Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
53/09.6T2AND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: CONTRATO DE CONTA CORRENTE
REGIME
EFEITOS
CONTA CORRENTE
CONTABILÍSTICA
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
PROVA PERICIAL
Data do Acordão: 02/14/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GR. INST. CÍVEL DE ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 344º, 346º, 348º, 349º E 350º, 389º DO CÓDIGO COMERCIAL; 712º, Nº 1, DO CPC
Sumário: I – Designa-se por “conta corrente” o contrato pelo qual as partes se obrigam a lançar a crédito e a débito os valores que entregam reciprocamente no âmbito de uma relação de negócios, exigindo apenas o respectivo saldo final apurado na data do seu encerramento (artº 344 do Código Comercial).

II - Relativamente à sua natureza, importa notar que se está perante um verdadeiro negócio jurídico: apesar da identidade terminológica, ao contrário da conta-corrente contabilística - que consiste simplesmente num sistema especial diagráfico de escrituração em colunas de crédito e débito - a conta corrente regulada no Código Comercial pressupõe um acordo das partes destinado a produzir efeitos jurídicos próprios que transcendem a mera representação contabilística.

III - O funcionamento do contrato de conta-corrente impõe, por outro lado, que se distinga o encerramento ou fecho da conta e o termo do contrato. O encerramento ou fecho da conta é o facto e o efeito de actuar a compensação acordada, com vencimento do saldo, desaparecendo os créditos e débitos recíprocos, até ao limite da sua concorrência, com o apuramento de um - eventual - saldo, que se torna exigível.

IV - Com o encerramento e liquidação da conta fixam-se as relações entre as partes e determinam-se, caso exista um saldo, as pessoas do devedor e do credor (artºs 348 e 350 do Código Comercial).

V - O termo do contrato põe fim ao próprio relacionamento negocial das partes em termos de conta corrente e implica, necessariamente, o encerramento e liquidação da conta (artº 349 do Código Comercial).

VI - Entre os efeitos do contrato avultam a compensação recíproca entre os contraentes, até à concorrência dos respectivos créditos e débitos, no termo do encerramento da conta-corrente e a exigibilidade meramente terminal do seu saldo, de tal modo que, durante a sua vigência, nenhuma das partes possa ser havida como credora ou devedora: só com o encerramento da conta-corrente e o apuramento do respectivo saldo se fixa definitivamente a posição jurídica das partes (artº 346, nºs 3 e 4 do Código Comercial).

VII - Todavia, o contrato produz ainda outros efeitos relevantes. Desde logo, a transferência dos créditos inscritos em conta-corrente – sujeita todavia, no caso de títulos de crédito, à cláusula de boa cobrança – depois, o efeito novativo das obrigações de onde emergem esses créditos e, enfim, o vencimento de juros das quantias creditadas em conta-corrente, desde o dia do efectivo recebimento (artº 346 nºs 1, 2 e 5 e § único).

VIII - Não existindo contrato de conta-corrente mas tão-somente conta-corrente contabilística, o seu fecho não tem a virtualidade de fixar ne varietur o estado das relações jurídicas entre as partes e de operar a compensação - e o consequente efeito extintivo - dos créditos e débitos recíprocos nem de tornar exigível o saldo correspondente.

IX - Para que a Relação altere e, portanto, substitua, a decisão da matéria de facto da 1ª instância não é suficiente um qualquer erro. Este erro há-de ser manifesto, ostensivamente contrário às regras da ciência, da lógica e da experiência, que aponte, decisiva e inequivocamente, para o julgamento do facto num sentido diverso daquele que lhe imprimiu o decisor da 1ª instância - e não, simplesmente, que se limite a sugerir ou a tornar provável ou possível esse outro sentido.

X - A perícia constitui, muito simplesmente, um meio de prova, relativamente à qual vale, por inteiro - de harmonia com a máxima segundo a qual o juiz é o perito dos peritos - o princípio da livre apreciação da prova, e, portanto, o princípio da liberdade de apreciação do juiz (artº 389 do Código Civil).

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

Caves … Lda., habilitada, na sequência de cessão de crédito, na posição da primitiva autora, B…., apelou da sentença do Sr. Juiz de Direito do Juízo de Grande Instância Cível da Anadia, da Comarca do Baixo Vouga, que julgou improcedente a acção e absolveu a Ré H… do pedido e condenou a Habilitada/Cessionária Caves … Lda. na posição da Autora B... nas custas, e julgou parcialmente procedente a reconvenção e condenou a Autora Caves … Lda no pagamento ao habilitado/cessionário, V…, na posição da Ré H., da quantia de € 396,79, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal aplicável às transacções comerciais até integral e efectivo pagamento, e condenou a Autora e a Habilitada/Cessionária Caves …, nas custas na proporção de 1/100 e 99/100, respectivamente.

A recorrente pede, no recurso, a sua revogação por decisão que considere o pedido parcialmente procedente e, em consequência, seja a ré condenada a pagar à recorrente a quantia de €424.342,99, acrescida de juros comerciais desde a data da citação até integral pagamento, assim como condenar a ré como litigante de má-fé, em multa condigna e indemnização a favor da recorrente em montante não inferior a €80.000,00 e, ainda, revogação da sentença no que tange às custas de modo a que a recorrente seja absolvida do pagamento de qualquer quantia a título de custas do pedido reconvencional.

A recorrente extraiu da sua alegação estas conclusões:

...

Na resposta, a recorrida, concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.

Entretanto, já depois do recurso interposto mas antes do oferecimento pela recorrente da sua alegação, o Sr. Juiz de Direito, sob requerimento conjunto de… e da A. Caves ..., reformou a sentença quanto a custas, no segmento relativo à reconvenção, de modo a que onde se lê Custas a suportar pela Autora e a Habilitada/Cessionária Caves …, na proporção de 1/100 e 99/100, se passasse a ler, Custas a suportar pela Autora Caves … Lda. e Habilitado/Cessionário V…, na posição da Ré Reconvinte …, na proporção de 0,73/1000 e 999,27/1000.

2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

2.1. Foram insertos na base instrutória, entre outros, os seguintes enunciados:

...

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Nas conclusões da sua alegação é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

Um dos fundamentos da impugnação consiste no erro de julgamento no tocante à condenação da recorrente nas custas da reconvenção. Essa impugnação era inteiramente exacta.

Realmente, a recorrente, apesar da sua habilitação, não era parte da instância reconvencional: partes nessa instância, nas vestes processuais de reconvinte e reconvinda, eram V… - que assumiu essa qualidade por habilitação na posição de …, e Caves …, Lda., respectivamente.

Simplesmente, sob requerimento também subscrito pela recorrente, o Sr. Juiz de Direito, deferindo-o, reformou a sentença recorrida no sentido propugnado pela apelante, fazendo recair a responsabilidade pelas custas da reconvenção não sobre ela, mas sobre a parte que detinha a qualidade jurídico-processual de reconvinda: Caves … Lda.

Dado que o requerimento de reforma da sentença quanto a custas foi atendido, a nova decisão integrou-se na primitiva (artº 670 nº 2, 2ª parte, do CPC). Dessa integração – apesar da nova decisão ter sido provocada também pela própria parte que já interpusera o recurso - resulta uma inevitável repercussão sobre o recurso interposto e mesmo uma modificação automática do seu objecto: o recurso passou a ter por objecto a sentença tal como se apresenta agora, em consequência da integração da nova decisão na primitiva (artº 686 nº 2, por analogia, do CPC).

Todavia, a nova decisão não desfavorece a recorrente, antes a favorece. Ora, perante a decisão reformada, em sentido favorável à recorrente, o recurso, nessa parte, já não tem razão de ser.

Em consequência da modificação da sentença impugnada e, consequentemente do objecto do recurso, estava indicado, talvez, que a recorrente dele desistisse, na parte, evidentemente, em que a nova decisão a favorece. Todavia, mesma na ausência dessa desistência é claro que o recurso se tornou, nessa parte, supervenientemente inútil, com a consequente extinção, no segmento correspondente, do direito à impugnação (artº 287 e) do CPC).

Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida.

No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja, se é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[2].

No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.

Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados ou ampliados na 2ª instância se houver acordo das partes – eventualidade mais que rara – bem pode assentar-se nisto: que os recursos interpostos para a Relação visam normalmente apreciar o pedido formulado na 1ª instância com a matéria de facto nela alegada.

Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.

Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas[3].

Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso. Em qualquer das situações, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso[4].

Ao tribunal ad quem é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida. Estas questões – como, v.g., o abuso do direito, os pressupostos processuais, gerais ou especiais, ou a litigância de má fé, oficiosamente cognoscíveis – constituem um objecto implícito do recurso, que torna lícita a sua apreciação na instância correspondente, embora, quando isso suceda, de modo a assegurar a previsibilidade da decisão e evitar as chamadas decisões-surpresa, o tribunal ad quem deva dar uma efectiva possibilidade às partes de se pronunciarem sobre elas (artº 3 nº 3 do CPC).

Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.

A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. O modelo do nosso sistema de recursos é, portanto, o da reponderação e não o de reexame[5].

Na espécie sujeita, o recurso tem nuclearmente por objecto a impugnação da decisão da matéria de facto. No ver da recorrente, o tribunal a quo incorreu, na decisão dos enunciados de facto insertos na base instrutória sob os nºs 27º e 28º, 74º a 76º e 111º e 114º, num error in iudicando, por erro na aferição ou valoração das diversas provas produzidas.

Os pontos inclusos na base instrutória sob os nºs 74º a 76º e 111º e 114º – nitidamente instrumentais relativamente aos factos essenciais relativos aos saldos, credor e devedor, das contas-correntes – tinham por objecto este facto: a entrega, pela apelante à recorrida, em 1997, de oito letras de câmbio aceites por … e, em 1998, de dez letras de câmbio aceites, em branco, por …

O facto da entrega, pela apelante, e do seu recebimento, pela apelada, daqueles títulos de crédito foi alegado de forma genérica, logo na petição inicial - artº 6º - e de forma concretizada no articulado de réplica: artºs 14º, 15º, 45º e 46º, respectivamente.

Todavia, o único facto alegado em qualquer destes articulados é singelamente este: que a recorrente entregou e a recorrida recebeu aquelas letras. Em lado nenhum daqueles articulados produzidos pela recorrente se alega o pagamento, designadamente pelo aceitante, das quantias pecuniárias inscritas em tais títulos de crédito cambiários.

No entanto, nos fundamentos do seu recurso, a impugnante além de invocar o erro de julgamento do facto relativo à entrega e ao recebimento daquelas letras de câmbio – que, na sua perspectiva deve julgar-se provado – alega um outro facto – o pagamento desta letras, facto que, no seu ver, também deve julgar-se demonstrado. Como é bem de ver, uma coisa é a entrega e o recebimento das letras de câmbio – outra, bem diferente, é o seu pagamento.

E a verdade é que o facto do pagamento das letras de câmbio não foi alegado na instância recorrida, fosse pela recorrente fosse pela recorrida. Inversamente, esta última logo tratou de alegar, na tréplica, que não recebeu os montantes de tais letras – artºs 5º, 6º e 23º deste último articulado.

O facto do pagamento das letras de câmbio é, portanto, um facto novo. Ora, como na instância de recurso, não podem ser invocados factos novos que podiam ter sido alegados na instância recorrida, o facto do pagamento das apontadas letras não constitui objecto admissível dele.

Dito doutro modo: o objecto admissível do recurso, designadamente no plano sensível da impugnação da matéria de facto, é apenas o relativo à entrega e recebimento das letras, que, aliás, constituía o único objecto dos enunciados de facto que, no ver da impugnante, foram erroneamente julgados.

Nestas condições, tendo os parâmetros de cognição representados pela decisão impugnada e pelo conteúdo das conclusões do recorrente, a questão fundamental que este Tribunal é chamado a resolver é a de saber se na decisão da matéria de facto o tribunal recorrido incorreu num error in judicando, por erro na apreciação da prova, e, consequentemente, se o julgamento correspondente deve ser modificado, e se a recorrida litigou, na instância recorrida de má fé, devendo, por essa razão, ser condenada em indemnização, a favor da recorrente, no valor de € 80 000,00.

                A resolução deste problema passa, naturalmente, pela abordagem dos parâmetros de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância e dos pressupostos da condenação por litigância de má fé.

                Entre a matéria de facto e a matéria de direito existe uma relação nítida relação de interdependência e de delimitação recíproca, especialmente na sua confluência para a obtenção de uma decisão num caso concreto.

Nestas condições, está indicado que a exposição subsequente se abra com a determinação da exacta natureza da conta-corrente alegada pela recorrente como causa petendi.

3.2. A conta-corrente.

A causa de pedir alegada pela recorrente pode, sem dificuldade reconduzir-se, prima facie, ao contrato comercial de conta-corrente.

Desde que, de harmonia com a sua alegação, ela a recorrida acordaram em que as suas relações comerciais se organizassem através de duas contas-correntes – um conta-corrente de fornecedor e outra de conta corrente cliente, na quais lançavam todos os movimentos de crédito e de débito, sendo apenas exigível o respectivo saldo - deve ter-se por exacta, em face dessa alegação, a conclusão de que entre ambos foi celebrado aquele contrato comercial.

Efectivamente, designa-se por conta corrente o contrato pelo qual as partes se obrigam a lançar a crédito e a débito os valores que entregam reciprocamente no âmbito de uma relação de negócios, exigindo apenas o respectivo saldo final apurado na data do seu encerramento (artº 344 do Código Comercial)[6].

Relativamente à sua natureza, importa notar que se está perante um verdadeiro negócio jurídico: apesar da identidade terminológica, ao contrário da conta-corrente contabilística - que consiste simplesmente num sistema especial diagráfico de escrituração em colunas de crédito e débito - a conta corrente regulada no Código Comercial pressupõe um acordo das partes destinado a produzir efeitos jurídicos próprios que transcendem a mera representação contabilística.

A análise da definição legal do contrato de conta corrente mostra que se teve em vista fundamentalmente determinar o seu objectivo: assinala-se-lhe como finalidade a de permitir a exigibilidade do saldo. Os efeitos do contrato são, depois, objecto de enumeração em disposição autónoma (artº 346 do Código Comercial)[7].

Deste modo, a conta-corrente é antes de mais um contrato.

Este contrato implica desde logo a obrigação assumida pelas partes de manter uma relação negocial sob a forma contabilística duma conta-corrente. Depois, a conta-corrente tem a virtualidade de consignar determinados valores à satisfação de diversos débitos: o credor de parcelas incluídas em conta-corrente é preferencialmente satisfeito, pelo mecanismo da compensação, pela extinção dos seus débitos para com o devedor. Enfim, a conta-corrente tem uma função de crédito: até ao encerramento da conta, as partes poderão ficar, reciprocamente, na situação de devedor e credor.         

O funcionamento do contrato de conta-corrente impõe, por outro lado, que se distinga o encerramento ou fecho da conta e o termo do contrato. O encerramento ou fecho da conta é o facto e o efeito de actuar a compensação acordada, com vencimento do saldo, desaparecendo os créditos e débitos recíprocos, até ao limite da sua concorrência, com o apuramento de um - eventual - saldo, que se torna exigível.

Com o encerramento e liquidação da conta, fixam-se as relações entre as partes e determinam-se, caso exista um saldo, as pessoas do devedor e do credor (artºs 348 e 350 do Código Comercial).

O termo do contrato põe fim ao próprio relacionamento negocial das partes em termos de conta corrente e implica, necessariamente, o encerramento e liquidação da conta (artº 349 do Código Comercial).

Os efeitos do contrato de conta-corrente revelam que esta aglutina, de forma unitária, elementos próprios de diversos contratos. Um contrato de base que faculte diversos movimentos: um acordo no sentido de levar as posições a conta-corrente, em sentido contabilístico; um acordo de compensação e, finalmente, um acordo de reconhecimento do saldo.

Entre os efeitos do contrato avultam, realmente, a compensação recíproca entre os contraentes, até à concorrência dos respectivos créditos e débitos, no termo do encerramento da conta-corrente e a exigibilidade meramente terminal do seu saldo, de tal modo que, durante a sua vigência, nenhuma das partes possa ser havida como credora ou devedora: só com o encerramento da conta-corrente e o apuramento do respectivo saldo se fixa definitivamente a posição jurídica das partes (artº 346, nºs 3 e 4 do Código Comercial).

Todavia, o contrato produz ainda outros efeitos relevantes. Desde logo, a transferência dos créditos inscritos em conta-corrente – sujeita todavia, no caso de títulos de crédito, à cláusula de boa cobrança – depois, o efeito novativo das obrigações de onde emergem esses créditos e, enfim, o vencimento de juros das quantias creditadas em conta-corrente, desde o dia do efectivo recebimento (artº 346 nºs 1, 2 e 5 e § único).

