Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1860/21.7T8CLD-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
SITUAÇÃO DE PERIGO EM QUE SE ENCONTRAM OS MENORES
INTERESSE DO MENOR
CONFIANÇA COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
Data do Acordão: 04/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DAS CALDAS DA RAINHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 36.º, 5, DA CRP
ARTIGO 1978.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 3.º; 4.º, A), F), G) E I) E 38.º-A, B), DA LPCJP
Sumário:
I - A única medida adequada, que respeita os direitos da menor e que alcança o seu superior interesse é a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, uma vez que estão irremediavelmente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, não tendo a recorrente, demonstrado condições de cuidar da menor, até por esta apresentar problemas de saúde.

II - Não se basta com a demonstração de interesse por parte da progenitora ou da existência de uma relação afectiva com a menor –, intercedente entre esta criança e a progenitora, não se antevendo como provável que esta venha a adquirir, em tempo útil, como não adquiriu nos últimos  anos, as capacidades parentais necessárias a garantir o desenvolvimento psico-afectivo da criança, tanto mais, que a progenitora foi ajudada pela Segurança Social, não tendo aproveitado as oportunidades conferida apresentando, e também teve muito tempo para procurar a sua reabilitação, o que, não ocorreu, como se verifica da factualidade provada.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

                                              Proc.º n.º 1860/21.7T8CLD-C.C1

                                                           1.- Relatório

1.1.- Os presentes autos de promoção e proteção iniciaram-se a favor dos menores AA, BB, CC e DD, porquanto os mesmos se encontravam em situação de perigo, consubstanciada no não recebimento dos cuidados de saúde, cuidados adequados e necessários às suas idades e condição, previstas no artº 3°, ai. c) da LPCJP.

Em 15-07-2022, foi aplicada, cautelannente, a medida de acolhimento residencial a CC, sendo que, em 21-09-2022 foi aplicada, em sede de acordo de promoção e proteção, pelo período de 2 (dois) anos, a medida de acolhimento residencial à menor, CC, que ainda se mantém.

Em 30-11-2022 foi aplicada, pelo período de 1 (um) ano, ao menor, DD, a medida de apoio junto dos pais, na pessoa do progenitor. ~ Em 06-10-2023, foi aplicada a ao menor, BB, a medida cautelar de acolhimento residencial, pelo período de 60 (sessenta) dias, tendo vigorado,  anteriormente, a medida de apoio junto dos pais, nomeadamente, na pessoa do progenitor.

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1.2. - Em sede de diligência, nomeadamente, em 26-05-2023, a Sr Técnica Gestora do Processo sugeriu a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção à menor, CC, o que já havia sido proposto em sede de relatório social apresentado em 24-03-2023; todavia, não foi possível obter a concordância dos progenitores.

Nos termos do disposto no art. 114.º da LPCJP, determinou-se a notificação do Ministério Público, dos progenitores e da CAR para alegarem, por escrito, querendo, e apresentarem prova no prazo de 10 dias.

A CAR juntou aos autos parecer (no sentido de alteração da medida para a confiança com vista a futura adoção), em 29-05-2023.

O Ministério Público apresentou alegações em 30-05-2023, pugnando pela a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção.

A progenitora apresentou alegações em 05-06-2023, opondo-se à aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção.

Foram apresentados meios de prova.

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2 - Procedeu-se à realização de Debate Judicial, em Tribunal Coletivo, com designação de dois juízes sociais, tendo a diligência ocorrido com observância do legal formalismo, conforme resulta das respetivas atas.

            Após foi proferida acórdão, (com dois juízes sociais), onde se decidiu:

A) Aplicar a favor da criança. CC, a medida de confiança a instituição - concretamente ao Centro de Acolhimento Temporário da Santa Casa da Misericórdia das ...- com vista a futura adoção, prevista nos artigos 35.º, n.º 1, alínea g), 38.ºA e 62.ºA, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo;

B) Nomeia-se como curador provisório da criança, o(a) Diretor (a) Técnico (a) da dita instituição que exercerá funções até ser decretada a adoção;

C) Inibe-se os progenitores do exercício das responsabilidades parentais, ficando

vedadas as visitas à criança, na instituição ou fora dela, por parte da família natural;

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Sem custas, atento o disposto no art.º 4.º, n.º 1, ai. a) e n.º 2, ai. f) do Regulamento das Custas Processuais.

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Fixo o valor da causa em 30.000,0 l (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos do art.º 303.º, n.º 1 e 306.º do Código de Processo Civil.

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Registe e notifique.

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Comunique à CAR e à Segurança Social, nos termos do art.39.º, n.ºs 1 e 2 do RJPA.

                                                                       ***

            2.1.- Inconformada com tal decisão dela recorreu - EE -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

            “A) Por decisão proferida nos presentes autos foi decidido aplicar a favor da criança CC, a medida de confiança a instituição - concretamente ao Centro de Acolhimento Temporário da Santa Casa da Misericórdia das ...- com vista a futura adoção, prevista nos artigos 35.º, n.º 1, alínea g), 38.ºA e 62.ºA, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo;

B) A Recorrente não se conforma com a medida aplicada, por entender, na sua modesta opinião, que não está salvaguardado o superior da criança;

C) As testemunhas ouvidas em sede de debate judicial, consideram ser, ainda, possível reabilitar a progenitora, por forma a receber a CC, referindo, em súmula, que tal poderá suceder, na hipótese de lhe serem concedidos apoios sociais para esse efeito;

D) A menor CC nasceu com vários problemas de saúde, tendo permanecido internada no Hospital ... até ao dia 06/10/2021, data em que foi transferida, para o Hospital ..., onde permaneceu até ao dia 15 de Novembro de 2021;

