Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
190/15.8T8CNT.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: COMPRA E VENDA
CONSUMIDOR
FRACÇÃO AUTÓNOMA
PRORIEDADE HORIZONTAL
DEFEITOS
DENÚNCIA
PRAZOS
GARANTIA LEGAL
CADUCIDADE
RECONHECIMENTO DO DIREITO
FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS COMPLEMENTARES
CONTRADITÓRIO
LEGITIMIDADE
NULIDADE DA SENTENÇA
PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS
Data do Acordão: 03/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - CANTANHEDE - JL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.331, 408, 763, 799, 874, 913, 914, 916, 917, 1225 CC, ARTS.3, 5, 615 Nº1, 634, 635 CPC, LEI Nº 24/96 DE 31/7, DL Nº 63/2003 DE 8/4
Sumário: 1 – As partes continuam a ter o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que baseiam as excepções (cfr. art. 5.º/1 do CPC), o que significa que, não os tendo as partes alegado, não pode o tribunal considerá-los provados por terem sido referidos em audiência.

2 – Quanto aos factos complementares ou concretizadores, os mesmos só podem ser considerados e atendidos na sentença após o devido contraditório ser exercido, atento o disposto no art. 3.º/3 e 5/2/b) do CPC, ou seja, após o juiz anunciar às partes, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto constante do art. 5.º/2/b) do CPC.

3 – Configura uma compra e venda de consumo (o sub-tipo contratual da compra e venda de consumo) aquela que é estabelecida entre alguém que compra uma fracção habitacional dum prédio constituído em propriedade horizontal, a propósito da qual não há qualquer indício dum “uso profissional”, e uma sociedade por quotas que tem como objecto a actividade (por natureza lucrativa) de construção civil e que procedeu à construção do prédio e sua posterior constituição em propriedade horizontal.

4 – Numa compra e venda duma fracção habitacional nova faz parte do “resultado prometido” que a mesma não apresente infiltrações e humidades; as quais, a existirem, constituem “deficiências” que reduzem o seu valor, ou seja, vícios/defeitos/desconformidades, de gravidade suficiente a afectar o uso e/ou a coisa.

5 – Existindo tais vícios/defeitos/desconformidades, os direitos do comprador, seja relação de consumo ou não, são os mesmos – o direito de reparação das faltas de conformidade, o direito de substituição da coisa, o direito à redução adequada do preço, o direito à resolução do contrato e o direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais – estando as diferenças/especialidades (entre o regime especial e a lei geral) no modo de articulação/exercício de tais direitos do comprador e nalguns diferentes prazos de caducidade.

6 – Em todo o caso, para o comprador manter tais direitos, é necessário que seja prévia e tempestivamente feita a denúncia do defeito e tempestivamente exercidos os direitos supra elencados; estando hoje largamente sedimentado que funcionam e se articulam, a respeito dos direitos do comprador de coisa defeituosa, 3 prazos de caducidade: o prazo de denúncia dos defeitos, o prazo para o exercício dos direitos (de eliminação dos defeitos, de redução do preço, de resolução do contrato e de indemnização) e o chamado limite máximo da garantia legal.

7 – E se funcionam e se articulam 3 prazos de caducidade – o prazo de denúncia dos defeitos, o prazo para o exercício dos direitos e o chamado limite/prazo máximo da garantia legal – isso também significa que estamos perante 3 possíveis excepções de caducidade, ou seja, o vendedor, quando invoca a caducidade dos direitos do comprador de coisa defeituosa, tem que a reportar ao prazo que considera excedido e se só menciona um prazo como excedido só essa respectiva caducidade pode ser considerada como invocada.

8 – Caducidades que, para poderem ser conhecidas, têm que ser invocadas na contestação (como o exige o princípio da eventualidade ou preclusão, constante do art. 573.º do C. P. Civil), uma vez que (não se estando perante matéria que não está excluída da disponibilidade das partes, cfr. art. 323.º do C. Civil) não podem ser conhecidas oficiosamente.

9 – No caso de defeitos evolutivos, o prazo de denúncia inicia-se logo que eles assumam uma relevância que responsabilize o vendedor pela sua existência, não sendo necessárias novas denúncias, sempre que se verifiquem aumentos na sua dimensão, o que significa que a data da primeira denúncia não pode ser afastada como início da contagem do prazo de caducidade de exercício dos direitos.

10 – Em matéria de “reconhecimento” e do art. 331.º/2 do C. Civil, há que distinguir duas situações/reconhecimentos: o reconhecimento da existência dos defeitos, hipótese em que o dono da obra/empreiteiro está dispensado de os denunciar, contando-se o prazo do exercício dos direitos desde a declaração de reconhecimento dos defeitos; e, coisa diversa, o reconhecimento da existência dos direitos, o qual tem como efeito impedir a caducidade dos direitos, passando o exercício dos direitos reconhecidos a estar sujeito apenas ao prazo de prescrição ordinário.

11 – A circunstância do vendedor se ter deslocado à coisa defeituosa e ter procedido à realização de pinturas, vale como reconhecimento da existência de defeitos na coisa/fracção, equivalendo e dispensando a sua denúncia; mas não vale como um reconhecimento de direitos, que tem de ser concreto, preciso, indiscutível, evidente, real e categórico, sem margem de vaguidade ou ambiguidade, de tal modo que torne o direito certo e faça as vezes da sentença.

12 – Porém, vale – a circunstância do vendedor se ter deslocado à coisa defeituosa e ter procedido à realização de pinturas – como termo inicial para o exercício dos direitos, isto é, tendo sido efectuada a denúncia dos defeitos e tendo, na sequência de tal denúncia, sido realizados trabalhos de eliminação de defeitos na coisa/fracção, trabalhos esses sem sucesso, mantendo-se a coisa/fracção defeituosa, o prazo de caducidade em causa conta-se, não desde a data da denúncia dos defeitos, mas sim a partir da data em que tais trabalhos, sem sucesso, de eliminação dos defeitos, foram realizados.

13 – Na propriedade horizontal, a legitimidade (activa) para o exercício (perante o construtor/vendedor) dos direitos decorrentes da construção do edifício/imóvel com defeitos não é sempre das mesmas pessoas/condóminos, ou seja, tal legitimidade depende do local em que se situam os defeitos, sendo conferida a quem tem o poder de administração do concreto local em que se situam os defeitos.

14 – Se os defeitos se situam nas fracções autónomas, como são os seus proprietários, individualmente considerados, que têm o poder de as administrar, são apenas eles que têm legitimidade para exercer junto do construtor/vendedor os direitos em causa; se os defeitos se situam nas partes comuns do edifício, como compete exclusivamente à assembleia de condóminos e ao administrador proceder à administração das partes comuns, o exercício dos referidos direitos – máxime, os direitos de eliminação dos defeitos e realização de obra nova – compete ao administrador do condomínio, devidamente mandatado pela assembleia de condóminos.

15 – Assim, estando na acção, como AA., os proprietários duma fracção autónoma e o Administrador do Condomínio (quanto às partes comuns), não estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário (mas sim perante uma situação de coligação), pelo que, não recorrendo este da 1.ª sentença proferida em 1.ª Instância (que julgou improcedente o pedido “imputável” ao Condomínio), não é aplicável o art. 634.º/1 do CPC, mas sim o art. 635.º/5 do CPC – que estabelece a proibição da reformatio in pejus – não podendo uma 2.ª sentença pronunciar-se sobre o pedido “imputável” ao Condomínio (cuja improcedência ficou definitivamente consolidada/estabilizada nos autos a partir do momento em que este não recorreu da 1.ª sentença).

16 – Em relação às partes comuns, o prazo de 5 anos do chamado limite máximo da garantia legal só se inicia no momento em que os órgãos de administração do condomínio (o administrador e a assembleia de condóminos) passam a estar em condições de poderem exercer os referidos direitos (cfr. art. 329.º do C. Civil), ou seja, a partir da data em que o construtor faz a transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos ou, não se podendo precisar o momento em que tal sucedeu (expressa ou tacitamente), a partir do momento em que os condóminos constituíram a sua estrutura organizativa (reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o administrador).

