Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
26/14.7GCTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA LOCAL DE TONDELA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 56.º DO CP; ART. 119.º, AL. C), 123.º E 495.º DO CPP
Sumário: I - Tendo o arguido tomado conhecimento da promoção do Ministério Público, com o envio da notificação para a morada indicada no “auto de interrogatório”, e não tendo arguido a irregularidade da notificação no prazo concedido no art.123.º do C.P.P., a mesma considera-se sanada.
II - No caso da revogação da suspensão da execução da pena se colocar por força do cometimento de um crime no decurso da suspensão (art.56.º, n.º 1, al. b) do Código Penal e n.º 3 do art.495.º do C.P.P.), não se colocam as questões de prova que se colocam no caso de da violação grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta ou do plano de reinserção social ( art. 56.º, n.º 1, al. a) do Código Penal).

III - Não há razão legal para na situação prevista no art.56.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, se exigir que o arguido se tenha de explicar, presencialmente, perante o Juiz sobre as razões pelas quais praticou um crime no período de suspensão, como forma de decidir se o quadro em que o condenado voltou a delinquir e o seu impacto negativo na obtenção das finalidades que justificaram a suspensão da pena, podem ou não ainda ser alcançadas.

IV - Se o Tribunal da segunda condenação entendeu ser suficiente suspender a pena, sem imposições, seria mais correto agora o Tribunal a quo, em vez de revogar a suspensão da pena, ter decidido prorrogar a suspensão da mesma, com a imposição de outras medidas, sujeitando-se o arguido a acompanhamento junto da Equipa de Reinserção Social.

V - A doutrina maioritária continua a defender, quanto à revogação da suspensão da pena no caso da nova condenação, que só a condenação em pena efetiva é fundamento de revogação da suspensão, pois que a condenação numa pena de multa ou numa pena de substituição, como a pena suspensa, mostram que o Tribunal da nova condenação fez ainda um juízo de prognose favorável ao arguido.

Decisão Texto Integral:



Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

     Relatório

Por despacho de 6 de Outubro de 2015, o Ex.mo Juiz da Comarca de Viseu – Instância Local de Tondela – Secção de Competência Genérica - J1, decidiu revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado o arguido A... e, consequentemente, determinar o cumprimento da pena de prisão de 3 (três) meses de prisão, em que fora condenado nos presentes autos

            Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o arguido A... , concluindo a sua motivação do modo seguinte:

 1- O douto tribunal violou o disposto nos Art° 55° e 56° do CP, ao decidir e aplicar logo a revogação da suspensão, não tendo ponderado pela aplicação de medidas alternativas à Revogação da Suspensão da Execução da pena como medida de ultima ratio.

2- O douto tribunal violou o Art° 495° n° 2 do CPP, ao não ouvir presencialmente o arguido, violando o direito ao exercício do contraditório.

3- Entende o arguido que deveria ser notificado para comparecer presencialmente para ser ouvido, ao não o fazer o douto tribunal violou o disposto no Art°119 alínea b) do CPP, sendo uma nulidade insanável e que desde já se invoca.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho em conformidade e decidindo-se posteriormente, e operadas as respectivas diligencias, pela audição do arguido e consequentemente pela prorrogação do período de suspensão de execução da pena de prisão aplicada ao arguido, ora recorrente caso V. Excelências assim entendam.

O Ministério Público no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Instância Local de Tondela, respondeu ao recurso interposto pelo arguido pugnando pela sua improcedência.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que deve ser declarada a falta de notificação do arguido, quer da promoção do Ministério Público de fls. 149 e 150, quer do despacho que revogou a suspensão da execução da pena, com as legais consequências, dando-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, ordenando-se que se proceda à notificação do arguido do despacho de fls. 151, para o arguido se poder pronunciar, querendo, sobre tal promoção, pronunciando-se, depois o tribunal a quo sobre a promoção do Ministério Público.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal, não tendo o arguido respondido ao douto parecer. 

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            O despacho recorrido tem o seguinte teor:

« Nos presentes autos o Ministério Público promoveu que fosse revogada suspensão a execução da pena de prisão aplicada a A... – fls. 149.

    Notificado o arguido e seu defensor nada vieram dizer no prazo concedido para o efeito – fls. 152 a 154.

    Uma vez que o fundamento para a revogação da suspensão da execução da pena consiste no trânsito em julgado de uma sentença condenatório pelo mesmo tipo de crime, entendemos ser desnecessária a audição presencial do arguido.

Dos factos relevantes para a decisão:

1. Nos presentes autos, A... foi condenado, em autoria material e na forma consumada na prática de um crime de traficante consumidor, na pena de 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano – fls. 54 a 63.

2. A sentença transitou em julgado em 05.03.2014 fls. 64, 66 74..

3. No âmbito do processo nº 93/14.3GEBNV, que correu termos na Instância Local, Secção Criminal de Benavente, o A... , foi condenado, em autoria material e na forma consumada na prática de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano.

4. Esta sentença transitou em julgado em 14.05.2015.

5. Os factos pelos quais o A... foi condenado foram praticados em 26.03.2014, ou seja, durante o período da suspensão da pena de prisão - cfr. fls. 133 a 138.   