E) Durante o período, em que a menor esteve internada em ..., apesar das dificuldades económicas, a Recorrente deslocou-se diariamente de ... para ..., de autocarro, de modo a poder acompanhar a menor, tendo muitas vezes, pedido dinheiro emprestado para poder pagar as suas despesas;

F) Após a menor ser transferida, do Hospital ... para o Hospital ..., o acompanhamento diário da menor, por parte da Recorrente, manteve-se, deslocando-se esta todos os dias de ... para ..., para poder estar junto da filha;

G) Após a alta hospitalar, a menor foi transferida para a Casa de Acolhimento Temporário “...”, de modo a que pudessem continuar a ser assegurados os cuidados de saúde que a menor necessitava, contudo, nunca a Recorrente deixou de acompanhar a menor, visitando-a todas as semanas na casa de acolhimento, e telefonando diariamente para saber como esta se encontrava, situação que ainda se mantém;

H) Mantendo com a menor, uma relação de proximidade cada vez maior, pois como esta já tem dois anos, reconhece a Recorrente como figura materna, e recebe a mesma com carinho e afectividade;

I) Partir para a adoção sem ser dada a oportunidade da criança viver com a mãe, com a qual já criou uma relação de afectividade, é de uma violência atroz, desnecessária e desproporcional, pois, não há qualquer dúvida, que a mãe gosta e tem manifestado ao longo de todo o processo, interesse pela filha, sendo o amor e o afecto que lhe dá, retribuído pela mesma;

J) O passado da mãe, nomeadamente o facto de não manter a guarda e o exercício das responsabilidades parentais dos filhos mais velhos, não pode relevar, para a verificação dos pressupostos, exigíveis para a aplicação da medida de confiança, com vista a futura adoção;

K) A medida de confiança a instituição com vista à adoção, é o último reduto de protecção das crianças, atenta a violência que tal implica: cortar totalmente os laços com os progenitores, parecendo-nos longe, a necessidade absoluta de aplicação desta medida;

L) A aplicação da medida com vista à adoção, pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objectiva de qualquer das situações presentes no nº 1 do art. 1978º do CC e do art. 35 nº 1 al. g) da LPCJP, nomeadamente o desinteresse pela menor;

M) Ao invés da aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adoção, deverá ser implementada outra medida de apoio junto da Recorrente, não podendo esta ser castigada pelos seus fracos recursos económicos, parecendo-nos que o desfecho não seria este, se esta tivesse condições económicas;

N) Deve ser aplicada a medida de apoio junto da progenitora, ora Recorrente, julgando-se que, esta solução é a que melhor defende os superiores interesses da menor;

O) Com apoio, orientação e acompanhamento, a progenitora conseguirá desempenhar as suas responsabilidades, não estando esgotadas as possibilidades de integração da menor na família biológica;

P) A família é o meio privilegiado para a concretização do direito fundamental das crianças a um desenvolvimento harmonioso, num ambiente de afeição e responsabilidade, sem descontinuidades graves na educação e no afecto;

Q) A medida de confiança a instituição com vista a futura adopção só deverá ser adoptada quando esteja afastada a possibilidade de retorno da criança ou do jovem à sua família natural, (princípio da prevalência da família biológica);

R) Sendo, pois, condição de decretamento da medida de confiança judicial que se demonstre não existir ou se encontrarem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, não bastando, igualmente, que o estejam os vínculos, por assim dizer, económico-sociais próprios dela;

S) Só quando tivermos a certeza de que a relação parental se esvaziou de forma absoluta é que se poderá encetar o caminho destinado à procura de saber se a adopção é a melhor medida para a criança, assim desmerecida pelos seus pais;

T) Neste caso em concreto, sabemos da matéria apurada que a mãe da menor é uma pessoa simples, de pobre instrução, de nível social baixo, de fracos rendimentos económicos, e não muito exigente a nível pessoal, tendo já cometido muitos erros na sua vida, mas é uma mãe que nunca mostrou desinteresse pela menor, bem pelo contrário, sempre foi perseverante, mantendo regular e continuamente, desde o seu nascimento, apesar de várias vicissitudes, visitas e contactos regulares com a mesma, o que demonstra devidamente o interesse e afecto que devota à filha;

U) Deverá, assim, a menor ser entregue à mãe, sendo contudo, necessário haver um acompanhamento, consubstanciado na medida de apoio junto dos pais, a que se refere o art. 35º, nº 1, a), da Lei 147/99, e a que se referem, ainda, por legalmente conexionados, os arts.39º, 41º e 42º, da dita Lei;

V) Devido ao falecimento do pai da ora Recorrente, o qual ocorreu já após a leitura do acórdão de que se apresenta o presente recurso, o seu agregado familiar actual apenas é constituído por esta, pela sua mãe e pela filha AA, respectivamente avó materna e irmã da menor, as quais residem num apartamento composto por quatro quartos;

W) A Recorrente, que tem estado a beneficiar do subsídio de desemprego na sequência da não renovação do contrato de trabalho, voltou a exercer actividade profissional, estando a encetar todos os esforços para reunir o máximo de condições  que lhe permitam acolher a menor e proporcionar-lhe condições de vida dignas;

X) Devido ao falecimento do pai da ora Recorrente já após a leitura do acórdão de que se apresenta o presente recurso, o seu agregado familiar actual apenas é constituído por esta, pela sua mãe e pela filha AA, respectivamente avó materna e irmã da menor, as quais residem num apartamento composto por quatro quartos;

Y) A Recorrente dispõe actualmente de condições habitacionais para a colher a menor;

Z) A Recorrente, voltou a exercer actividade profissional, estando a encetar todos os esforços para reunir o máximo de condições que lhe permitam acolher a menor e proporcionar-lhe condições de vida dignas.

