Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
649/07.0TBMGL-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: CONFIANÇA JUDICIAL DE MENOR
ADOPÇÃO
Data do Acordão: 03/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MANGUALDE – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1978º, Nº 1, DO C. CIV.; DEC. LEI Nº 185/93, DE 22/05; LEI Nº 147/99, DE 01/09 (LPCJP)
Sumário: I – As finalidades subjacentes à aplicação de medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e jovens em risco assentam primordialmente na necessidade de afastar o perigo em que os menores se encontram e proporcionar-lhes as condições que permitam proteger a sua segurança, saúde, formação e educação, bem-estar físico e desenvolvimento integral (als. a) e b) do artº 34º da LPCJP).

II – A confiança judicial do menor com vista à adopção foi introduzida no nosso sistema jurídico através do D. L. nº 185/93, de 22/05, e representa uma alteração substancial do anterior regime que no artº 1978º do CC regulava a declaração de “estado de abandono”.

III – Nos termos do actual artº 1978º do CC (na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 31/2003, de 22/08), para que se decrete a medida de confiança judicial a casal, pessoa singular ou instituição, é necessária a demonstração de inexistência ou que se encontram seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, através da verificação objectiva – independentemente de culpa na actuação dos pais – de qualquer uma das situações enunciadas no nº 1 do artº 1978º do CC.

IV – O perigo a que se alude na al. d) do nº 1 do artº 1978º do CC é aquele a que se faz referência no nº 3 deste mesmo preceito: “considera-se que o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e promoção dos direitos dos menores”.

V – O artº 3º, nº 1, da Lei nº 147/99 preceitua que “a intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais … ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem e que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra.

1. Relatório

                A Magistrada do Ministério Público nos termos do disposto nos artigos 3º, 1, 2, c) e e), 35º, 37º, 72º, 3, 74º à contrário, 79º, 1, 2, 80º, 92º e 105º, nº 1, todos da Lei nº 147/99, de 1.9 e 3º, 1, a), 5º, 1, c) da Lei nº 60/98, de 27.8 e por apenso ao processo de promoção e protecção nº 649/07.0TBMGL do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Mangualde veio requerer o seguinte: No dia 8 de Junho de 2010 nasceu no Hospital Distrital de ... A..., filho de B... e de C..., residentes no .... Como fluiu da informação que integra o processo de promoção e protecção nº 649/07.0TBMGL do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Mangualde e seus apensos os pais deste bebé recém-nascido não reúnem condições psíquicas nem de estabilidade emocional para cuidarem dos seus outros filhos e por conseguinte não reúnem condições para cuidarem do bebé A... que se encontra nos serviços de Neonatologia dos Serviços de Pediatria do Hospital Distrital de ..., bebé agora nascido e que se encontra numa situação de perigo de harmonia com a definição contida no artigo 3º, nºs 1 e 2, alíneas a), b), c) e e) da LPCJP.

                Impõe-se a aplicação provisória de uma medida de promoção e protecção de entre as elencadas no artigo 35º da citada Lei, de molde a afastá-lo do perigo em que se encontra e a proporcionar-lhe condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação e educação – artigo 34º da LPCJP, propondo-se que seja decretada a sua permanência na Maternidade do Hospital Distrital ... em ..., onde se encontra à guarda e cuidados do Exmo. Director de tal unidade, requerendo que seja proferida decisão no prazo de 48 horas. Aplicando-se a medida provisória de promoção e protecção a favor do menor, nomeadamente aquela que se propôs – artigos 35º, nº 1, alínea f), 37º e 92º da LPCJP.


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                Conclusos os autos, foi proferida a decisão de folhas 7 que depois de equacionar os fundamentos estruturantes da decisão, acolheu a promoção do Ministério Público e determinou nos termos conjugados do preceituado nos artigos 3º, nºs 1 e 2, alíneas c) e e), 34º, 35º, nº 1, alínea f), 37º e 92º da LPCJP que a título provisório e urgente o menor A..., nascido a 4 de Junho de 2010 permanecesse no Serviço de Neonatologia do Hospital Distrital de ... à guarda e cuidados do Exmo. Director até que seja definida uma instituição que o possa acolher.

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Declarada aberta a instrução do processo e sublinhado o seu carácter de urgente designou-se dia e hora para audição dos pais do menor, bem como das pessoas indicadas pelo Ministério Público na parte final da sua promoção.

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                Juntou-se aos autos a certidão de nascimento do menor – folhas 22 – e conforme acta de promoção e protecção de folhas 27 a 31 procedeu-se à audição das pessoas indicadas.

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                Foram os autos com Vista ao Ministério Público que promoveu:

                Como medida provisória urgente e ao abrigo do disposto no artigo 37º do LPCJP, requeiro que seja decretada a retirada imediata do menor do Hospital Distrital de ... em ... e a sua entrega à Segurança Social para colocação numa instituição – C.A.T. – até que seja decretada uma medida definitiva – artigo 35º, nº 1, alínea f) da LPCJP (…).

                Esta promoção veio a ser acolhida pelo Exmo. Juiz conforme emana o despacho de folhas 33 datado de 05.07.2010 escorando-se no perigo para a saúde, segurança e desenvolvimento do menor, o menor A... foi sujeito à medida provisória de acolhimento no Centro de Acolhimento Temporário de ... (Santa Casa da Misericórdia de ...), onde se encontra desde o dia 8 de Julho de 2010 – ver fls. 53.


