Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1514/18.1T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: CITAÇÃO
PESSOA SINGULAR
CITAÇÃO POSTAL
FORMALIDADE COMPLEMENTAR
CARTA DE ADVERTÊNCIA
INÍCIO DO PRAZO
CONTESTAÇÃO
Data do Acordão: 06/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JL CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 119, 225, 227, 228, 230, 233 CPC
Sumário: 1. Se a carta registada para citação do réu foi entregue a terceiro, sua esposa, na residência do casal, e foi ainda observada a diligência complementar e cautelar prevista no art.º 233º do CPC, mencionando-se, nomeadamente, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta deste e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada, o prazo para contestar inicia-se na data da assinatura do aviso de recepção pelo terceiro, e não na data da entrega ou levantamento da carta registada para confirmação da citação oportuna e validamente realizada.

2. A recepção da carta registada de advertência, chegada ao conhecimento do destinatário (ou não reclamada), não releva para o início e contagem do prazo, dado que não consubstancia uma “segunda ou dupla citação”, antes uma formalidade complementar e confirmativa.

3. A indicação feita nesta missiva “de que se considera citado na pessoa e na data da assinatura do Aviso de Recepção de que se junta cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais”, sendo efectivamente junta essa cópia onde constavam as referidas indicações, satisfaz plenamente todos os imperativos legais e constitucionais em matéria de garantias dos direitos de defesa.

Decisão Texto Integral:







            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em 19.4.2018, D (…) intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, a presente acção declarativa comum contra C (…) e esposa M (…) (1ºs Réus), residentes (…), (...) e V (…) e esposa C (…) (2ºs Réus), residentes (…) (...) .

Os Réus contestaram a acção mas a Mm.ª Juíza a quo, por despacho de 05.01.2019, considerou e decidiu:

- O Réu C (…) foi citado por A/R assinado pelo próprio em 02.5.2018;

- A Ré M (…) foi citada com A/R assinada pelo marido no dia 02.5.2018, e, cumprido o disposto no art.º 233º do Código de Processo Civil (CPC) no dia 07.5.2018, veio tal missiva devolvida com a menção de “objecto não reclamado”;

- A Ré C (…) foi citada com A/R assinado pela própria, no dia 27.4.2018;

- O Réu V (…) foi citado com A/R assinado pela esposa, no dia 27.4.2018, e, cumprido o disposto no art.º 233º do CPC, tal missiva não veio devolvida aos autos, nem este Réu veio invocar o seu extravio, pelo que se presume que recebeu tal notificação;

- Atento o regime previsto para a citação postal das pessoas singulares, sobretudo o preceituado no art.º 233º do CPC - entendendo que “a devolução da carta registada remetida à R. M (…) em nada invalida que a sua citação se tenha por efectuada de forma regular no dia 02.5.2018, já que, tendo a mesma sido devolvida com a menção de não reclamada, o certo é que, por um lado, é esta a morada que consta para a R. nas bases de dados e, por outro, é, igualmente, certo que a mesma não veio invocar qualquer fundamento válido (impedimento) que justifique que não tenha procedido ao levantamento daquela carta no prazo em que a mesma esteve na estação dos CTT à disposição para o efeito”, e que, “residindo aquela na morada indicada, bem como atendendo ao facto de ter sido o seu marido quem recebeu a carta naquela morada, a mesma presume-se regularmente citada na sua pessoa no dia 02.5.2018, facto que a mesma não veio infirmar nos autos em momento oportuno - primeira intervenção processual” -, e o defendido num aresto deste Tribunal da Relação (e Secção)[1], a contestação apresentada nos autos é intempestiva [“Considerando a data de citação de cada um dos RR., (…) tendo a contestação apresentada pelos mesmos dado entrada em juízo em 15.6.2018, é ostensivo que a contestação foi apresentada para além do prazo de 30 dias previsto no art.º 569º, n.º 1 do CPC para a sua apresentação, bem como para além dos três dias úteis previstos no art.º 139º do CPC.”], pelo que não foi admitida, determinando-se que a mesma se tenha doravante por não escrita (atendendo ao seu envio electrónico)”.

Foi de imediato proferida sentença, considerando os Réus regularmente citados (nos termos supra expostos), que estes não deduziram contestação e que, ao abrigo do disposto nos art.ºs 567º e 569º do CPC, “tem-se por confessada toda a matéria de facto alegada na petição inicial pelo A.”, também provada por via documental, com a consequente total procedência da acção, nos termos do peticionado, tudo tendo em consideração a matéria de direito esclarecedora e exaustivamente alegada pelo A. na petição inicial, pelo que foram os Réus (1ºs e 2ºs Réus) “condenados a pagar ao A., cada um dos casais, a importância de € 24 457,75 (vinte e quatro mil euros quatrocentos e cinquenta e sete euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal (4 %) desde a data em que o A. interpelou os RR. para esse efeito e até integral pagamento”.
Inconformado, o Réu V (...) apelou formulando as seguintes conclusões:

- Só foi citado para, no exercício do seu direito constitucional e legal ao contraditório, contestar, nos termos do art.º 233º do CPC, no dia 09.5.2018 (Registo RE618026353PT – Doc. 1 do Requerimento oferecido aos autos em 09.7.2018) - prova documental evidente, não existindo, pois, nada para o Tribunal presumir.

2ª - Tendo contestado - o peticionado - e reconvindo dentro do prazo legal que lhe foi efectivamente comunicado com a citação feita no referido dia 09.5.2018.