TERMOS EM QUE DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, ALTERAR-SE A MEDIDA DE CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO- CONCRETAMENTE AO CENTRO DE ACOLHIMENTO TEMPORÁRIO DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DAS ...- COM VISTA A FUTURA ADOÇÃO, PREVISTA NOS ARTIGOS 35º, Nº 1, ALÍNEA G), 38ºA e 62ºA, DA LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO, DEVENDO EM SUBSTITUIÇÃO A MENOR SER ENTREGUE À MÃE, SENDO NECESSÁRIO HAVER UM ACOMPANHAMENTO, CONSUBSTANCIADO NA MEDIDA DE APOIO JUNTO DOS PAIS, A QUE SE REFERE O ART. 35º, Nº 1, A), DA LEI 147/99, E A QUE SE REFEREM, AINDA, POR LAGALMENTE CONEXIONADOS, OS ARTIGOS 39º, 41º E 42º, DA DITA LEI.

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

                                                           ***

2.2. – Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., respondeu o recorrido Ministério Público, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“1 - O tribunal, em 29/1/2024, proferiu acórdão nos termos do qual determinou que fosse aplicada a CC, nascida em ../../2021, a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção, mantendo-se entretanto na CAR da Santa Casa da Misericórdia das ....

2 - A progenitora da criança interpôs recurso da deliberação do tribunal, concluindo que “partir para a adoção sem ser dada a oportunidade da criança viver com a mãe, com a qual já criou uma relação de afectividade, é de uma violência atroz, desnecessária e desproporcional, pois, não há qualquer dúvida, que a mãe gosta e tem manifestado ao longo de todo o processo, interesse pela filha, sendo o amor e o afecto que lhe dá, retribuído pela mesma”,

3 - “O passado da mãe, nomeadamente o facto de não manter a guarda e o exercício das responsabilidades parentais dos filhos mais velhos, não pode relevar, para a verificação dos pressupostos, exigíveis para a aplicação da medida de confiança, com vista a futura adoção”, e

4 - “A aplicação da medida com vista à adoção, pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objectiva de qualquer das situações presentes no no 1 do art. 1978o do CC e do art. 35 no 1 al. g) da LPCJP, nomeadamente o desinteresse pela menor”, pelo que,

5 - “Ao invés da aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adoção, deverá ser implementada outra medida de apoio junto da Recorrente, não podendo esta ser castigada pelos seus fracos recursos económicos, parecendo-nos que o desfecho não seria este, se esta tivesse condições económicas”.

6 - Não tendo sido efetivamente impugnada a matéria de facto, só poderá ser relevada a que foi considerada assente.

7 - A CC está, desde o seu nascimento, em acolhimento residencial, por falta de competências e condições de qualquer dos progenitores para dela cuidar.

8 - A situação da CC é especialmente exigente porque nasceu com grande prematuridade e tem sequelas que implicam múltiplos acompanhamentos médicos.

9 - Também não há família alargada ou terceiros que possam cuidar da CC.

10 - A recorrente já não soubera cuidar de mais três filhos, de pais diversos, os quais foram sujeitos a medidas de promoção e proteção de afastamento da progenitora.

11 - A recorrente é pessoa conflituosa, o que se espelhou designadamente na sua relação com o progenitor da criança.

12 - Defende, agora, que deveria ter sido aplicada à CC a medida de apoio junto de si.

13 - “Curiosamente”, no decurso do debate judicial defendeu que deveria ser confiada ao pai, por este ter condições económicas para cuidar da filha, como se a situação económica do progenitor fosse bastante para apagar a falência do mesmo, em termos parentais.

14 - Defendeu, depois, a recorrente, que a CC deveria continuar acolhida até ela própria revelar condições para cuidar da filha.

15 - Revelou, assim, não ter, sequer, noção das suas carências e, por isso, do que teria de mudar em si para poder vir a poder cuidar da CC.

16 - Nunca se autonomizou em termos habitacionais em relação aos pais.

17 - Deixou os restantes filhos em verdadeiro abandono escolar e parental, durante anos.

18 - Chegou a deixar os filhos mais novos ao cuidado da filha mais velha, para sair à noite e divertir-se.

19 - Também deixou os filhos mais novos à noite, pela rua, sem companhia.

20 - Visitou a CC (então em situação clínica grave, dada a sua prematuridade) com COVID, pondo em risco a vida da mesma.

 21 - O pedido de aplicação, à CC, da medida de apoio junto de si, só formulado no presente recurso, é o culminar de um processo de demonstração da ineptidão da recorrente para ser mãe, colocando o interesse dos filhos à frente do seu.

22 - Como se refere em acórdão do TRL 6/4/2017 (consultável, na íntegra, em

http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_print_ficha.php?nid=5254&codarea=58), esta mãe revela uma grande dependência... “!

23 - “Nunca conseguiu tratar dos filhos e cuidar deles antes de tudo o mais, fazendo assim prevalecer as necessidades das crianças, v.g.: acompanhando o percurso escolar dos filhos, indo à escola sempre que necessário..., criando rotinas na vida dos filhos”.

24 - “Não obstante, e a ter-se como séria esta pretensão de ... mudar de estilo de vida, afigura-se-nos que muito dificilmente o conseguirá, máxime a curto e médio prazo”!

25 - “... Esta mãe revela uma dificuldade atroz em organizar e gerir a sua vida, precisando de ajuda, e de quem a encaminhe”.

26 - “Se assim é com os aspectos da sua vida, o que dizer/pensar quanto às questões dos filhos?! Pois, é uma incógnita... Só o tempo permitiria concluir algo... Acontece que não há mais tempo”!

