não existir uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida (a favor do enriquecido e à custa do empobrecimento de alguém), isto é, que legitime o enriquecimento.

Numa definição mais formal, e nas palavras do prof. A. Varela (in “Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina Coimbra, 4ª ed., pág. 408”) o enriquecimento será injusto quando, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outra pessoa.
Dado que a lei não define tal conceito, e dada a natureza diversa da fonte de que pode emergir, tal significa que o enriquecimento injusto terá sempre que ser apreciado e aferido casuisticamente, interpretando e integrando a lei à luz dos factos apurados.

c) Por fim, e em terceiro lugar, a obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.

A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, como regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro.

O benefício obtido pelo enriquecido deve, pois, resultar de um prejuízo ou desvantagem do empobrecido.

Daí que se postule a necessidade de existência de um nexo (causal) entre a vantagem patrimonial auferida por um e o sacrifício sofrido por outro.

A propósito deste último requisito, tem gerado controvérsia o saber se se torna ou não ainda necessário que a vantagem económica do enriquecido deva ser obtida imediatamente à custa do empobrecido. Questão essa que resulta do facto de a relação entre o enriquecimento e o seu suporte por outrem poder ser directa ou indirecta, dado que a deslocação patrimonial para o enriquecido tanto poder ocorrer ou ser conseguida por via directa ou com via indirecta/reflexa.

Vem, contudo, ganhando predominância a corrente doutrinal que amplia o referido requisito no sentido de exigir que, além de uma vantagem obtida à custa de outrem, se torna ainda indispensável, para que haja lugar à obrigação de restituição, que haja uma unidade do processo de enriquecimento, ou seja, uma deslocação patrimonial directa – no sentido de que entre o acto gerador do prejuízo do empobrecido e a vantagem conseguida pela outra parte não deve existir qualquer outro acto jurídico. Ou seja, para que haja à obrigação de restituir torna-se ainda necessário que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga ao direito à restituição, por forma a não dever haver de permeio, entre o acto gerador do prejuízo dele e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro qualquer acto jurídico. A isso designa a doutrina alemã por carácter imediato da deslocação patrimonial.

Porém, dado, por um lado, não resultar directa e forçosamente da lei a imposição de tal solução, e dado, por outro, a complexidade e a variedade de situações ou hipóteses que podem ser abrangidas ou colocadas, vem uma parte dessa doutrina - a que aderimos -  defendendo dever ter a jurisprudência os movimentes livres para atender a uma ou outra situação em que tal exigência de deslocação patrimonial directa se venha, em concreto, a mostrar excessiva, conduzindo, por via disso, a soluções que choquem com o comum sentimento de justiça. (Vide, a propósito, desta questão e doutras atrás referidas, e para melhor e maior desenvolvimento, e entre muitos outros, os profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Ob. cit. págs.427/431”, o prof. A. Varela, in “Ob. cit., págs. 390/418”, o prof. Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações, Almedina, 10ª ed., págs. 489/501”; o prof. Inocêncio Galvão Teles, in “Direito das Obrigações, 4ª ed., Coimbra Editora, págs. 133/138; o prof. Luís M. T. de Menezes Leitão, in “O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, págs. 549 e ss”, Júlio Gomes, in “O Conceito de Enriquecimento sem Causa, págs. 433 e ss. e 675 e ss.”; Ac. do STJ de 27/1/1998, in “BMJ nº 473 – 474”; Ac. do STJ de 15/11/1995, in “BMJ nº 451 – 387”; Acs. do STJ de 6/10/2009, proc. 2217/07.8TBVCD.S1; de 14/7/2009, proc. 413/09.2YFLSB, e de 16/9/2008, proc. 08B1644, publicados em www.dgsi.pt/jstj”).

Por sua vez, dispõe o artigo 474 do CC que “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.