Do Direito:

O artigo 56º do Código Penal, com a epígrafe Revogação da suspensão, tem a seguinte redacção:

1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.

    Do texto da norma resulta que existem dois fundamentos básicos para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão:

    A violação grosseira e consequentemente culposa dos deveres ou regras de conduta impostas ao arguido na sentença;

    A condenação por crime, do qual resulte que as finalidades da suspensão não puderam ser efectuadas.

    A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, de que se fala na alínea a), do n.º 1, do artigo 56º, do Código Penal, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação.

    Importa no entanto salientar que a infracção grosseira dos deveres que são impostos ao arguido não exige nem pressupõe necessariamente um comportamento doloso, bastando a infracção que seja o resultado de um comportamento censurável de descuido ou leviandade.

    A condenação por crime cometido no período da suspensão da execução da pena de prisão não dita, por si só, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes o juízo sobre a possibilidade de ainda serem alcançadas, em liberdade, as finalidades da punição que norteará a escolha dos regimes do artigo 55º ou do artigo 56º do Código Penal.

    Com a revisão do Código Penal de 1995, o acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime (doloso) durante o período da suspensão da prisão e na correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento do segundo crime e respectiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para prosseguir as finalidades da punição.

    Tendencialmente, será a condenação em pena efectiva de prisão a reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas.

    Em caso de suspensão simples da execução da pena de prisão, a prática de um crime durante o período em que vigorava essa suspensão, só deve constituir causa de revogação, quando essa prática, em concreto (tendo em conta o tipo de crime, as condições em que foi cometido, a gravidade da situação, entre outros), demonstre que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão, ou seja, se as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

    A aplicação de uma pena de prisão efectiva pela prática de crime (doloso) cometido no decurso do período de suspensão da execução de pena da mesma natureza - tendo, necessariamente, subjacente o juízo de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição -, seguida da correspondente «reclusão», não pode senão conduzir à revogação da suspensão decretada, por comprometer o juízo determinante subjacente à pena de substituição, designadamente o de prognose positiva quanto ao futuro do delinquente.

    Em princípio, será só a condenação posterior em pena de prisão efectiva que indiciará que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam ser alcançadas. O que não impede que condenações posteriores em pena de substituição possam concretamente revelar uma quebra da confiança na ressocialização do arguido em liberdade.

    Nos presentes autos o arguido cometeu um crime contra o mesmo bem jurídico, pelo qual foi condenado numa pena de prisão suspensa na execução, ora a suspensão de execução da pena aplicada nos presentes autos, foi com base no pressuposto que o arguido se iria abster da prática de crimes ligados a estupefacientes.

    Com efeito a suspensão da execução da pena de prisão é, como se sabe, uma pena de substituição em sentido próprio pois, para além de ter carácter não institucional já que cumprida em liberdade, pressupõe ainda a prévia determinação da medida da pena de prisão, cujo fim de política criminal é o afastamento do delinquente da prática de novos crimes ou seja, a prevenção da sua «reincidência».

    Ora o crime praticado, de tráfico de menor gravidade, invalidou de forma definitiva a prognose favorável que fundou a suspensão ou seja, a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência.

    Nos presentes autos acresce que o crime em causa foi praticado pouco mais do que 20 dias após o trânsito em julgado da sentença dos presentes autos, curto período que mediou entre a data da suspensão da execução da prisão e a data do cometimento dos novos factos e a circunstância de ter praticado precisamente o mesmo crime, em conjugação com a revelada personalidade, tornam inevitável a conclusão de que o juízo de prognose favorável á recorrente que determinou o decretamento da suspensão da execução da pena de prisão se mostra definitivamente arredado, face á frustração da expectativa do seu afastamento da criminalidade. Revelam a não interiorização dos conteúdos éticos subjacentes à norma punitiva.

Pelo exposto determino a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado A... e consequentemente determino o cumprimento da pena de prisão de 3 (três) meses de prisão, aplicada nos presentes autos.».


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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. ( Cfr.entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1]e de 24-3-1999 [2]e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

Tendo em consideração as conclusões da motivação do recorrente A... as questões a decidir são, pela sua ordem lógica, as seguintes:

- Da nulidade do despacho recorrido; e

- Da violação do disposto nos artigos 55.° e 56.° do Código Penal.

Embora sejam estas as questões suscitadas no recurso do arguido, deparasse-nos antes de as conhecer, uma questão prévia suscitada pelo Ex.mo PGA no seu parecer, pois no seu entendimento, a proceder, fica prejudicado o conhecimento do recurso.


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Da questão prévia

O Ministério Público neste Tribunal da Relação defende que deve ser declarada a falta de notificação do arguido, quer da promoção do Ministério Público de fls. 149 e 150, quer do despacho de revogação da suspensão da execução da pena e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida para que se proceda à notificação do arguido do despacho de fls. 151, para que o arguido se possa pronunciar, querendo, sobre tal promoção, antes do Tribunal a quo se pronunciar sobre a promoção do Ministério Público

Alega para o efeito que a promoção do Ministério Público, constante de fls. 149 e 150, em que requereu a suspensão da execução da pena, foi mandada notificar pelo despacho de fls. 151, ao arguido e ao seu defensor, para em 10 dias se pronunciarem sobre tal promoção.