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

J (…) e esposa R (…) residentes habituais em França e, quando em Portugal, na Rua (…) , intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra S (…), Lda., com sede em (...) , pedindo que se condene a R. a:

a) Proceder à reparação do imóvel debelando definitivamente os defeitos de que este padece, num total de € 3.737,52;

b) Pagar aos AA. uma indemnização não inferior a € 2.800,00, que corresponde ao valor das rendas que estes deixaram de auferir desde Agosto de 2014 até Março corrente;

c) Pagar aos AA. os valores das rendas que se venham a vencer sem que o imóvel tenha sido completamente reparado.

Alegaram, para tal, que adquiriram à R., em 29/10/2010, uma fracção autónoma dum prédio em propriedade horizontal e que, algum tempo depois, verificaram que a mesma padecia de vários problemas de infiltrações, razão pela qual, subsistindo os problemas, em 17/01/2012, enviaram uma carta à R. solicitando a reparação de tais defeitos; no seguimento do que a R. se limitou a efectuar umas pinturas nas paredes e nos tectos, sem solucionar a causa das infiltrações, que continuaram a existir, agora com mais gravidade, razão pela qual, em 25/09/2014, enviaram nova carta à R. a denunciar com detalhe (divisão a divisão) os defeitos então existentes, defeitos que a R. se recusou a reparar (informando apenas estar disposta a proceder a umas pinturas, o que, segundo os AA., é manifestamente insuficiente para que os defeitos fiquem definitivamente debelados)

Mais alegaram que, em Outubro de 2011, arrendaram a fracção pelo valor de € 350,00 mês, sendo que o inquilino, em face dos problemas causados pelas infiltrações, entregou a fracção em Julho de 2014, o que levou a que deixassem de obter rendimentos/rendas desde Agosto de 2014.

A R. contestou.

Começou por invocar a caducidade e a ilegitimidade; caducidade, por os defeitos denunciados em 17/01/2012 e em 25/09/2014 serem exactamente os mesmos, razão pela qual a acção teria que ser intentada, segundo a R., até 17/07/2012 (e só o foi em 20/03/2015); ilegitimidade, por os AA. pedirem também a reparação de partes comuns (cuja legitimidade, segundo a R., pertence ao condomínio, para além deste nunca haver denunciado quaisquer defeitos, estando já decorrido o prazo de 5 anos da garantia geral e assim se verificando a caducidade de quaisquer direitos pelos defeitos nas partes comuns).

Após o que, sobre o fundo, impugnou a existência de quaisquer defeitos construtivos, sustentando, em resumo, que as manchas de humidades e consequentes fissuras se devem a falta de arejamento da fracção e à falta de limpeza das caleiras do edifício.

Concluiu pois pela absolvição (do pedido e da instância, quanto à ilegitimidade).

Os AA. responderam, opondo-se às excepções, sustentando que, “como as pinturas efectuadas, a mando da R., não resolveram os problemas do imóvel, os AA. tiveram que recorrer a um perito de forma a verificar todos os defeitos de que este padece e, assim que tiveram acesso ao relatório pericial, fizeram seguir a carta de 25/09/2014, ou seja, sem que se tivesse esgotado o prazo de 6 meses para intentar a acção

Foi entretanto sugerida, requerida e admitida a intervenção (ao lado dos AA.) do Condomínio do Prédio sito na Rua (…) em , o qual veio dizer que fazia seus os articulados apresentados pelos AA..

Após o que a R. veio invocar caducidade (já “anunciada” na contestação) da pretensão “imputável” ao Condomínio, por este nunca lhe ter reportado/denunciado a existência de defeitos nas partes comuns do prédio e estar já decorrido o prazo de 5 anos de garantia (por o prédio ter sido concluído em 29 de Setembro de 2005).

Ao que o interveniente Condomínio respondeu, pugnando pela não verificação da caducidade.

Foi proferido despacho saneador – em que foi declarada a total regularidade da instância (julgando-se prejudicada a excepção de ilegitimidade, com a intervenção do Condomínio) – identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Após o que, realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que julgou“(…) procedente, por verificada, a excepção de caducidade do direito de acção dos AA. e do interveniente Condomínio, em consequência do que absolveu a R. de todos os pedidos contra si deduzidos (…)”

Inconformados com tal decisão, interpuseram os AA. recurso de apelação, tendo-se, por Acórdão deste Tribunal da Relação de 12/07/2017, anulado a decisão proferida em 1.ª Instância e ordenado “a repetição do julgamento para, ampliando-se a matéria de facto, se apurarem, designadamente, os defeitos efectiva e realmente existentes na fracção (e as causas dos mesmos, tendo presente o que a R. alega na sua contestação) e os defeitos que foram realmente denunciados pela carta referida no ponto 7 dos factos”.

Regressados os autos à 1.ª Instância e realizada nova audiência, a Exma. Juíza proferiu nova sentença, em que, desta vez, julgou a acção totalmente procedente, mais exactamente, decidiu:

“ (…)

a) Julgar improcedente, por não verificada, a excepção peremptória de caducidade do direito de denúncia exercido pelos autores e pelo Interveniente Condomínio do Edifício (…)

b) Julgar improcedente, por não verificada, a excepção peremptória de caducidade do direito de acção dos autores e do Condomínio do Edifício (…)

c) Julgar totalmente procedente, por provada, a presente acção, em consequência do que:

1. Se condena a ré a proceder à reparação dos defeitos elencados no ponto 13 dos factos provados, os quais se contabilizam no montante de €3.737,52; reparação essa que deverá ser efectuada no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença;

2. Se condena a ré a pagar aos autores a indemnização no valor de €2.800,00, por cada mês de renda (fixada na quantia mensal de €350,00) que os autores deixaram de auferir no período contido entre Agosto de 2014 e Março de 2015, valor este acrescido do montante respeitante às rendas vencidas e vincendas que aqueles deixaram de auferir desde a data de propositura da presente acção, até efectivo e integral cumprimento do determinado em 1. (…)”

Inconformada agora a R. com tal decisão, interpõe recurso de apelação, pedindo que “a sentença recorrida seja declarada nula na parte em que julga procedente o pedido do interveniente Condomínio e revogada e substituída por outra que julgue, em relação aos autores e ao interveniente Condomínio, procedente a excepção peremptória de caducidade de denúncia dos defeitos ou, caso assim não se entenda, que julgue procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção com a consequente absolvição da ré, ora recorrente, dos pedidos.”

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

(…)

Os AA. e o Condomínio responderam, sustentando, em síntese, que não ocorrem quaisquer vícios, deficiências ou erros de julgamento, devendo a sentença ser mantida na íntegra.

Dispensados os vistos, mantendo-se a instância regular, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II – Reapreciação da Decisão de Facto

Requer a R./apelante por diversas vezes – como se pode ver das conclusões 12, 16, 17, 19, 25, 26, 42, 43 e 44 – que sejam alterados os factos; que sejam aditados factos, quer aos provados quer aos não provados, os quais, segundo menciona, terão sido referidos nas declarações de parte do legal representante do Condomínio e nas declarações de parte dos AA..

Como infra (aquando da apreciação jurídico-substantiva) se perceberá, os factos em causa são irrelevantes para o desfecho da causa/recurso; em todo o caso, em termos processuais, impõem-se as seguintes observações:

O tribunal, a nosso ver, não pode sem mais aditar factos a partir do que é referido em audiência[1].

As partes continuam a ter o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que baseiam as excepções (cfr. art. 5.º/1 do CPC), o que significa que, não os tendo as partes alegado, não pode o tribunal considerá-los provados só por terem sido referidos em audiência.

Daí que, quando se impugna a decisão de facto, a melhor técnica – para que não se suscitem dúvidas sobre a prévia alegação dos factos em causa – seja a de dizer que se deve considerar provado ou não provado este ou aquele facto alegado no art. tal PI ou na art. tal da contestação.

Até porque, quanto aos factos complementares ou concretizadores, os mesmos só podem ser considerados e atendidos na sentença após o devido contraditório ser exercido, atento o disposto no art. 3.º/3 e 5/2/b) do CPC, ou seja, após o juiz anunciar às partes, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto constante do art. 5.º/2/b) do CPC.