Resulta, pois, de tal normativo que a acção baseada nas regras do instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo a recorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reacção (o que, no fundo, funcionará como um novo pressuposto ou requisito legal para o recurso à acção de restituição com base no instituto do enriquecimento sem causa)

Como escrevem os profs. Pires de Lima e Antunes Varela (in “Ob. cit., pág. 433”) “a subsidiariedade da acção de enriquecimento tem, no entanto, de ser entendida em termos hábeis. Pode originariamente a lei não permitir o exercício da acção de enriquecimento, em virtude de o interessado dispor de outro direito e, posteriormente, facultar o recurso àquela acção, em consequência da caducidade desse direito”.

Por fim, dir-se-á que constitui entendimento claramente prevalecente no sentido de que, à luz do artº 342, nº 1, é sobre o autor (alegadamente empobrecido) que impende o ónus de alegação e prova dos correspondentes factos que integram cada um daqueles requisitos, ou seja, de todos aqueles pressupostos legais que integram o referido instituto. (Vidé, por todos, e além dos Mestres atrás citados, Acs. do STJ de 16/9/2008, de 20/9/2007, 14/7/2009, e de 14/5/1996, respectivamente, nos processos 08B1644, 07B2156, proc. 413/09.2YFLSB, publicados inwww.dgsi.pt/jstj”, sendo o último na CJ, Acs. do STJ, Ano III, T2 – 172” e Ac. da RC de 2008/12/17, proc. Apelação nº 278/08.1TBAVR.C1, publicado in “dgsi.pt/jtrc”).

1.2.2 Aqui chegados, analisemos então caso em apreço à luz de tais considerações e dos factos apurados.

A ré era titular no banco autor, que faz do comércio bancário a sua actividade, de uma conta de valores mobiliários nº ..., na qual se encontravam depositadas 350 obrigações de.... C... Agosto 04/06.

O que, como bem se assinalou na sentença recorrida, faz pressupor a existência de um contrato de depósito bancário celebrado entre o A. e a R., revestindo a natureza e as características que ali foram acertadamente aduzidas (e que por isso, aqui no dispensámos de repetir, dado a sua não relevância para a solução do caso).

Conta essa que, na sequência de ofício do 2º Serviço de Finanças de Viseu, veio a ser penhorada, em 28-07-2005, à ordem de uma execução fiscal intentada contra a aqui ré, tendo então as referidas obrigações uma cotação de € 17.440,50.

Quando ocorreu o seu vencimento em Agosto de 2006, o seu montante, então cifrado em € 17.500 (correspondente ao capital investido), foi creditado na conta de depósitos à ordem nº ..., aberta junto do banco/autor e da qual a aqui ré era titular exclusiva.

Porém, por manifesto lapso do banco/autor, aquele montante não ficou “indisponível” à ordem do órgão de execução fiscal, por força da ordenada penhora, o que fez com que, não tendo ficado devidamente cativado, a ré o pudesse movimentar livremente.

E foi assim que a ré, em 25-10-2006, veio a ordenar a transferência do saldo credor da sua conta de depósitos à ordem (onde se encontrava depositado aquele montante de € 17.500 creditado pelo banco autor) para outras contas de depósitos à ordem também domiciliadas junto do banco autor, mas tituladas por um terceiro, sendo que em relação a uma delas a ré tinha, na qualidade de procuradora, poderes para a movimentar, sabendo então a ré sabia que os montantes creditados naquela sua conta de depósitos à ordem correspondiam ao reembolso dos valores mobiliários.

Porém, o autor só veio a tomar conhecimento do referido lapso por si cometido quando, em Novembro de 2007, o referido Serviço de Finanças lhe solicitou a entrega dos valores penhorados, após o que contactou, de imediato, a ré, dando-lhe conta do lapso cometido e solicitando-lhe ainda a restituição do aludido montante global de € 17.500 posto, devido a tal lapso, à sua disposição na sua referida conta de depósitos à ordem e que depois a mesma movimentou e destinou conforme bem entendeu.