O contrato de conta-corrente importa, pois, a transferência da propriedade do crédito indicado em conta-corrente. Todavia, o lançamento em conta-corrente de títulos de crédito presume-se sempre feito com a cláusula “salva cobrança”, pelo que, por exemplo, o facto de se levar a crédito uma letra de câmbio entregue por uma das partes a outra não significa que a letra tenha sido paga[8].

O objectivo é claramente o de facilitar o funcionamento da conta-corrente, dado que, por força da compensabilidade recíproca, os bens levados a conta corrente devem ter uma expressão monetária, pressupondo-se uma troca por dinheiro: a cobrança do título de crédito é, desde modo, condição – resolutiva – do lançamento.

Decorre deste regime que, no momento do seu encerramento, pode não haver uma coincidência exacta entre o saldo contabilístico e o saldo efectivo, como sucederá, por certo, por exemplo, no caso de ter sido lançado na conta um título de crédito que não tenha sido pago: nessa hipótese, o saldo contabilístico será superior ao saldo realmente exigível.

Assentes estes pontos, torna-se relativamente fácil destrinçar claramente o contrato de conta-corrente do sistema contabilístico ou de escrita em conta-corrente. Esta última é uma simples forma gráfica de contabilidade, um método de dar a conhecer as operações de crédito e débito entre duas pessoas, que se decompõe em três elementos fundamentais: receitas, despesas, saldo.

O contrato de conta-corrente é, por isso, realidade juridicamente distinto do simples processo ou forma contabilística de registo de créditos e débitos recíprocos[9].

Em face dos elementos assinalados que caracterizam o contrato de conta-corrente, na espécie do recurso, deve ter-se por certo, em face da matéria de facto que o tribunal de que provém o recurso julgou provada, que não estamos face a esse típico e nominado contrato comercial – mas simplesmente face a uma conta corrente contabilística.

De harmonia com a decisão da matéria de facto que o tribunal a quo julgou provada – julgamento que nesse ponto não é objecto de impugnação – o acordo da recorrente e da recorrida restringiu-se à organização das suas relações em duas contas em sistema contabilístico de conta-corrente. Todavia, aparte essa obrigação assumida pelas partes de manter a sua relação de negócios sob a forma contabilística de conta-corrente, a matéria de facto é insuficiente para concluir pela verificação dos demais elementos daquele contrato: o acordo de compensação e o acordo de reconhecimento do saldo.

Não estamos, pois, perante um contrato de conta-corrente - mas apenas face a conta-corrente contabilística. As contas-correntes apenas reflectem, de forma gráfica sintética, uma sucessão de actos: não se verifica a existência de um acordo entre a recorrente e a recorrida destinado a produzir efeitos que transcendam a soma das operações retratadas.

Não se surpreende, a par do acordo das partes de levar os débitos e créditos recíprocos a uma conta corrente, em sentido contabilístico, a vontade de compensar uns e outros e de reconhecimento do respectivo saldo.  

De resto, como decorre dos factos apurados cada um das partes elaborou uma conta-corrente que – como resulta patentemente da perícia contabilística – são largamente inconciliáveis, por ausência de coincidência de movimentos entre cada um dessas contas-correntes.

Não havendo, de acordo com os factos apurados, qualquer obrigação, assumida por qualquer das partes, de que as posições de crédito ou de débito de ambas se compensassem reciprocamente, de modo a que aquela que detenha um saldo positivo, o pudesse exigir da outra, pode existir uma conta-corrente contabilística - mas não há, decerto, contrato de conta-corrente, proprio sensu.

Não existindo contrato de conta-corrente mas tão-somente conta-corrente contabilística, o seu fecho não tem a virtualidade de fixar ne varietur o estado das relações jurídicas entre as partes e de operar a compensação - e o consequente efeito extintivo - dos créditos e débitos recíprocos nem de tornar exigível o saldo correspondente.

O saldo contabilístico apurado do registo de débitos e créditos não é suficiente para provar a existência de uns e de outros, competindo a cada uma das partes, de harmonia com as regras gerais de distribuição do ónus da prova demonstrar os elementos fácticos subjacentes às operações de lançamento, que permitam concluir pela existência dos débitos e créditos recíprocos inscritos nas contas (artº 342 nº 1 do Código Civil).

Note-se que esta conclusão vale também para os casos de verdadeiro e próprio contrato de conta-corrente: o lançamento na conta de uma dada operação não faz presumir a sua existência ou conteúdo, devendo antes ser provada de acordo com as regras gerais do ónus da prova, com a consequente correcção da eventual desconformidade entre a situação substantiva e a situação escritural ou contabilística[10].

Apesar disso, é notório que a sentença impugnada, partiu do pressuposto da verificação tanto do acordo de compensabilidade como do acordo de reconhecimento e de exigibilidade do saldo – e, portanto, da conclusão entre as partes do apontado contrato - tanto assim que procedeu à compensação recíproca, entre a recorrente e a recorrida, até à concorrência dos respectivos débitos e créditos e, decerto por considerar exigível o respectivo saldo, favorável à recorrida, julgou parcialmente procedente a reconvenção e condenou uma das autoras e única reconvinda – Caves …, Lda. - no seu pagamento.

E o saldo que considerou exigível foi o apurado pela perícia. Porém, o saldo que esta apurou foi o saldo contabilístico. É o que expressamente decorre tanto do laudo da perícia como dos esclarecimentos prestados, posteriormente pelos peritos.

No relatório da perícia, os peritos foram terminantes e peremptórios na declaração que a diligência tinha por finalidade alcançar o objectivo último que é o saldo contabilísticos entre as partes. E instados, pela recorrida, a esclarecer se tinham apurado que todas as facturas, notas de débito e outros débitos inscritos nas contas corrente da ré foram liquidadas e se o saldo credor das contas correntes da ré foram efectivamente liquidadas só restando aquele saldo, os peritos foram acordes em afirmar que a determinação do saldo foi efectuada com base na informação disponibilizada pelas partes, sendo evidente, como se constata em todo o relatório, a existência de muita informação que não conseguimos provar da sua veracidade, seja ela emitida pela autora seja pela ré e que lhes era completamente impossível responder com a fiabilidade a que estamos obrigados às questões colocadas.

Seja como for, a única coisa que a recorrente discute no recurso é o valor do saldo que julga exigível.

De harmonia com a sua alegação, esse saldo é-lhe favorável em € 424 342,99: o saldo encontrado pela sentença impugnada – em sintonia com a perícia – no valor de € 396,79, favorável à recorrida, só se explica pelo error in iudicando da matéria de facto em que, no seu entender, incorreu o tribunal recorrido no julgamento da matéria de facto.

3.3. Poderes de controlo da Relação sobre a decisão da 1ª instância relativa à matéria de facto.

                A apelação destina-se também a facultar o controlo da decisão do tribunal de 1ª instância relativamente à matéria de facto e pode, de resto, ter por único fundamento um error in judicando dessa matéria.

                É indiscutível a afirmação de que, a par da utilização de um processo justo e interpretação correcta da norma jurídica aplicável, um dos fundamentos de uma decisão justa é o da verdade na reconstituição dos factos objecto do processo.

                De nada vale ao juiz uma compreensão exacta da norma aplicável ao caso se, do mesmo passo, se deixa equivocar na apreciação da matéria de facto. O error in judicando da questão de facto traz consigo, inevitavelmente, um erro de direito; erro esse que, nem por ter aquela causa, resultará menos sensível para os destinatários lesados.

                A reconstrução da espécie de facto, o saber na realidade como as coisas são ou se passaram, quando este conhecimento dependa de elementos de prova cuja apreciação é deixada ao prudente critério do juiz, é uma actividade extraordinariamente delicada – que ele terá de levar a cabo sem nenhuma ou quase nenhuma ajuda, pode dizer-se, da ciência do direito, que, nada ou quase nada, lhe pode dizer[11].

                O controlo efectuado pela Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal da 1ª instância, pode, entre outras finalidades, visar a reponderação da decisão proferida.

                A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e, portanto, substituir - a decisão da 1ª instância se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de facto da matéria em causa ou se, tendo havido registo da prova pessoal, essa decisão tiver sido impugnada pelo recorrente ou se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova (artº 712 nºs 1 a) e b) e 2 do CPC).