Doutro modo, estar-se-ia perante uma verdadeira decisão-surpresa; estar-se-ia a exigir aos mandatários graus de diligência e atenção extraordinários, uma vez que tinham que prever – a partir da mais leve afirmação duma testemunha – todas as hipóteses/consequências possíveis e imaginárias, esforçando-se por destruir todo e qualquer indício ou afirmação lateral que tivessem sido feitos e assim impedir que o tribunal se pudesse “lembrar” de os incluir no elenco dos factos provados, sem nunca terem sido alegados e apenas por uma testemunha/parte os ter a dado passo referido (ainda que tal referência não tivesse sido alvo de devido esclarecimento e debate).

Assim, não tendo sido feito tal tipo de anúncio/alerta pelo tribunal, não poderá imputar-se às partes (no caso, seria aos AA. primitivos e ao Interveniente) as consequências da falta dum qualquer esforço probatório de sentido oposto[2] e, assim, dar-se como provados quaisquer factos complementares ou concretizadores apenas porque os mesmos foram referidos/alegados nos depoimentos prestados em audiência.

A “bondade” do que vimos de dizer, em tese, quer sobre a boa técnica de impugnar a decisão de facto quer sobre o modo como podem ser considerados os factos complementares e concretizadores, é, a nosso ver, confirmada no caso sub-judice.

Repare-se:

A R/apelante, remetendo para o que foi declarado em audiência, quer que se dê como provado que os AA., entre finais de 2010 e início de 2011, tomaram conhecimento dos defeitos/patologias do apartamento.

Trata-se de factualidade que nunca a R. havia antes alegado/invocado e, mais do que isso, trata-se de factualidade em que pretende alicerçar a excepção de caducidade da denúncia dos defeitos (cfr. conclusão 37), quando, na contestação, não invocou a excepção da caducidade da denúncia dos defeitos, mas sim e apenas a excepção da caducidade do exercício dos direitos decorrente dos defeitos (como, claramente, se vê dos arts. 10.º a 13.º da contestação), ou seja, tal facto – terem os AA. tomado conhecimento dos defeitos/patologias do apartamento entre finais de 2010 e início de 2011 – é o facto essencial duma excepção que antes nunca havia invocado (que é pacífico não ser de conhecimento oficioso e ter que ser deduzida, por força do princípio da eventualidade ou preclusão, na contestação).

Ademais (ainda que não estivéssemos perante o facto essencial duma excepção de conhecimento não oficioso e não invocada), a prova de tal facto, a partir, sem mais, do que é referido em audiência, é um bom exemplo da necessidade do prévio anúncio/alerta do tribunal a dizer que está a equacionar utilizar/considerar tal facto na sentença.

O facto e o direito são elementos que continuamente se interpenetram e que reciprocamente se influenciam no percurso do processo, o que no caso significa que admitir-se que sabia de “problemas de infiltrações” pode não equivaler a admitir-se que conhecia os defeitos/patologias; uma vez que, para se falar em conhecimento, para efeitos de determinar o início da contagem do prazo de caducidade, não basta que o comprador suspeite da existência do defeito, sendo necessária a prova de um conhecimento perfeito, efectivo e seguro da deficiência da coisa por parte do seu dono (sem que, porém, seja exigível um conhecimento da causa do defeito).

Sendo também por isto que “pegar” em algo que foi dito (como uma espécie de “obiter dictum”) e dá-lo como provado, sem mais, sem ser devidamente esclarecido e debatido e sem o prévio anúncio/alerta do tribunal, a dizer que se está a equacionar utilizar/considerar este ou aquele concreto facto, se nos afigura processualmente “intolerável” e sem qualquer contributo válido para uma autêntica verdade processual (que nunca o será, se construída sem o debate aberto e leal que o anúncio prévio do tribunal desencadeia)[3].


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III – Fundamentação de Facto

III – A – Factos provados

1. Em 29 de Outubro de 2010, os autores adquiriram à ré, mediante escritura pública de compra e venda, prédio urbano, correspondente à fracção autónoma designada pela letra “G”, sito no 3º andar esquerdo, na Rua (…) concelho de , descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...) e inscrito na matriz sob o artigo (...) .

2. Após a aquisição do imóvel, os autores verificaram que a fracção por eles adquirida apresentava problemas de infiltrações.

3. Tendo dado conhecimento desse facto à ré, mediante carta remetida a esta a 17 de Janeiro de 2012, com o seguinte teor:

 “ Assunto: deficiências em obra

(…) venho informar que a pintura deste apresenta várias manchas e se está a degradar. A propósito deste assunto, gostaria de falar com o responsável da empresa o mais depressa possível, para ver a melhor maneira de ultrapassar aquele problema. (…)”.

4. Essa carta foi recebida pela ré.

5. Nessa sequência, em data não concretamente apurada, mas seguramente ainda no ano de 2012, a ré deslocou-se à fracção dos autores e procedeu à realização de pinturas no interior da mesma.

6. Os autores arrendaram aquela fracção a L (...) , com a renda mensal no valor de €350,00.

7. Os autores tinham a expectativa de venderem a fracção ao arrendatário, dado que este, inicialmente, manifestou interesse nesse sentido.

8. O que não se concretizou devido ao agravamento dos problemas de humidade e infiltrações.

9. Em Julho de 2014, o arrendatário entregou a fracção aos autores, comunicando que existia muita humidade no interior da habitação, que chovia dentro de casa e que alguns dos seus pertences haviam ficado danificados.

10. Em consequência, os autores deixaram de receber a renda mensal pela cedência do gozo daquela fracção, correspondente a um rendimento no valor de €2.800,00 – referente às rendas de Agosto de 2014 a Março de 2015 (data de propositura da presente acção).

11. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 25 de Setembro de 2014, os autores comunicaram à ré a existência de defeitos do imóvel, concedendo um prazo de 15 dias para que a ré apresentasse resposta quanto à eliminação dos mesmos, em concreto, que a ré procedesse à eliminação das anomalias estabilizando e reparando fissuras e executando pinturas; que efectuasse protecção contra diversas formas de entrada de humidades e substituição dos elementos mais afectados, nomeadamente, dos elementos pré-fabricados e aplicados.

12. Essa correspondência foi recepcionada pela ré a 26 de Setembro de 2014.

13. Os aludidos defeitos consistiam no seguinte:

a) Na sala comum (A=29,20m2):

- na parede junto ao rodapé e junto à ombreira da porta com eflorescências resultantes da evaporação de humidades;

-manchas localizadas no tecto (fungos/bolores) provavelmente provenientes de humidades;

-na varanda, contígua à sala, escoamento deficiente das águas pluviais e de lavagem.

b) Banho simples 1 (A= 4,00m2):

- tecto, na zona sanca, apresenta alguma fissuração e pequenas manchas dispersas (fungos/bolores) provavelmente provenientes de humidades;

- remate deficiente com o extractor de vapor/renovação de ar;

c) Quarto de banho geral (A = 6,40m2):

- fissuração da junta de ligação das paredes.

d) Quarto 1 (A = 14,80m2):

- paredes interiores com eflorescências resultantes da evaporação de humidades;

- mancha localizada no rodapé resultante de humidades infiltradas;

-manchas localizadas no tecto (fungos/bolores) provavelmente provenientes de humidade;

e) Quarto 2 (A = 15,30m2):

-degradação do piso, delimitada, resultante de humidades infiltradas;

-paredes interiores com eflorescências resultantes da evaporação de humidades;

-parede interior apresenta pequenas manchas resultantes, provavelmente, de humidades infiltradas decorrentes de águas provenientes do exterior;

f) Zonas Comuns:

-parede da caixa de escada, ao nível do sótão, em zona localizada, apresenta manchas resultantes, provavelmente, de humidades infiltradas decorrentes de águas provenientes do exterior.

g) Cobertura:

- solução adoptada para o capeamento da ligação da platibanda com a cobertura não parece adequada à situação.

14. A reparação destes problemas perfaz o valor global de €3.737,52.

15. Após a recepção da carta de 25 de Setembro de 2014, a ré, por si ou por intermédio de pessoa sob as suas ordens e interesses, voltou à fracção G, tendo procedido à realização de pinturas.

16. Também nessa data, a ré, por si ou por intermédio de outra pessoa sob as suas ordens e interesses, foi à cobertura do prédio, aí tendo efectuado intervenção cuja natureza não se conseguiu precisar, mas que consistiu, pelo menos, na colocação de silicone.

17. A 04 de Novembro de 2005 foi emitida pela Câmara Municipal autorização de utilização ao prédio onde figura integrada, para além das demais, a fracção designada pela letra “G”.