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Declarada encerrada a instrução, foi agendada conferência para obtenção de acordo de promoção e protecção. Nesta, os pais do menor recusaram o encaminhamento para a adopção do A..., pugnando pela entrega do menor aos seus cuidados (cf. fls. 90 e 91).

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O processo prosseguiu para debate judicial e, nessa fase, o Ministério Público apresentou as alegações constantes de fls. 93 (emitindo parecer no sentido da aplicação da medida de acolhimento no CAT da Segurança Social com vista a futura adopção), os pais nada alegaram.

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Os progenitores foram sujeitos a exame médico-legal de psiquiatria forense (relatórios a fls. 295 e ss. e 338 do apenso A) e a avaliação psicológica (relatórios a fls. 301 e ss. e 339 e ss. do apenso A). Destacam-se ainda os relatórios sociais de acompanhamento de fls. 237 e ss. e fls. 380 e ss., ambos do apenso A.

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Realizou-se debate judicial perante Juiz singular, dado que não existe lista aprovada de Juízes sociais para a comarca de Mangualde. Foi, igualmente, comunicado pelo Exmo. Juiz a todos os presentes a possibilidade de no âmbito deste processo da aplicação da medida de promoção e protecção com vista à adopção, o que, de resto, foi promovido pelo Ministério Público – folhas 96 e 97.

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Conclusos os autos, afirmou-se a competência do Tribunal e a inexistência de excepções ou questões prévias que obstassem à apreciação do mérito da causa.

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                Elaborou-se sentença com a explanação da matéria de facto, seguida da fundamentação estruturante da convicção adquirida pelo Tribunal a quo, passando para a subsunção dos factos ao direito e concluindo pelo seguinte pronunciamento decisório:

                Atento o exposto, decido aplicar ao menor A... a medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou confiança a instituição com vista a futura adopção – segundo opção fundamentada que a Segurança Social vier a efectuar.

                Declaro que não há lugar a visitas à menor por parte da família natural, nem há lugar à revisão da medida aplicada – artigo 62ºA, nº 2 da LPCJP.

                Mais declaro que os pais ficam inibidos do exercício do poder paternal – artigo 1978ºA do CC.


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                Notificada da sentença a progenitora manifestou a sua discordância interpondo o necessário recurso que instruiu com as respectivas alegações que sintetizou do seguinte modo:

[…]


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                O Ministério Público apresentou as suas contra – alegações que a final sintetizou nas seguintes conclusões:

[…]


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                Por despacho de folhas 225, o recurso foi admitido como apelação, subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo.

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2. Delimitação do objecto do recurso

                As questões[1] a decidir na apelação e em função das quais se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 685ºA, todos são as seguintes:

Ø Enquadramento factual de uma das situações de perigo descritas no nº 2 do artigo 3º da LPCJP

Ø Violação do artigo 1978º, nº 1 do CC


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3. Colhidos os vistos, aprecia-se e decide-se

                A dado passo das suas doutas alegações/conclusões, o Ministério Público focaliza-se numa eventual impugnação da matéria de facto levada a cabo pela apelante, a qual – impugnação – por não cumprir com os pressupostos enunciados no artigo 685ºB do CPC deveria ser rejeitada.

                Voltando às alegações e conclusões da apelante não encontramos fundamento que possibilite a constatação recursiva de impugnação da matéria de facto, limitando-se a dar nota que «uma técnica ouvida no debate judicial mostrou total desconhecimento do assunto em causa, no que diz respeito ao menor A...(…) que nunca conheceu». Como se vê, nem a apelante identifica a técnica, nem a apelante indica os factos que foram dados como provados a partir do seu depoimento, nem a apelante identifica qualquer outro meio de prova capaz de colocar em causa o daquela técnica, em suma, entendemos a alegação de folhas 122 e 123 num quadro opinativo sem quaisquer pretensões recursivas relativamente à matéria de facto, raciocínio que se consolida no facto da apelante apenas indicar o artigo 1978º, nº 1 do CC como tendo sido interpretado erradamente pelo Tribunal a quo.

                Como são as conclusões que limitam/balizam as questões de que este Tribunal pode conhecer, exceptuando as de conhecimento oficioso, e como a apelante não colocou em crise a matéria de facto dada como provada, o Tribunal, visando conferir ao acórdão uma maior coerência, não se limita a cumprir a parte final do nº 5 do artigo 713º do CPC, mas transcreverá a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1ª Instância.


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                4. Matéria de facto provada

[…]


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                5. Erro de julgamento

                Na concretização do desígnio constitucional previsto no artigo 69º da CRP, foi publicada a Lei nº 147/99, de 1.9 que no seu artigo 4º estabelece um conjunto de princípios orientadores de intervenção dos Tribunais dos quais se destacam o “interesse superior da criança”; a “intervenção precoce”; a “proporcionalidade e actualidade” a “responsabilidade parental” e a “subsidiariedade”. De acordo com este último princípio “a intervenção deve ser efectuada sucessivamente (…) pelas comissões de protecção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais” – cf. artigos 12º e 38º da Lei 147/99. Quanto à intervenção dos Tribunais a lei prevê “um processo judicial de promoção e protecção” – artigos 100º e seguintes da Lei nº 147/99 – e procedimentos de urgência – artigos 91º e 92º da Lei nº 147/99 – que só se aplicam em caso de perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da criança.

