Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FREDERICO CEBOLA | ||
Descritores: | CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO AUDIÇÃO DO ARGUIDO NULIDADE CONHECIMENTO OFICIOSO | ||
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Data do Acordão: | 11/27/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS (1.º JUÍZO) | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 49.º, DO CP; ARTIGO 119.º, N.º 1, ALÍNEA C), DO CPP; ARTIGO 27.º DA CRP | ||
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Sumário: | I - A decisão judicial que, em consonância com o disposto no artigo 49.º, n.º 1, do CP, ordena o cumprimento da prisão subsidiária, não pode dispensar o respeito pelo princípio do contraditório, já que, de outra forma, resultariam violados ditames constitucionais, designadamente o do artigo 27.º da CRP. II - A falta de notificação do arguido, para prévia audição, consubstancia nulidade, de conhecimento oficioso, prevista no artigo 119.º, alínea c), do CPP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório Nos autos de processo sumaríssimo com o n.º 325/10.7TATNV, que corre termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas, a arguida A... veio interpor recurso do despacho do M.mo Juiz, proferido em 19/04/2013, onde se determinou o cumprimento da pena de prisão subsidiária de 70 dias correspondente à pena de multa aplicada na sentença. Na motivação apresentada formulou as seguintes transcritas conclusões: «1) O presente recurso discorda da aplicação do direito, reputando-se terem sido violadas as seguintes normas de direito: artigo 49º, n.º 3 do Código Penal; artigo 61º, n.º l, alínea a) e b) do Código do Processo Penal e artigos 27º e 32º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa. 2) O Tribunal Judicial de Torres Novas não assegurou a possibilidade da arguida exercer o contraditório antes de decidir a conversão da pena da multa em prisão subsidiária. 3) A falta de audição do arguido no caso em que a lei comina essa obrigatoriedade, por colidir com direitos fundamentais de defesa, constitui nulidade insuprível, passível, de ser suscitada em fase de recurso - n.º 3, artigo 410º do Código do Processo Penal. 4) Daí que se verifique a nulidade prevista no artigo 120º, n.º 2, al. d) do CPP, arguida tempestivamente. 5) Caso idêntico foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14/07/2010, Processo n.º 141/08.6GBTNV-B.C1, com proveniência do Tribunal Judicial de Torres Novas, lº Juízo, para o qual se remete. 6) Não é legal o despacho do tribunal em converter a pena de multa não paga em prisão subsidiária sem curar de fazer o devido contraditório sobre o alegado incumprimento da pena de multa, conforme previsto no artigo 49, n.º 3 do Código Penal. 7) A arguida foi condenada, por sentença transitada em julgado, em pena de multa a título principal (art. 47º a 49º do CP), a qual não foi paga. 8) Tal não significa, que se avance logo para a fase da prisão subsidiária. 9) Quem afinal verifica da existência / inexistência de bens é o tribunal, o seja, o Juiz e compreende-se que assim seja, quando por causa de uma pena de multa possa vir um arguido a conhecer as malhas da prisão, estando em jogo, nesse caso, os seus mais elementares e supremos direitos, liberdades e garantias ... funcionando o Juiz como O GARANTE último da liberdade das pessoas e da legalidade dos atos. 10) Mas este PODER / DEVER é para ser assumido. 11) Nos presentes autos, manifestamente foi preterido o SAGRADO DIREITO da arguida ao contraditório, já, aliás, negado aquando da decisão de tornar culposo o incumprimento do pagamento da multa em prestações. 12) Haverá caso mais paradigmático do que este para fazer cumprir em toda a sua pujança tal comando legal? 13) Haveria assim o Meritíssimo Juiz a quo, que ordenar a notificação da arguida, para no prazo que lhe fixar dizer, querendo, o que se lhe oferecer sobre a possibilidade de lhe vir a ser aplicados 70 dias de prisão subsidiária, urgindo, pois, neste incidente da conversão da multa em prisão subsidiária observar o contraditório - cfr. artigo 61º, n.