18. Pela menção constante de ap. 1 de 2005.07.07 atinente ao prédio descrito sob o nº 6754/20031015, figura descrita a constituição de propriedade horizontal.

19. A 27 de Fevereiro de 2010 foi constituído o condomínio do prédio sito na Rua (…), em e eleita a administração.

20. O contrato de arrendamento firmado entre autores e L (…), foi celebrado em dia não concretamente apurado, mas seguramente durante o mês de Outubro de 2012.

21. Por referência ao ano de 2012 e no que diz respeito a rendimentos prediais afectos à fracção G, os autores declararam, em sede de declaração anual de rendimentos das pessoas singulares (IRS), o valor de €1.050,00.

22. Por referência ao ano de 2013 e no que diz respeito a rendimentos prediais afectos à fracção G, os autores declararam, em sede de declaração anual de rendimentos das pessoas singulares (IRS), o valor de €4.200,00.

23. Por referência ao ano de 2014 e no que diz respeito a rendimentos prediais afectos à fracção G, os autores declararam, em sede de declaração anual de rendimentos das pessoas singulares (IRS), o valor de €1.400,00.

24. Por intermédio dos autores, a ré tomou inteiro conhecimento dos problemas elencados em 14.

25. O prédio em 1. supra foi construído pela ré.


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III – B – Factos não Provados

b) Que a ré tenha empregue na construção do prédio identificado em 1. as técnicas construtivas adequadas.

c) Que a humidade existente na fracção G seja decorrente de falta de circulação de ar e arejamento da fracção.

d) Que a fracção G tenha estado fechada durante muito tempo em virtude dos autores residirem em França.

e) Que a concentração da humidade na fracção G decorra, igualmente, da falta de limpeza das caleiras do edifício, que estão implantadas na cobertura do prédio.

f) Que as caleiras não tenham sido limpas, o que provoca o seu entupimento,

g) Que tal tenha sido verificado pela ré nas ocasiões que se deslocou ao local.

h) Que a acumulação de água junto aos algeroz e a sua infiltração para o interior das paredes do edifício através da ligação entre a platibanda e a cobertura, cause uma elevada concentração de humidade nas paredes do edifício, nomeadamente no interior da fracção dos autores, que se localiza no último andar,

i) que tal seja provocado, exclusivamente, pela falta de limpeza das caleiras.


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Não se incluiu pois o facto constante da alínea a) da sentença recorrida – segundo qual não se provou “que os autores não tenham comunicado atempadamente à ré a existência de problemas no interior da fracção G e em partes comuns do prédio identificado em 1.” – uma vez que o mesmo é, manifestamente, uma conclusão jurídica a que, a partir dos factos, dos ónus probatórios atinentes e do direito, se há-de (ou não) chegar.

Nem sempre é fácil (ou sequer possível) estabelecer uma cisão perfeita entre o que são questões de facto e questões de direito; suscitam-se não raras vezes dúvidas quanto ao estabelecimento da linha de demarcação entre os dois campos, afirmando-se hoje que não se pode estabelecer uma rígida delimitação entre o que constitui matéria de facto e matéria de direito.

Mas isto vale fundamentalmente em abstracto e significa que, em função do que se discute e do objecto de cada processo, podem as mesmas, aparentemente, questões e expressões ser consideradas nuns casos como matéria de direito e noutros como matéria de facto.

Ao invés, colocados perante um concreto processo, sem prejuízo das referidas dificuldades de demarcação e delimitação, “sente-se”, fora de toda a dúvida, na generalidade das questões, o que, claramente, naquele concreto processo, não pode ser considerado como matéria de facto e resolvido na decisão de facto; ou seja, a delimitação/distinção entre a questão de facto e de direito é casuística, consoante as necessidades de resolução dos problemas que em concreto se suscitam no âmbito do processo.

Se, como é o caso[4], se discute, numa compra e venda defeituosa, a tempestividade da denúncia de defeitos, não é isto que se vai dar como provado ou não provado, uma vez que a tempestividade ou não da denúncia é a questão de direito que, a partir dos factos provados (data da denúncia e data do conhecimento dos defeitos), dos não provados (ignorância sobre a data de conhecimento dos defeitos), dos atinentes ónus probatórios e dos prazos legais aplicáveis, o julgador no momento seguinte, e estritamente de direito, irá ter que apreciar.


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IV – Fundamentação de Direito

Na origem do presente litígio – como escrevemos no anterior acórdão proferido nos autos – está um negócio jurídico de compra e venda[5] entre os AA/apelados (como compradores) e a R/apelante (como vendedora), tendo por objecto uma fracção autónoma dum prédio constituído em propriedade horizontal; fracção autónoma (e não só) que, segundo os AA/apelados, veio a revelar, algum tempo depois da data da sua aquisição (ocorrida em 29/10/2010), problemas de infiltrações, “problemas” que os AA/apelados dizem ter reportado/denunciado à R./apelante, em 17/01/2012 e em 25/09/2014, e que esta se recusou e recusa a reparar.

É pois indiscutível – aliás, insiste-se, nunca esteve em discussão – que os AA./apelados e a R/apelante celebraram um contrato de compra e venda; que, por definição legal (art. 874º C. Civil), é o contrato pelo qual uma das partes transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço (contrato que era no caso formal, tendo sido adoptada a forma – escritura pública – exigida).

Mas – era a 1.ª questão (cuja solução se revelará decisiva) a enfrentar – que tipo de contrato de compra e venda? O tipo contratual comum ou o sub-tipo contratual da compra e venda de consumo?[6]

Uma vez que o sub-tipo contratual da compra e venda de consumo tem normas mais favoráveis à posição contratual do comprador – estamos perante um regime especial, que afasta as regras do regime geral (do C. Civil) – as qualidades dos contraentes, que hão-de permitir estabelecer a relação de consumo, têm que se encontrar demonstradas no processo.

Assim – sendo a relação de compra e venda de consumo aquela que é estabelecida entre alguém que destina a coisa a um uso não profissional e outrem que exerce com carácter profissional uma determinada actividade económica, a qual abrange a realização/construção da coisa em causa, mediante remuneração (cfr. art. 2.º/1 da LDC e 1.º-B/a) do DL 67/2003) – o ónus da prova de tais qualidades cabe ao comprador (tendo em conta que, em condições normais, será o beneficiado com a aplicação deste regime).

Isto dito, revertendo ao caso dos autos, o “uso não profissional” é algo que “por defeito” pode/deve ser atribuído a quem compra uma fracção habitacional dum prédio constituído em propriedade horizontal (cfr. facto 1), a propósito da qual não há qualquer indício dum “uso profissional”; e, por outro lado, o “carácter profissional” é algo que pode/deve ser atribuído a quem, como a R/apelante, é uma sociedade por quotas que tem como objecto a actividade (por natureza lucrativa) de construção civil e que procedeu à construção do prédio e à sua posterior constituição em propriedade horizontal.

Efectivamente, importa ter sempre presente que o direito se destina a regular situações sociais, o que significa que o aplicador do direito deve atender a todas as circunstâncias concretas que possa reunir, por forma a que na mediação entre a norma e a realidade não se perca o sentido que se pretendeu incorporar e regular de forma geral e abstracta[7].

Temos pois – concluindo este ponto – que consideramos estar perante uma relação de consumo (cfr. art. 2.º/1 da LDC 24/96 e 1.º-B/a) do DL 67/2003) entre os AA./apelados e a R/apelante[8]; mais exactamente, perante uma relação de consumo que preenche o sub-tipo da compra e venda de consumo e a que é aplicável o DL 67/2003, de 08-04 (na redacção mais recente, do DL n.º 84/2008, de 21-05).

Assim, à responsabilidade da R./apelante, pelos defeitos existentes na coisa, são aplicáveis as normas especiais contidas na Lei 24/96 (LDC) e no DL 67/2003, normas essas que derrogam as regras gerais do C. Civil em tudo o que estas se revelem incompatíveis com aquelas.

O que, como já se antecipou, fará diferença no concreto caso sub judice; a solução, como infra se explica, seria diferente (ou, pelo menos, poderia ser) sem as especialidades do regime do sub-tipo contratual da compra e venda de consumo.