                Note-se, porém, que não se trata de julgar ex-novo a matéria de facto - mas de reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, de aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in iudicando[12].

                Mas para que a Relação altere e, portanto, substitua, a decisão da matéria de facto da 1ª instância não é suficiente um qualquer erro. Este erro há-de ser manifesto, ostensivamente contrário às regras da ciência, da lógica e da experiência, que aponte, decisiva e inequivocamente, para o julgamento do facto num sentido diverso daquele que lhe imprimiu o decisor da 1ª instância - e não, simplesmente, que se limite a sugerir ou a tornar provável ou possível esse outro sentido[13].

                A decisão da matéria de facto, respeita, por definição, à averiguação de factos – i.e., a ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos, a qualquer mudança do mundo exterior, ao estado, qualidade ou situação real das pessoas e coisas[14] – e o resultado dessa actividade pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa. Todavia, essa actividade não se traduz num juízo silogístico-formal de subsunção, não é uma operação pura e simplesmente lógico-dedutiva – mas uma formação lógico-intuitiva. A dificuldades que daqui decorrem para o controlo dessa actividade são meramente consequenciais.

                Por último, convém ter presente que o controlo da matéria de facto tem por objecto uma decisão tomada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, i.e., baseada num audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa percepção própria do material que lhe serve de base (artºs 652 nº 3 e 655 nº 1 do CPC)[15].

                Decerto que liberdade de apreciação da prova não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, que essa apreciação há-de ser reconduzível a critérios objectivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente voluntarista, subjectiva ou emocional – mas antes uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e, portanto, capaz de se impor aos outros. Mas não deve desvalorizar-se a circunstância de essa convicção sobre a realidade ou a não veracidade do facto provir do tribunal mais bem colocado para decidir a questão correspondente.

                O procedimento desenvolvido para estabelecer os factos sobre os quais o tribunal deve construir a sua decisão não é puramente cognitivo, o que explica a inevitável relatividade da certeza histórica de um facto que a prova disponibiliza.

                Contudo, esse procedimento, na medida em que assenta num esquema lógico, permite estabelecer uma regra de valoração da prova que se analisa nas proposições seguintes: a valoração da prova é uma operação mental que se resolve num silogismo em que a premissa maior é a fonte ou o meio de prova – o depoimento, o documento, etc. - a premissa menor é uma máxima de experiência e a conclusão é a afirmação da existência ou a inexistência do facto que se pretendia provar; as regras de experiência são juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos. Deste ponto de vista, a única diferença entre um sistema de prova livre e um sistema de prova legal, consiste no facto de na última, a máxima de experiência, que constitui a premissa menor do silogismo, ser estabelecida ou objectivada pelo legislador, ao passo que, no primeiro, se deixa ao juiz a determinação da máxima de experiência que deve aplicar no caso. Em ambos os casos, o método de valoração da prova não deve ser contrário à lógica, devendo antes ser actuado de harmonia com um critério de normalidade jurídica, derivado do id quod plerumque accidit, daquilo que normalmente sucede[16].

                Nestas condições, a apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference. Os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[17].
As provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca do facto a provar, certeza, essa, que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida. Nestas condições, uma prova, considerada de per se ou criticamente conjugada com outras, é suficiente para demonstrar a realidade – não ontológica mas jurídico-prática – de um facto quando, em face dela seja de considerar altamente provável a sua veracidade ou, ao menos, quando essa realidade seja mais provável que a ausência dela.

No julgamento da matéria de facto não se visa o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento, tanto mais que intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes possíveis de erro, quer porque se trata de conhecimento de factos inteiramente situados muitas vezes num passado longínquo, quer porque assenta, as mais das vezes, em meios de prova que, pela sua natureza, se revelam particularmente falíveis. Está nestas condições, notoriamente, por exemplo, a prova testemunhal

                O juiz deve decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis – a realidade ou a inveracidade de um facto – tem menor probabilidade de não ser a correcta.

                É, portanto, à luz destes parâmetros do controlo pela Relação sobre a decisão da matéria de facto, que deve ser reponderado o julgamento dessa matéria efectuado pelo tribunal a quo.

                3.3.1. Reponderação do julgamento da matéria de facto objecto da impugnação.

                O recorrente reputa de mal julgados os factos insertos na base instrutória sob os nºs 27 e 28 – relativos ao valor do saldo – 74 a 76 e 111 e 114, atinentes à entrega e ao recebimento pela recorrida de letras de câmbio aceites por terceiros.

Na resposta aos quesitos 27º e 28º julgou-se provado que as contas-correntes registavam um saldo a favor da recorrida; os demais enunciados foram julgados restritivamente provados, embora a sua resposta só indirectamente possa determinar-se, dada a remissão que opera para os resultados da perícia.

Relembra-se – como se fez notar no momento em que procedeu à delimitação do âmbito objectivo do recurso – que os únicos factos cuja realidade se discute são os relativos à entrega, pela recorrente à recorrida, e o recebimento por esta, das letras de câmbio – e não o facto do seu pagamento, dado que, como também se sublinhou, naquele momento, este último facto não constitui objecto admissível do recurso por não ter sido alegado, como podia, pela recorrente, logo na instância recorrida.

E que provas dá a recorrente para aquele erro de julgamento? Duas: a prova documental; a prova testemunhal, mais exactamente o depoimento da testemunha …, que – como decorre da fundamentação adiantada pelo decisor da 1ª instância para justificar o seu julgamento da questão de facto – foi, no tocante aos quesitos 111º e 114º, francamente depreciado ou desvalorizado.

No caso, está totalmente excluída a possibilidade de proceder à reponderação da decisão da matéria de facto a partir da prova testemunhal produzida. Por esta razão, simples mas sólida: a de essa prova pessoal não ter sido objecto de adequado registo, sonoro ou outro.

Resta, por isso, a outra prova que o recorrente acha que foi mal apreciada e que, no seu ver, inculca o alegado erro de julgamento: a prova documental.

A leitura tanto da decisão da matéria de facto como da motivação adiantada pelo decisor da 1ª instância para justificar o seu julgamento, mostra que a prova que calou fundo no seu espírito, que exerceu no seu ânimo uma impressão decisiva foi a prova pericial, mais exactamente, a perícia contabilística, cujo relatório foi, de resto, tirado por unanimidade.

Deve ter-se por certo que os peritos não ficam propriamente investidos em funções jurisdicionais – sendo simples, embora directos, auxiliares do juiz. O primeiro dever do juiz ao proferir sentença é o de fundamentar a decisão. E para obrigar o juiz a reflectir pessoalmente sobre cada um das razões apresentadas pelas partes, robustecendo a força de persuasão e de pacificação social dos julgados, a lei não hesita em condenar a mera adesão do juiz, como fundamentação da sentença, aos fundamentos alegados, seja no requerimento seja na oposição (artº 158 nº 2 do CPC).

E o que, naquela disposição se prescreve em relação às alegações dos advogados poderá, por igual razão, ou talvez por maioria de razão ser entendido em relação aos fundamentos da perícia. Embora os laudos dos peritos recaiam, as mais das vezes, sobre matérias que escapam ao conhecimento comuns das pessoas e ao conhecimento especializado do juiz, certo é que o juiz, não vinculado aos laudos dos peritos, é sempre o perito dos peritos[18]. Ainda que o laudo dos peritos seja unânime, não e aceitável uma adesão mecânica ao relatório pericial: a sindicância jurisdicional é fundamental para legitimar todo o processo e, claro, a decisão final.

A prova é a actividade destinada à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos (artº 341 do Código Civil). Com a produção de prova visa-se oferecer ao tribunal as condições necessárias para que este forme a sua convicção sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a decisão.

O objectivo ou a finalidade da perícia, tanto de harmonia com o requerimento conjunto das partes como do despacho que a ordenou – documentados na acta da audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 3 de Março de 2008 – era, no caso, esta: o saldo contabilístico entre as partes.

A perícia servia, pois, para determinar este facto particularmente relevante para a decisão da causa: o saldo contabilístico das contas-correntes organizadas pela recorrente e pela recorrida. Nos termos gerais, admite-se, ao lado da função de percepção dos factos, ao lado do perito que se limita a observar ou a captar os factos – percepiendi - o perito que emite juízos de valor sob os factos observados – deducendi - quer dizer, o perito que exerce a função de apreciação técnica dos factos verificados.