27 - “As mudanças só ocorrem - ou são susceptíveis de ocorrer - quando são sinceras, sustentadas e alicerçadas numa vontade genuína e intrínseca à própria pessoa (e não motivada por factores exteriores)”!

27 - “Ora, a progenitora, para além de não ter feito crer a este Tribunal que essa mudança tem as apontadas características..., revelou ter falta de estrutura interior para operar essa mudança”!

28 - “Revela ser uma pessoa dependente e com grande dificuldade interior e exterior em se autonomizar”!

29 - “Em conclusão, ... para além de ter sido grosseiramente negligente (no mínimo) com os filhos (tal como foi o pai), revela não ter competências parentais e capacidade de autonomia e de organização/gestão da sua vida”.

30 - “Ora, os autos demonstram à saciedade que, por acções e omissões de ambos os progenitores, puseram em perigo grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação e o desenvolvimento destas crianças”.

31 - “Está, pois, mais do que configurada a previsão legal, para se impor a conclusão de que estão seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação”.

32 - “...Amar um filho não é dizer que se gosta muito dele”.

33 - “Amar um filho é cuidar dele, é esquecer-se de si próprio em prol do seu bem-estar”!

34 - “Amar um filho implica, quantas vezes, renunciar a ele, permitindo assim que ele seja feliz”.

35 - “Amar alguém é desejar acima de tudo a felicidade e o bem-estar do ser amado e não utilizar o outro para seu próprio gáudio”.

36 - “Isso não é amor, é egoísmo”!

37 - Assim, concluímos nós, deve ser mantido o acórdão impugnado.

38 - A CC merece uma família!”

                                                           ***

2.3.- Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

“Alegações de recurso de 07-02-2024:

Por estar em tempo, ter legitimidade e a decisão ser recorrível, admite-se o recurso interposto pela Requerida EE, por requerimento com a referência n.º 10499115, o qual contém já as alegações, que é de apelação, a subir imediatamente e em separado e com efeito meramente devolutivo – cfr. artigos 627.º, n.º 1, 639.º, 641.º, 644.º, n.º 2, alínea g), 645.º, n.º 2, e 647.º, n.º 4, a contrario, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 123.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, e artigo 124.º, n.º 2, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.

Notifique os demais intervenientes processuais e o Ministério Público para os efeitos do artigo 638.º n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, sendo o prazo de resposta de 10 dias – cfr. artigo 124.º, n.º 1 da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.

                                                                       ***

            2.4. – Com dispensa de vistos cumpre decidir.

                                                                       ***

3 - Fundamentação.

3.1- Factos Provados:

Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

3.1.1- CC nas nasceu em ../../2021, tendo atualmente 2 anos de idade.

3.1.2- É filha de EE e de FF.

3.1.3- Devido ao facto de ser prematura, a menor nasceu com vários problemas de saúde, tendo permanecido internada no Hospital ... até ao dia 06/10/2021, data em que foi transferida para o Hospital ..., onde permaneceu até ao dia 15 de Novembro de 2021;

3.1.4- Durante o período em que a menor esteve internada em ..., apesar das dificuldades económicas, a Requerida deslocou-se diariamente de ... para ..., de autocarro, de modo a poder acompanhar a menor, pedindo dinheiro emprestado para poder liquidar as suas despesas;

3.1.5- Após a menor ser transferida, do Hospital ... para o Hospital ..., o acompanhamento diário da menor, por parte da Requerida, manteve-se, deslocando-se esta todos os dias de ... para ..., para poder estar junto da filha;

3.1.6- Desde que nasceu, a criança está sujeita a acolhimento residencial na GG. ..., com base em medida inicialmente cautelar e depois de natureza não cautelar;

3.1.7-Tal ocorreu porquanto, nem a mãe nem o pai da CC dispõem de condições, designadamente, habitacionais ou emocionais, para cuidar da filha, que padece de múltiplas patologias clínicas desde o respetivo nascimento;

3.1.8- A progenitora nunca se opôs à aplicação da medida de acolhimento residencial, uma vez que esta sempre teve consciência que não tinha meios, nem condições económicas, para dar à menor o acompanhamento de que esta necessitava;

3.1.9- A Requerida não deixou de acompanhar a menor, visitando-a todas as semanas na casa de acolhimento, e telefonando diariamente para saber como esta se encontrava, situação que ainda se mantém.

3.1.10- A situação de saúde de menor encontra-se controlada, pese embora deva ser vigiada em várias especialidades.

3.1.11- EE é, também, progenitora de BB, DD e AA, nascidos em ../../2019, .../.../201 e ../../2005, respetivamente, o segundo e a terceira filhos de pais diferentes e diversos do pai do BB e da CC.

3.1.12- A progenitora da CC não reside com o pai da criança ou com os pais dos outros filhos.

3.1.12- EE tem residido, habitualmente, em locais quase sempre desarrumados e sujos, na companhia de familiares.

3.1.13- Chegou a residir em locais com baratas, que não cuidou de erradicar.

3.1.14- Teve a residir consigo os filhos DD, BB e AA.

3.1.15- Não cuidou deles nem acompanhou o percurso escolar do DD e da AA, não comparecendo nas escolas quando solicitada e não assegurando a comparência deles nas aulas.

3.1.16- DD, quando estava na companhia da mãe, manifestava dificuldades acentuadas em acatar regras, tendência a integrar grupo de jovens mais velhos, a perambular pelas ruas, a condutas de indisciplina e , absentismo escolar, a mau comportamento e ausência de cumprimento de regras, a perturbação do funcionamento das aulas.

3.1.17- BB, quando residia com a mãe, não frequentava qualquer equipamento pré-escolar, patenteando agitação, dificuldades a nível dos ritmos de sono, pesadelos e condutas agressivas (tendência a brincadeiras que implicavam agressões e morder).