Em todo o caso, em termos totalmente idênticos, quer para o tipo contratual comum quer para o sub-tipo contratual da compra e venda de consumo, temos que a compra e venda tem como efeito essencial a obrigação de entregar a coisa, obrigação esta, a cargo do vendedor, em cuja execução este deve respeitar escrupulosamente o contrato (art. 408.º e 763.º do CC), entregando a coisa prevista no contrato.

O que significa que não cumpre escrupulosamente o contrato, não só aquele que não entrega a coisa, como aquele que entrega coisa diversa da convencionada, como aquele que cumpre imperfeita, inexacta ou defeituosamente a obrigação de entrega.

A tal propósito – do cumprimento imperfeito na compra e venda – dispõe-se no art. 913.º do CC:

1 – Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.

2 – Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria.

Pelo que, na compra e venda – para além da equiparação, em termos de tratamento jurídico, do vício ao defeito e à falta de qualidade – privilegia a lei geral a idoneidade do bem para a função a que se destina, ciente de que o importante é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera[9].

O que significa, numa compra e venda duma fracção habitacional nova, como resulta do contexto factual, que faz parte do “resultado prometido” que a mesma não apresente infiltrações e humidades; que, é verdadeiramente ocioso referi-lo, constituem “deficiências” que reduzem o seu valor, o mesmo é dizer, constituem vícios/defeitos, de gravidade suficiente a afectar o uso e/ou a coisa (fracção habitacional).

Por outro lado e identicamente, das presunções de não conformidade constantes do art. 2.º/2 do DL 67/2003 resulta que o conceito de falta de conformidade, abrange genericamente os casos de “vícios” e de falta de “qualidades” da coisa, referidos no art. 913.º do C. Civil, nos quais se sub-divide o conceito mais amplo de “defeito”.

Assim, as “deficiências” elencadas no ponto 13 dos factos deste acórdão preenchem, fora de qualquer dúvida, quer o conceito de “falta de conformidade” do art. 2.º do DL 67/2003, quer o conceito de “defeito” da lei geral (913.º do CC).

Preenchidos tais conceitos – a “falta de conformidade” e o “defeito” – os direitos do comprador, seja relação de consumo ou não, são os mesmos quer no regime especial quer na lei geral: são, de acordo com o art. 4.º/1 do DL 67/2003 e 12.º da Lei 24/96, de 31-07, o direito de reparação das faltas de conformidade, o direito de substituição da coisa, o direito à redução adequada do preço, o direito à resolução do contrato e o direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais; exactamente os mesmo dos art. 913.º, 914.º e 915.º do C. Civil.

É certo que a lei geral não estabelece – como o art. 12.º/1 da redacção inicial da LDC ou como o art. 3.º/1 do DL 67/2003 – a responsabilidade objectiva do vendedor pelo defeito da coisa vendida, porém, em face da presunção de culpa constante do art. 799.º/1 do C. Civil, tal diferença de regime (entre a lei especial e a lei geral) acaba por não ter grande relevância prática.

Onde as diferenças/especialidades existentes assumem relevo é no modo de articulação/exercício dos diferentes direitos do comprador[10]; e – fazendo a diferença no concreto caso sub judice – também num ou noutro prazo de caducidade.

Serve o que vimos de dizer como ponto de situação/partida para as questões de caducidade que preenchem o essencial do objecto do presente recurso, ou seja, está juridicamente assente que estamos perante umo sub-tipo contratual da compra e venda de consumo, que não se discute a verificação e existências dos defeitos/desconformidades na coisa vendida e que os direitos exercidos e em causa são os direitos à reparação/eliminação dos defeitos e à indemnização.

Debrucemo-nos pois sobre a(s) caducidade(s):

Demonstrando-se que a coisa/fracção apresenta “defeitos”, ficam provados todos os factos constitutivos do direito à reparação/eliminação dos defeitos (art. 914.º/1 do CC e 4.º/1 do DL 67/2003), uma vez que, no âmbito dum contrato de compra e venda, para se pedir a reparação/eliminação dum defeito, basta provar (art. 342.º, n.º 1, do CC), por um lado, a existência do defeito e, por outro lado, que o mesmo, pela sua gravidade, é de molde a afectar o uso ou a acarretar uma desvalorização da coisa; uma vez que, provado o defeito e a sua gravidade, presume-se – uma vez que é contratual a responsabilidade do vendedor – que o mesmo é imputável ao vendedor (art. 799.º/1 do CC e 3.º/2 do DL 67/2003), isto é, presume-se que o cumprimento defeituoso é imputável ao vendedor.

Só deixará de ser assim se ocorrer uma qualquer situação que haja conduzido à extinção do direito – à eliminação dos defeitos (ou à indemnização) – invocado pelo comprador.

É justamente aqui, na caducidade, que, como já referimos, se situa o âmago do âmbito/objecto da apelação.

Efectivamente, para haver responsabilidade por cumprimento defeituoso – isto é, para o comprador manter os direitos supra enunciados – é necessário que seja prévia e tempestivamente feita a denúncia do defeito (916º do C. C. e 5.º/3 e 5.º-A/1 e 2 do DL 67/2003) e tempestivamente exercidos os direitos supra elencados (917.º do C. C. e 5.º-A/3 do DL 67/2003).

Mais exactamente, está hoje largamente sedimentado que funcionam e se articulam, a respeito dos direitos do comprador de coisa defeituosa, 3 prazos de caducidade: o prazo de denúncia dos defeitos, o prazo para o exercício dos direitos (de eliminação dos defeitos, de redução do preço, de resolução do contrato e de indemnização) e o chamado limite máximo da garantia legal[11].

Quanto ao 1.º prazo, de denúncia dos defeitos, vale, para o caso, o prazo de 1 ano, quer por força do art. 916.º/3/1.ª parte do C. Civil, quer por força do art. 1225.º/2 e 4 do C. Civil, quer por força do art. 5.º/3/parte final do DL 67/2003; prazo a este a ser contado após o conhecimento dos defeitos.

Quanto ao 3º prazo, do chamado limite máximo da garantia legal, vale o prazo de 5 anos, quer por força do art. 916.º/3/parte final do C. Civil, quer por força do art. 1225.º/1 e 4, do Civil, quer por força 5.º/1 do DL 67/2003; prazo este a contar após a entrega da coisa, independentemente da data do conhecimento dos defeitos e da sua denúncia.

Quanto ao 2º prazo, do exercício dos direitos, é que, no caso, as diferenças/especialidades do sub-tipo contratual em causa se fazem notar: segundo a lei geral, valeria e seria ao caso aplicável o prazo de 1 ano do art. 1225.º/3 e 4 do C. Civil (em vez dos 6 meses do art. 917.º do C. Civil), porém, segundo o art. 5.º-A/3 do DL 67/2003, o prazo a aplicar será o de 3 anos a contar da data da denúncia.

E, voltando atrás, se funcionam, quanto aos direitos do comprador de coisa defeituosa, 3 prazos de caducidade – o prazo de denúncia dos defeitos, o prazo para o exercício dos direitos e o chamado limite/prazo máximo da garantia legal – isso também significa que estamos perante 3 possíveis excepções de caducidade, ou seja e no caso, a R/vendedora podia invocar que os AA. haviam denunciado os defeitos mais de 1 ano após o seu  conhecimento, que após a denúncia haviam levado mais de 3 anos a exercer os seus direitos ou, ainda, que a denúncia dos defeitos ou o exercício dos direitos ocorreram mais de 5 anos após a entrega da fracção.

Dito doutra forma, o vendedor, quando invoca a caducidade dos direitos do comprador de coisa defeituosa, tem que a reportar ao prazo que considera excedido e, claro está, se só menciona um prazo como excedido só essa respectiva caducidade é considerada como invocada[12].

Vem isto a propósito de, na contestação, a R/apelante só haver invocado a caducidade respeitante ao 2.º prazo; como resulta dos arts. 10.º, 11.º e 12.º da contestação, em que, fora de qualquer dúvida, invoca que a acção não foi intentada no prazo de 6 meses após a denúncia dos defeitos (ainda raciocinava a R/apelante nos termos da lei geral e do art. 917.º do C. Civil), acrescentando qua a idêntica “conclusão se chega se for considerado o prazo de caducidade previsto no art. 1225.º/3 do C. C.[13].