                A Constituição da República Portuguesa protege e tutela a família natural, reconhecendo aos pais “o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” – nº 5 do artigo 36º da CRP – consentindo que os filhos sejam separados dos pais quando estes deixem de cumprir os seus “deveres fundamentais para com eles” – nº 6 do artigo 36º da CRP. Por sua vez, o artigo 67º, nº 1 da CRP destaca a “família como o elemento fundamental da sociedade”, para o artigo 68º da CRP, evidenciar a maternidade e a paternidade como valores sociais eminentes, conferindo aos pais um papel determinante na educação dos filhos.

Impõe-se também dar nota que o texto constitucional reconhece as crianças como sujeitos autónomos de direitos, daí que o artigo 69º da CRP prescreva que as «crianças têm direito a especial protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições».

                A matéria de facto provada evidencia um casal com 6 filhos, sendo um deles, o recém-nascido A..., casal que por um conjunto de vicissitudes que estão claramente documentadas e que não encontrou/encontra o caminho que lhes permita proteger e educar os filhos que foram sucessivamente nascendo, obrigando a intervenção dos tribunais para encontrar uma solução, fora do quadro familiar mais restrito, que possa acolher cada uma das crianças identificadas no ponto 2 da matéria de facto  

As questões colocadas à consideração deste Tribunal entrelaçam-se de tal maneira que acabam por se reunificar numa única, ou seja, a de se saber, a partir do referencial interesse do menor e no respeito por um conjunto de princípios que se encontram desenhados no artigo 4º da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, se a decisão recorrida teve ou não em conta o interesse do menor A... ou se ao invés deve regressar ao seio da sua família. Um rápido olhar pela família do A... permite-nos concluir com um elevado grau de certeza que se trata de uma família nada estruturada com graves problemas de organização em diversos planos, tais como a reiteração de conflitos entre o casal e o desequilíbrio psicológico que manifesta a mãe/apelante para quem a gravidez é o seu mundo, estabelecendo entre ela e a criança uma relação tão intensa e carinhosa, que passa a manifestar preocupação com o enxoval do futuro bebé, verbalizando o grande desejo de lhe pegar ao colo, de sentir o seu choro e o 1º riso, imaginando o primeiro riso e mamada e as primeiras palavras – facto 6b.

                Exacerbada a gravidez, a mãe/apelante, por referência à sua filha mais nova D... nascida a 23 de Janeiro de 2009 – facto 2v – inicia um processo de distanciamento/separação apesar da sua tenra idade, comportamento potenciador de graves e até inultrapassáveis problemas de ordem psicológica na medida em que se sente substituída pelo irmão mais novo, o que segura e necessariamente a afectou, para além da instabilidade familiar se assumir como uma constante na vida deste casal, colocando sobre os ombros de crianças tão jovens a responsabilidade de arranjarem estratégias que lhes permitam lidar com tais situações. Olhando para o quadro psicológico da mãe/apelante verificamos que traça quadros ideais descontextualizados da realidade e daí em nada consistentes com as suas responsabilidade parentais, o que sustenta uma personalidade imatura e emocionalmente instável, servida por um coeficiente de inteligência baixo, encontrando nas sucessivas gravidezes o meio e o modo de colmatar todas as suas carências emocionais.

                Ao lermos a matéria de facto provada e em especial por referência aos irmãos de A... que se encontram claramente numa situação de risco relativamente ao seu normal desenvolvimento físico, intelectual e social, não podemos deixar de fazer duas perguntas: terá a mãe competências para tomar à sua guarda o menor A... com tudo o que isso implica para o seu normal e saudável desenvolvimento? Através da aplicação da medida de confiança a pessoa seleccionada ou a instituição com vista à futura adopção, o tribunal não protegeu os interesses do menor A...?

                Infelizmente não podemos deixar de evidenciar um quadro de responsabilidades parentais se não inexistente muito pouco conseguido, na medida em que por referência aos cinco filhos a mãe/apelante e o marido não foram capazes, pelo conjunto de razões que a matéria de facto patenteia, de assumirem as suas responsabilidades parentais, ou seja, amarem e educarem aquelas crianças que de repente se viram fora do seu ambiente familiar mais restrito e colocadas em casa de avós maternos, tendo sido decretada., por referência à menor D... a medida de confiança a pessoa seleccionada para adopção, sentença não transitada em julgado – facto 4 – os filhos E... e F... regressaram à casa de família em incumprimento do acordo estipulado nos autos – facto 14 – e os menores G... e H... ficaram sob a guarda dos avós maternos que não lograram constituir-se como figuras de referência para os netos, nem tão pouco conseguiram estreitar os laços afectivos entre os irmãos que estavam à sua guarda. Se a tudo isto acrescentarmos, os problemas de índole psíquica que a mãe/apelante dá mostras e a completa disfuncionalidade familiar, rapidamente chegaremos à conclusão que a revogação da medida que foi decretada para o menor A..., vai colocá-lo, como de resto, acontece com os seus irmãos numa situação de perigo para a sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento, na medida e tal como aconteceu, com a D..., basta que a mãe fique de novo grávida, o que não pode ser visto como um caso de excepção, mas sim como forte probabilidade de direccionar os seus afectos para o novo filho deixando de cuidar e de tratar o A... com os cuidados e afectos que uma criança de tão tenra idade necessita.