º al. b) do CPP e artigo 32º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa. 14) Impõe-se que se deve averiguar o motivo de o condenado não cumprir, nomeadamente dando-lhe oportunidade de se pronunciar. 15) Ao invés, de forma automática negou o Tribunal Judicial de Torres Novas, à arguida a aplicação do disposto no artigo 49º, n.º 3 do CP, porque entendeu que esta não havia apresentado em tribunal qualquer justificação para a sua omissão, preterindo assim o direito ao contraditório (cfr. artigo 412º, n.º 2, al. a) e b) do CPP); 16) Tal entendimento plasmado no despacho do qual se recorre, não está correto, na medida em que não se mostrando que o arguido cumpriu a pena de multa (voluntária ou coercivamente), há que saber qual a razão da falta de cumprimento dessa obrigação, indagando, e só com esse conhecimento se decidirá sobre a aplicação da prisão subsidiária. 17) Nos presentes autos se deveria ter averiguado o motivo da arguida não ter cumprido, dando-lhe oportunidade de se pronunciar e não negar-lhe à partida esse direito, como erradamente fez o Mmo Juiz, a quo, no despacho judicial recorrido. 18) Como resulta do artigo 49º, n.º 3 do Código Penal, o mero incumprimento não conduz logo e irremediavelmente à aplicação da prisão subsidiária, pois que o condenado pode provar que o não pagamento lhe não é imputável. 19) Mesmo havendo lugar à aplicação da prisão subsidiária, esta pode ser suspensa, nos termos do n.º 3 do referido artigo 49º, sendo certo que sempre é preciso dar ao condenado, oportunidade de se pronunciar e eventualmente provar que o não pagamento lhe não é imputável (Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 24/02/2010, Processo n.º 373/00.5PAMGR.C1). 20) O direito processual penal é verdadeiro direito constitucional aplicado, numa dupla dimensão: na derivada de os fundamentos do processo penal serem, simultaneamente, os alicerces constitucionais do Estado e na resultante de a concreta regulamentação de singulares problemas processuais ser conformada em termos jurídico-constitucionais. 21) Por isso, o direito a um processo com todas as garantias de defesa respeita à generalidade dos atos processuais e permite que em cada situação processual concreta nos possamos interrogar se a garantia constitucional foi efetivamente respeitada. 22) Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária, contudo, não se pode dispensar o respeito pelo contraditório, já que isso violaria ditames constitucionais designadamente o artigo 27º da Constituição Da República Portuguesa. 23) Nos termos do artigo 61º, n.º l, al. a) e b) do Código do Processo Penal, o arguido goza em especial, em qualquer das fases do processo e, salvas as exceções da Lei, do direito de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete. 24) Trata-se, pois, da emanação do Princípio do Contraditório com assento constitucional (artigo 32º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa). 25) Do exposto resulta que o presente recurso deve proceder totalmente, devendo ser revogado o despacho recorrido em toda a sua extensão e substituído por outro que exerça o devido contraditório com a arguida, aplicando-se o número 3 do artigo 49º, antes de passar para o cumprimento do número l daquele preceito legal. Porém Vossas Excelências, Como sempre, melhor decidirão Fazendo JUSTIÇA» O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: «1.° O artigo 49.º, n.º l do Código Penal, prevê que se a multa não for substituída por trabalho a pedido do condenado ou não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária.2.° Perante a decisão de conversão pode o condenado evitar o cumprimento da prisão por duas vias: ou pagando a pena de multa ou requerendo a suspensão da sua execução provando para o efeito que a razão do não pagamento lhe não é imputável (artigo 49.º, n.º 2 e 3 do Código Penal).3.° A lei não prevê a obrigatoriedade de audição do arguido para este exercer o contraditório em relação à decisão que converte a pena de multa em prisão subsidiária (cf. os artigos 489.º a 491.º-a do C.P.Penal), nem tal omissão consubstancia a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea d) do C.P.P. 4.