Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
400/09.0TBCBR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: REMISSÃO
PRAZO
VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
IMÓVEL
ESCRITURA PÚBLICA
Data do Acordão: 02/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 842º E 843º Nº 1 AL.B) DO CPC E 875º, 879, AL. A) E B) DO CC
Sumário: 1. A venda por negociação particular de imóveis efectuada pelo encarregado da venda só produz os efeitos próprios da compra e venda, como o de transmissão da propriedade e a obrigação de entregar a coisa, quando é formalizada por escritura pública.

2. No caso de venda por negociação particular de imóveis, o direito de remissão pode ser exercido até à assinatura do título de venda que, neste caso, corresponde à escritura pública.

Decisão Texto Integral:

         Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


*


         Nos presentes autos de execução comum em que é exequente o A... , S.A. e executados B..., Ld.ª e outros foram penhoradas três verbas: uma fracção autónoma e dois prédios rústicos.

         Em 16.2.2016 a agente de execução veio informar o Juiz que o encarregado da venda obteve uma proposta de € 80.500, pelas três verbas, juntando documento do encarregado da venda a ela dirigida nesse sentido.

         Em 28.3. informou o Juiz que não houve oposição a tal proposta que a exequente ( A... ) e um dos credores reclamantes ( C... ) a aceitou, conforme requerimentos nesse sentido.

         Em 22.4.2006, ao Sr.ª Juiz deferiu a requisição do auxílio da força pública para o efeito de, segundo se supõe, desalojar a inquilina que ocupava a fração autónoma.

         Em 13.5.2016, em resposta ao requerimento de Sofia Margarida Aguiar, a arrendatária da fracção autónoma penhorada, que solicitou o diferimento da entrega do locado (fixada pela agente até ao dia 14 de Maio), a Sr.ª Juiz proferiu despacho deferindo a entrega do locado até ao dia 13 de Junho de 2016.

         Em 23.5. foi proferido despacho considerando a proposta da arrendatária (que não figura nos autos) para a verba nº 1 (fracção autónoma) extemporânea, por ter sido aceite a proposta de D..., “ não tendo ainda ocorrido a marcação da escritura e o depósito do preço porque aquele estava a aguardar a desocupação do imóvel (cujo prazo foi fixado em 13 de Junho de 2016”). Exortando-se, finalmente, a AE a efectivar a venda, o que se reiterou no despacho de 14.6.

Em 14.6. a AE remeteu ao encarregado da venda duas guias para cumprimento das obrigações fiscais (IMI) e documento emitido pela AE, da mesma data, para efeitos de outorga da escritura, determinando que o encarregado diligenciasse junto do proponente nesse sentido.

Neste último documento consta que o encarregado da venda procedeu à venda dos bens aí identificados a D... de acordo com a proposta do mesmo, tendo este procedido ao depósito da totalidade do preço oferecido, sendo da sua responsabilidade todas as despesas relacionados com a alienação dos imóveis penhorados.

Apresentou-se, então, em 16 de junho, o proponente D... a requerer a desocupação imediata do locado (fracção) livre de pessoas e bens.

Alegou que o locado não tinha sido ainda desocupado, apesar de a locatária a isso estar obrigada até ao dia 13. Invocou um pretenso acordo entre a arrendatária e a agente de execução para desocupação do locado até ao dia 30 de Junho. Referiu ainda que procedeu ao depósito do preço em 30 de Maio.

Sucede, no entanto, que, por requerimento datado de 29.6.2016, veio E... , filho do executado, manifestar a sua intenção de exercer o direito de remição relativamente aos três imóveis penhorados e cuja venda se encontra designada para o dia 30 (entrega do imóvel às 11h e celebração de escritura pública às 19h, segundo informação da sra. AE), para tanto juntando um cheque no valor de € 84.525,00, respeitante a: € 80.500,00 (soma dos valores das verbas 1, 2 e 3) e € 4.025,00 correspondente a 5% de indemnização do comprador. 

Sobre tal requerimento incidiu, então, o despacho de 30.6. que, com o fundamento de que quer a entrega dos bens quer a celebração da escritura ainda não tinham ocorrido, aceitou o exercício do direito de remição e mandou remeter o cheque de € 84.525 à AE para formalizar a transmissão para o remidor.

Por requerimento de 30.6 o proponente opôs-se à remição, alegando extemporaneidade. Alegou, ainda, que a AE não lhe entregou o título de transmissão do locado e que também não conseguiu pagar os impostos, por os registos das penhoras terem de ser rectificados.