3.1.18- Em outubro de 2019 foi diagnosticado com sarna.

3.1.19 - Em julho de 2020 o médico de família contactou o pai, sinalizando que o BB deveria estar de quarentena por COVID, contudo, encontrava-se a circular na rua.

3.1.20 - A AA faltava com frequência às aulas.

3.1.21 - Ficou retida três anos.

3.1.22 - Chegou a beber álcool ao ponto de ter tido uma intoxicação alcoólica.

3.1.23 - EE saía à noite, para se divertir, deixando os filhos mais pequenos sem a sua presença, sendo que a sua filha, AA, assumia, muitas vezes, o papel de cuidadora dos irmãos.

3.1.24 - O BB e o DD foram sujeitos às medidas de apoio junto dos respetivos progenitores.

3.1.25 - À AA foram aplicadas, cautelarmente, as medidas de acolhimento residencial e, posteriormente, de apoio para a autonomia de vida.

3.1.26 - A primeira não foi executada por falta de vaga em CAR próxima da área da sua residência.

3.1.27 - A segunda não foi, igualmente, executada, porque a progenitora da Jovem inviabilizou tal execução, influenciando a filha a impedir o seu normal cumprimento.

3.1.28 - Foi aplicada à jovem a medida de apoio junto da progenitora, que cessou no dia 17- 01-2024 ( atenta a maioridade da jovem).

3.1.29 - CC nasceu com prematuridade extrema (24 semanas da gravidez da mãe).

3.1.30 - Carece de acompanhamentos médicos de pediatria, pneumologia, oftalmologia, neonatologia, desenvolvimento e medicina física e reabilitação, sendo previsível que a necessidade de acompanhamento médico perdure até à adolescência.

3.1.31 - Globalmente, apresenta um ligeiro atraso no seu percurso de desenvolvimento e é considerada uma criança que necessita da contínua prestação de cuidados especiais.

3.1.32 - Em fins de 2021, a progenitora visitou a CC na CAR sabendo que tinha COVID, confirmada por teste, não tendo informado a CAR desse facto.

3.1.33 - O progenitor da CC mantém relações amorosas pautadas pela conflitualidade;

3.1.34- O progenitor apresenta consumo excessivo de bebidas alcoólicas;

3.1.35 - O progenitor assegurou os cuidados ao filho BB com a ajuda da sua ex-companheira, pese embora a conflitualidade do agregado tenha gerado a aplicação da medida de acolhimento residencial ao menor, em 06-10-2023;

3.1.36- O progenitor reconhece não dispor de condições habitacionais, económicas e pessoais para cuidar da CC.

3.1.37 - Entende que a progenitora não teve e nunca terá condições parentais e pessoais para poder vir a cuidar da CC.

3.1.38 - Defende, num discurso contraditório, tanto que a CC deverá ser confiada à instituição em que está acolhida, com vista à futura adoção, como que tal medida não deverá ser aplicada.

3.1.40 - O ISS e a CAR em que a CC está acolhida defendem a aplicação à CC da medida de confiança com vista a futura adoção.

3.1.41 - Em 19/12/2021, EE foi acusada, no âmbito do inquérito nº 363/19...., que correu no DIAP ..., da prática, na pessoa do pai dos seus filhos, BB e CC, de um crime de violência doméstica.

3.1.42 - Tal acusação surgiu na sequência de EE não ter respeitado as injunções aplicadas aquando da suspensão provisória do inquérito, de submissão a consultas de apoio psicológico e proibição de contactar com o ofendido, bem como de o agredir de qualquer modo.

3.1.43- HH, companheiro de EE (progenitora de CC) apresenta problemas patrimoniais, que implicarão a alteração de residência. 3.1.44- HH manifesta intenção de residir com EE (progenitora de CC), em habitação a arrendar, não sendo capaz de concretizar em que data tal poderá ocorrer.

3.1.45- A irmã de EE, II, tem 3 (três) filhos a seu cargo, auferindo cerca de € 760,00 (setecentos euros) mensais, revelando disponibilidade para ficar com a CC, apenas, aos fins-de-semana.

3.1.46- JJ, cunhada de EE, apresenta disponibilidade para a ajudar financeiramente.

3.1.47- KK, amiga de EE, apresenta disponibilidade para acompanhar, futuramente, EE e CC às consultas, apesar de residir em ....

3.1.48- KK e LL encontram-se a auxiliar EE, nomeadamente, na procura de habitação.

3.1.49- A progenitora apresenta relação de afetividade com a CC, visitando-a semanalmente na CAR, não estimulando, contudo, o seu desenvolvimento, limitando-se a assistir, com a criança, vídeos no telemóvel.

3.1.50- O progenitor, desde outubro de 2023 até janeiro de 2024, visitou a CC por três vezes, não apresentando qualquer relação de afetividade com a mesma, inexistindo interação entre ambos.

3.1.51- A progenitora opôs-se à realização de visita domiciliária, a levar a cabo pela Segurança Social, nomeadamente, à casa do seu companheiro.

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3.2- Factos Não Provados:

Com relevo para a decisão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:

J.2.1- A progenitora mantém com a CC uma relação de proximidade cada vez maior, reconhecendo-a como figura materna, recebendo-a com carinho e afetividade cada vez de forma mais efusiva, existindo uma grande relação de afetividade.

*

No que tange aos factos alegados pelos sujeitos processuais, que, por sua vez, não constam do catálogo de factos provados e não provados, impõe-se clarificar que os mesmos foram considerados irrelevantes (isto, porquanto, não importam, per se, para a boa decisão da causa ou apresentam, no que concerne ao seu conteúdo, um caráter meramente conclusivo, instrumental ou jurídico).