                Com o respeito devido, o quadro factual evidencia uma família disfuncional com evidentes manifestações de desinteresse para com as crianças, na medida em que não lhes proporcionam os mais basilares cuidados com a alimentação e saúde – facto 21 – isto para além da agressividade e violência que caracteriza o quotidiano do casal.

Embora corramos o risco de cairmos num lugar comum, não podemos deixar de evidenciar o papel da família como uma verdadeira comunidade onde todos os seus membros se sintam amados e respeitados, comunidade que aparece aos olhos da criança como a primeira sociedade onde se reconhece e onde os pais têm uma importância decisiva na sua dinâmica afectiva e, consequentemente, no seu crescimento. A criança absorve tudo na família: desde o sentido religioso, às preferências, aos valores, à partilha, ao espírito de sacrifício, à solidariedade familiar etc. e daí que todas as suas experiências futuras sejam condicionadas por aquelas que recebeu no seio da família.

                As finalidades subjacentes à aplicação de medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e jovens em risco assentam primordialmente na necessidade de afastar o perigo em que os menores se encontram e proporcionar-lhes as condições que permitam proteger a sua segurança, saúde, formação e educação, bem-estar físico e desenvolvimento integral (alíneas a) e b) do artigo 34º da LPCJP).

                Quanto à segunda pergunta, vejamos se o Exmo. Juiz depois de analisar o artigo 1978º do CC e artigo 38ºA da Lei nº 149/99, concluiu bem ou mal pela verificação dos requisitos enformadores da medida de confiança a pessoa seleccionada para adopção ou à Segurança Social com vista à sua adopção futura.

                Embora compreendamos e aceitemos as resistências dos pais quanto à futura adopção do A..., a verdade é que se parassem um pouco que fosse para pensarem e se olhassem para a sua vida familiar e para aquela que deram aos outros seus filhos, rapidamente concluiriam, com dor é certo, que a maior prova de amor que podiam manifestar pelo A... era o de pensarem no seu único interesse e dessa forma não manifestar oposição à adopção. Ninguém nega e não seremos nós a fazê-lo que os laços de sangue têm na conformação e dinâmica familiar um papel muitas vezes determinante na consolidação de sinergias de amor, solidariedade e respeito. Todavia, ninguém pode ficar imune ao quadro factual que emana dos autos por referência aos seus outros 5 filhos, na medida em que os pais, com poucos ou muitos rendimentos, não foram capazes de criar uma família unida, solidária e amada, mas ao invés tornaram-se disfuncionais, sem qualquer projecto de vida que agregasse a sua família e onde a mãe vive num mundo por si idealizado transformando cada gravidez no centro da sua vida, descuidando, no essencial, as necessidades dos outros seus filhos – facto 21.
                Sem necessidade de outro tipo de elementos de facto, a realidade evidenciada nos presentes autos mostra uma criança em perigo – alínea c) do artigo 3º da Lei nº 147/99 – o que justifica a intervenção para promoção dos seus direitos.