O perito trabalha com factos; a sua função típica é captar factos para, em seguida, os apreciar, i.e., emitir quanto a eles um juízo de valor (artº 578 nº 3, 1ª parte, do CPC). Não pode, contudo, negar-se ao perito a faculdade de trazer para o processo dados normativos, especialmente o critério normativo em que se traduzem as regras de experiência.

O facto de na disposição indicada se falar unicamente nos factos, não se segue que o perito seja inibido de invocar ou de se servir dos princípios científicos, artísticos, técnicos ou práticos: ao elaborar o auto o perito é chamado a mobilizar os seus conhecimentos especiais em ordem à apreciação dos factos observados.

Há, contudo, uma categoria de conhecimentos especiais que está fora do círculo de competência do perito: são os conhecimentos jurídicos. Ao perito pede-se a captação e/ou a valoração de factos – e não qualquer apreciação de direito, i.e., qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica.

A perícia constitui, muito simplesmente, um meio de prova, relativamente à qual vale, por inteiro - de harmonia com a máxima segundo a qual o juiz é o perito dos peritos - o princípio da livre apreciação da prova, e, portanto, o princípio da liberdade de apreciação do juiz (artº 389 do Código Civil)[19].

Deste princípio decorre, naturalmente, a impossibilidade de considerar os pareceres dos peritos que procederam á diligência como contendo verdadeiras decisões, às quais o juiz não possa, irremediavelmente, subtrair-se. Uma tal conclusão só se explicaria por um deslumbramento face à prova científica de todo inaceitável e incompatível com os dados, que relativamente à perícia, a lei coloca à disposição do intérprete e do aplicador.

Significa isto que nada impõe que a perícia deva prevalecer, de modo absoluto, sobre qualquer outro meio de prova, ou dito de outro modo, que se lhe deva reconhecer força de prova plena.

Na verdade não deve excluir-se a possibilidade de o perito ou peritos serem induzidos em erro pelos seus sentidos e de, portanto, o resultado da diligência se formar a partir de percepções individuais inexactas.

Estando fora de dúvida que a perícia contabilística é assinaladamente eficaz para esclarecer um facto que interessa à decisão da causa, ainda assim não deve excluir-se, por inteiro, a possibilidade de se censurar o erro dos peritos na produção dessa prova, opondo-lhe outros meios idóneos para rectificar percepções individuais erróneas e para corrigir equívocos ou a violação, na valoração dos resultados a que a diligência os conduziu, de regras de ciência, de lógica ou de experiência.

Agora, convém não esquecer o peculiar objecto a prova pericial: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº 388 do Código Civil).

Maneira que à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal. Deste modo, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz – já o juízo técnico ou científico que encerra o parecer pericial, só deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente técnica ou científica. Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que entenda afastar-se do juízo técnico científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva[20] (artº 653 nº 2 e 659 nº 2, in fine, do CPC). Dever que deve ser cumprido com particular escrúpulo no tocante a juízos científicos dotados de especial densidade técnica ou obtidos por procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida[21].

Não deve, portanto, confiar-se, de forma ilimitada, no efeito prático do ditame de que o juiz é o perito dos peritos. Dado que a prova pericial supõe a insuficiência de conhecimentos do magistrado, é difícil que este se substitua inteiramente ao perito para refazer, por si, o trabalho analítico e objectivo para o qual não dispõe de meios subjectivos. Isto significa que, a não ser que sobrevenham novos e seguros elementos de prova, maxime, uma nova perícia, a liberdade do juiz não o autoriza a estabelecer, sem o concurso dos peritos, as razões da sua convicção.

Por mais que se afirme a máxima de que o magistrado é o perito dos peritos, a hegemonia da função jurisdicional em confronto com a função técnica e se queira defender o princípio da livre apreciação, não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente na decisão da causa. Foi, de resto, exactamente isso que sucedeu na espécie do recurso.

Decorre do relatório da perícia, que os peritos foram acordes, nas observações – constantes do anexo 3, folhas 2/2 – em mencionar letras aceites por … endossadas à R. – Doc. 907/910 pagas no vencimento conforme informação do aceitante no processo – Doc. 843 e A Ltº 102 do A Ltº constam mais quatro letras de 1 128 170$00 de que não foi feita prova.

Dito doutro modo: das oito letras, com aceite de … que a recorrente alegou terem sido entregues e recebidas pela recorrida, a perícia não considerou quatro delas: as que ostentam como data do vencimento 15 de Maio, 15 de Junho, 15 de Julho e 15 de Agosto de 1997. A razão de uma tal opinião dos peritos radica, parece, no facto de o processo não fornecer prova daquelas letras.

Todavia, tais letras, sacadas por Caves … Lda., aceites por … e endossadas, em branco, pela primeira, mostram-se juntas, por fotocópia, a fls. 1420 a 1431. Estes documentos conjugados com aquele que a recorrente ofereceu logo com a petição inicial, incluso a fls. 108 - o aviso de lançamento nº 2926, datado de 25 de Fevereiro de 1997, para crédito de conta corrente dirigido à recorrida, relativo ao endossos das oito letras – convencem, realmente, para além de qualquer dúvida que se deva ter por razoável, da veracidade dos factos objecto dos quesitos 74º a 76º, que, por essa razão devam julgar-se provados sem qualquer restrição.

Quanto a este ponto, há realmente motivo, para concluir pelo erro de julgamento que a recorrente aponta à decisão da matéria de facto e para fazer prevalecer a prova documental em detrimento da prova pericial.

Perguntava-se nos quesitos 111 e 114 se no ano de 1998, a autora entregou à ré dez letras de câmbio aceites em branco por …, de valor de 8 000 000$00, cada uma, e se a última as recebeu. Estes quesitos mereceram do tribunal da audiência uma resposta restritiva puramente indirecta, dado que julgou provado apenas o que consta das respostas aos quesitos 27.º e 28.º e, bem assim, que ocorreram todos os movimentos a que se reporta o Anexo 3 (movimentos comprovados) do relatório de perícia constante de fls. 2572 dos autos, que deu por reproduzido.

A autora juntou, logo com a petição inicial, um documento – inserto a fls. 185 – representativo do aviso de lançamento nº 3281, datado de 17 de Abril de 1998, para crédito da conta corrente, relativo à entrega de dez letras em branco, no valor de unitário, 8 000 000$00, aceites por …, com vencimentos mensais de 30 de Março a 30 de Dezembro de 1999. Posteriormente, como decorre de fls. 2201 a 2212, a recorrente procedeu à junção de uma certidão extraída de processo-crime pendente no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Moita, da qual consta cópia daquelas letras, aceites por …, e uma carta, subscrita por este, datada de 30 de Março de 1998, dirigida à Caves … Lda., na qual declara que é do meu conhecimento, e não me oponho, que as referidas letras irão ser endossadas em branco, à firma ... Estes documentos – conjugados com a declaração, inclusa a fls. 760, subscrita pelo gerente da ré, …, datada de 17 de Abril de 1998, na qual este declara que recebemos nesta data 10 letras de Esc. 8 000 000$00 cada, com vencimentos mensais de 30.03.99 a 30.12.99, aceites de …, no total de Esc. 80 000 000$00, que destinam a crédito da conta - inculcam a realidade dos factos objecto dos quesitos 111º e 114º - quer dizer que a recorrente entregou à recorrida, e esta recebeu, aquelas letras.

Também quanto a este ponto, deve, na verdade assentar-se no erro de julgamento que a recorrente aponta à decisão da matéria de facto e para fazer prevalecer a prova documental em detrimento da prova pericial.

Para o que a prova não é suficiente é para julgar provado este outro facto, ainda que ele tivesse sido alegado: que tais letras foram pagas à recorrida, que esta recebeu a quantia pecuniária inscrita em cada uma delas. Deste facto não há qualquer prova documental e, por virtude de a prova testemunhal produzida na audiência não ter sido objecto de registo, a veracidade dele não pode ser estabelecida por força do meio de convicção e esclarecimento alegado pela recorrente: o depoimento, prestado naquela audiência, pelo aceitante, ...

Porém, a verdade é que o apontado error in iudicando daqueles pontos de facto – e a consequente modificação da decisão da matéria de facto correspondente – não decorre a conclusão de que o saldo final da conta-corrente lhe seja favorável em € 424 342,99, correspondente à diferença do valor das apontadas letras – 85 152 680$00 – subtraído do valor do saldo achado pelos peritos e julgado provado pelo tribunal a quo, nas respostas aos pontos de facto insertos na base instrutória sob os nºs 27 e 28 – 79 549$50.