Esta notificação ao arguido foi endereçada à morada da Travessa x(...) , Glória do Ribatejo, como se verifica de fls. 152.

Todavia, tal morada não corresponde à morada constante do TIR prestado pelo arguido nos presentes autos, como se constata de fls. 20.

Tal confusão adveio do facto de aos autos ter sido junta um ofício provindo do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Vila Franca de Xira dando conhecimento nos presentes autos do auto de interrogatório prestado pelo arguido no Processo n.º 93/14.3GEBNV, em que o arguido indicou como morada a Travessa x(...) Glória do Ribatejo, como se constata de fls. 82.

Nada tendo dito no prazo referido, foi proferido o despacho recorrido, cuja notificação foi remetida para a Travessa x(...) , Glória do Ribatejo.

Depois do arguido ter prestado TIR nos presentes autos e não tendo comunicado nos autos qualquer alteração da sua morada, nos termos do art.° 196.°, n.º 3, alínea c), do CPP, tem de considerar-se que nem a promoção do Ministério Público, nem o despacho revogatório de suspensão da execução da pena foram notificados ao arguido, e considerar-se, por isso, que não teve possibilidade de exercer o contraditório.

É verdade que a defensora oficiosa do arguido foi notificada, mas o STJ pelo acórdão n.° 6/2010, publicado no DR, 2.a série, n.º 999, de 21/05/2010, fixou jurisprudência no sentido que a notificação do despacho que revoga a suspensão da execução da pena tem de ser notificada ao arguido.

Neste caso, não tendo o arguido sido notificado da promoção do Ministério Público, para a morada constante do TIR, nem depois do despacho revogatório da suspensão da execução da pena, encontra-se afetada o validade da decisão recorrida, pelo que a mesma terá de ser reparada.

Vejamos.

A notificação vem definida no art.219.º do Código de Processo Civil como o ato através do qual se chama alguém a juízo (convocação) ou se dá conhecimento de um facto, normalmente para marcar o início de um prazo para o exercício de um direito, de um ónus ou cumprimento de uma obrigação.

Pelo seu conteúdo e finalidade, o ato processual da notificação constitui o meio privilegiado para a concretização de um dos princípios basilares do processo penal: o princípio do contraditório.

O acórdão do STJ n.º 6/2010, citado pelo Ministério Público, fixou a seguinte jurisprudência: « i. - Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. ii - O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de «as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada»). iii - A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Penal]

A questão primacial que deu lugar à prolação desta jurisprudência, em face da oposição de acórdãos, era a de saber se o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão tem de ser pessoalmente notificado ao condenado ou se basta a notificação ao seu defensor.

Foi pacífico, no acórdão de fixação de jurisprudência que, nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado.

A razão essencial que fundamenta a exigência de notificação do despacho de revogação da suspensão tanto ao arguido como ao seu defensor é a necessidade de garantir um efetivo conhecimento do seu conteúdo ao arguido/condenado, em ordem a disponibilizar-lhe todos os dados indispensáveis para, em consciência, decidir se o impugna ou não, em vista das consequências nele implicadas para o condenado. É que na fase de execução da pena suspensa, não há, por norma, um relacionamento normal e de efetivo acompanhamento entre o defensor e o condenado, não podendo ter-se como seguro que a decisão de revogação, uma vez notificada ao primeiro, será por ele comunicada ao segundo.

Onde houve divergências no acórdão do STJ n.º 6/2010, foi na questão de saber se a notificação ao condenado da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão devia ser pessoal (isto é, nos termos do artigo 113.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), ou não, tendo a maioria dos Juízes Conselheiros intervenientes na sessão considerado que a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» , nos termos do art.113.º, n.º 1, alínea c) do mesmo Código , era o meio adequado dessa notificação .

Ainda com interesse para a decisão da questão prévia suscitada pelo Ministério Público neste Tribunal da Relação, importa considerar que por força do disposto no art.196.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, prestando o arguido TIR (Termo de identidade e residência) fica o mesmo informado, designadamente, que as notificações lhe serão feitas por via postal simples para a morada que aí indicar, exceto« se comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesses momento» - alínea c) - e que, em caso de condenação, o TIR só se extinguirá com a extinção da pena - alínea e), introduzida pela Lei n.º 20/2013 de 21 de Fevereiro.

In casu, diremos ser inquestionável que o arguido A... indicou no TIR prestado nos presentes autos, no dia 19 de Janeiro de 2014, como sua residência, a Rua y (...) Glória do Ribatejo.

Entretanto, chegou aos autos uma cópia de Auto de Interrogatório de arguido, datado de 27 de Março de 2014, remetida pelo 2.º Juízo Criminal da Comarca de Vila Franca de Xira, da qual se verifica que o arguido A... indicou nesse ato processual como residência a Travessa x(...) Glória do Ribatejo.

A promoção do Ministério Público em que este requereu a suspensão da execução da pena, foi mandada notificar por despacho judicial de fls. 151 ao arguido e ao seu defensor, para em 10 dias se pronunciarem sobre tal promoção.

A notificação ao arguido foi efetuada por via postal simples, com prova de depósito, enviada para a Travessa x(...) , Glória do Ribatejo, como se verifica de fls. 152 e 154.