                A confiança judicial do menor com vista à adopção foi introduzida no nosso sistema jurídico através Decreto-lei nº 185/93, de 22 de Maio – DR IA, nº 119 – e representa uma alteração substancial do anterior regime que no artigo 1978º do CC regulava a declaração de «estado de abandono». Os considerandos preambulares plasmados no Decreto-lei nº 185/93 mantêm plena acuidade e interesse: a confiança do menor com vista a futura adopção, cujas situações se mostram tipificadas no artigo 1978º, radica na consciência de que aquele necessita, desde o nascimento e especialmente na primeira infância, de uma relação minimamente equilibrada com ambos os pais, contacto que deve decorrer sem descontinuidades importantes durante a menoridade, embora com alterações na relação que as várias fases das crianças e dos jovens naturalmente aconselham. Quando situações de vária ordem não permitem a existência de um quadro familiar deste tipo ou provocam a sua ruptura, cria-se uma situação de risco grave para o menor, que os seus outros familiares deverão procurar evitar, proporcionando uma relação substitutiva o mais próxima possível daquela que, em princípio, é considerada a situação normal. Não havendo familiares próximos que possam assumir esta função, compete à sociedade tomar com urgência as medidas adequadas para proporcionar ao menor em risco uma relação substitutiva. A confiança judicial do menor tem, como primeira finalidade, a defesa deste, evitando que se prolonguem situações em que este sofre de carências derivadas da ausência de uma relação familiar com o mínimo de qualidade (…).
                Atentando-se na matéria de facto provada, damos conta de uma família que de forma bastante pungente não confere aos filhos os mais elementares cuidados em aspectos tão básicos do dia-a-dia como sejam a saúde, a alimentação, a educação, a higiene e os afectos. Alimentar, cuidar e educar, são gestos simples que conferem a quem os pratica um crédito amoroso, não raras vezes, mais significativo que gestos de conformação afectiva mas completamente fora do contexto e por isso muito pouco ou nada gratificantes para quem os recebe.
                Perguntar-se-á se os superiores interesses das crianças ficaram acautelados com a medida de confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção? 
A Constituição da República Portuguesa confere aos pais o direito de constituírem família (artigos 36º e 67º), como lhes confere o direito à protecção da sociedade e do Estado em tudo que respeite à sua relação com os filhos, nomeadamente quanto à sua educação (artigo 68º). No entanto, importa também individualizar os direitos que a nossa Constituição confere aos menores enquanto sujeitos de direitos autónomos (artigo 69º) Tal como a Convenção sobre os Direitos da Criança – Resolução da Assembleia da República nº 20/90, – ao estabelecer no seu artigo 19º que “os Estados Partes tomam todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas adequadas à protecção da criança contra (…) todas as formas de abandono ou tratamento negligente (…) enquanto se encontrar debaixo da guarda dos seus pais (…).
                Sendo as responsabilidades parentais um dos efeitos da filiação, o Código Civil, no seu artigo 1878º, explicita o seu conteúdo, afirmando que “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela sua segurança e saúde destes, promover o seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens”. Não se trata de um puro direito subjectivo, visto que o seu exercício não está dependente da livre vontade do seu titular, mas antes de um poder funcional, ou seja, de “um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses dos filhos, com vista ao seu desenvolvimento integral[2].
                Determina o artigo 1978º do CC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 31/2003 de 22.8.
                Com vista à futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal, pessoa singular ou instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das seguintes situações: se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devido a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor.
                Nos termos da norma acima transcrita para que se decrete a medida de confiança judicial, a casal, pessoa singular ou instituição, é necessária a demonstração de inexistência ou que se encontram seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, através da verificação objectiva – independente de culpa na actuação dos pais – de qualquer uma das situações enunciadas no nº 1 do artigo 1978º do CC.
                O perigo a que se alude na alínea d) do nº 1 do artigo 1978º do CC é aquele a que se faz referência do nº 3 deste mesmo artigo “considera-se que o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e promoção dos direitos dos menores”.
                O artigo 3º, nº 1 da Lei nº 147/99 preceitua que a” intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais (…) ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem e que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”.
                Já o nº 2 exemplifica situações de perigo, designadamente quando a criança “não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal” ou “está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional”.
                Será a situação plasmada na matéria de facto reconduzida a este quadro legal?

                A resposta a esta questão, por delicada, não pode ser encontrada unicamente com o recurso a argumentos de ordem formal consubstanciados na inexistência dos pressupostos a que alude a alínea d) do nº 1 do artigo 1978º do CC. A família que é representada pela matéria de facto provada está pelas razões nela evidenciadas, longe de corresponder ao estereótipo das famílias portuguesas mesmo as de baixos recursos económicos, na medida em que posterga os direitos mais essenciais das crianças e que passam pela sua alimentação e saúde – facto 21. Daí que estejamos em presença de uma situação enquadrável na alínea c) do nº 2 do artigo 3º da Lei nº 147/99, de 1.9 – criança em perigo. Sabedor desta realidade, o Ministério Público, fazendo uso das competências que lhe são conferidas por lei – artigos 73º e 80º da Lei nº 147/99, de 1.9 – requereu a abertura de processo judicial de promoção dos direitos e de protecção desta criança que se encontrava numa efectiva situação de perigo, provocado por uma mãe que sem supervisão é incapaz de assumir as suas responsabilidades parentais – facto 32, alínea f) – o que de resto já evidenciou relativamente aos outros cinco filhos quatro dos quais foram entregues aos avós maternos, que também mostram incapacidade para lidar com a situação – factos 16 a 18 – encontrando-se a menor D... a aguardar decisão de Tribunal Superior relativamente à medida de adopção que lhe foi decretada; uma mãe imatura, emocionalmente instável, servida por baixo coeficiente de inteligência e cujos interesses estão direccionados para a futura gravidez, como forma de preenchimento das suas carências emocionais, com ligeira debilidade mental – facto 32.