° Quando muito a omissão da diligência de notificação da arguida para se pronunciar poderá ser contrária ao disposto no artigo 61.º, n.º l, alínea b) do C.P.P., omissão essa que apenas poderá enquadrar-se no artigo 123.º do C.P.P. e que deve considerar-se sanada por não ter sido invocada tempestivamente. 5.° Não se verifica o vício de nulidade da decisão recorrida invocado pela arguida. 6.° Pelo que, negar-se provimento ao recurso, e manter-se quanto a decisão recorrida. Assim decidindo, V. Ex.as farão justiça!» Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 417.º, do Código de Processo Penal, a arguida nada disse. Efectuado o exame preliminar determinou-se que, ao abrigo do disposto no art.º 419.º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, o recurso fosse julgado em conferência. Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação Conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19 de Outubro de 1995, publicado in D.R. Série I-A de 28 de Dezembro de 1995, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as de nulidade da sentença e as previstas no art.º 410.º, nº. 2, do Código de Processo Penal – v. ainda, entre outros, o acórdão do STJ de 3.2.99, em BMJ n.º 484, pág. 271; o acórdão do STJ de 25.6.98, em BMJ n.º 478, pág. 242; o acórdão do STJ de 13.5.98, em BMJ n.º477, pág. 263; Simas Santos/Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, pág. 48; Germano Marques da Silva, em “Curso de Processo Penal”, III, pág. 320 e 321. Tendo presente as conclusões do recorrente, a questão suscitada consiste em saber se antes de se proferir decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, deve ser concedido o contraditório ao arguido. O despacho recorrido é do seguinte teor: «A arguida A...foi condenada nos presentes autos na pena de 105 dias de multa à taxa diária de 6 euros, o que perfaz o total de 630 euros, pela prática de um crime de desobediência simples, através de sentença, entretanto transitada em julgado, conforme resulta de fls. 105. Resulta do artigo 489°, n°2, do Código de Processo Penal, que é de 15 dias após o trânsito em julgado da sentença, o prazo para o pagamento desta pena de multa. O arguido foi notificado do prazo que tinha para proceder a esse pagamento. Não obstante, o arguido não procedeu ao pagamento daquela pena no prazo que tinha para o fazer. Também não apresentou em Tribunal qualquer justificação para a sua omissão. Os autos de execução que estão apensos aos presentes e foram instaurados para obter o pagamento da pena de multa referida supra e das custas em que o arguido foi condenado, foram arquivados condicionalmente por não serem conhecidos bens penhoráveis ou emprego ao arguido. Não foi possível obter nesses autos o pagamento da pena de multa em que o arguido foi condenado. Deste modo, não será possível proceder à execução patrimonial do valor suficiente para pagamento da pena de multa, nos termos do artigo 491°, do Código de Processo Penal. Desta forma, e nos termos do artigo 49°, n°1, do Código Penal, o arguido deverá cumprir pena de prisão subsidiária pelo tempo correspondente a 2/3 da pena de multa. Essa pena de prisão subsidiária só seria passível de ser suspensa se estivessem preenchidas as condições previstas no artigo 49°, n.º 3, do Código Penal, cabendo então ao condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável. O arguido não apresentou em tribunal qualquer justificação para a sua omissão. Deste modo, não será possível proceder à suspensão da prisão. Procede-se assim à conversão da pena de muita aplicada no presente processo na pena de prisão subsidiária de 70 dias, que corresponde àqueles 2/3. Pelo exposto, decide-se aplicar à arguida A...a pena de prisão subsidiária de 70 dias. Notifique, designadamente ao Ministério Público, ao arguido e ao defensor deste. A arguida deverá ser notificada por carta simples para a morada que consta do TIR. * Após trânsito do despacho anterior, passe imediatamente mandados de captura da arguida A...e de condução ao Estabelecimento Prisional a fim de o mesmo cumprir a pena de prisão subsidiária referida supra e envie os mesmos aos OPCs competentes. Dos mandados deverá constar que os OPCs que os cumprirem deverão fazer advertência ao arguido que ele poderá evitar a execução da prisão subsidiária, pagando a multa em que foi condenado, nos termos do artigo 49.