Nos termos gerais, não pode entender-se que, com a subscrição ou com entrega de uma letra, fique extinta, por novação, a obrigação fundamental: a novação supõe uma declaração de vontade inequívoca no sentido de extinguir uma obrigação e constituir outra em seu lugar, o que não acontece, em regra, com a subscrição de uma letra, ainda que exista um obrigação subjacente entre as partes (artº 859 do Código Civil). A vontade das partes não é novar a obrigação – mas constituir ao lado da obrigação já existente, uma outra, isto é ao lado da obrigação causal ou fundamental, uma obrigação cambiária, a qual não é dada em cumprimento – in solutum – mas só pro solvendo ou em função do cumprimento (artº 850 do Código Civil).

                Na falta de uma clara vontade nesse sentido, não ocorre uma novação ou dação em cumprimento – datio in solutum – mas uma simples dação pro solvendo, quer dizer a constituição de uma obrigação cambiária destinada a facilitar ao credor a satisfação do seu crédito (artº 840 do Código Civil)[22].

                Desde que não haja intenção de, ao subscrever a letra, novar a obrigação fundamental, destinando-se a nova obrigação cambiária a facilitar ao credor a realização do seu crédito – dação pro solvendo ou em função do cumprimento – o propósito das partes não é cercear os direitos do credor mas aumentá-los, dando-lhe, além do que já tinha, um novo crédito – o crédito cambiário – que, pelas garantias de que está cercado, é susceptível de lhe dar um meio mais ágil e seguro de obter a satisfação do seu direito.

                Nestas condições, dado que o devedor efectua uma prestação diversa da devida, para tornar mais fácil ao credor a realização do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito, e na medida em que o for (artº 840 nº 1 do Código Civil). E como a dação tem por objecto a assunção de uma nova dívida, presume-se feita nesses termos, i.e., pro solvendo, presunção especialmente importante no caso de entrega de uma livrança, de uma letra ou de um cheque (artº 840 nº 2 do Código Civil).

                A dação tem, pois, a vantagem de facilitar ao credor a satisfação do seu direito, sem perder os benefícios do seu crédito. Nestas condições, a vontade usual das partes parece ser a de que o credor procure primeiro a sua satisfação através da coisa ou direito prestados pro solvendo, dado que, fazendo a dação, quererá, em regra, que o credor se pague por esse meio e este o aceita.

                Se o devedor entrega a letra com a convenção de que a dívida se extingue com a emissão dela, há novação. Na dúvida, porém, deve admitir-se que a nova dívida é contraída pro solvendo e não pro solutum, caso em que o credor fica com dois créditos, mas é obrigado, segundo a vontade presumida das partes, a procurar, primeiro, a sua satisfação pelo novo crédito.

                A dação pro solvendo é, afinal, um mandato conferido pelo devedor ao credor para liquidar o crédito dado: se o credor exigir ao devedor o cumprimento da obrigação originária, pode este opor que aquele é obrigado a procurar primeiro a sua satisfação pelo direito ou coisa prestada pro solvendo; se, porém, o contrário não resultar da convenção, pode o credor, oferecendo a restituição do objecto da dação, afastar a excepção, visto que a dação pode presumir-se feita principalmente no seu interesse.

No fundo, é esta razão que explica que, mesmo no contexto de uma verdadeiro contrato de conta-corrente sempre que o lançamento tenha por objecto um título de crédito, se presume que foi feito com a cláusula “salva cobrança” e, portanto, sob a condição resolutiva da sua cobrança.

Na espécie do recurso, se pode dar-se por demonstrado que a recorrente transmitiu à recorrida as mencionadas letras de câmbio, a verdade é que, por nem sequer ter sido alegado, não deve ter-se por provado o seu pagamento – o mesmo é dizer, o recebimento pela recorrida dos valores nelas inscritas. Portanto, ainda que o movimento correspondente devesse ser levado à conta-corrente – e se tratasse de um verdadeiro e próprio contrato de conta-corrente – dele não resulta o saldo alegado pela recorrente.

Este argumento vale, por maioria de razão, para o caso, que é o recurso, de se tratar, simplesmente, de contas-correntes contabilísticas, dado que mesmo nesse caso a entrega das letras de câmbio se resolveria sempre numa simples dação pro solvendo, continuando a reclamar-se a prova de que a contraparte obteve, através do título, a satisfação do crédito, provocando assim a extinção do débito correspondente. E neste caso, sempre seria exigível a prova autónoma da vontade de compensar, dado que, tratando-se de contas-correntes meramente contabilísticas, a compensabilidade de créditos e débitos – ao contrário do que sucede no contrato de conta-corrente – não constitui um efeito necessário.

Todas as contas feitas, a conclusão a tirar é portanto, a que não há razão para que se deva concluir pela existência do saldo exigível alegado pela recorrente e, portanto, para lhe reconhecer o direito a exigir da recorrida a quantia correspondente.

No tocante à pretensão material da recorrente, o recurso não deve, pois, proceder.

Resta, portanto, verificar se há motivo para lhe reconhecer a pretensão processual que actua no recurso: a condenação da recorrida, por litigância de má fé, em indemnização, que a apelante computa, por aplicação de uma espécie de quota litis, em € 80 000,00.

3.4. Litigância de má fé.

Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, as partes estão adstritas a um dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos (artºs 266, 266-A e 456 nºs 1 e 2 a) a e) do CPC).

                A infracção do dever de honeste procedere pode, pois, resultar de uma má fé subjectiva, se é aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objectiva, se resulta a violação dos padrões de comportamento exigível.

                O dever de cooperação assenta, quanto às partes, no dever de litigância de boa fé (artº 266-A do CPC). Sobre as partes recai um dever de verdade, não como mero dever moral - mas como verdadeiro dever jurídico. Insiste-se neste ponto, uma vez que a observação da realidade judiciária, mostra que as partes parecem, às vezes, comportar-se como se lhes fosse inexigível o cumprimento do dever de verdade ou mesmo como se lhes assistisse um direito de mentir, que servisse como causa justificativa da falsidade.

                Note-se, no entanto, quanto ao dever de verdade, que ele apenas implica a obrigação para a parte de apresentar os factos tal como, em sua opinião, eles ocorreram, de modo que, para aferir a boa fé da parte o que releva é, portanto, uma verdade subjectiva, dado que só litiga de má fé a parte que alega o que não conhece ou que omite o que conhece.

                A litigância de má fé apresenta especificidades quer quanto à conduta sancionada, quer quanto à culpa e quanto às consequências.

                No tocante à conduta reprimida, comporta três tipos de actuação substancial e uma de conduta processual. Tem a ver com a primeira a dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não se deva ignorar, a alteração dos factos ou a omissão de factos relevantes para a decisão da causa e a omissão grave do dever de cooperação (artº 456 nºs 2 a) a c) do CPC); no domínio da conduta processual, o tipo legal relata um uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, com um de três fins: conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, protelar, sem fundamento sério o trânsito em julgado da decisão (artº 456 nº 2 d) do CPC).

                Portanto, a má fé processual tanto pode ser substancial como instrumental. É substancial se a parte infringir o dever de não formular pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa (artº 456 nº 2 a) e b) do CPC); é instrumental nos casos restantes (artºs 456 nºs 1 e 2 c) e d) e 720 do CPC).

                O dano não é pressuposto da má fé: castiga-se a litigância de má fé independentemente do resultado; apenas releva o próprio comportamento mesmo que, pelo prisma do prevaricador, ele não tenha conduzido a nada[23].

                Só se penaliza a conduta cometida com dolo ou com negligência grave[24]; a negligência comum não releva. Além disso, o alargamento da relevância da negligência grave ou grosseira restringe-se às prevaricações substanciais (artº 456 nº 2 d) do CPC); nas processuais apenas releva o dolo[25].               

                A litigância de má fé opera oficiosamente; apenas a indemnização – que está sujeita a regras mais restritivas de que o princípio geral do direito das obrigações – exige um pedido da parte[26] (artº 456 nº 1 e 457 do CPC e 562 e ss. do CC)[27].