Na mesma lógica, considerando os factos cujo conteúdo se apresentou repetitivo e similar, procedeu-se a uma limitação dos mesmos ao absolutamente necessário e essencial.

Importa, ainda, ter presente que a ação enquadra-se no âmbito da jurisdição voluntária, permitindo-se, por isso, ao Tribunal, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar as diligências e recolher as informações, só sendo admitidas as provas que o juiz considere convenientes. O Tribunal teve, por isso, em consideração, o  factos relevantes que resultaram da instrução da causa, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 5.º, n.º 2, ai. a) do Código de Processo Civil.
            ***

   3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que a questão a decidir consiste em saber – se a sentença recorrida, deve ser revogada e ser proferido acórdão a decidir que a menor deve ser entregue à mãe, com acompanhamento, consubstanciado na medida de apoio juntos dos pais.

Segundo a recorrente a medida que melhor defende o superior interesse da menor é a sua confiança à mãe, com acompanhamento desta, consubstanciado na medida de apoio junto dos pais.

Opinião oposta tem o recorrido Ministério Público, que pugna pela manutenção da decisão recorrida.

Apreciando.

            De acordo com o preceituado no art.º 38-A, al. b), da LPCJP, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no art.º 1978 do Código Civil e que consiste na colocação da criança ou jovem sob a guarda de instituições com vista a futura adopção.

O artigo 1978º n.º 1 do C. Civil fixa os casos em que a confiança de menor a casal, pessoa singular ou a instituição, com vista a futura adopção, pode ser decidida pelo Tribunal, a confiança judicial protege o interesse da menor de não ver protelada a definição da sua situação face aos pais biológicos, pois torna desnecessário o consentimento dos pais ou do parente ou tutor que, na sua falta, tenha o menor a seu cargo e com ela viva. O processo de integração da criança na nova família poderá assim decorrer com mais serenidade e sem incertezas que poderão prejudicar toda a necessária adaptação - Cons. Gomes Leandro - "O Novo Regime Jurídico da Adopção", pág. 273; "Curso de Direito da Família" - Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, 2ª ed., I, pág. 57.

Esta protecção é uma garantia constitucional, porque o artigo 36º expressamente reconhece no seu n.º 6 que os filhos podem ser separados dos pais quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles.

Por sua vez a adopção tem consagração constitucional no n.º 7 do mesmo preceito.

Saliente-se que o direito e dever dos pais à educação e manutenção dos filhos (n.º 5 do artigo 36º) é um direito-dever, estabelecido, tal como todos os poderes - deveres, ou poderes - funcionais, fundamentalmente, no interesse dos filhos, não constituindo um puro direito subjectivo dos pais. Princípio esse que subjaz igualmente na Convenção sobre os Direitos da Criança.

Diga-se finalmente que por maus tratos não se entende só a agressão física ou psicológica, mas também "o insucesso na garantia do bem-estar material e psicológico da criança, necessário ao seu desenvolvimento saudável e harmonioso" - Dr. Campos Mónaco - "A Declaração Universal dos Direitos da Criança e seus Sucedâneos Internacionais", Coimbra Editora, 2004, pág. 152.

Revestindo os presentes autos a natureza de processo de jurisdição voluntária (artigo 100.º da Lei nº 147/99), não estando, por isso, o tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita e considerando o disposto no artigo 4.º, alínea a), da mesma lei, que consigna o princípio fundamental da obediência ao interesse superior da criança, será este o critério primordial a ter em conta na apreciação do caso subjudice.

O conceito de interesse do menor tem de ser entendido em termos absolutamente amplos de forma a abarcar tudo o que envolva os legítimos anseios, realização e necessidades daquele nos mais variados aspecto: físico, intelectual, moral, religioso e social.

E este interesse tem de ser ponderado casuisticamente em face duma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes.

A personalidade da criança constrói-se nos primeiros tempos de vida, isto é na infância, desenvolvendo-se na adolescência. Infância e adolescência são estádios fulcrais no desenvolvimento do ser humano, revelando-se fundamental que a criança seja feliz e saudável para que venha a ser, na idade adulta, um ser equilibrado e feliz.

São os pais que têm em primeiro lugar uma influência decisiva na organização do Eu da criança. Quem exerce as funções parentais deve prestar os adequados cuidados e afectos.

E, se atento o primado da família biológica há que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vê que há possibilidade destas encontrarem o seu equilíbrio, há situações em que tal já não é possível, ou pelo menos já o não é em tempo útil para a criança.

Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades tais que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante para a criança é imperativo constitucional que se salvaguarde o interesse da criança, particularmente através da adopção.

Esta visão plasmada na nossa lei da adopção, está presente em importantes instrumentos jurídicos internacionais, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Europeia em matéria de adopção e de crianças.

A criança é titular de direitos e o interesse da criança é hoje o vector fundamental que deve influenciar a aplicação do direito.

Importa, pois, ter em conta a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos próprios da filiação, tendo presente que o interesse da criança não se pode confundir com o interesse dos pais.

É certo que o processo de promoção e protecção deve subordinar-se ao princípio da prevalência da família segundo o qual na promoção de direitos e protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integram na sua família ou que promovam a sua adopção (a adopção sempre depois de esgotada a possibilidade de integração na família biológica e, muitas vezes, mesmo depois da tentativa de integração na família alargada) –veja-se o artigo 4º, al. f),g) e i) da LPCJP, em consonância com a Convenção Europeia dos Direitos e Liberdades Fundamentais e na Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança de 20 de Novembro de 1989.

No entanto tal princípio não é absoluto.

