Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
145/17.8GBNLS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: PERÍCIA ELABORADA PELO LABORATÓRIO DE POLÍCIA CIENTIFICA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA EM INQUÉRITO DE PROCESSO-CRIME
APRESENTAÇÃO DA NOTA DE DÉBITO
PAGAMENTO
Data do Acordão: 05/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (J L C GENÉRICA DE NELAS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1.º, 2.º, N.º 1, E 46.º, N.º 3, ALÍNEA B), DA LEI N.º 37/2008, DE 06-08; ART. 1.º E 2.º, N.ºS 3 E 4, DA PORTARIA N.º 175/2011, DE 28-04
Sumário: I – A Portaria n.º 175/2011, de 28 de abril, no seu preâmbulo e nos artigos 1.º e 2.º, é medianamente clara no sentido de que os custos realizados pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, pelo Instituo Nacional de Medicina Legal, I.P. e pela Polícia Judiciária com perícias e exames, relatórios, informações sociais e outros documentos que lhes forem requeridos, são cobrados para efeitos de pagamento antecipado do processo e são pagos, diretamente, a essas entidades pelos Tribunais, constituindo, assim, fonte de receitas adicionais às que provêm do orçamento do Estado e do IGFIJ, I.P..

II – O pagamento determinado na Portaria n.º 175/2011, de 28 de abril, mais não é que uma antecipação do pagamento das perícias, exames e relatórios, que no final entrará em regra de custas, incumbindo a sua liquidação ao sujeito processual que vier a ser condenado no pagamento de custas ou, não havendo condenado em custas ou havendo isenção de custas por parte de quem as deveria pagar, serão suportados pelo IGFIJ, I.P., tendo-se para o efeito em consideração o disposto, designadamente, nos artigos 16.º, nº1, alíneas a) e b), 19.º, n.º1, e 20º n.º2, do Regulamento das Custas Processuais.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

           

     Relatório

            Pelo Ex.mo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo de Competência Genérica de Nelas, foi decidido, por despacho proferido em 26 de setembro de 2018, deferir o pedido da Polícia Judiciária - Unidade de Administração Financeira, Patrimonial e de Segurança, de pagamento da nota de débito n.º 2210010552/2018, por esta apresentada, no valor de € 204,00, referente ao exame n.º 201704440.

           Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1- Vem o presente recurso interposto do despacho de 26-09-2018 (fls. 98 a 100) que, indeferindo a promoção do Ministério Público de fls. 97 determinou o pagamento da nota de débito de fls. 94 a 96, junta aos autos pela Unidade de Administração Financeira, Patrimonial e de Segurança da Polícia Judiciária, devida pela realização de perícia pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária.

2- A Portaria n.º 175/2011, de 28 de Abril, aprovou a tabela de preços a cobrar pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, pelo Instituo Nacional de Medicina Legal, I.P. e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais e outros documentos que lhes forem requeridos.

3- Nos termos dos n.ºs 3, e 4, do artigo 2.º, do referido diploma, tais custos são cobrados para efeitos de pagamento antecipado do processo e são pagos, directamente, a essas entidades pelos Tribunais.

4- De acordo com o artigo 46.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 37/2008, de 06 de Agosto (Lei Orgânica da Polícia Judiciária) tais verbas constituem receitas próprias do mencionado Serviço.

5- Apesar do teor relativamente inequívoco dos mencionados preceitos legais, cremos que, quando tais entidades actuam no exercício das atribuições da sua competência exclusiva, no âmbito da sua missão de coadjuvação dos Tribunais, o mencionado documento (factura/recibo/nota de débito) destina-se, exclusivamente, à demonstração do montante a levar em regra de custas, aí se imputando tal encargo ao seu responsável.

6- Nestes casos, obtido o pagamento da conta pelo seu responsável, tal quantitativo deverá ser transferido para a mencionada entidade, traduzindo-se em sua receita própria. Já se não for obtido tal pagamento, nada haverá a transferir para o mencionado Serviço.