Pediu que o exercício da remição fosse declarado extemporâneo, que fosse ordenado à AE a emissão do título de transmissão e que fosse concretizada a efectiva desocupação do locado com a entrega do mesmo ao interveniente,

Sobre este requerimento desconhece-se se incidiu despacho ou se o despacho de 30.6 já o teve em conta.

De todo o modo o interveniente e proponente D... reagiu contra o despacho de 30.6, dele apelando e formulando, a final da sua alegação, as seguintes conclusões: 

“1- O processo executivo em apreço decorre desde há longos 7 anos.

2- Nunca, até à data em que o aqui Recorrente interveio acidentalmente no processo, havia surgido proposta de compra nos autos.

3- Sucede que, foram vendidos ao aqui Recorrente, no âmbito dos autos, por negociação particular, 3 verbas, designadamente um prédio urbano, fracção autónoma e dois prédios rústicos. 

4- Um dos bens, designadamente a fracção autónoma, detinha uma inquilina.

5- Atendendo que a mesma não acedia a sair voluntariamente da fracção, por despacho datado de 22-04-2016, com a refª 71031090, foi deferido o auxílio da força pública para ao efeito. 

6- Na prossecução, e sem nada que o fizesse prever, a Agente de Execução informou os autos de que a arrendatária, apesar da declarada insuficiência económica, havia efectuado uma proposta relativa à verba 1, fracção autónoma, que já tinha sido vendida ao aqui Recorrente. 

7- Por douto despacho de 23-05-2016, com a refª 71380327, foi decretada a extemporaneidade da proposta apresentada pela arrendatária.

8- Mais é descrito no mencionado despacho de que “foi aceite a proposta apresentada pelo proponente D... , na venda por negociação particular, não tendo ainda ocorrido a marcação de escritura e de depósito do preço porque aquele estava a aguardar a desocupação do imóvel (cujo prazo foi fixado em 13 de Junho de 2016.)

Por assim ser, deve a sra. AE diligenciar no sentido de efectivar a verba cuja proposta foi aceite.” 

9- Por douto despacho anterior, datado 13 de Maio de 2016, com a refª 71297946, foi deferida a entrega do locado até ao dia 13 de Junho de 2016.

10- Por documento datado de 24-05-2016, a Sra. Agente de Execução notifica o encarregado de venda para que este diligencie junto do aqui Recorrente de forma a que seja efectuado o depósito do preço oferecido e aceite.

11- Mais é referenciado no mencionado documento que “sendo certo que a data limite para entrega do imóvel e que foi fixada por despacho judicial datado de 13/05/2016 será o próximo dia 13/06/2016.”

12- Para o efeito, o aqui Recorrente procedeu ao depósito do preço, no montante de 80.500,00 € (oitenta mil e quinhentos euros), em 30-05-2016, conforme decorre dos autos.

13- Sucede que, decorrido o prazo para a entrega do locado, a Sra. Agente de Execução não procedeu e/ou efectivou a diligência, não cumprindo o despacho de 1305-2016, o qual deferida a entrega do locado ao aqui Recorrente em 13-06-2016.

14- Tendo a Sra. Agente de Execução invocado um suposto acordo com a inquilina, com a saída desta em 30-06-2016.

15- Do mencionado acordo, não existiu o deferimento por parte do tribunal a quo, nem o Recorrente foi notificado ou tido em consideração.

16- O que desde logo causou estranheza no aqui Recorrente.

17- E, uma vez mais, o Recorrente viu-se forçado a adiar a escritura dos imóveis.

18- A qual encontrava-se agendada para aquela data.

19- Aliás, conforme decorre dos autos, o Recorrente foi forçado a adiar consecutivamente a escritura por motivos claramente inabituais e a si alheios.

20- Tendo, como consequência dos adiamentos, vindo a surgir, tardiamente, o exercício do direito de remição.

21- Na prossecução, e depois de diversas solicitações, a Sra. Agente de Execução acabou por remeter ao Encarregado de Venda, apenas e só em 14-06-2016, posteriormente à data limite decretada para a desocupação, as guias para que o aqui Recorrente cumprisse as obrigações fiscais. (Sublinhado nosso)

22- Foi também remetido o título de transmissão, certificando a venda das três verbas.

23- Todavia, no dia 30 de Junho de 2016, curiosamente no dia da entrega do locado em conformidade com o suposto acordo entre Agente de Execução e arrendatária, e quando se encontrava definitivamente agendada a escritura, surge um requerimento, do qual o Recorrente não teve o devido conhecimento, do exercício do direito de remição do filho do executado.

24- Face ao qual, o aqui Recorrente, imediatamente requereu a sua extemporaneidade.