E o mesmo veio a acontecer com o despacho revogatório da suspensão da execução da pena, cuja remessa para além de ter sido feita por carta ao defensor, foi efetuada também através de via postal simples, com prova de depósito, para a Travessa x(...) Glória do Ribatejo, conforme se verifica de folhas 160 e 162.

Considerando o disposto no art.196.º do Código de Processo Penal e o acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 6/2010, temos de concluir, como bem anota o Ministério Público neste Tribunal da Relação, que a notificação feita por via postal ao arguido não foi remetida para a morada por ele indicada no TIR e que o mesmo não comunicara uma outra morada através de requerimento por si entregue ou remetido à secretaria onde se encontram estes autos.

Não havendo dúvidas que a douta promoção do Ministério Público para revogação da suspensão da pena e o despacho recorrido revogando essa suspensão foram notificados à Ex.ma Defensora do arguido A... , impõe-se decidir se deverá declarar-se a falta de notificação ao arguido da promoção do Ministério Público e do despacho de revogação, com a consequente revogação do despacho recorrido, ordenando-se a notificação da promoção ao arguido para a morada constante do TIR.

A ratio da notificação pessoal do arguido A... , por via postal, para a morada do TIR é, no caso em apreciação, assegurar o efetivo conhecimento da promoção do Ministério Público no sentido da revogação da suspensão da pena, garantindo a certeza de que o condenado teve conhecimento da mesma, e que assim lhe foi dada a possibilidade de sobre ela se pronunciar.

Também a notificação pessoal do arguido por via postal, para a morada do TIR, do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão e emissão de mandados de detenção para o cumprimento da pena de prisão, visa assegurar que o mesmo tem conhecimento efetivo de uma  decisão que afeta os seus direitos, liberdades e garantias, permitindo que o mesmo possa, designadamente, interpor recurso da decisão.

No caso dos autos, o arguido A... , no seu recurso, não invoca o desconhecimento da douta promoção do Ministério Público, de que foi mandado notificar por despacho judicial , pelo facto de lhe ter sido remetida para a morada que deu no “auto de interrogatório” judicial, elaborado em data posterior à prestação do TIR nos presentes autos.

Pelo contrário, o mesmo admite que o recebeu, ao dizer que « o defensor oficioso não contactou o arguido para lhe explicar o teor do despacho», e que não tem conhecimentos de direito para conseguir perceber o seu conteúdo e as consequências que lhe adviriam de não responder e que, « se o tribunal tinha a morada do arguido para lhe enviar um despacho o qual ele não percebeu o seu alcance também poderia ter enviado uma notificação para o ouvir presencialmente nos termos do Art.495.º, n.º 2 do CPP».

O recorrente A... insurge-se contra o despacho de fls. 151 que determinou o envio da douta promoção do Ministério Público para se pronunciar sobre ela apenas porque, no seu entender, o Juiz tem de o ouvir presencialmente, nos termos do art.495.º, n.º2 do Código de Processo Penal, sob pena do despacho que vier a proferir padecer de nulidade insanável por força do disposto no art.119.º, al. c), do mesmo Código.

Parece-nos assim, medianamente claro, que não foi coartada ao arguido A... a oportunidade de se pronunciar sobre a douta promoção do Ministério Público, pelo facto desta ter sido remetida, não para a morada do TIR aqui prestada – como devia ter sido –, mas para uma morada por ele indicada noutro processo (em data posterior ao TIR) e que foi dada a conhecer nos presentes autos com a remessa de cópia de um auto de interrogatório judicial.

A inobservância das formalidades legais na notificação ao arguido da promoção do  Ministério Público sobre a possibilidade de revogação da suspensão da execução da pena não integra, por si só, um caso de nulidade, como tal cominada taxativamente na lei ( artigos 118.º a 120.º do C.P.P.).

Aliás, mesmo que a falta de notificação da promoção do Ministério Público integrasse uma nulidade, cremos que deveria considerar-se sanada nos termos do art.121.º, n.ºs 1, al. c) e 3 do C.P.P..[4]

De todo o modo, entendemos que a remessa da notificação da promoção do Ministério Público para a morada do arguido constante do auto de interrogatório - e não para a morada indicada no TIR - constituiu uma irregularidade ( art.123.º do C.P.P.).

Tendo o arguido A... tomado conhecimento da promoção do Ministério Público, com o envio da notificação para a morada indicada no “auto de interrogatório”, e não tendo  arguido a irregularidade da notificação no prazo concedido no art.123.º do C.P.P., a mesma considera-se sanada.

Por estas razões não é exigível a repetição da notificação da dita promoção para a morada constante do TIR a fim do arguido se pronunciar sobre ela.

Consideramos também razoável concluir que a remessa do despacho de revogação da suspensão da pena para a morada não indicado no TIR, não afetou os direitos, liberdades e garantias do arguido A... , uma vez que esse facto não o impediu de interpor atempadamente recurso da decisão que lhe revogou a pena.

Assim, indefere-se a suscitada questão prévia, procedendo-se, em seguida, ao conhecimento do objeto do recurso interposto pelo arguido.