                Temos um pai que perante toda esta realidade que afecta a sua família assume uma atitude passiva, submissa e evasiva sobre a situação de gravidez da esposa, em tudo semelhante às anteriores gravidezes vivenciadas – facto 8 – que em nada ajuda, antes aceita por omissão todo um quadro familiar que longe de ajudar as crianças, o transforma num pai ausente, distante e porque não, algo despreocupado e até desinteressado com a saúde, educação, desenvolvimento e segurança de cada um dos seus filhos. Ao invés de ter uma palavra educadamente afirmativa quanto às sucessivas gravidezes da mulher, prefere o alheamento e distanciamento sem se preocupar com o destino deste novo filho.
                O legislador, tendo em vista os direitos das crianças e a sua protecção, estabeleceu um conjunto de medidas – artigos 34º e 35º da Lei nº 149/79, de 1.9 – taxativas mas organizadas, hierarquicamente, tendo em vista o não afastamento da criança do seu meio natural de vida – alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 35º – passando para as medidas de colocação em família ou em instituição – alíneas e) e f) do artigo 35º – e finalmente a medida de confiança a pessoa seleccionada ou a instituição com vista a adopção que no primeiro caso é executada no meio natural de vida e no segundo de colocação (artigo 35º, nº 3 da Lei nº 149/99, de 1.9).
                Como justificação da medida decretada, o Exmo. Juiz deu nota do seguinte:
                Os filhos mais velhos do casal não têm nos pais figuras de referência, são sujeitos aos seus conflitos conjugais e apresentam-se emocionalmente instáveis, refugiando-se neles próprios. Não pode ser este o futuro do A..., que em boa hora foi retirado aos pais, para ser poupado a tais provações. Ao nível do meio natural de vida, apenas os avós maternos mantêm ligações estáveis e afectuosas com os filhos deste casal. Todavia, o avô materno faleceu recentemente, após o que a avó materna, juntamente com os menores H... e G..., a si confiadas, acolheu-se em casa dos pais do menor. Para além disso sofreu um AVC e tem a tensão arterial alta, pelo que não constitui alternativa viável para acolher o neto A....
                (…)
                Esta criança precisa de uma outra família que assegure o seu desenvolvimento integral em condições satisfatórias que não tem no seio da sua família natural ou noutra figura das suas referências.
                Por tudo quanto ficou dito, concluímos que estão seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, sendo certo que os pais por acção ou omissão puseram em perigo grave a saúde e o desenvolvimento dos seus filhos – artigo 1978º, nº 1, alínea d) e nº 3. O superior interesse da criança reclama, como solução a longo prazo para assegurar o seu são e integral desenvolvimento o corte das relações biológicas e a constituição do vínculo de adopção.
                No fundo, o Tribunal toma ou posição escorado na conduta que os pais adoptaram relativamente aos outros 5 filhos, de resto ilustrada nas certidões que se encontram junto a folhas 155 a 222 que justificaram, por referência aos menores H..., I..., F... e G... a medida de apoio junto de outro familiar os avós maternos e por referência à menor D... a medida de confiança a pessoa seleccionada para adopção ou confiança a instituição com vista a futura adopção.
                A partir deste quadro pode concluir-se com todo o rigor pela incapacidade dos pais assumirem com zelo, amor, diligência e responsabilidade as suas responsabilidades parentais, caso contrário as instituições responsáveis pela protecção de menores não tinham necessidade de intervir. Amar não é só verbalizar, mas é sobretudo e essencialmente cuidar, tratar e educar. Isto é que é amar.
                No caso em apreço, o Ministério Público, conhecedor de toda a realidade envolvente aos pais de A..., e que está sobejamente enunciada nos factos provados, adoptou um critério de intervenção precoce evitando a integração do menor no meio familiar, completamente disfuncional, com um pai apático e sem poder ou capacidade de afirmação junto da sua esposa de modo a poder alterar o rumo das coisas; uma mãe cujos interesses e afectos se esgotam em cada uma das subsequentes gravidezes, desprotegendo, desamparando os restantes filhos, mesmo o de mais tenra idade, focalizando toda a sua obsessiva atenção na gravidez, realidade que encontra acolhimento na matéria de facto provada relativamente à menor D... – facto 6. Também e por referência à família mais próxima – avós maternos – verbalizam a impossibilidade de continuar com o processo de educação dos netos E... e F..., justificando-se com a inversão dos papéis, já que são os netos a ditar regras, culminando em comportamentos agressivos por parte de E... – tentativa de agressão ao avô – e desobediência total por banda de F... – facto 27 – o que revela o fracasso da medida de «apoio junto de outro familiar» alínea b) do nº 1 do artigo 35º da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro.
                Em casa dos progenitores vive-se um ambiente de permissividade, inconsistência de modelo educativo, indefinição dos papéis de cada um dos seus membros, ausência de vinculação afectiva protectora e segura, ambiente que potencia o desenvolvimento precoce de comportamentos anti-sociais – facto 29. Também a progenitora manifesta uma fraca adesão ao processo de competências parentais – facto 36 – sendo que os conflitos sociais continuam a subsistir no seio do casal – facto 36b – conflitos que se estendem à rede familiar mais alargada – facto 36d.
                A pergunta que temos a responsabilidade de fazer - sempre orientada pelo interesse do menor A...– é a de saber se o seu «interesse» fica melhor salvaguardo com a entrega do menor à mãe como esta reclama?
                Olhando para o conjunto de medidas que o artigo 35º da Lei nº 147/99, tipifica e hierarquiza não podemos deixar de considerar que a entrega do menor aos pais não é mais do que sujeitá-lo em tão tenra idade a tão disfuncionais e injustificados comportamentos, caracterizados pela impossibilidade da mãe amar por igual todos os seus filhos, independentemente de poder dar mais atenção e outros cuidados ao recém-nascido, era assumir uma efectiva conduta de grave perigo para o seu normal desenvolvimento porque segura a necessariamente logo que voltasse a ficar grávida, o menor A...passaria a sofrer do distanciamento e separação impostos pela mãe. Recorde-se que os quadros mentais de substituição sucedem-se colocando todo o seu amor e afecto na gravidez, para logo se afastar e se distanciar do filho mais novo, neste caso da D..., apesar da sua tenra idade – a D... nasceu em 23 de Janeiro de 2009 e o A...em 4 de Junho de 2010.

                Pelas razões também enunciadas nos factos provados a medida de apoio junto de outro familiar também faliu, como de resto evidenciam os comportamentos agressivos do E... para com o avô materno e a completa desobediência com que a F... os premeia, daí que esteja posta de lado tal medida – alínea b) do nº 1 do artigo 35º.