25- Tendo o tribunal a quo considerado, por despacho de que aqui se recorre, válido e aceite o direito de remição.  

26- Convém ainda uma vez mais salientar que o não cumprimento do despacho que designava a desocupação do locado está directamente relacionado com o exercício do direito de remição.

27- Uma vez que, casso fosse devidamente cumprido o mencionado despacho, e a Sra. Agente de Execução diligenciasse na efectivação dos bens, e remetesse atempadamente todos os documentos necessários, o Recorrente não teria de, sucessivamente, adiar a escritura dos bens.

28- Tipifica a alínea b) do n.º 1 do artigo 843.º do Código de Processo Civil que “O direito de remição pode ser exercido nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.”

29- A mencionada norma legal detém, em si mesma, no âmbito da venda por negociação particular, duas fases não cumulativas: a)momento da entrega dos bens; b)assinatura do título que a documenta.

30- Salvo melhor entendimento, o exercício do direito de remição é claramente extemporâneo, uma vez que já se encontravam efectivados ambos os pressupostos e decorrido o consequente prazo.

31- Pois, a venda em processo de execução produz os mesmos efeitos da venda realizada através de um negócio jurídico, ou seja tem como efeitos essenciais as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço, e a transmissão da propriedade da coisa, em conformidade com o artigo 879.º, alíneas a) e c) do Código Civil.

32- Além dos efeitos obrigacionais e do efeito translativo comuns a qualquer venda, a venda executiva produz ainda outros efeitos tais como o extintivo, registral, represtinatório e efeito sub-rogatório, conforme descreve Miguel Teixeira de Sousa, in Ação Executiva Singular, página 383.

33- No que respeita ao efeito translativo, a venda em execução transfere ao adquirente, diga-se caso em apreço o aqui Recorrente, os direitos do executado sobre a coisa vendida, conforme decorre do tipificado no n.º 1 do artigo 824.º do Código Civil.

 34- Mais, na venda executiva os bens só são adjudicados ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço, o que sucedeu. 

35- E satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão.

36- O que também sucedeu, com o pagamento pelo Recorrentes dos impostos necessário, tendo sido a Sra. Agente de Execução devidamente informada. 

37- Ora, o aqui Recorrente pagou (depositou) o valor de 80.500,00 €.

38- E liquidou as obrigações fiscais inerentes à transmissão.

39- Logo, por si só, deu-se a efectiva entrega dos bens.

40- Quanto ao momento da assinatura do título que a documenta, a mesma também foi devidamente emitida a favor do aqui Recorrente.

41- Ora, no âmbito da venda por negociação particular, o aqui Recorrente, enquanto proponente nos autos, procedeu em devido prazo ao depósito do preço.

42- Após o devido pagamento do preço, o proponente, aqui Recorrente, assumiu a posse dos bens.

43- Como normal decorre, com o comprovativo de depósito do preço, o Agente de Execução emite um título de transmissão e/ou promove as diligências inerentes à outorga da escritura pública de compra e venda.

44- No caso em apreço, a Sra. Agente de Execução emitiu, embora tardiamente, uma vez que lhe havia sido solicitado por diversas vezes a devida emissão, um título de transmissão.

45- Foi devidamente notificada, antes mesmo do exercício do direito de remição, de que o aqui Recorrente havia liquidado as obrigações fiscais.

46- Logo, os bens já se encontravam na posse do aqui Recorrente.

47- Havendo, assim, uma implícita negociação pré-contratual.

48- A qual, salvo melhor entendimento, foi claramente violada. 

49- Pelo que, ao contrário do descrito no despacho de que aqui se recorre, já tinha existido, anteriormente ao exercício do direito de remição, a entrega dos bens. 

50- Devendo entender-se, no que se reporta à segunda parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 843.º do CPC, que o mencionado título se reporta ao documento entregue ao proponente, o qual certifica a venda dos bens, de forma a que seja outorgada a escritura.

51- Ainda que assim não seja entendido, deverá aferir-se que a entrega dos bens encontrava-se prevista para o dia 13 de Junho de 2016, conforme despacho judicial, não tendo a mesma sido concretizada por motivos alheios ao aqui Recorrente.

52- Não se olvidando do decurso dos autos, qualquer justificação e/ou motivo atinente para o devido efeito.

53- Nem qualquer despacho que tenha deferido o protelar da desocupação do locado e consequente entrega ao Recorrente. 

54- Logo, no âmbito do despacho de que se recorre, não se encontra justificado, ou sequer deferido, o adiamento da desocupação e consequente entrega dos bens.