A indemnização deve ser fixada na própria acção, não podendo a sua liquidação se relegada para momento ulterior[28] e pode ser simples ou agravada (artº 457 nº 1 b), 2ª parte, in fine, do CPC). É simples quando consiste apenas no reembolso das despesas a que a má fé obrigou a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos (artº 457 nº 1 a) do CPC); é agravada quando consiste no reembolso daquelas despesas e na satisfação dos demais prejuízos sofridos pela parte contrária (artº 457 nº 1 b) do CPC). A opção pela indemnização limitada ou plena cabe ao tribunal que deve, na escolha, ter em conta, por exemplo, a intensidade do dolo da negligência do litigante de má fé (artº 457 nº 1 b), 2ª parte, do CPC).

 A multa processual tem por limite mínimo 0,5 UC e por limite máximo 5 UC, excepto em casos excepcionalmente graves, em que pode elevar-se até 10 UC e a fixação do quantum deve ocorrer sempre sob o signo estrito do princípio estrito da proibição de excesso, na sua composição tripartida de exigência de adequação, necessidade e de proporcionalidade ou de justa medida (artº 27 nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais, ex-vi artº 27 nº 3 c) do DL nº 34/2008, de 26 de Fevereiro)[29].

A situação económica do litigante de ma fé deve ser considerada na determinação do valor da multa, mas nenhuma influência deve exercer sobre a questão da indemnização: quando a esta releva apenas a conduta do litigante.

Sempre que a indemnização compreenda, por exemplo, os honorários do advogado, a parte que a pede – e a decisão que a fixa – deve naturalmente individualizar os critérios que presidiram à fixação do seu valor.

É claro que o mandato forense exercido pelos Exmos. Advogados dos apelados se presume oneroso quando é exercido no âmbito da sua profissão[30] (artºs 1157 e 1158 nº 1 do Código Civil).

Sendo o mandato oneroso, ao mandatário assiste o direito à remuneração devida pela execução do mandato, remuneração que, quanto à sua medida, não havendo acordo das partes, é determinada pelas tarifas profissionais, na sua falta, pelos usos, e na falta daquelas tarifas e destes usos, por juízos de equidade (artº 1158 nº 2 e 1167 b), 1ª parte, do Código Civil). Relativamente ao advogado, aquela medida, ou melhor, os seus parâmetros, são dadas pela sua lei estatutária (artº 100 nºs 1 a 3 do EOA, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro).

Nestas condições, na falta de ajuste prévio, a fixação dos honorários obedece aos seguintes parâmetros: a importância dos serviços prestados; a dificuldade e urgência do assunto; a importância do serviço prestado; o grau de criatividade intelectual da sua prestação; o resultado obtido; o tempo dispendido; as responsabilidades assumidas pelo advogado e os demais usos profissionais (artº 100 nº 3 do EOA).

A lei estatutária actual, ao contrário da anterior - o DL nº 84/84, de 16 de Maio - sucessivamente pela Lei nº 6/86, de 26 de Março, pelos DL nºs 119/86, de 29 de Maio e 325/88, de 23 de Setembro e pelas Leis nºs 33/94, de 6 de Setembro, 30-E/2000, de 20 de Dezembro e 80/2001, de 20 de Julho – entretanto revogado pela Lei nº 12/2005, de 26 de Janeiro de 2005 (artº 206) – não individualiza, como parâmetros de determinação dos honorários do advogado a praxe do foro e o estilo da comarca, nem impõe ao menos explicitamente, ao advogado, na fixação do seu valor, um dever de moderação[31] (artº 65 nºs 1 e 4 do DL nº 84/84, de 16 de Maio).

É lícito, porém, ao advogado ajustar previamente com o se cliente os honorários que lhe são devidos pelo exercício do patrocínio, mas proíbe-se que o acordo consista numa quota litis[32] ou torne o direito à remuneração dependente dos resultados da demanda ou do negócio.

Maneira que, numa indemnização por má fé que tenha por objecto os honorários devidos ao advogado da parte contrária pelo exercício do mandato forense, compete a esta parte alegar e fazer a prova da existência de acordo sobre valor dos honorários e, na falta desse acordo, ou de prova dele, recai sobre essa mesma parte o ónus de alegar e demonstrar todos os factos relevantes para uma adequada concretização e densificação dos critérios legais de fixação desses mesmos honorários[33].

Não é, por isso, sequer suficiente, para uma justa fixação do seu valor, aludir ao conjunto das tarefas que o mandato envolveu, importando fazer a prova do tempo dispendido, da complexidade do processo ou das actividades realizadas, dos usos profissionais, do nível de honorários praticados e da condição económica do mandante, para se concluir da sua importância e dificuldade e do esforço dispendido pelo advogado[34].

Só uma alegação com um tal grau de especificação permitirá ao juiz julgar da razoabilidade do valor dos honorários pedidos, a título de indemnização, e o uso, se for caso disso, da faculdade de redução dos honorários apresentados aos justos limites (artº 457 nº 2, in fine, do CPC).

Estas considerações valem, mutatis mutandis, relativamente a qualquer outro dano ou despesa que indemnização pela litigância de má fé deva reparar.

Sublinha-se este ponto, dado que a recorrente não individualiza sequer o dano que deva ser reparado com a indemnização – de valor extraordinariamente elevado – que julga ser-lhe devida.

Um dos corolários mais relevantes do princípio instrumental do dispositivo - que determina que o processo se encontra na disponibilidade das partes – é decerto o da disponibilidade privada sobre o objecto desse processo que, por sua vez, determina que incumbe às partes à definição desse objecto e a realização da prova dos respectivos factos.

O princípio da disponibilidade privada implica, assim, dois ónus distintos: o ónus de alegação, que respeita à invocação dos factos integrantes da causa de pedir ou da excepção, e o ónus de prova, que se refere à realização da prova desses factos se os mesmos forem controvertidos (artºs 342 e 346 do Código Civil e 516 do CPC)

Simplesmente, do facto de uma parte não ter conseguido livrar-se do ónus da prova que a vincule, relativamente à causa petendi alegada ou à excepção invocada, não decorre, como corolário que não possa ser recusado, que adulterou a realidade de que tinha necessário conhecimento, alegando, por exemplo, um conjunto de factos inteiramente supostos.

                A circunstância de a parte não ter demonstrado um facto ou factos que tenha alegado, não é, inelutavelmente, sinónimo de violação do dever de verdade, antes constitui, frequentemente, simples consequência do carácter contingente - e mesmo aleatório – da prova[35].

A litigância de má fé deve deixar incólume o direito das partes de discutirem e interpretarem livremente os factos. Assim, não é suficiente, para que a parte seja irremediavelmente considerada litigante de má fé, uma qualquer divergência ou desarmonia entre os factos, tal como a parte os descreve e como, ulteriormente, vêm a ser julgados provados e qualificados[36].

Entendimento diverso conflituaria, nitidamente com o direito, de matriz constitucional, de acesso ao direito e, no caso, importaria, inelutavelmente a condenação da recorrente como litigante de má fé, visto que também ela não demonstrou todo um conjunto de factos em que alicerçou a sua pretensão material – que, aliás, não lhe deve ser reconhecida.

O processo tem por objecto uma relação comercial que se desenvolveu entre as partes ao longo de vários anos e que se desmultiplicou numa constelação inextricável de operações, sem que as partes – como a perícia notou – tivessem o cuidado de as documentar contabilisticamente, com obediência estrita dos princípios da fidelidade, inteligibilidade, relevância, fiabilidade e comparabilidade. Esta circunstância tornou extraordinariamente complexa desde logo a alegação dos factos relevantes, integrantes das causas de pedir e das excepções, a impugnação dos factos alegados e, o que é mais, a sua prova, feita, fundamentalmente, por recurso a sucessivas junções de documentos avulsos de conciliação mais que problemática – que explicam as 3 000 folhas do processo – e, em muitos casos, de relacionamento difícil com as operações que visavam documentar, que explica a metodologia e as reticências dos peritos.

Decerto que a recorrida – tal como a recorrente – não demonstrou toda um conjunto de factos quer da causa de pedir da reconvenção quer da defesa que deduziu contra aquela que foi alegada pela recorrente. Mas disso não decorre, como corolário que não possa ser recusado, que tenha violado, dolosamente ou com uma negligência agravada, o dever de honeste procedere que, irrecusavelmente, a vincula.

Não há, assim, razão para que se deva estigmatizar a recorrida – ou a recorrente – com o ferrete da má fé.