7- Cremos que esta é a interpretação que melhor acolhe a teleologia das normas em referência e a lógica subjacente à circunstância de um serviço central da administração directa do Estado exigir de um outro órgão do Estado o pagamento de quantias pelos serviços prestados no âmbito da sua própria missão.

8- Razão pela qual deveria ter sido indeferido o requerido pagamento.

9- Salvo melhor opinião, ao assim não decidir, o despacho recorrido violou os artigos 1.º, 2.º, n.º 1, e 46.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 37/2008, de 06 de agosto, e os artigos 1.º, e 2.º, n.ºs 3, e 4, da Portaria n.º 175/2011, de 28 de Abril.

Desta forma,

Na procedência do recurso, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que indefira o pagamento da nota de débito apresentada pela Unidade de Administração Financeira, Patrimonial e de Segurança da Polícia Judiciária.

A Ex.ma Procuradora-geral adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o arguido … nada disse.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            O despacho recorrido tem o seguinte teor:

« Ref.ª 3056986 (fls. 94/95):

 A Polícia Judiciária – Unidade de Administração Financeira, Patrimonial e de Segurança veio apresentar a pagamento uma nota de débito no valor de €204,00, relativo a exame de cromatografia gasosa e teste colorimétrico, realizado no âmbito das diligências de inquérito deste processo-crime, por determinação do Ministério Público.

O Ministério Público promoveu o indeferimento do pagamento.

Vejamos.

A Polícia Judiciária apresentou a pagamento uma nota de débito do custo daquele exame e teste, realizado no âmbito de processo-crime, em fase de inquérito, por decisão do Ministério Público.

Os custos de perícias e relatórios elaborados pela Polícia Judiciária (PJ), pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P. (INMLCF) e Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) estão regulados pela Portaria n.º 175/2011, de 28 de Abril.

Nos termos do art.2.º, n.º 3 da dita portaria, o “custo das perícias e exames bem como dos instrumentos técnicos elaborados para apoiar as decisões das entidades judiciárias são considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo”.

Por outro lado, as “perícias e os exames realizados pela Direcção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I. P., ou pela Polícia Judiciária são pagos diretamente a essas entidades pelos tribunais ou pelas entidades públicas ou privadas não isentas que os requeiram, de acordo com a tabela de preços anexa à presente portaria” – art. 2.º, n.º 4 da Portaria n.º 175/2011, de 28 de Abril.

Não sofre dúvida que as perícias e exames realizados pela PJ devem ser pagos. Mas deverá ser pago todo e qualquer exame ou perícia?

Segundo o art.1.º do referido diploma regulamentar, a portaria “aprova a tabela de preços a cobrar pela Direção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I. P., e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais, audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas”.

Neste conspecto, comungamos da posição abraçada pelo Acórdão da RC (Luís Ramos) de 24.05.2017, P. 306/12.6JACBR-A.C1, no sentido de que apenas é devido à PJ o pagamento dos exames ou perícias que realizou, quando requisitado por entidade externa. Nos casos em que a Polícia Judiciária, por iniciativa própria, no âmbito da prossecução das suas atribuições legais (designadamente da competência investigatória criminal quanto aos delitos previstos no art. 7.º da Lei n.º 48/2008, de 27 de Agosto, que aprovou a Lei de Organização da Investigação Criminal), procede a exames ou perícias, não lhe é devido o respetivo pagamento, para o que recebe as transferências do Orçamento do Estado.

Atento o interesse dos argumentos convocados em tal aresto, transcreve-se o seguinte excerto:

«A presente portaria aprova a tabela de preços a cobrar pela Direcção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I. P., e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais, audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas.”

Ora, resultando do artigo 47º da Lei n.º 37/2008, de 6 de Agosto que “constituem despesas da Polícia Judiciária as que resultem de encargos decorrentes da prossecução das atribuições que lhe são cometidas” e que a Polícia Judiciária realizou o exame por iniciativa própria e no âmbito da investigação de crime (artigos 2º, nº 1 e 3º, nº 1, da Lei n.º 37/2008, de 06 de Agosto), para o qual tinha, nos termos do artigo 7º, nº 3, alínea h. da Lei nº 49/2008, de 27 de Agosto, competência reservada (v. fls. 10 dos presentes autos), não podem restar dúvidas de que estamos perante uma despesa própria da Polícia Judiciária uma vez que esta a realizou no âmbito da prossecução das suas atribuições legais.