55- Verificando-se, assim, uma clara contradição entre o despacho de que se recorre, o qual não teve em atenção o conteúdo do despacho anteriormente emitido.

56- Não tendo sido ponderada, nem salvaguardada, a posição do proponente, aqui Recorrente.

57- Como também não foi garantido o princípio da celeridade processual.

58- Bem como o princípio/direito da segurança jurídica, este constitucionalmente garantido.

59- Sendo que, o princípio do Estado de Direito concretiza-se através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos.

60- Tal princípio encontra-se expressamente consagrado no artigo 2.º da CRP e deve ser tido como um princípio politicamente conformado que explicita as valorações fundamentadas do legislador constituinte.

61- Os citados princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.

62- Conforme decorre dos autos, foram os mencionados princípios claramente violados.

63- Mais, estabelece o artigo 298.º,  nº 2, do Código Civil que: “Quando por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.” 

64- A caducidade é assim o instituto pelo qual os direitos que, por força da lei ou de convenção, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício nesse prazo, neste sentido, vd. Luís A. Carvalho Fernandes, in. Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, pág. 567. 

65- A razão de ser do instituto da caducidade, alicerça-se na certeza e segurança jurídicas, no sentido de prever que ao fim de certo tempo as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. 

66- É o decurso de um prazo, sem que o direito seja exercido, que determina a sua extinção por caducidade. 

67- Pelo que, no caso em apreço, e salvo melhor entendimento, o direito de remição, à data em que foi exercido, já havia caducado.

68- Sem prescindir, ao ser decretado como limite máximo de desocupação do imóvel o dia 13 de Junho de 2016, e não tendo sido cumprido o devido prazo, por não efectivação da devida e obrigatória diligência, deverão ser considerados nulos todos os atos posteriores àquela data.

69- Devendo ser considerada como data efectiva, para efeitos de entrega dos bens, o dia 13 de Junho de 2016, e não data posterior.

70- A qual não provém de decisão judicial, nem detém suporte legal que a sustente.

71- Devendo o despacho de que agora se recorre, claramente contrário do despacho que havia estipulado a data limite de entrega dos bens, ser declarado nulo, com as consequências legais que daí advém.

72- Não podendo, assim, ser o aqui Recorrente prejudicado pela inércia da Sra. Agente de Execução, no âmbito do não cumprimento de diligência previamente estabelecida.

73- Retardando a mesma para data posterior.

74- Nem pela passividade do tribunal a quo, ao não aferir de forma célere e diligente da prática dos atos processuais devidamente decretados.

75- Como tal, e como deveria ser considerada como data efectiva de entrega dos bens o dia 13 de Junho de 2016, não invocou o filho do executado o justo impedimento para que, posteriormente aquela data, viesse requerer o direito de remição. “

Cumpre decidir, tendo-se em consideração a factualidade que consta do relatório (e que se dá por assente).

O despacho recorrido aceitou a remição, com o fundamento de que quer a entrega dos bens quer a celebração da escritura, que iria titular a venda, ainda não tinham ocorrido.

Objecta o recorrente que, à data em que foi requerida a remição, se encontravam já verificados os dois momentos até aos quais o direito de remição podia ser exercido: o da entrega dos bens e o da assinatura do título que documentava a venda.

Mas não tem razão, salvo o devido respeito.

Dispõe o art. 842º, do CPC que: “Ao cônjuge que não esteja separado de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”. Acrescentando o art. 843, nº 1, al. b) que o direito pode ser exercido “ nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta”, nesta previsão se incluindo, portanto, a modalidade de venda por negociação particular.

O art. 843 reproduz o anterior art. 913, na redacção do DL nº 226/2008 de 20.11.

Ora, sobre a venda por negociação particular, no domínio da lei anterior, escreve Amâncio Ferreira, em Curso de Processo de Execução, 11ª edição, a pág. 386: “ Quanto à forma que há-de revestir a transacção, aplicam-se as regras gerais da venda. Assim pode ser celebrada por qualquer das formas admitidas para a declaração negocial (art. 217 e 219 do CC), exceptuados a venda de imóveis (art. 85 do CC e art. 22, al. a) do DL nº 116/2008 de 4 e Julho) e o trespasse do estabelecimento comercial ou industrial (art. 1112, nº 3 do CC), que só são válidos se forem celebrados, respectivamente, por escritura pública ou documento particular autenticado e por documento escrito”.

Em anotação ao anterior art. 913, escreve, também, Lebre de Freitas: “na venda extrajudicial, generalizou-se a regra anteriormente consagrada para a venda por negociação particular: havendo título de venda o direito de remição havia de ser exercido até à sua assinatura (o que sempre acontece na venda por negociação particular: ver o nº 6 da anotação ao art. 905…”); não havendo, releva o momento da entrega do bem (…)”.