º, n.º 2, do Código Penal.» Apreciando. A questão a analisar no presente recurso consiste, como acima se disse, em saber se antes da prolação da decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária deve ser concedido o contraditório ao arguido. Sobre o caso em apreço já se pronunciou o acórdão desta Relação, de 24/02/2010, Processo n.º 373/00.5PAMGR.C1, disponível em www.dgsi.pt. Aderimos aos fundamentos de tal acórdão, do qual respigamos: «A questão (…) a analisar no presente recurso prende-se com a existência de fundamentos, ou não, para a aplicação da pena de prisão subsidiária, face ao não pagamento da pena de multa aplicada. (…) A lei (…) impõe a audição do arguido/condenado para se pronunciar sobre as razões do não pagamento. Resulta do art. 49 nº 3 do CP, sendo que o condenado pode provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável. Neste sentido se pronuncia Maia Gonçalves em anotação ao referido art. 49, entendendo que a ordem de cumprimento da prisão subsidiária não pode dispensar “o respeito pelo princípio do contraditório, já que isso violaria ditames constitucionais, designadamente o art. 27 da CRP”. Também o Ac. do STJ de 27-02-1997, in BMJ 464-429 a necessidade de respeito pelo princípio do contraditório antes da substituição da pena de multa pela prisão subsidiária. A lei penal obriga à audição do condenado para a aplicação de penas de substituição, ou revogação, nomeadamente da suspensão da execução da pena. Impõe que se deve averiguar o motivo de o condenado não cumprir, nomeadamente dando-lhe oportunidade de se pronunciar. Não se mostrando que o arguido cumpriu a pena de multa (voluntária ou coercivamente), há que saber qual a razão da falta de cumprimento dessa obrigação, e só com esse conhecimento se decidirá sobre a aplicação da prisão subsidiária. (…) Como resulta do art. 49.º n.º 3 do CP, o mero incumprimento não conduz logo e irremediavelmente à aplicação da prisão subsidiária, pois que o condenado pode provar que o não pagamento lhe não é imputável. (…) Mesmo havendo lugar à aplicação da prisão subsidiária, esta pode ser suspensa, nos termos do n.º 3 do referido art. 49.º, sendo certo que sempre é preciso dar, ao condenado, oportunidade de se pronunciar e eventualmente provar que o não pagamento lhe não é imputável.» Acrescentamos ainda que embora relativamente ao caso em apreço não exista previsão expressa no sentido de audição do arguido, tal resulta do disposto no art.º 61.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, que determina que o arguido deve ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz sempre que deva ser tomada alguma decisão que pessoalmente o afecte. Ora, manifesto é que a decisão em causa de conversão da multa em prisão subsidiária tem a virtualidade de afectar pessoalmente o arguido, porque bule com a sua liberdade. Por outro lado, estatui o art.º 119.º, al. c), do Código de Processo Penal que constitui nulidade insanável a ausência do arguido nos casos em que a lei exigir a sua comparência. De há muito vem sendo entendido que esta norma se refere à ausência física do arguido a actos em que seja obrigatória a sua presença, como igualmente à sua ausência processual nos casos em que lhe deva ser feito convite para se pronunciar. Do exposto decorre que o arguido devia ser notificado para se pronunciar sobre o incumprimento da pena de multa, e não o tendo sido foi cometida a nulidade acima mencionada, o que implica a invalidade do despacho recorrido e a realização da notificação citada e das diligências que venham a ser requeridas ou que oficiosamente o tribunal entenda dever realizar antes da prolação de nova decisão. Face aos fundamentos ora apresentados, forçoso será concluir que o recurso merece total provimento. III – Decisão Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, declarar nulo o despacho recorrido com as consequências acima citadas. Sem custas. Coimbra, 27 de Novembro de 2013 Frederico João Lopes Cebola (Relator) Maria Pilar de Oliveira |