Como a ré se tivesse recusado a proceder à restituição do referido montante, o banco autor procedeu então à entrega àquele Serviço de Finanças da quantia de € 17.500 - correspondente ao montante antes penhorado pelo referido Serviço de Finanças e que autor havia colocado, por via do lapso atrás referido, à disposição da ré naquela sua conta de depósitos à ordem.

Até à data nenhuma quantia foi entregue pela ré ao banco autor para restituição do referido montante de € 17.500.

Será, pois, à luz de tais factos que terá que ser encontrada a resposta para a questão acima colocada, e mais concretamente quanto ao saber se estão ou não, in casu, verificados os requisitos e/ou pressupostos legais do instituto do enriquecimento sem causa.

E a nossa resposta é, desde logo, positiva, e pelo seguinte:

Ao contrário do que se refere na sentença recorrida, o enriquecimento ré não decorre da colocação pelo A. da quantia acima referida (€ 17.500) na conta de depósitos à ordem daquela, em condições de a poder movimentar e do subsequente levantamento que a mesma dela fez (contra o que deveria suceder, pois que deveria estar cativa, por ter sido penhorada à ordem de uma execução fiscal). Essa quantia era da ré e continuava então na esfera da sua dominialidade, só que não poderia na altura dispor dela por se encontrar penhorada à ordem de um processo de execução que contra si então pendia.

Esse enriquecimento da ré e o correspondente empobrecimento do autor só ocorrem quando este, mais tarde, dispondo de dinheiro que era seu, procedeu à entrega do montante equivalente àquela quantia ao Serviço de Finanças de Viseu, por força da penhora que havia sido for ordenada no processo de execução fiscal que contra a ré pendia. Obrigação de entrega essa pela qual o banco autor ficou responsabilizado, a partir do momento da referida penhora e quando, pelas razões que têm a ver com o lapso por si cometido, permitiu (por não ter a cativado) que a ré movimentasse a aludida quantia que fora penhorada à ordem daquele processo de execução, violando, assim, função de fiel depositário que lhe estava acometida (cfr. artº 861-A do CPC, na redacção então vigente).

Com tal entrega feita pelo A., a ré viu, consequente e necessariamente, o seu passivo diminuído, não à custa de disposição de dinheiro seu mas antes de dinheiro que era do autor.

É assim, a nosso ver, patente que, in casu, ocorreu um enriquecimento da ré à custa de um correlativo e imediato/directo empobrecimento do autor. O enriquecimento da ré e o correspectivo empobrecimento do autor ocorrem no mesmo momento (e que coincidiu com a entrega, pelos motivos e razões que atrás se deixaram expressas, pelo autor da aludida quantia nos serviços de execução fiscal), e sem que entre aquela entrega feita pelo autor e a vantagem auferida pela ré (diminuição do passivo ou da sua dívida exequenda) tenha entretanto sido cometido um outro qualquer acto jurídico.

E tal vantagem patrimonial obtida pela ré mostra-se totalmente injustificada, isto é, carece causa de justificativa. A ré viu diminuída a sua dívida exequenda com dinheiro pertença do autor. Porém, inexiste qualquer relação ou facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso ordenamento jurídico, justifique tal, isto é, que legitime o referido enriquecimento obtido pela ré (à custa do A.).

Diga-se ainda, que decorre dos autos (embora não consta da materialidade factual apurada) que a ré terá deduzido oposição na sobredita execução. No caso de porventura a mesma vir a ser julgada procedente tal importaria a extinção da execução, pelo menos em relação a si, pelo que, nesse caso, sempre tal quantia lhe terá de ser devolvida/enquanto executada (e não ao A., pois foi contra si que, enquanto parte executada, foi ordenada a penhora da quantia em causa).

Por fim, afigure-se-nos que in casu nenhum outro mecanismo legal está reservado ao autor para obter da ré a restituição de tal quantia.