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Recurso do arguido

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1.ª Questão: Da nulidade do despacho recorrido

            O Recorrente A... defende que o despacho recorrido, de revogação da suspensão da execução da pena, padece de nulidade, por violação do direito ao exercício do contraditório.

No seu entender, o art.495.°, n° 2, do Código de Processo Penal exige que, no exercício do contraditório, o arguido seja ouvido presencialmente e não por escrito.

Ao ter proferido o despacho recorrido, que lhe revogou a suspensão da execução da pena, sem previamente ter sido notificado para comparecer presencialmente perante o tribunal, para ser ouvido, por considerar desnecessária a audição presencial, incorreu na nulidade insanável enunciada no art.119.º, alínea b) do Código de Processo Penal, que desde já invoca.

Vejamos.

O Código de Processo Penal, na sua versão original, estabelecia no n.º 2 do art.491.º, a respeito da «Revogação da suspensão e extinção da pena», que «O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova e antecedendo parecer do Ministério Público e audição do condenado.».

Com o DL n.º 317/95, de 28 de Novembro, esta redação transitou para o n.º2 do art.495.º do Código de Processo Penal, mantendo-se o texto da norma, agora com a epígrafe « Falta de cumprimento das condições de suspensão».

Com a revisão do Código de Processo Penal levada a cabo pela Lei nº48/2007, de 28/8, foi aditada ao n.º2 do art.495.º a locução «…na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.».

Mas não se ficaram por aqui as alterações ao n.º 2 do art. 495.º do Código de Processo Penal, uma vez que através da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, foi acrescentado à norma: «…, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente.».

Atualmente, o n.º2 do art.495.º do C.P.P. tem a seguinte redação:

« O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente.».

Com estes aditamentos ao n.º 2 do art.495.º do C.P.P., levados a cabo pelas Leis n.ºs 48/2007, de 28 de agostos e 130/2015, de 4 de setembro, a jurisprudência passou a decidir, cremos que de modo uniforme, que quando a suspensão foi sujeita a regime de prova, imposição de deveres e/ou regras de conduta, se exige obrigatoriamente a audição presencial do condenado e na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, antes da prolação do despacho que decide o incidente de revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

Também é relativamente pacífico que se o Tribunal, nestes casos de suspensão sujeita a condições não procedeu à audição presencial do arguido/condenado e na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, sem que antes haja envidado todos os esforços para o procurar fazer comparecer, comete-se a nulidade insanável, prevista no artigo 119.º, alínea c), do C.P.P..

Divergente é já a posição da jurisprudência quando a suspensão de execução da pena surge simples, ou seja, quando não está condicionada, e a revogação se coloca em face do cometimento de crime no período da suspensão.

Na doutrina, o Prof. PPA entende que « O arguido deve ser ouvido pessoal e presencialmente, sendo irrelevante o motivo da revogação da suspensão, sob pena de nulidade do artigo 119.º, al. c), uma vez que a lei não relaciona a audição do arguido com nenhum motivo especial.».[5]

No que respeita ao Tribunal da Relação de Coimbra a posição maioritariamente seguida vai no sentido de que com a alteração legislativa introduzida pela Lei nº48/2007, de 28/8, para além do direito ao contraditório já anteriormente garantido pelos artigos 61.º, n.º 1 alínea b) e 495º, nº2 do CPP, passou a consagrar-se o direito á audiência pessoal e presencial do arguido apenas quando a suspensão foi sujeita a regime de prova, imposição de deveres e/ou regras de conduta e que, fora desta situação, não se exige a audição presencial do arguido.

É a posição sufragada, entre outros, nos acórdãos deste Tribunal da Relação, de 30 de Outubro de 2013 (proc. n.º 707/08.4PBAVR.C1), de 2 de Abril de 2014 (proc. n.º 883/07.3TACBR.C1) e de 4 de Novembro de 2015 (proc. n.º 9/05.8GALSA.C1). 

E é também a posição que aqui seguimos.

O Código de Processo Penal dispõe, no art.61.º, n.º1, que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da lei, dos direitos de:

« a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;

         b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte».

Analisando a expressão legal “Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito”, anota o Dr. José António Barreiros, com pertinência, que não é fácil interpretar a última parte desta alínea a), posto que, em pura lógica, ela exclui praticamente nada, porquanto todo o processamento penal, a partir do momento em que houver arguido, visa precisamente a pessoa deste, procurando determinar a existência de ilícito e a responsabilidade do arguido na sua ocorrência, pelo que todos os atos processuais dizem diretamente respeito ao arguido. No entanto, de um ponto de vista prático, o alcance gizado pela lei foi o de definir o direito de presença do arguido quanto a atos de produção probatória, excluindo todos os restantes atos do processo, e, dentro destes atos, apenas haverá que considerar aqueles que visarem a produção de prova que possa ter relevo para o apuramento e a definição do ilícito pelo qual possa ser responsabilizado o arguido de cuja presença se trate.[6]

No que respeita ao direito do arguido a ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução, a que alude a alínea b), n.º1 do art.61.º do C.P.P., o Cons. Henriques Gaspar esclarece que o direito a ser ouvido« … significa direito a pronunciar-se antes de ser tomada uma decisão que directa e pessoalmente o afecte; não tem que consistir sempre numa audição ou audiência pessoal e oral; a possibilidade de se pronunciar por escrito através de intervenção processual do defensor satisfaz, por regra, o direito a ser ouvido para exercer o contraditório.».[7]

Na medida em que a audiência de julgamento e o debate instrutório visam permitir perante o Juiz, por forma oral e contraditória, a produção e valoração de provas e elementos de direito, a presença do arguido é ali fundamental, como instrumental do exercício do contraditório e do direito de defesa do arguido.