                A confiança a pessoa idónea – alínea c) do artigo 35º – caracteriza-se pela sua provisoriedade o mesmo é dizer que só se aplica aquelas situações em que existindo uma ruptura entre o jovem e a sua família biológica, aquele é colocado no seio de uma família com quem tem necessariamente de estabelecer laços de afectividade e respeito, visando o seu desenvolvimento integral e harmonioso tanto física como psiquicamente com a finalidade de lhe conferir as competências necessárias para se integrar no seio da sua família biológica. Claramente é uma situação inaplicável ao A... considerando a sua tenra idade.

                O mesmo se diga por referência ao acolhimento familiar – alínea e) do artigo 35º - que também visa resolver situações de conflitualidade entre o jovem e a família biológica, é integrado numa família sem qualquer tipo de laços familiares com a sua família de origem, mas trata-se de uma colocação temporária, estando subjacente a tal medida o regresso a «casa» da criança ou do jovem.

                E a medida mais extrema de internamento defenderia os interesses do menor A...– alínea f) do artigo 35º - parece-nos que não. Com efeito, se a sua família biológica transformasse a palavra «amar» em actos de amor, consistentes na vontade expressa e explicita de mudança de rumo nas suas vidas, no plano da organização familiar, na existência de projectos de vida integradores de cada um dos filhos, na existência de uma vontade séria de a progenitora se pretender tratar e com isso ganhar competências, na existência de um pai mais afirmativo quanto ao destino dos seus filhos e com manifesta vontade de exercer as suas responsabilidades parentais em conjunto com a esposa, poderíamos optar por um regime de internamento temporário até que a família biológica estivesse em condições mínimas para receber, tratar, amar e educar os filhos em particular o A....

                Olhando para a história deste casal e que os autos expressam com toda a clareza é tempo de afirmar-mos no interesse do A... que não é justo, nem legalmente admissível e até bole com o seu interesse de criança fazê-lo passar pelos sofrimentos, tensões e afastamentos que os seus irmãos já passaram. Não chega em nossa modesta opinião manifestar ternura e afecto pelo A... nos dias das visitas, era necessário manifestar ternura e afecto todos os dias e por todos os seus filhos, o que não acontece – factos, 7, 21, 36f – sendo certo que a permissividade do ambiente, a quase inexistência de processos educativos, a ausência de vinculação afectiva propicia, por referência aos outros filhos, o desenvolvimento de comportamentos anti-sociais – facto 29.

Também a matéria de facto dá nota da instabilidade emocional que a progenitora evidencia que se manifesta na atenção obsessiva à filha mais nova descurando e negligenciando os outros filhos, atenção que agora está voltada para o A... mas que mais não é do que a repetição do ciclo até nova gravidez – facto 36f e 36g.

                Sendo esta medida também provisória valerá a pena manter institucionalizado o A... até que a mãe ganhe competências?

Parece-nos que não. Desde logo porque não defende os interesses do A... a uma vida digna, segura e afectuosa, por outro lado a progenitora manifesta tal instabilidade emocional que a tornam incapaz de se tratar psiquicamente de modo a ganhar, embora sempre apoiada, as competências tão necessárias à segurança e educação de 6 filhos.

                É a pensar no A... e no seu direito a uma vida tranquila, segura e afectiva que consideramos que o seu Projecto de Vida não passa pela sua família biológica na medida em que vem demonstrando ao longo dos anos tão evidente incapacidade para assumir as responsabilidades parentais que não podemos deixar de dar por verificada que, a integração do A... no seio da sua família biológica, era violadora dos seus direitos de Criança pela basilar razão do pai por omissão e a mãe por acção e omissão em face do seu quadro psíquico colocarem em grave perigo o seu desenvolvimento físico, psíquico e a sua educação e o direito a ser integrado no seio de uma família, que embora não seja a biológica, lhe tribute a segurança, o carinho e o amor que merece.

                Não desconhecemos que cada uma das situações enunciadas nas alíneas a) a e) do nº 1 do artigo 1978º do CC estão dependentes da verificação do requisito autónomo, ou seja, a inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, daí que seja condição de decretamento da medida de confiança a pessoa ou a instituição com vista a adopção a verificação/demonstração da inexistência ou de sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação através da sua verificação objectiva não relevando a questão reportada à culpa dos pais. O perigo exigido pela alínea d) do nº 1 do artigo 1978º do CC é aquele que se apresenta descrito no artigo 3º, nº 1 da LPCJP que expressa: a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles se oponham de modo adequado a removê-lo – cf. nº 3 do artigo 1978º do CC

                Embora não desconheçamos o consagrado no nº 1 do artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança – todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança – cf. alínea a) do artigo 4º da Lei nº 147/99, de 1.9; nº 2 do artigo 1978º do CC – sabendo nós que o ”superior interesse da criança” enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização tem que acolher e respeitar o quadro constitucional que lhe confere um conjunto de direitos e vincula o Estado a protegê-lo visando o seu desenvolvimento integral.