Face ao exposto, é de concluir, assim, mostrarem preenchidos todos os requisitos ou pressupostos legais que permitem ao autor obter da ré, com base no instituto do enriquecimento sem causa, a restituição da sobredita quantia de € 17.500,00 de que ficou privada, e de que, sem causa legitima, aquela beneficiou (cfr. ainda artº 479 do CC).

Para além da restituição dessa quantia pede ainda o autor que ela seja ainda acrescida de juros, à taxa supletiva legal civil, contabilizados desde a data de 25/10/2006.

Data esta que considerou como sendo aquela que a ré se enriqueceu à sua custa (cfr. artº 12º da p.i.).

Porém, da matéria factual apurada (cfr. nº 6) verifica-se que essa data corresponde àquela em que a ré ordenou a transferência do saldo credor da sua conta de depósitos à ordem (onde se encontrava depositada a sobredita quantia de € 17.500 que fora penhorada à ordem da execução fiscal) para outras contas de depósitos à ordem também domiciliadas junto do banco autor, mas tituladas por um terceiro.

Pelo que atrás deixámos expresso, já vimos que não foi essa a data que correspondeu ao enriquecimento da ré à custa do autor, mas sim aquela em que este procedeu à entrega ao Serviço de Finanças de Viseu da sobredita quantia de € 17.500. Data essa que, todavia, não se mostra concretamente apurada (apenas se sabendo que foi após esse Serviço lhe ter solicitado a entrega desses valores em Novembro de 2007).

É inolvidável, porém, que o autor tem direito a juros (de mora), face ao que se encontra, a esse propósito, especial e expressamente consagrado no corpo do artº 480 do CC.

Todavia, o direito ao recebimento dos juros só ocorrerá, nos termos do estipulado nesse normativo, depois de se verificar algumas das seguintes circunstâncias:

a) Ter sido o enriquecido citado judicialmente para a restituição;

b) Ter ele conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento ou da falta do efeito que se pretenda obter com a prestação. (Vide ainda, a propósito, e entre outros, Acs. do STJ de 27/9/99 e de 2/5/1985, in, respectivamente, “CJ, Acs. do STJ, Ano VII, T2, pág. 127”;e “BMJ nº 347 – 370”).

Ora, não resultando da matéria factual apurada a data do conhecimento pela ré da falta de causa daquele seu enriquecimento, é manifesto que tais juros só serão devidos – à taxa supletiva legal estipulada para os juros civis, e que actualmente, tal como então, se cifra em 4%, à luz da portaria nº 291/2003 de 8/4 – a partir da data da citação daquela para esta acção.

Termos, pois, em que por tudo o exposto, se terá, na parcial procedência do recurso, de revogar a, aliás, douta sentença da 1ª instância, e condenar a ré nos termos sobreditos.


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III- Decisão


Assim, em face do exposto, e no parcial provimento do recurso, acorda-se em:

a) Revogar a sentença da 1ª instância.

b) Julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenar a ré, B..., a pagar/restituir ao autor, Banco A..., S.A., a quantia de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal de 4%, vencidos - desde a data da sua citação para a acção – e vincendos, e até ao seu integral pagamento/restituição.

Custas da acção e do recurso pela ré/apelada e pelo autor/apelante, na proporção do respectivo decaimento, e que para o efeito se fixa em 4/5 para a primeira e em 1/5 para o último (cfr. artº 446 do CPC na sua redacção anterior à introduzida pelo DL nº 34/08 de 26/2, e artº 2, nº 1 al g), - a contrario - do revogado CCJ, aqui aplicáveis, por força do disposto nos artºs 26 e 27, nº 1, do DL 34/2008 de 24/2, com a última redacção dada pelo artº 156 da Lei nº 64-A/2008 de 31/12).


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Isaías Pádua (Relator)
Teles Pereira
Manuel Capelo