Quando o n.º2 do art.495.º do Código de Processo Penal prevê uma diligência que decorre de forma oral e contraditória perante o Juiz, com a presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, e em que se vai averiguar se as condições da suspensão da execução da pena foram ou não cumpridas e, em caso afirmativo, as razões do incumprimento, é também fundamental a presença do arguido/condenado. E foi isso que o legislador consagrou ao exigir a presença do arguido.

No caso da revogação da suspensão da execução da pena se colocar por força do cometimento de um crime no decurso da suspensão ( art.56.º, n.º 1, al. b) do Código Penal e n.º 3 do art.495.º do C.P.P.), não se colocam então as questões de prova que se colocam no caso de da violação grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta ou do plano de reinserção social ( art. 56.º, n.º 1, al. a) do Código Penal).

A violação dos deveres inerentes à suspensão da pena está reconhecida na sentença superveniente; a prova está feita.

Perante o trânsito em julgado desta sentença, o Tribunal tem agora de verificar se, apesar da violação dos deveres inerentes à suspensão, as finalidades da suspensão da pena podem ou não ainda alcançar-se. Para esse efeito, importa ponderar a relação temporal entre a data da suspensão da execução da pena e a data em que foram praticados os novos factos, a relação entre os tipos de crime praticados, a análise das circunstâncias do cometimento do novo crime e personalidade e as condições de vida do condenado.

Perante a ratio que está na base da distinção entre o direito/dever de comparência e o direito/dever de audição e as alterações legais ao n.º 2 do art. 495.º do Código de Processo Penal, designadamente com a referência à presença do técnico da reinserção, entendemos não haver razão legal para na situação prevista no art. 56.º, n.º 1, al. b) do Código Penal se exigir que o arguido se tenha de explicar, presencialmente, perante o Juiz sobre as razões pelas quais praticou um crime no período de suspensão, como forma de decidir se o quadro em que o condenado voltou a delinquir e o seu impacto negativo na obtenção das finalidades que justificaram a suspensão da pena, podem ou não ainda ser alcançadas.

Esta foi a posição seguida no douto despacho recorrido ao consignar que entende ser desnecessária a audição presencial do arguido, porquanto o fundamento para a revogação da suspensão da execução da pena consiste no trânsito em julgado de uma sentença condenatória.

Se o arguido/condenado não exercer o direito ao contraditório poderá colocar-se, eventualmente, a necessidade do Tribunal proceder a diligências previamente à tomada de decisão, sob pena de omissão de diligências indispensáveis, mas essa é já outra questão, que depende do caso concreto. 

No que respeita à questão em apreciação, este Tribunal da Relação adere à tese de que o art.495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal não considera obrigatória a audição presencial do condenado quando o Juiz deva decidir sobre a revogação ou não da suspensão da execução da pena, por cometimento de um crime durante a suspensão, e que basta para o cumprimento do exercício do contraditório a notificação do arguido e do seu Defensor para se pronunciarem sobre a possibilidade de revogação; consequentemente, entendemos que o Tribunal a quo não incorreu na nulidade insanável enunciada no art.119.º, alínea b) do Código de Processo Penal, ao não ouvir presencialmente o arguido.

Assim, improcede esta questão.


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2.ª Questão: Da violação do disposto nos artigos 55.° e 56.° do Código Penal.

            O recorrente A... defende que da conjugação dos artigos 55.° e 56.° do Código Penal resulta que o simples incumprimento, ainda que com culpa, dos deveres impostos como condição da suspensão, pode não justificar a revogação e que, no caso concreto, o Tribunal a quo errou ao revogar a suspensão seguindo apenas a primeira parte da alínea b) – cometer crime pelo qual venha a ser condenado –, esquecendo-se da segunda parte – e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Alega, no essencial, que o Tribunal a quo, sem solicitar relatório social, não podia revogar a suspensão da execução da pena, pois a condenação pelo segundo crime continuou a ser suspensa. A pena foi suspensa porquanto na data em que cometeu o 2.º crime ficou sujeito a TIR e a medidas de apresentação semanal junto da PSP e até ao julgamento nada mais houve a apontar ao arguido. A revogação não opera de forma automática e o Tribunal a quo  esqueceu-se que o arguido na data da prática dos factos tinha 17 anos de idade e que de tão jovem estava no início da construção da sua personalidade e do seu projeto de vida ( estudar e trabalhar).

Se o Tribunal da segunda condenação entendeu ser suficiente suspender a pena, sem imposições, seria mais correto agora o Tribunal a quo, em vez de revogar a suspensão da pena, ter decidido prorrogar a suspensão da mesma, com a imposição de outras medidas, sujeitando-se o arguido a acompanhamento junto da Equipa de Reinserção Social. 

Vejamos.

A finalidade da suspensão da execução da pena de prisão, prevista no art.50.º do Código Penal, é o afastamento do arguido, no futuro, da prática de novos crimes.

O Tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, que assenta num plano de reinserção social do condenado.

Se durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do C. P., isto é, fazer uma solene advertência ( al. a); exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão (al. b); impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação (al. c); ou prorrogar o período de suspensão.

No entanto, nos termos do art.56.º, n.º 1, do Código Penal, se o condenado no decurso da suspensão da execução da pena de prisão «Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social (al. a); ou «Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas»( al.b), o Tribunal deve revogar-lhe aquela suspensão.

Da conjugação dos artigos 55.º e 56.º do Código Penal resulta claro que o simples incumprimento, ainda que com culpa, dos deveres impostos como condição da suspensão, pode não justificar a revogação.

Os pressupostos materiais enunciados na alínea b), do art.56.º, do Código Penal, na sua atual redação, para a revogação da suspensão da pena de prisão, são dois:

- o cometimento de novo crime; e

 - a revelação de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Diferentes eram os pressupostos da revogação da suspensão na primitiva redação do art.56.º do Código Penal - alterada pelo DL n.º 48/95, de 15 de Março -, embora também fossem dois:   o cometimento de novo crime doloso; e que a respetiva pena aplicada fosse de prisão. 

Verificados esses pressupostos e revogação era obrigatória, era uma “revogação automática” ope legis.

Ainda assim, questionava-se, já então, se haveria lugar à revogação da suspensão da pena no caso da nova condenação ser em pena de prisão não efetiva, nomeadamente se fosse em nova pena suspensa.

A jurisprudência dividia-se, como resulta, designadamente, das decisões do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/10/1986 - que se pronunciou no sentido da não revogação (BMJ n.º 364, pág. 932) -, e do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28/02/1990 - que se pronunciou em sentido oposto (CJ, XV, I, pág. 300).

No contexto então existente o Prof. Figueiredo Dias defendia que « a revogação automática só terá lugar se o delinquente vier a ser punido com pena de prisão efectiva.(…). Se apesar da primeira condenação, o tribunal da segunda condenação foi capaz de emitir um prognóstico favorável que o conduziu à suspensão, tanto basta para mostrar que não considerou ainda esgotadas as possibilidades de uma socialização em liberdade.”.[8]

As críticas e opções defendidas pelo Prof. Figueiredo Dias a este propósito foram tidas em consideração pelo legislador na Revisão do Código Penal de 1995.

Em face da atual redação da alínea b), n.º 1, do art.56.º do Código Penal, resultante das alterações neste introduzidas pelo DL n.º 48/95, de 5 de Março, a revogação da suspensão pode ter lugar em face da condenação por qualquer crime (incluindo o crime negligente) e em qualquer pena (não apenas a condenação em prisão) mas, por outro lado, a mera condenação não gera um efeito automático de revogação da suspensão.

A doutrina maioritária continua a defender, quanto à revogação da suspensão da pena no caso da nova condenação, que só a condenação em pena efetiva é fundamento de revogação da suspensão, pois que a condenação numa pena de multa ou numa pena de substituição, como a pena suspensa, mostram que o Tribunal da nova condenação fez ainda um juízo de prognose favorável ao arguido.

É o caso do Prof. Paulo Pinto de Albuquerque que considera que « Só a condenação em pena de prisão efectiva pode revelar que as finalidades que estiveram na base de uma decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas, pois a condenação em multa ou em pena substitutiva supõe um juízo de prognose ainda ao agente pelo tribunal da segunda condenação.».[9]

Neste Tribunal da Relação existe jurisprudência, designadamente os acórdãos de 28/03/2012 ( proc. n.º 29/09.3GAAVZ-A.C1) e de 10/7/2013 (proc. n.º 862/11.6PEAVR.C1), sustentando que revela incongruência ou contra indicação, revogar-se a suspensão da execução da pena ao abrigo da alínea b), n.º1 , do art.56.º do Código Penal se na última condenação foi de novo feito um juízo de  prognose favorável e, por via disso, voltou a suspender-se a execução da pena de prisão.[10]

A posição a ora exposta que, como vimos, vai no sentido de que não deve revogar-se a suspensão da execução da pena ao abrigo da alínea b), n.º1, do art.56.º do Código Penal, se na última condenação voltou a suspender-se a execução da pena de prisão, porquanto as finalidades que estiveram na base da suspensão continuam a poder ser alcançadas, ainda que com o reforço de medidas enunciadas no art.55.º do mesmo Código, não foi a seguida no douto despacho recorrido.

A posição seguida no douto despacho recorrido é a de que pode revogar-se a suspensão da execução da pena ao abrigo da alínea b), n.º1, do art.56.º do Código Penal, quer a nova condenação seja em prisão efetiva, quer seja noutra pena, designadamente na suspensão de pena. Embora concedendo que, “Emprincípio, será só a condenação posterior em pena de prisão efectiva que indiciará que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam ser alcançadas.”, acrescenta que, tal “não impede que condenações posteriores em pena de substituição possam concretamente revelar uma quebra da confiança na ressocialização do arguido em liberdade.”.