Há situações em que e apesar dos laços afectivos inegáveis entre pais e filhos, aqueles põem em perigo grave a segurança, a saúde, a educação e o desenvolvimento dos filhos.

Não porque não os amem mas porque não têm capacidade para os proteger e para lhes proporcionar as condições essenciais ao seu desenvolvimento saudável.

Não podemos olvidar que há um meio envolvente de cada criança que facilita ou impede a organização da sua vida psíquica.

Como se sabe a personalidade da criança constrói-se na puerícia e desenvolve-se na adolescência, sendo essencial que nestes dois momentos a criança seja feliz e saudável, para que na idade adulta seja uma pessoa equilibrada, cabendo a quem exerce o poder paternal cuidar e prestar os cuidados indispensáveis ao seu desenvolvimento.

Estabelece o art.º 1978.º do Código Civil que:

“Com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal a pessoa singular ou a instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das seguintes situações:

a) se o menor é filho de pais incógnitos ou falecidos;

b) se tiver havido consentimento prévio para a adopção;

c) se os pais tiveram abandonado o menor;

d) se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor;

e) se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade ou a continuidade daqueles vínculos durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.”

Do n.º 2 do citado normativo legal resulta que na verificação das situações previstas no n.º 1 o tribunal deve atender prioritariamente aos interesses do menor.

Por fim, do n.º 3 do mesmo normativo resulta que se considera existir uma situação de perigo quando se verificar alguma das situações qualificadas pela legislação relativa à promoção e protecção dos interesses dos menores.

O desinteresse distingue-se do abandono porquanto este representa um comportamento activo – afastamento – em que existe já a quebra do vínculo afectivo da filiação. Por outro lado, o desinteresse pressupõe uma situação omissiva mas em que ainda há contacto com o menor, gerando-se a dúvida acerca da manutenção ou não do vínculo afectivo da filiação.

O perigo que enquadra o disposto no al.ª d) do citado art.º 1978.º do Código Civil tem necessariamente de traduzir-se na acção ou omissão susceptível de criar um dano grave na segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento do menor.

O perigo exigido nesta alínea é aquele que se apresenta descrito no art.º 3.º da L.P.C.J.P., sem que pressuponha a efectiva lesão, bastando, assim, um perigo eminente ou provável. Apesar de apenas se prever a incapacidade dos pais por doença mental, o espectro normativo, numa interpretação teleológica, abrange outras situações similares.

Como se sabe o adulto constitui a instância matricial de definição da criança, em termos genéticos e ontogénicos, individuais e sociais, psicológicos e culturais.

Do ponto de vista psicológico, os adultos, especialmente aqueles mais próximos oferecem às crianças “(…) olhares com vista para os seus olhos” – E. Sá, Psicologia dos Pais e do Brincar – 1995, 2.ª edição, Lisboa: Fim de Século. Porém, o olhar do adulto não é abstracto ou isolado, nem alheio ao facto de ser olhado. As imagens dialogantes, mutuamente desenvolvidas, entretecidas nas malhas da relação do afecto, são construções feitas por referência a outras imagens, envolvendo no conhecimento de si o conhecimento do outro, tecendo a identidade de cada criança na trama de uma infinidade de referências que directa e remotamente participam na sua definição – neste sentido Paula Cristina Martins, in Das dificuldade (dos) menores aos problemas (dos) maiores: elementos de análise das representações sociais sobre as crianças em risco, citando P. Martins, A Avaliação como factor estruturante e promotor do desenvolvimento pessoal, Psicologia, Educação e Cultura, ano 2001, vol. V, n.º 1, 63-70, monografia recolhida em https://repositorium.sdum.uminho.pt.

Como se sabe a capacidade de retenção e de memorização de crianças de tenra idade é incontestável, principalmente quando relacionadas com vivências traumatizantes, estas possuem a capacidade de reter esses momentos, quer exteriorizando-os e relatando-os, ainda que de forma figurada, quer os reprimindo e guardando para si – (cfr. neste sentido Pedro Strecht, Preciso de Ti, Perturbações Psicossociais em crianças e adolcentes, 2001, Assírio e Alvim).

Em suma o que releva para ser aplicada esta ou aquela medida, é o superior interesse da criança, reclamando uma análise sistémica e sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência ( cf. Ac RC de 3/5/2006, proc. nº681/06, e Ac. da mesma relação de 27 de Abril de 2017, proc.º n.º 268/12.0TBMGL.C2, relatado por Jorge Arcanjo).

Dito isto, cabe perguntar, qual das medidas salvaguarda o melhor interesse da menor. Se a aplicada na decisão recorrida ou se a pugnada pela recorrente.

Da matéria de facto, com interesse para se aquilatar, qual o superior interesse da menor, temos que da mesma, se verifica, como bem se refere na decisão recorrida, que a  CC, encontra-se, desde que nasceu, sujeita a medida de acolhimento residencial, apresentando diversos problemas de saúde, o que determinou que ficasse internada, em sede hospitalar, por cerca de 5 (cinco) meses. Beneciando atualmente, de acompanhamento em sede das especialidades de pediatria, pneumologia, oftalmologia, neonatologia, desenvolvimento e medicina física e reabilitação, sendo previsível que a necessidade de acompanhamento médico perdure, pelo menos, até à adolescência.

Globalmente, CC, apresenta um ligeiro atraso no seu percurso de  desenvolvimento e é considerada uma criança que necessita da contínua prestação de cuidados especiais.