Temos pois que não foram invocadas, em relação aos AA/apelados, nem a caducidade respeitante ao 1.º prazo, nem a caducidade respeitante ao 3.º prazo; sendo certo que não estamos perante matéria que não está excluída da disponibilidade das partes, razão pela qual não se pode conhecer oficiosamente (cfr. art. 323.º do C. Civil) de tais caducidades, as quais, para poderem ser conhecidas, tinham que ter sido oportunamente invocadas na contestação (como o exige o princípio da eventualidade ou preclusão, constante do art. 573.º do C. P. Civil).

Afastada está pois a apreciação e o conhecimento da caducidade da denúncia dos defeitos (cujo prazo se conta desde o conhecimento dos defeitos), introduzida pela R/apelante nesta instância recursiva.

Em relação aos AA/apelados, repete-se, apenas foi suscitada, no momento processual próprio (contestação), a caducidade respeitante ao 2.º prazo, razão pela qual só esta caducidade pode aqui e agora ser conhecida e reapreciada (não sendo pertinentes quaisquer observações sobre a verificação ou não da caducidade do 1.º e do 3.º prazos[14]).

Vejamos, então (sobre a caducidade respeitante ao 2.º prazo):

Concluiu-se, na sentença recorrida, pela não verificação de tal caducidade.

Concorda-se, embora se siga um raciocínio algo diferente.

Os AA/apelados denunciaram defeitos em 17/01/2012 e em 25/09/2014 e, em 20/03/2015, intentaram a presente acção.

A R/apelante invocou a excepção em causa, dizendo que os defeitos denunciados em 17/01/2012 eram/são os mesmos que foram denunciados em 25/09/2014 e, consequentemente, defendendo que o prazo para o exercício dos direitos se conta desde a denúncia de 17/01/2012.

Como já referimos, o prazo aqui aplicável (para o exercício dos direitos) é, segundo o art. 5.º-A/3 do DL 67/2003, o prazo de 3 anos e conta-se da data da denúncia.

Assim, se os defeitos denunciados em 25/09/2014 são os mesmos que já haviam sido denunciados em 17/07/2012, temos, prima faciae, que a presente acção, ao ser intentada em 20/03/2015, o foi para além do referido prazo de 3 anos e que, em consequência, se verificará a caducidade invocada.

Daí que, no anterior acórdão proferido nos autos, tenhamos mandado apurar “os defeitos que foram realmente denunciados pela carta [de 17/01/2012] referida no ponto 7 dos factos”, tendo em vista perceber/concluir se eram os mesmos que foram denunciados em 25/09/2014 e em função disso fixar, fora de qualquer dúvida, o termo inicial da contagem do prazo de exercício dos direitos.

Como se pode ver dos factos provados e não provados, tal apuramento não foi devidamente feito (não se fazendo sequer constar dos factos não provados qualquer “inconclusividade” sobre a questão de facto em causa), porém, quer-nos parecer que é possível evitar uma segunda (e indesejável) anulação/repetição do julgamento.

Admitamos a hipótese de raciocínio mais favorável à tese da R/apelante, ou seja, que os defeitos denunciados (em 17/01/2012 e em 25/09/2014) eram essencialmente os mesmos; defeitos que, de início, se revelavam por manchas e degradação da pintura e que, com o tempo, se foram agravando (os problemas decorrentes das humidades e infiltrações), o que levou à denúncia de 25/09/2014.

É sabido (como supra já se referiu) que não basta a mera suspeita da existência do defeito para se iniciar o decurso do prazo de caducidade, sendo necessária a prova de um conhecimento perfeito, efectivo e seguro da deficiência, porém, não se exige que o comprador tenha conhecimento da causa do defeito, o que significa, em face do que temos nos autos, que a data da primeira denúncia (17/01/2012) não pode ser afastada como início da contagem do prazo de caducidade.

Ademais, é igualmente sabido que, no caso dos defeitos evolutivos, como é certamente o caso, o prazo de denúncia inicia-se logo que eles assumam uma relevância que responsabilize o vendedor pela sua existência, não sendo necessárias novas denúncias, sempre que se verifiquem aumentos na sua dimensão.

Ora, é justamente neste ponto do raciocínio que assume relevância o que consta como provado no ponto 5 dos factos[15], ou seja, que, na sequência da carta de 17/01/2012, “em data não concretamente apurada, mas seguramente ainda no ano de 2012, a R. deslocou-se à fracção dos AA. e procedeu à realização de pinturas no interior da mesma.

Facto este que a sentença recorrida interpretou como um reconhecimento, por parte da R., dos direitos dos AA. (decorrentes dos defeitos invocados), subsumível ao art. 331.º/2 do C. Civil, impedindo assim a caducidade de tais direitos.

Sem prejuízo de tal facto ser, a nosso ver, importante para o desfecho dos autos/recurso, não parece que possa ser interpretado como um reconhecimento de direitos.

Como se refere no Ac. STJ de 10/04/2018, citado na alegação recursiva do R/apelante, “o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido, com eficácia impeditiva da caducidade – art. 331.º, n.º 2, do CC – tem de ser concreto, preciso, indiscutível, evidente, real e categórico, sem margem de vaguidade ou ambiguidade, de tal modo que torne o direito certo e faça as vezes da sentença”; o que não resulta da circunstância de, no ano de 2012, a R. se ter deslocado à fracção dos AA. e ter procedido à realização de pinturas no interior da mesma.

Efectivamente, em matéria de “reconhecimento” e do art. 331.º/2 do C. Civil, há que distinguir duas situações/reconhecimentos: o reconhecimento da existência dos defeitos, hipótese em que o dono da obra/empreiteiro está dispensado de os denunciar, contando-se o prazo do exercício dos direitos desde a declaração de reconhecimento dos defeitos; e, coisa diversa, o reconhecimento da existência dos direitos, o qual tem como efeito impedir a caducidade dos direitos, passando o exercício dos direitos reconhecidos a estar sujeito apenas ao prazo de prescrição ordinário.

Ou seja, a circunstância de, no ano de 2012, a R. se ter deslocado à fracção dos AA. e ter procedido à realização de pinturas no interior da mesma, valerá como reconhecimento da existência de defeitos na coisa/fracção, equivalendo e dispensando a sua denúncia (o que, no caso, não tem qualquer relevo prático, uma vez que os AA. já tinham feito, anteriormente, a denúncia dos defeitos).

Mas – é o ponto decisivo – vale também como termo inicial para o exercício dos direitos, isto é, tendo, como foi o caso, sido efectuada a denúncia dos defeitos e tendo, na sequência de tal denúncia, sido realizados trabalhos de eliminação de defeitos na coisa/fracção, trabalhos esses sem sucesso, mantendo-se a coisa/fracção defeituosa, o prazo de caducidade em causa (os 3 anos do art. 5.º-A/3 do DL 67/2003) conta-se, não desde a data da denúncia dos defeitos (inicialmente feita em 17/01/2012), mas sim a partir da data em que tais trabalhos, sem sucesso, de eliminação dos defeitos foram realizados[16].

E como ignoramos a data exacta, do ano de 2012, em que tais trabalhos sem sucesso foram efectuados, temos que concluir que não ficou provado que, quando a presente acção foi intentada (em 20/03/2015), já havia decorrido, sobre tais trabalhos sem sucesso, o referido prazo de 3 anos[17]; e, claro está, competindo o ónus da prova do decurso do prazo de exercício dos direitos à R./vendedora (cfr. art. 343.º/2 do C. Civil), impõe-se considerar/concluir que não se verifica a (única) excepção de caducidade oportunamente invocada pela R., o que conduz, inevitavelmente, à total improcedência da parte da apelação que visa directamente a pretensão dos AA/apelados respeitante à fracção autónoma “G”.

Outro tanto não sucede, porém, com a parte da apelação que se dirige contra a parte da decisão respeitante às partes comuns e ao Interveniente Condomínio (do prédio constituído em propriedade horizontal e de que a fracção autónoma “G”, propriedade dos AA., faz parte); aqui, a apelação tem que proceder.

São vários os aspectos, a propósito da posição do Interveniente Condomínio, que, a nosso ver e salvo o devido respeito, não terão sido correctamente ponderados.

Começa logo pela sua própria intervenção nos autos – sem prejuízo do caso julgado formal formado – passa pela questão dos efeitos da primeira sentença proferida, na parte não recorrida, e termina na decisão da excepção de caducidade invocada pela R./apelante contra o Condomínio.