Partindo da posição de que a alínea b), n.º1, do art.56.º do Código Penal, deixa aberta a possibilidade de revogação da suspensão da execução da pena em face da nova condenação, seja de que tipo for a pena, verificamos que o despacho recorrido relevou, para a revogação da suspensão da execução da pena de 3 meses em que o arguido A... havia sido condenado nos presentes autos, essencialmente duas circunstâncias:

- a nova condenação resulta da violação do mesmo bem jurídico pelo qual fora condenado nestes autos em pena de prisão suspensa; e,

- o crime pelo qual sofreu a nova condenação ocorreu pouco mais de vinte dias após o trânsito em julgado da sentença. Daqui resultando que se frustrou definitivamente o juízo de prognose favorável ao arguido, que era o de que se iria abster da prática de crimes ligados a estupefacientes.

Salvo o devido respeito, mesmo seguindo a interpretação da alínea b), n.º1, do art.56.º do Código Penal, no sentido de que esta norma permite a revogação da suspensão da execução da pena mesmo no caso de a nova condenação ser em pena de prisão suspensa, entendemos que no caso em apreciação as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena nos presentes autos, ainda não se mostram definitivamente postergadas.

No caso em apreciação, é pacífico que o arguido A... ao ser condenado, nos presentes autos, por um crime de traficante-consumidor e ao voltar a ser condenado, poucos dias depois, por crime de tráfico de menor gravidade, violou essencialmente o mesmo bem jurídico. 

Esta nova condenação, pela prática de um crime no decurso na suspensão da execução da pena, mais concretamente em 26 de Março de 2014, gera uma quebra de confiança, tanto mais que a sentença proferida nos presentes autos fora proferida em 5 de Fevereiro de 2014.

Importa, porém, realçar, que da nova sentença condenatória, proferida em 13 de Abril de 2015, ou seja, mais de um ano após a prática dos factos, resulta que o arguido A... mostrou arrependimento, e que em relação à factualidade dada como provada na primeira sentença, se menciona que o arguido está a terminar o curso de Hotelaria e Restauração, que lhe dá equivalência ao 12.º ano e que trabalha em parte time (fins de semana) num estabelecimento de restauração, onde aufere € 303,00 mensais.  

Para além de integrado socialmente no trabalho, resulta da mesma decisão que o arguido se mostra integrado na família, vivendo com os avós, uma vez que os pais vivem e trabalham em Angola.

O arguido nasceu em 21 de Novembro de 1996, pelo que na data dos factos praticados na nova condenação tinha 17 anos de idade.

Resulta ainda da factualidade dada como provada na última condenação que o arguido tem um problema aditivo, uma vez que consome estupefacientes há cerca de 2 anos.

A personalidade do arguido A... é a de um jovem, pelo que se encontra ainda em formação.

Numa situação como esta, em que se realça o facto da nova condenação ter sido novamente em suspensão da execução da pena de prisão (de 10 meses), agora com sujeição a regime de prova, por o Tribunal ter concluído que apesar da anterior condenação existe um prognóstico favorável ao arguido, não cremos ser adequado e proporcional, concluir que a ressocialização do jovem em liberdade foi posta definitivamente em causa com a nova condenação e que o mesmo deve cumprir a curta pena de 3 meses de prisão.

Considerando que as finalidades preventivas que determinaram a suspensão da pena ainda se mantêm, embora abaladas, impõe-se revogar o despacho recorrido e determinar que o Tribunal a quo procure uma outra medida mais adequada, dentre as enunciadas no art.55.º do Código Penal.

Sem querer adiantar qual a medida acertada, cremos que mesmo a prorrogação do período de suspensão da pena, prevista na alínea d) do art.55.º do Código Penal ainda pode ter lugar, apesar do período da suspensão da execução da pena ter já decorrido, uma vez que no momento em que tal ocorre se encontra pendente o incidente que pode conduzir á prorrogação (art.57.º, n.º 2 do Código Penal).[11]

Decisão

Termos e pelos fundamentos expostos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido A... e revogar o douto despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro despacho que enquadre a nova condenação no âmbito de previsão do art.55.º do Código Penal. 

Sem tributação.


       *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                               *

Coimbra, 07 de abril de 2016

(Orlando Gonçalves – relator)

 

(Inácio Monteiro - adjunto)


[1]Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] Também « As nulidades respeitantes a  falta ou vício de notificação ou de convocação para acto processual ficam sanadas se a pessoa interessada comparecer ou renunciar a comparecer ao acto» ( n.º2 do art.121.º do C.P.P.), a menos que o interessado compareça apenas para arguir a nulidade.
[5] In “Comentário do Código de Processo Penal”, UCP, 4.ª edição, pág. 1252.
[6] In “Inquérito e instrução”, I Congresso de Processo Penal — Memórias, Almedina, 2005, pág. 145.

[7] “Código de Processo Penal comentado”, Cons. António Henriques Gaspar e outros, Almedina, edição 2104, pág. 212.
[8] “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime” , Notícias editorial, Págs. 356/357

[9]In “Comentário do Código Penal”, UC editora, 2.ª edição, pág. 236. No mesmo sentido, entre outros, Cons. Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal, Vol I, Rei dos Livros, pág. 713.
[10]In www.dgsi.pt/trc.
[11] Neste sentido, cf. Prof. Figueiredo Dias, obra citada, pág. 347.