Só assim não seria se estivesse em causa, por exemplo, a realização de perícias ou exames prestados pela Polícia Judiciária, ou seja, a realização de perícias ou exames que lhe tivessem sido requisitados por entidade externa. É este o sentido da expressão “atividades ou serviços prestados”.

Aliás, a própria portaria é muito clara neste mesmo sentido quando refere “que aprova a tabela de preços a cobrar (…) pela Polícia Judiciária por perícias e exames (…) que lhes forem requeridos”.

E são apenas estes e não os que a Polícia Judiciária realiza por iniciativa própria no âmbito da prossecução das suas atribuições legais.

Cumpre ainda referir que a jurisprudência indicada na motivação não contraria este nosso entendimento, antes o confirma o entendimento uma vez que todos os acórdãos respeitam a situações em que estão em causa “serviços prestados” ou seja, serviços requisitados pelo tribunal à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e à Polícia Judiciária.»

Em sentido aparentemente diverso (o de ser sempre devido o pagamento dos exames ou perícias, mesmo dos realizados por iniciativa da PJ no âmbito da sua competência investigatória), pronunciaram-se os Acórdãos: 

- da RE de 20.10.2015 (Alberto Borges), P. 31/11.5TAMTL-A.E1;

- da RE de 20.10.2015 (Fernando Pina), P. 43/13.4GAMTL-A.E1; e

- da RL de 22.05.2018 (Maria José Machado), P. 14/16.9SVLSB-A.L1-5.

Regressando ao caso dos autos, cumpre salientar que o exame de cromatografia gasosa e o teste colorimétrico foram realizados no âmbito de processo-crime, em fase de inquérito, por decisão do Ministério Público, no âmbito de investigação de crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40.º, n.º 1 e 2 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

De acordo com o critério enunciado, é devido o pagamento do seu custo à PJ, nos termos do Anexo à Portaria n.º 175/2011, de 28 de Abril, Alínea E), pontos 5 e 14, ou seja, 2 UCs (1,9 + 0,1).

Está, por isso, correta a liquidação efetuada pela PJ.

Adiante-se o pagamento pelo IGFEJ (art. 19.º, n.º 1 do RCP), já que o Ministério Público está isento de custas, entrando em regra de custas (art. 16.º, n.º 1, al. a)-i do RCP).

Notifique.»


*

                                                  

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

Como bem esclarecem os Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques, « Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).  

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do Ministério Público a questão a decidir é a seguinte:

- se o despacho recorrido violou os artigos 1.º, 2.º, n.º 1, e 46.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 37/2008, de 06 de agosto, e os artigos 1.º, e 2.º, n.ºs 3, e 4, da Portaria n.º 175/2011, de 28 de Abril, ao determinar o pagamento da nota de débito junta aos autos pela Polícia Judiciária, pela realização de perícia pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária.

            Passemos ao seu conhecimento.


-

O Ministério Público entende que o douto despacho recorrido violou os artigos 1.º, 2.º, n.º 1, e 46.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 37/2008, de 06 de agosto, e os artigos 1.º, e 2.º, n.ºs 3, e 4, da Portaria n.º 175/2011, de 28 de Abril, ao determinar o pagamento da nota de débito junta aos autos pela Polícia Judiciária, pela realização de perícia pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, requerida pelo Ministério Público, alegando para o efeito, no essencial, o seguinte:

- A Lei n.º 37/2008, de 06 de Agosto (Lei Orgânica da Polícia Judiciária), define a PJ, no seu art.1.º, como como um corpo superior de polícia criminal organizado hierarquicamente na dependência do Ministro da Justiça e fiscalizado nos termos da lei, e trata-o como um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa.

No art.2.º, n.º 1, desta mesma Lei, estabelece que «A PJ tem por missão coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação, desenvolver e promover as ações de prevenção, deteção e investigação da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes».