A necessidade de aplicação - e manutenção - da medida de acolhimento residencial a CC, decorreu da incapacidade dos progenitores lhe prestarem os necessários cuidados de que necessita. Conforme resulta da factualidade provada, os irmãos de CC - AA, DD e BB - foram sujeitos a medidas de promoção e proteção (que ainda se mantêm, quanto ao DD e ao BB, nomeadamente, à margem da progenitora) porquanto EE não foi capaz, ao longo do tempo, de assegurar os cuidados de higiene, saúde, educação e segurança, relativamente a todos os seus filhos.

A CC como já dissemos, apresenta problemas" de saúde específicos, que exigem um acompanhamento constante, não sendo previsível quando ocorrerá, efetivamente. o termo do referido acompanhamento.

Acresce que os progenitores de CC não se apresentam como um suporte adequado às necessidades da menor, tanto mais, que esta necessita de cuidados espeficicos. O progenitor assume não apresentar condições habitacionais, económicas e pessoais para assegurar as necessidades de CC. A progenitora, por seu turno, reside em casa dos seus progenitores, com a sua filha. A progenitora não trabalha e não apresenta condições para adquirir ou arrendar um imóvel onde possa residir, nomeadamente, com a CC. A progenitora não apresenta, por isso, condições habitacionais e económicas para acautelar as necessidades especiais de CC.

A progenitora foi ajudada pela Segurança Social, não tendo aproveitado as oportunidades conferida apresentando, como se expôs, uma posição de conflituosidade.

A ausência de aquisição de competências poderá estar relacionada com o seu percurso de vida e consequente debilidade emocional; todavia, a progenitora teve muito tempo para procurar a sua reabilitação, o que, como se verifica da factualidade provada, não ocorreu.

A CC tem três anos e necessita de cuidados especifico. A mãe, ao longo do processo (nomeadamente, do debate judicial) não foi capaz de provar ao Tribunal que adquiriria as necessárias condições, com brevidade, por forma a apresentar-se, verdadeiramente, como uma solução. Referiu ter um companheiro, pretendendo residir, com o mesmo, mas nenhum dos dois foi claro quanto à possibilidade de tal ocorrer efetivamente, tendo EE, outrossim, apresentado oposição de realização de visita domiciliária ao seu companheiro.

Por outra via, não existe qualquer pessoa capaz de se assumir, globalmente, corno urna alternativa. A irmã e a cunhada de EE, bem como a sua amiga, JJ, disponibilizam-se para ajudar casualmente, não apresentando recetividade em receber CC, ainda que temporariamente.

Acresce, ainda; que a CC não poderá ficar acolhida indefinidamente, sendo entendimento deste Tribunal, que lhe assiste, o quanto antes, o direito a encontrar uma família. Tal como se constata, na presente situação, o tempo das crianças nem sempre corresponde ao tempo dos 'pais biológicos. De mais a mais, os progenitores colocam em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança (resultando preenchidos todos os pressupostos que depende a aplicação da aludida medida).

Não pomos em causa o amor que a recorrente tem para com a sua filha, pois, resulta provado, desde logo, que após a menor ser transferida, do Hospital ... para o Hospital ..., o acompanhamento diário da menor, por parte da Requerida, manteve-se, deslocando-se esta todos os dias de ... para ..., para poder estar junto da filha (cfr. facto 3.1.4.) e que não deixou de acompanhar a menor, visitando-a todas as semanas na casa de acolhimento, e telefonando diariamente para saber como esta se encontrava, situação que ainda se mantém (cfr. facto 3.1.9).

            É neste quadro que temos de analisar e ponderar qual das medidas se melhor adequada ao interesse da menor.

Assim, tal como decorre da motivação do acórdão recorrido, considera-se não merecer censura o entendimento do tribunal a quo, segundo o qual, a única medida adequada, que respeita os direitos da menor e que alcança o seu superior interesse é a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, uma vez que estão irremediavelmente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, não tendo a recorrente, demonstrado condições de cuidar da menor, até por esta apresentar problemas de saúde, não se basta com a demonstração de interesse por parte da progenitora ou da existência de uma relação afectiva com a menor –, intercedente entre esta criança e a progenitora, não se antevendo como provável que esta venha a adquirir, em tempo útil, como não adquiriu nos últimos  anos, as capacidades parentais necessárias a garantir o desenvolvimento psico-afectivo da criança, tanto mais, que a progenitora foi ajudada pela Segurança Social, não tendo aproveitado as oportunidades conferida apresentando, e também teve muito tempo para procurar a sua reabilitação, o que, não ocorreu, como se verifica da factualidade provada (cfr. neste sentido Acórdão deste Supremo Tribunal de 10/11/2022 (proc. n.º 1455/20.2T8GDM.P1.S1, citado no Ac. do mesmo Tribunal, datado de 2 de Fevereiro de 2023, proc.º n.º 377/18.1T8FAF.P1.S1, relatado por Maria da Graça Trigo).

Saliente-se que esta medida tem como finalidade primeira a defesa da criança, evitando que se prolonguem situações em que os menores sofram as carências derivadas da ausência de uma relação familiar com um mínimo de qualidade, visando criar as condições para que, em tempo útil – atendendo ao “tempo da criança” – se encontre um projecto de vida que permita o seu integral desenvolvimento (cfr. Ac. citado do STJ datado de 2 de fevereiro de 2023).

Face ao exposto e ponderados os vários pontos, com vista à defesa do superior interesse da menor, não vislumbramos razão, para alterar o acórdão recorrido, onde foi ponderado o superior interesse da menor.

                                                           ***

                                                   4. Decisão

Face ao exposto, decide-se, por acórdão, julgar o recurso improcedente e manter o acórdão recorrido.

Sem custas, art.º 4.º, n.º 1, al.ª i), do Regulamento das Custas Processuais.

Coimbra, 9/4/2024

Pires Robalo (relator)

Teresa Albuquerque (adjunta)

Cristina Neves (adjunta)