                Não há dúvidas em face da matéria de facto provada – facto 5b – que as visitas que os pais lhe fazem duas vezes por semana decorrem de forma tranquila e com muitas demonstrações de carinho e atenção para com o menor A..., realidade que vista e analisada de forma individualizada podia reconduzir à ideia de inverificação do requisito autónomo vazada no nº 1 do artigo 1978º, ou seja, que não estão comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação e nesse sentido cairia por terra o fundamento estruturante da sentença recorrida que se escorou justa e precisamente na alínea d) do nº 1 do artigo 1978º do CC.

                  Mas a verdade é que este casal é pai de 6 crianças entre elas o A..., o seu passado e presente, no que concerne ao efectivo e responsável exercício das suas responsabilidades parentais, estão cheios de conflitos com reflexos na vida familiar, uma casal onde predomina por parte da progenitora a instabilidade emocional e afectiva, incapaz de olhar para os filhos como todos diferentes mas todos iguais no plano dos afectos, do amor, do projecto de vida, da educação e desenvolvimento.

Não.

A progenitora devido à sua enorme instabilidade emocional faz de cada gravidez o centro da sua vida, perdendo de vista os outros filhos com quem cria laços de distanciamento que outra coisa não pode significar que não «desamor». Quando se ama é claro que se cuida, seja 1 ou 5 filhos, com mais ou menos dificuldades a partilha e o amor tem que ser por todos sentido de modo igual, sendo naturalmente compreensível pelos mais velhos que, por razão da idade, os mais novos carecem de outro tipo de atenção. Não de mais ou melhor, mas de uma atenção/amor/afecto diferente porque também diferente é a sua idade.

                Olhemos para a matéria de facto e a que conclusão chegamos relativamente ao A...?

                Que o mimam durante as visitas…realidade que é imediatamente posta em causa – no sentido da sua continuidade se o A...lhes fosse entregue – quando olhamos para a sua conduta relativamente aos outros filhos, como cada filho que chega «substitui» o anterior, a D... que o diga, não dizemos que as manifestações de afecto não sejam sentidas, ou que dizemos é que são inconstantes e logo postas em causa quando surgir uma nova gravidez.

                Concluindo, não pomos em causa o amor que a mãe vem manifestando pelo A..., o que colocamos em causa é a «qualidade desse amor» que rapidamente esmorece e se distancia, logo que lhe sobrevenha uma nova gravidez, o que os serviços técnicos dão como certa – facto 36g – distanciando-se do A..., deixando de o proteger, como de resto aconteceu com os outros filhos, em particular com a menor D....

                Ao contrário do defendido pela apelante nas suas alegações/conclusões, o quadro factual que emerge deste processo, tendo em conta o interesse do menor, não o obriga a passar por uma efectiva e real situação de perigo grave, já que conhecendo-se o passado do casal, relativamente aos outros 5 filhos, outra conclusão se não pode extrair, na defesa dos seus interesses, que não seja a do menor A... carecer de uma medida de promoção e protecção que o afaste daquele perigo real, efectivo e grave que se evidencia numa família disfuncional, conflituosa, sem projectos educativos e sem competências pessoais para os levar a cabo, um pai ausente e apático quanto às suas responsabilidades parentais e uma mãe que transforma cada gravidez superveniente num sentimento de grande felicidade e contentamento – facto 9 – mas geradora de um outro sentimento – desinteresse/afastamento – por referência ao filho nascido da última gravidez e que se manifesta num processo de separação e distanciamento, o que aconteceu com D... – facto 6.

Dito de modo mais simples: são ou não transferíveis por reais, para o menor A..., os perigos e riscos graves que ocorreram com os seus irmãos em particular a D...; ou teremos que esperar pela existência objectiva e real do perigo por referência ao menor, para que as instituições possam intervir?

                A nossa resposta é negativa, na medida em que a situação de facto que emana dos autos dá-nos uma certeza de que a disfuncionalidade existe, que os pais não têm as mais leves competências para traçar e fazer cumprir, por referência a cada um dos filhos, o seu processo educativo, uma mãe com preocupantes sinais de doença psiquiátrica que não se quer tratar, ou pelo menos, coloca dificuldades ao tratamento e que tem a obsessão de cada gravidez desprotegendo os outros filhos, significando tudo isto um perigo real e grave para o desenvolvimento de A...que não merece ser submetido a tais provações na medida em que o quadro factual emergente dos autos é por si só suficiente à constatação que colocariam em perigo grave a segurança, saúde, formação e desenvolvimento do A..., considerando-se assim não ter o Tribunal violado a alínea d) do nº 1 do artigo 1978º do CC.


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                Decisão

                Nos termos e com os fundamentos expostos julga-se improcedente o recurso e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.


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                Custas pela apelante sem prejuízo do apoio judiciário – artigo 446º do CPC.

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                Notifique.

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Jacinto Meca (Relator)
Falcão de Magalhães
Regina Rosa


[1] É dominantemente entendido que o vocábulo «questão/questões» não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por «questões» as concretas controvérsias centrais a dirimir – Ac. STJ, datado de 2.10.2003, proferido no âmbito do recurso de revista nº 2585/03 da 2ª Secção.
[2] Dr. Armando Leandro, Poder Paternal – Temas de Direito de Família, 1986, pág. 119, citado no RC, datado de 3.5.2006, processo nº 681/06, publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt. cujos ensinamentos e estrutura passaremos a seguir de perto neste acórdão.