E o art.46.º, desta Lei, estatui, nomeadamente, que «A PJ dispõe das receitas provenientes de dotações que lhe forem atribuídas no Orçamento do Estado» (n.º1), que «…dispõe das receitas provenientes das transferências do Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça, I. P. (IGFIJ, I. P.)» ( n.º2) e, ainda, que a PJ é responsável pela arrecadação de «..receitas próprias resultantes da sua atividade» (n.º3), como, designadamente:« b) As quantias cobradas por atividades ou serviços prestados, designadamente ações de formação, realização de perícias e exames, extração de certidões e cópias em suporte de papel ou digital».

Dispõe, assim, a Lei Orgânica da Polícia Judiciária que esta Polícia prossegue os seus fins basicamente através de dotações do Orçamento do Estado, num plano bem menos relevante, com receitas provenientes das transferências do IGFIJ, I. P. e, num subsidiário com “receitas próprias”, nomeadamente resultantes de perícias e exames.

- A Portaria n.º 175/2011, de 28 de Abril, que aprovou, no seu art.1.º, a tabela de preços a cobrar pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, pelo Instituo Nacional de Medicina Legal, I.P. e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais e outros documentos que lhes forem requeridos, estabelece seu art.2.º, n.ºs  3 e 4, que tais custos são cobrados para efeitos de pagamento antecipado do processo e são pagos, diretamente, a essas entidades pelos Tribunais.

- As ações de investigação criminal não podem ser alvo de tributação autónoma pois é tarefa fundamental do Estado garantir os direitos e liberdades fundamentais (art.9.º, al. b), da C.R.P.) e a polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos (art.272.º, n.º 1, da C.R.P.).

- Quando a PJ atua no exercício das atribuições da sua competência exclusiva, no âmbito da sua missão de coadjuvação dos Tribunais, a fatura/recibo/nota de débito, destina-se, exclusivamente, à demonstração do montante a levar em regra de custas, aí se imputando tal encargo ao seu responsável.

Nestes casos, obtido o pagamento da conta pelo seu responsável, tal quantitativo deverá ser transferido para a mencionada entidade, traduzindo-se em sua receita própria. Já se não for obtido tal pagamento, nada haverá a transferir para o mencionado Serviço.

Esta interpretação é a que melhor acolhe a lógica subjacente à circunstância de um serviço central da administração direta do Estado exigir de um outro órgão do Estado o pagamento de quantias pelos serviços prestados no âmbito da sua própria missão.

Vejamos.

A questão ora em apreciação não é a primeira vez que é colocada pelo Ministério Público, no Juízo de Competência Genérica de Nelas, pois o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 24 de outubro de 2018 (proc. n.º 2/14.0T9NLS-A.C1), já se pronunciou, em face de conclusões da motivação do recurso precisamente iguais às apresentadas no presente recurso, no sentido de que a Portaria n.º 175/2011, de 28 de abril, impõe aos tribunais o pagamento direto e antecipado à Polícia Judiciária dos custos decorrentes da realização, por aquele órgão de polícia criminal, de exames e/ou perícias que lhe sejam requeridos no âmbito de um processo penal[4].

Praticamente todos os acórdãos do Tribunais que conhecemos seguem o entendimento de que as notas de débito apresentadas pela Polícia Judiciária, Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, e pelo Instituo Nacional de Medicina Legal, I.P., por perícias e exames, relatórios, informações sociais e outros documentos que lhes forem requeridos, devem ser objeto de pagamento direto e antecipado àquelas entidades.