Apesar da modificação, nos termos referidos, da decisão da matéria de facto, a recorrente sucumbe, afinal, no recurso. Deverá, por força dessa sucumbência, satisfazer as custas dele (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos:

a) Julga-se o recurso extinto, por inutilidade superveniente, no segmento relativo à condenação da recorrente nas custas da reconvenção;

b) Modifica-se a decisão da matéria de facto, no tocante às repostas aos enunciados de facto inclusos na base instrutória sob os nºs 74 a 76, 111 e 114, nos termos supra referidos;

c) Declara-se, no mais, o recurso improcedente.

Custas do recurso pela recorrente.

                                                                                                                                                            

                                                                                                                                             Henrique Antunes

                                                                                                                                             Regina Rosa

                                                                                                                                             Artur Dias


[1] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.03.96, CJ, 96, II, pág.24.
[2] Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, Lisboa, 1994, pág. 138 e ss., e Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra, 2009, págs. 50 e 51, Freitas do Amaral, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, Coimbra, 1981, pág. 227 e ss.
[3] A afirmação de que os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova constitui jurisprudência firme. Cfr., v.g., Acs. STJ de 14.05.93, CJ STJ, 93, II, pág. 62 e RL de 02.11.95, CJ, 95, V, pág. 98.
[4] Ac. STJ de 23.03.96, CJ, 96, II, pág. 86.
[5] Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág. 81.
[6] Mário de Figueiredo, Contrato de Conta Corrente, Coimbra, 1923, pág. 6, nota 1; Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial, Vol. II, 1916, pág. 340 e J.G. Pinto Coelho, RLJ ano 82, pág. 197; Acs. da RP de 28.04.09 e da RL de 16.06.11.
[7] António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3ª edição Almedina, Coimbra, 2006, págs 420 e 421,
[8] Ac. do STJ de 09.03.54, BMJ nº 42, pág. 362.
[9] Acs. RE 14.03.96, CJ, II, pág. 273, do STJ 12.06.86, BMJ nº 358, pág. 558, da RP 24.05.84, BMJ nº 337, pág. 410, STJ 05.11.63, BMJ nº 131, pág., 414, e da RL 29.01.69, JR, V, pág. 43.
[10] Ac. do STJ de 03.07.08, www.dgsi.pt.
[11] Manuel de Andrade, Sentido e Valor da Jurisprudência, BFDUC, Vol. LVIII, 1972, pág. 227.
[12] Ac. STJ de 14.03.06, CJ, STJ, XIV, I, pág. 130, e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 271.
[13] Acs. da RL de 10.11.05 e de 19.02.04, www.dgsi.pt. e Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 150.
[14] Ac. do STJ 08.11.95, CJ, STJ, 95, III, pág. 293 e da RP de 20.02.01, www.dgsi.pt.
[15] Ac. do STJ de 29.09.95, www.dgsi.pt.
[16] Juan Montero Aroca, Valoración de la prueba, regras legales, Quaderni de “Il giusto processo civile”, 2, Stato di diritto e garanzie processualli, a cura di Franco Cipriani, Atti delle II Giornate internazionali de Diritto processualle civile, Edizione Scientifiche Italiene, 2008, págs. 44 e 45.
[17] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.
[18] Acs. da RL de 17.07.09 e de 14.05.09 e da RG de 19.02.09, www.dgsi.pt.
[19] Acs. da RP de 29.03.93 e da RE de 11.11.94, BMJ nºs 425, pág. 627 e 441, pág. 421. Cfr., contudo, em sentido aparentemente contrário, o Ac. da RP de 29.4.98, BMJ nº 476, pág. 489.
[20] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 263 e 264.
[21] Carlos Lopes do Rego, O Ónus da Prova nas Acções de Investigação da Paternidade: Prova Directa e Indirecta do Vínculo da Filiação, in, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra Editora, 2004, págs. 789 e 780.
[22] Vaz Serra, RLJ Anos 101 e 111, págs. 340 e 68, respectivamente; Ferrer Correia, Lições Direito Comercial, Vol. III, Títulos de Crédito, Coimbra, 1975, pág. 60 e José de Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Vol. III, Títulos de Crédito, Lisboa, 1982, págs. 234 a 236.
[23] Ac. da RE de 21.03.00, BMJ nº 495, pág. 381.
[24] Que é entendida como a imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um. Cfr., v.g., o Ac. do STJ de 06.12.01, www.dgsi.pt., portanto, em termos muito restritivos.
[25] Ac. da RL de 4.05.00, BMJ nº 497, pág. 433. Comparativamente com o regime anterior – artºs 456 nº 3 e 457 nº 1 b) do CPC de 1961 – e à corrente maioritária da jurisprudência – v.g. Acs. da RP de 26.02.90, BMJ nº 394, pág. 528, do STJ de 16.04.91, ActJ, 18 (1992), pág. 17 e RP de 14.11.94, CJ, 94, V, pág. 264 – alargou-se justificadamente o âmbito da má fé processual aos casos de negligência grave. Basta assim, uma falta grave de diligência para justificar a má fé da parte.
[26] É, porém duvidoso, se esse pedido só pode ser feito no processo em que a litigância de má fé tem lugar. Neste sentido, Acs. da RC de 22.04.94 e 27.5.97, BMJ nºs 434, pág. 701 e 467, pág. 637, respectivamente; contra, porém, sustentando a possibilidade de a parte de boa fé poder intentar acção autónoma - onde é possível apreciar, ou não, a existência de responsabilidade civil da parte deduziu pretensão infundada ou litigou incorrectamente, causando com isso danos – cujo objecto seja a apreciação da má fé da contraparte em processo com decisão passada em julgado, Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual por Litigância de Má fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados no Processo, Almedina, Coimbra, 2006, págs. 65 e 66 e Ac. do STJ de 26.02.35, RLJ, Ano 67, pág. 360.
[27] Por tudo isto, a má fé surge, assim, como um instituto processual, de feição pública e que visa o imediato policiamento do processo. Não se trata de uma manifestação de responsabilidade civil que pretenda suprimir danos ilícita e culposamente causados a outrem, através de actuações processuais. Esta razão explica a parca aplicação jurisdicional do instituto. Preocupados com uma pax processual imediata e confrontados com a estrita configuração legal do instituto, os tribunais só em casos absolutamente gritantes aceitam sancionar a litigância de má fé. Cfr. António Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa in Agendo, 2006, pág. 29.
[28] Ac. da RC de 12.12.98, BMJ nº 482, pág. 304.
[29] Este princípio da proporcionalidade possui um claro fundamento constitucional. A faculdade de impor uma multa processual, estabelecida no artº 456 nº1, às partes representa, evidentemente, uma agressão a um património alheio e, portanto, ao direito de propriedade constitucionalmente consagrado, pelo que uma interpretação conforme à constituição daquele preceito, impõe o respeito da proporcionalidade consagrada no artº 18 nº2 da CRP quanto às restrições aos direitos, liberdades e garantias (artº 62 nº 1 da CRP). Além disso, a actividade dos tribunais – particularmente àquela que possui carácter sancionatório – é aplicável, pelo menos por analogia, o princípio da proporcionalidade imposto pelo artº 266 nº 2 da CRP aos órgãos e agentes da administração.
[30] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 74.
[31] Mas essa moderação é tanto mais exigível quanto é certo que no ordenamento jurídico português vigora em matéria de custas, ainda que de forma limitada, a chamada american rule – segundo a qual a parte que perde a acção não tem de reembolsar as despesas efectuadas pela parte vencedora (artºs 33, 40 e 41 do CC Judiciais).
[32] Este sistema de fixação da remuneração do advogado em função das horas gastas por esse mandatário na preparação e defesa da acção e não segundo a percentagem do montante obtido na acção - contingent fee - que pode ser entendido como a contrapartida da existência de um sistema público de apoio judiciário, não é isento de inconvenientes, dado que premeia o esforço em vez do resultado, embora também não deixe de ser verdade que o sistema da contingent percentage conduz a que o advogado invista menos do que seria necessário para conseguir a maior probabilidade de êxito na acção. Note-se, que a proibição da quota litis não tem por ratio a tutela do ciente - mas do advogado.
[33] Ac. do STJ de 24.04.11, www.dgsi.pt.
[34] Ac. do STJ de 29.09.09, www.dgsi.pt.
[35] Ac. do STJ de 28.05.09, www.dgsi.pt.
[36] Acs. do STJ de 09.07.98, 27.02.03 e 05.05.05, www.dgsi.pt e Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 353.