Vejamos:

Na propriedade horizontal, coexistem, de modo incindível, dois direitos reais distintos: um direito de propriedade singular e outro complementar ou instrumental, de compropriedade (como dispõe o art. 1240.º/1 do C. Civil, “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”).

Sendo assim, a legitimidade (activa) para o exercício (perante o construtor/vendedor) dos direitos decorrentes da construção do edifício/imóvel com defeitos não é sempre das mesmas pessoas/condóminos, ou seja, tal legitimidade depende do local em que se situam os defeitos, sendo conferida a quem tem o poder de administração do concreto local em que se situam os defeitos.

Se os defeitos se situam nas fracções autónomas, como são os seus proprietários, individualmente considerados, que têm o poder de as administrar, são apenas eles que têm legitimidade para exercer junto do construtor/vendedor os direitos em causa.

Se os defeitos se situam nas partes comuns do edifício, como compete exclusivamente à assembleia de condóminos e ao administrador proceder à administração das partes comuns (cfr. 1430.º/1 do C. Civil), o exercício dos referidos direitos – máxime, os direitos de eliminação dos defeitos e realização de obra nova[18] – compete ao administrador do condomínio, devidamente mandatado pela assembleia de condóminos.

Efectivamente, o direito de compropriedade dos condóminos (sobre as partes comuns do edifício) tem especificidades em relação ao regime geral da compropriedade, não lhe sendo aplicável o art. 985.º do C. Civil (ex vi art. 1407.º do C. Civil); ou seja, os condóminos não podem individual e isoladamente (ainda que só “na falta de convenção em contrário”) exercer os direitos inerentes à administração das partes comuns (em que se incluem o direito à eliminação dos defeitos existentes nas partes comuns), na medida em que, quanto à propriedade horizontal, estão estabelecidos específicas formas de organização/funcionamento e de formação da vontade do grupo constituído pelos condóminos [em que o administrador é o órgão executivo e representativo do condomínio, competindo-lhe a gestão dos assuntos correntes relativos às partes comuns do edifício (art. 1436.º do C. Civil) e a representação judicial do grupo de condóminos (art. 1437.º do C. Civil); e em que a assembleia de condóminos é o órgão deliberativo do condomínio, onde se forma a vontade deste, através da tomada de deliberações vinculativas para todos os condóminos].

Sendo justamente por isto, articulando tais poderes e competências, que compete à assembleia de condóminos decidir, por maioria, sobre o exercício dos direitos decorrentes de defeitos existentes nas partes comuns do edifício, competindo depois ao administrador, em execução da respectiva deliberação, accionar esses direitos, judicial ou extrajudicialmente, perante o construtor/vendedor[19].

Significa tudo isto que, em relação ao pedido (formulado na PI) de reparação dos defeitos em partes comuns, não tinham os AA., isolada e individualmente, qualquer legitimidade e que, por conseguinte, a sua ilegitimidade para tal pedido não era suprível pelo incidente de intervenção provocada; é que não estávamos perante uma situação de litisconsórcio necessário ou sequer voluntário (mas sim perante uma situação de coligação, que permitia a demanda conjunta, nos termos do art. 36.º do CPC, mas não uma posterior intervenção).

Seja como for, a verdade é que o Condomínio, a requerimento dos AA. (e no seguimento do convite do tribunal), foi admitido a intervir nos autos ao lado dos AA. e, citado, veio dizer que fazia seus os articulados apresentados pelos AA..

Mas, se não estávamos, como explicámos, perante uma situação de litisconsórcio necessário, não passámos a estar apenas por ter sido proferido um despacho cuja bondade pressupõe estar-se na presença da preterição dum litisconsórcio necessário, ou seja, a nosso ver, só faz caso julgado a admissão do Condomínio a intervir a título principal do lado activo e não também a razão/fundamento (a nosso ver, com todo respeito, incorrectamente) que levou ao convite formulado pelo tribunal.

Vem tudo isto a propósito da nulidade de sentença suscitada nas conclusões iniciais do recurso.

Na 1.ª sentença proferida em 1.ª Instância foi (também) o pedido “imputável” ao Condomínio julgado improcedente e este não recorreu de tal sentença, pelo que, em face do disposto no art. 635.º/5 do CPC – que estabelece a proibição da reformatio in pejus e em que se dispõe que “os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo” – não podia a 2.ª sentença proferida em 1.ª instância pronunciar-se sobre o pedido “imputável” ao Condomínio, cuja improcedência estava definitivamente consolidada/estabilizada nos autos e que, assim, não podia, tal improcedência, ser “prejudicada” pela anulação decretada pelo 1.º acórdão.

Só não seria assim – e daí o percurso sobre a questão da legitimidade para pedir a reparação de defeitos em partes comuns e sobre o caso julgado formado pelo despacho que admitiu a intervenção do Condomínio – se estivéssemos perante um litisconsórcio necessário entre os AA. e o Condomínio, hipótese em que, de acordo com o art. 634.º/1 do CPC, o primeiro recurso interposto pelos AA. (e a anulação decretada no primeiro acórdão proferido) aproveitaria ao Condomínio.

Não é, porém, o caso – não estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário – e, por conseguinte, não se aplicando o art. 634.º/1 do CPC, a sentença recorrida, na parte em que se pronuncia sobre a pretensão do Condomínio, padece da nulidade do art. 615.º/1/d)/2.ª parte do CPC.

Mas ainda que não padecesse de tal nulidade, não poderia a sentença recorrida nesta parte manter-se, uma vez que se verifica a excepção de caducidade oportunamente deduzida pela R/apelante.

Como consta do relatório inicial, a R., em “resposta” à intervenção do Condomínio, veio invocar a excepção de caducidade consistente em o Condomínio nunca lhe ter reportado/denunciado a existência de defeitos nas partes comuns do prédio e estar já decorrido o prazo de 5 anos de garantia (por o prédio ter sido concluído em 29 de Setembro de 2005); ou seja, veio apenas invocar a caducidade do 3.º prazo, do prazo de 5 anos do chamado limite máximo da garantia legal.

E, embora os 5 anos não se contem desde a construção do prédio, a verdade é que, quando o Condomínio interveio nos autos, já tal prazo de 5 anos estava esgotado.

Vale aqui tudo o que supra referimos, designadamente sobre só valerem as excepções de caducidade que foram oportunamente (de acordo com o princípio da eventualidade ou preclusão) deduzidas; e sobre os trabalhos e pinturas entretanto levados a cabo pela R/apelante valerem tão só como reconhecimento da existência de defeitos na coisa e não como reconhecimento de direitos.

Importando acrescentar, em linha com o que já referimos sobre a legitimidade (para o exercício perante o construtor/vendedor dos direitos decorrentes da construção do edifício/imóvel com defeitos) ser conferida a quem tem o poder de administração, que, em relação às partes comuns, o prazo de 5 anos do chamado limite máximo da garantia legal só se inicia no momento em que os órgãos de administração do condomínio (o administrador e a assembleia de condóminos) passam a estar em condições de poderem exercer os referidos direitos (cfr. art. 329.º do C. Civil), ou seja, a partir da data em que o construtor faz a transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos ou, não se podendo precisar o momento em que tal sucedeu (expressa ou tacitamente), a partir do momento em que os condóminos constituíram a sua estrutura organizativa (reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o administrador), data a partir da qual (ficando operacional a estrutura organizativa encarregada da administração das partes comuns do condomínio) o condomínio fica em condições de poder exercer os direitos perante o construtor/vendedor, iniciando-se, então, o decurso do prazo de caducidade de 5 anos do chamado limite máximo da garantia legal.

Sendo assim, tal prazo iniciou-se a 27 de Fevereiro de 2010, data em que foi constituído o condomínio do prédio (sito na Rua .... ) e eleita a administração (cfr. ponto 19 dos factos), razão pela qual, quando o Condomínio veio, em 26/02/2016, intervir/dizer que fazia seus os articulados apresentados pelos AA., já se encontrava esgotado tal prazo de caducidade, razão pela qual, caso não se verificasse a nulidade de sentença referida, se teria que julgar procedente a excepção da caducidade (do prazo de 5 anos do chamado limite máximo da garantia legal) deduzida pela R/apelante contra o Condomínio[20].