Neste sentido, podem consultar-se ainda, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22 de maio de 2018 (proc. n.º 14/16.9SVLSB-A.L1-5), o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24 de maio de 2017 (proc. n.º 209/14.0TAVLC-A.P1), e os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, 22 de setembro de 2015 ( proc. n.º 27/12.0TABJA-A.E1), de 20 de outubro de 2015 (proc. n.º31/11.5TAMTL-A.A.E1), de 20 de outubro de 2015 (proc. n.º 237/0GJBJA-A.E1), de 3 de novembro de 2015 ( proc. n.º 225/12.6TABJA-A.E1) e de 19 de fevereiro de 2019 ( proc. n.º 25/12.GACCH-A.E1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.[5]

Esse é também o nosso entendimento, seguido no douto despacho recorrido, num caso em que a Polícia Judiciária – Unidade de Administração Financeira, Patrimonial e de Segurança, veio apresentar a pagamento uma nota de débito, no valor de €204,00, relativo a exame de cromatografia gasosa e teste colorimétrico, realizado por determinação do Ministério Público, no âmbito das diligências de inquérito deste processo-crime.

Respondendo em termos sucintos aos argumentos apresentados pelo recorrente, diremos que,  efetivamente, a Lei n.º 37/2008, de 6 de agosto, define a PJ como um serviço central da administração direta do Estado , dotado de autonomia administrativa, tendo como missão coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação, desenvolver e promover as ações de prevenção, deteção e investigação da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes , dispondo para o efeito de receitas provenientes de dotações que lhe forem atribuídas no Orçamento do Estado, de receitas provenientes do IGFIJ, I.P. e, ainda de quantias cobradas por atividades ou serviços prestados, designadamente ações de formação, realização de perícias e exames, extração de certidões e cópias em suporte de papel ou digital.

As quantias cobradas ao abrigo do art.46.º, n.º 3, da Lei n.º 37/2008, de 6 de agosto são pagas à PJ de acordo com a tabela aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça.

A Portaria n.º 175/2011, de 28 de abril, no seu preâmbulo e nos artigos 1.º e 2.º, é medianamente clara no sentido de que os custos realizados pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, pelo Instituo Nacional de Medicina Legal, I.P. e pela Polícia Judiciária com perícias e exames, relatórios, informações sociais e outros documentos que lhes forem requeridos, são cobrados para efeitos de pagamento antecipado do processo e são pagos, diretamente, a essas entidades pelos Tribunais, constituindo, assim, fonte de receitas adicionais às que provêm do orçamento do Estado e do IGFIJ, I.P..

Ainda que estejamos no âmbito da prestação de serviços da justiça, praticados na prossecução das atribuições daquelas entidades do Ministério da Justiça, a decisão de determinar o pagamento antecipado do processo, diretamente pelos tribunais, como meio de arrecadar receitas para a sustentabilidade daqueles serviços da justiça, é uma opção legislativa, que se insere nas competências políticas, e que em não viola o disposto nos artigos 9.º, al. b) e 272.º, n.º 1, da C.R.P..

A interpretação acolhia sufraga o entendimento de que o pagamento determinado na Portaria n.º 175/2011, de 28 de abril, mais não é que uma antecipação do pagamento das perícias, exames e relatórios, que no final entrará em regra de custas, incumbindo a sua liquidação ao sujeito processual que vier a ser condenado no pagamento de custas ou, não havendo condenado em custas ou havendo isenção de custas por parte de quem as deveria pagar, serão suportados pelo IGFIJ, I.P., tendo-se para o efeito em consideração o disposto, designadamente, nos artigos 16.º, nº1, alíneas a) e b), 19.º, n.º1, e 20º n.º2, do Regulamento das Custas Processuais.

Assim, não se reconhecendo a violação pela decisão recorrida do disposto nos preceitos indicados nas conclusões do recurso e mesmo na sua motivação , mais não resta que negar provimento ao recurso e manter a decisão de pagamento da nota de débito apresentada pela Unidade de Administração Financeira, Patrimonial e de Segurança da Polícia Judiciária.

       Decisão

       

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público  e manter o douto despacho recorrido.

             Sem custas, por dele estar isento o recorrente.


*

             (Certifica-se que o acórdão foi  processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.P.) 

*

Coimbra, 22 de maio de 2019

Orlando Gonçalves (relator)

Alice Santos (adjunta)

                                                                  


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] in www.dgsi.pt
[5] Em sentido diverso, apenas o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24.05.2017, proc. n.º  306/12.6JACBR-A.C1, in www.dgsi.pt.