Em anotação (nota nº 6) ao art. 905, a que corresponde o actual 833, pode ler-se: “ A venda está sujeita ao regime geral da compra e venda de direito civil, incluindo as disposições atinentes à forma do contrato (art. 875 e 115-3 RAU, por exemplo) sem prejuízo de resultar dos nº 4 (“ instrumento da venda”) e 5 (“ menção no acto da venda) que quando a lei civil não exija forma escrita, esta deve ser observada elaborando-se documento particular”.

Já no domínio do CPC, em Acção Executiva, à luz do CPC de 2013, 6ª edição, o mesmo autor escreve, a pág. 386: “ (…) Mas, circunscrito ao processo executivo, o exercício do direito de remição só pode ter lugar num prazo apertado, que varia consoante a modalidade da venda e a formalização (ou não) desta por escrito: até à emissão do título de transmissão ou ao termo do prazo para a preferência, no caso do art. 825, n.º 3, quando a venda se faz por propostas em carta fechada (art. 843-1-a); até à assinatura do título de venda, se o houver, ou à entrega do bem, na falta de forma escrita, nas outras modalidades de venda (art. 843-1 – b) ”.

E em nota de rodapé, volta a afirmar: “ A venda está sujeita a regime geral da compra e venda de direito civil, incluindo as disposições atinentes à forma do contrato (art. 875 e 1112-3 CC, por exemplo) sem prejuízo de resultar do art. 833, nº 4 (“ instrumento da venda”) e 5 (“ menção no acto da venda) que quando a lei civil não exija forma escrita, esta deve ser observada elaborando-se documento particular”. (todos os sublinhados das citações até agora feitas são nossos).

Do exposto decorre, pois, que, havendo título de venda, como no caso da venda por negociação particular, apenas releva como termo do prazo para o exercício do direito de remição, a assinatura do título de venda, que, no caso da venda por negociação particular de bens imóveis, corresponde à escritura pública (art. 875 do CC); e que o acto de entrega apenas vale como termo do prazo para o exercício do direito de remição quando a venda, pela sua modalidade, não imponha um título que a documente, o que sucede na venda em bolsas e, consoante o regulamento, na venda em estabelecimento de leilões e em depósito público (v. Ac. R.P. de 17.3.2006 e Ac. R.G. de 6.10.2004, ambos em www.dgsi.pt).

Ora, revertendo ao caso sub judice, verifica-se que, à data do exercício da remição, ainda não tinha sido realizada a venda dos bens imóveis por escritura pública (art. 785 do CC). A venda efectuada pelo encarregado da venda ainda não era apta, pois, a produzir os efeitos próprios da compra e venda, como o de transmissão da propriedade e a obrigação de entregar a coisa (art. 879, al. a) e b) do CC). Só podia produzir esses efeitos quando fosse formalizada por escritura pública, o que não tinha ainda ocorrido.

Não tem, assim, qualquer relevo o título que a AE entregou ao encarregado da venda para efeitos de outorga da escritura, pois o título que documenta a venda não é esse mas a escritura pública.

Se o encarregado da venda não se apressou a realizar a escritura, por culpa própria ou do AE, essa é circunstância que não interfere com a validade da remição, a qual pode ser sempre exercida até à assinatura da escritura pública. Apenas pode ser, quanto muito, causa de responsabilidade disciplinar ou civil.

É certo que a entrega dos bens se encontrava prevista para o dia 13 de Junho de 2016, conforme despacho judicial, e que a mesma não se realizou, o que implicou um atraso na realização da escritura.

Porém, daqui não decorre a nulidade do despacho que aceitou a remição. A Sr.ª Juiz não proibiu a realização da escritura para o caso de a entrega (leia-se desocupação do locado) não se realizar até 13.6. Nem fixou o dia 13.6 como data limite para o exercício da remição.

Finalmente, não é sequer possível dizer que se a escritura tivesse celebrada antes (a seguir à entrega fixada para 13.6) a remição não teria ocorrido.

Claudica, por isso, toda a argumentação que invoca a violação do princípio da celeridade processual, do princípio/direito da segurança jurídica, ou o da protecção da confiança dos cidadãos, como princípios determinadores de uma solução diferente.

A remição foi exercida, assim, dentro do prazo legal, não tendo ocorrido, pois, qualquer caducidade.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.


*
Coimbra, 21 de Fevereiro de 2017


Relator:

António Magalhães

Adjuntos:

1º - Ferreira Lopes

2º - Freitas Neto