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IV - Decisão

Nos termos expostos:

Julga-se a apelação parcialmente procedente e, em consequência:

Declara-se nula, por excesso de pronúncia (cfr. art. 615.º/1/d) do CPC), a sentença recorrida, na parte em que a mesma se pronuncia sobre os defeitos elencados nas alíneas f) e g) do ponto 13 dos factos provados, subsistindo, em função do anterior caso julgado formado, a 1.ª sentença proferida nos autos (que havia julgado procedente a excepção de caducidade do direito de acção do interveniente Condomínio, em consequência do que absolveu a R. do respectivo pedido formulado pelo Condomínio).

Confirma-se a improcedência da excepção de caducidade do direito de acção dos AA. e condena-se a R. a proceder à reparação dos defeitos elencados nas alíneas a), b), c), d) e e) do ponto 13 dos factos provados[21], reparação essa a efectuar no prazo fixado na sentença recorrida; assim como se confirma a condenação da R. na indemnização também fixada na sentença recorrida.

Custas, em ambas as instâncias, por AA., Interveniente e R., na proporção de 1/6, 1/6 e 4/6, respectivamente.


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Coimbra, 12/03/2019

Barateiro Martins ( Relator )

Arlindo Oliveira

Emídio Santos



[1] Porém, caso o faça, o tribunal ad quem não pode conhecer de tal questão/nulidade oficiosamente.
[2] Efectivamente, a partir de tal anúncio/alerta, assistirá às partes a faculdade de requererem a produção de novos meios próprios ou a reinquirição de testemunhas para, consoante o caso, fazer prova ou contraprova dos factos que o tribunal equaciona utilizar na sentença.

[3] Tanto mais que a parte interessada num facto (complementar ou concretizador, que não alegou) não está impedida de requerer ao juiz/tribunal, antes do encerramento da audiência, que utilize o mecanismo de ampliação da matéria de facto constante do art. 5.º/2/b) do CPC, assim suscitando o devido debate/contraditório e impedindo que se invoquem “surpresas”.
[4] Mais à frente, até explicaremos que não era exactamente o caso.
[5] Não há sobre isto a menor dúvida, não se compreendendo a sua qualificação jurídica, na sentença recorrida (cujos factos 1 e 2 são os mesmos deste acórdão), como empreitada e as sucessivas e exclusivas alusões, em termos de C. Civil, aos artigos respeitantes ao contrato de empreitada.
[6] Aliás, hoje, quando se está perante uma compra e venda ou empreitada, é a 1.ª questão a enfrentar.

[7] Quer-nos parecer que se pode/deve ser algo elástico e maleável na apreciação do cumprimento do ónus da prova em causa e que as qualidades dos contraentes, que caracterizam e preenchem a relação de consumo, se devem considerar como assentes se e quando resulte, fora de toda a dúvida, da trama processual que estamos perante uma coisa comprada, para um uso não profissional, a quem exerce com carácter profissional a actividade económica (no sector a que a realização/construção da coisa diz respeito).
[8] Ponto este, agora, na alegação recursiva, implicitamente aceite pela R./apelante, ao esgrimir com os prazos de caducidade do DL 67/2003.

[9] Daí a noção funcional: vício que desvalorize a coisa ou impeça a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina ou para a função normal/corrente das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina; devendo, para a determinação do “vício”, “defeito” ou “falta de qualidade” ser tomadas em conta todas as circunstâncias e envolventes concretas do contrato; contemplando-se o interesse do comprador no préstimo ou qualidade da coisa, na sua aptidão ou idoneidade para o uso ou função a que é destinada, com vista à salvaguarda da equivalência entre a prestação e a contraprestação subjacente ao cumprimento perfeito ou conforme do contrato.

[10] Enquanto no regime do C. Civil vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidariedade e de alternatividade entre aqueles direitos, que limitam e condicionam o seu exercício, no âmbito do DL 67/2003 os direitos do comprador/consumidor são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (cfr. art. 4.º/5 do DL 67/2003).

[11] Entendeu o legislador que este último prazo – que configura uma presunção iuris et de iure – é o tempo suficiente para todos os defeitos serem conhecidos, denunciados e exercidos os respectivos direitos.

[12] Sem prejuízo, evidentemente, de poder mencionar os 3 prazos como excedidos, hipótese em que se considerará que está a invocar as 3 excepções de caducidade.
[13] Art. 11.º da contestação.
[14] Na sentença recorrida, conclui-se, a dado passo, que “a R. não conseguiu provar a caducidade do direito de denuncia de defeitos” e, na decisão, escreveu-se mesmo que se julgava “improcedente, por não verificada, a excepção peremptória de caducidade do direito de denúncia exercido pelos autores e pelo interveniente Condomínio”; o que, não estava em causa e que não tinha e/ou podia ser conhecido, constituindo assim tal segmento da decisão mais uma (além da referida infra) nulidade de sentença, nulidade que, porém, não foi suscitada.
[15] Facto este que tinha sido dado como não provado na 1.ª decisão da 1.ª Instância.

[16] Entendimento este que é próximo do que enforma o art. 5.º/5 do DL 67/2003, em que se dispõe que o “decurso dos prazos suspende-se durante o período de tempo em que o consumidor se achar privado do uso dos bens em virtude das operações de reparação da coisa”.
[17] Embora a dinâmica dos factos até aponte para a forte probabilidade de tal prazo de 3 anos não haver mesmo decorrido, uma vez que, para tal não acontecer, teriam os trabalhos de eliminação dos defeitos que ter ocorrido antes de 20/03/2012 (e a denúncia dos defeitos é de 17/01/2012).

[18] Costumam distinguir-se tais direitos (à eliminação do defeito e à realização de nova obra) dos direitos de redução do preço e de resolução do contrato, uma vez que aqueles pressupõem o exercício de um poder de administração e estes a posição de comprador no contrato de compra e venda das fracções autónomas – Cfr. João Cura Mariano, in a Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, pág. 166.

[19] Sendo esta a regra, como refere Cura Mariano, obra citada, pág. 169, “não se vislumbra também qualquer impedimento a que esses direitos possam ser exercidos em conjunto pela totalidade dos condóminos, dispensando-se assim a existência de deliberação da assembleia nesse sentido e a intervenção do administrador. Na verdade, nada impede que se tomem deliberações que reúnam o acordo da totalidade dos condóminos, sem necessidade de reunião da assembleia, desde que esse acordo seja formalizado por escrito, o que dispensa a elaboração da acta, assim como podem os condóminos prescindir da intervenção do administrador em sua representação, dado que a mesma só foi prevista no art. 1437.º/1 do C. Civil para facilitar a sua actuação jurídica”. Em todo o caso, esta hipótese é de se estar perante um exercício inicial conjunto e não, claro, perante a hipótese dum condómino propor isoladamente uma acção (sobre partes comuns) e provocar a intervenção dos restantes condóminos.

[20] É certo que, “após a recepção da carta de 25 de Setembro de 2014, a R., por si ou por intermédio de pessoa sob as suas ordens e interesses, foi à cobertura do prédio, aí tendo efectuado intervenção cuja natureza não se conseguiu precisar, mas que consistiu, pelo menos, na colocação de silicone” (como consta do ponto 16 dos factos provados), o que, tendo presente o disposto no art. 4.º/5 do DL 67/2003, terá suspendido o decurso do prazo de 5 anos em curso, porém, tal suspensão foi, em face do modo que se encontra redigido tal facto 16, bastante breve (ou mesmo “instantânea”), ou seja, muitíssimo inferior a 1 ano (e 1 ano era o tempo de suspensão necessário para, entre 27/02/2010 e 26/02/2016, não terem decorrido os 5 anos do prazo da garantia legal); o que demonstra a irrelevância (jurídica) de tal facto (e, por isso, tendo o mesmo sido impugnado, a desnecessidade da reapreciação da respectiva decisão de facto).

[21] O montante de € 3.737,52, referido na decisão da sentença recorrida, não se mantendo a condenação na reparação dos defeitos das alíneas f) e g) do ponto 13, não pode naturalmente subsistir, porém, ainda que a reparação de tais dois defeitos se mantivesse, a solução teria que ser a mesma, uma vez que a R., quanto à reparação dos defeitos, é condenada numa prestação de facto e não numa quantia pecuniária.