3ª - A Decisão está ferida de legalidade, por violação do próprio art.º 233º do CPC (que na sua essência pretende salvaguardar o princípio do contraditório) e é inconstitucional por violação dos art.ºs 9º e 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP), impedindo que o Réu defenda legitimamente os seus direitos, fazendo valer as suas razões em juízo - aduzindo-as e fazendo a respectiva prova.

            Requer e pede: a) Que, por revogação da Sentença proferida, seja declarada e reconhecida a tempestividade legal e processual da entrega aos autos da contestação e reconvenção apresentadas pelos Réus aos autos; b) Que seja proferida Decisão que determine ao Tribunal ´a quo` a respectiva aceitação da contestação e Reconvenção apresentadas pelos Réus, seguindo-se os demais termos até final; c) Que sejam reconhecidas a ilegalidade e a inconstitucionalidade, por violação dos art.ºs 233º do CPC e 9º e 20º da CRP, respectivamente, contidas na Decisão proferida, de ora se pede a revogação (sic).

O A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, sobretudo, da tempestividade da contestação apresentada nos autos.


*

I. 1. Para a decisão releva o que consta do procedente relatório e o seguinte:

a) O Réu C (…) foi citado por meio de carta registada com aviso de recepção (A/R), de modelo oficialmente aprovado - dirigida e endereçada para a sua residência -, assinado pelo próprio em 02.5.2018 e a Ré M (…) foi citada com A/R assinado pelo marido no mesmo dia; cumprido, quanto a esta, o disposto no art.º 233º do CPC, no dia 07.5.2018, veio tal missiva devolvida com a menção de “objecto não reclamado”.

b) A Ré C (…) foi citada por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado - dirigida e endereçada para a sua residência -, assinado pela própria, no dia 27.4.2018 e o Réu V (...) foi citado com A/R assinado pela esposa, no mesmo dia, cumprindo-se, quanto a este, o disposto no art.º 233º do CPC.

c) As (novas) missivas dirigidas aos Réus M (…) e V (…) foram remetidas em 07.5.2019 (constando do respectivo verso cópia dos A/R assinados pelos respectivos cônjuges, ditos em II. 1. a) e b)) e este procedeu ao levantamento da respectiva missiva em 09.5.2009.

d) Fez-se constar das ditas duas missivas, designadamente: «Advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa./Nos termos do disposto no art.º 233º do Código de Processo Civil, fica V. Exa. notificado de que se considera citado na pessoa e na data da assinatura do Aviso de Recepção de que se junta cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais./O Prazo para contestar é de 30 Dias./Àquele prazo acresce uma dilação de 5 dias por a citação não ter sido efectuada na pessoa de V. Exa../A falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo(s) Autor(es)».

e) A contestação foi apresentada pelos 1ºs e 2ºs Réus em 15.6.2018.[2]

f) Os Réus pagaram uma multa (no montante de € 89,25) que pretenderam enquadrar na previsão do art.º 139º, n.º 5 do CPC.[3]

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (art.º 119º, n.º 1, 1ª parte, do CPC[4]).

A citação de pessoas singulares é pessoal ou edital (art.º 225º, n.º 1). A citação pessoal é feita mediante: a) Transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132º; b) Entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo; c) Contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judicial com o citando (n.º 2). Nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efectuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento (n.º 4).

O acto de citação implica a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, comunicando-se-lhe que fica citado para a acção a que o duplicado se refere, e indicando-se o tribunal, juízo e secção por onde corre o processo, se já tiver havido distribuição (art.º 227º, n.º 1). No acto de citação, indica-se ainda ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia (n.º 2).

A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado[5], dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé (art.º 228º, n.º 1). A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando (n.º 2). Antes da assinatura do aviso de recepção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação (n.º 3). Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando (n.º 4).

A citação postal efectuada ao abrigo do artigo 228º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (art.º 230º, n.º 1).

Sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do disposto no n.º 2 do artigo 228º é ainda enviada, pelo agente de execução ou pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe: a) A data e o modo por que o acto se considera realizado; b) O prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta; c) O destino dado ao duplicado; e d) A identidade da pessoa em quem a citação foi realizada (art.º 233º).

3. Diz o Réu/recorrente que o Tribunal a quo “ignorou” a “citação efectiva” e por ele “comprovadamente recebida” em 9.5.2018, tendo considerado ser de presumir que ele recebeu a anterior notificação, sendo que, na sequência da efectiva e comprovada notificação, recebida em 9.5.2018 (não havendo, de facto, nada para presumir), contendo a citação, apresentou a sua contestação dentro do prazo legal, atentas a data da citação, a dilação e demais faculdades processuais, de harmonia com o regime jurídico aplicável (maxime, art.ºs 233º do CPC e 9º e 20º da Constituição da República Portuguesa).

            Afirma, ainda, que a ‘formalidade complementar da citação’ consubstanciada no regime do art.º 233º deverá possibilitar ao Réu o exercício do direito à defesa, concedendo-lhe o respectivo prazo por inteiro (não amputado dos dias de prazo de defesa que outrem consumiu, supostamente em seu nome, deliberadamente ou por negligência, desde a data em que, em seu lugar e por si, recebeu), através do envio (pelo agente de execução ou pela secretaria) da referida citação, sendo que qualquer outra interpretação estará eivada de grosseira inconstitucionalidade; o que o legislador verdadeiramente quis, com a redacção deste art.º 233º, foi salvaguardar que a advertência ao citando lhe chegasse efectivamente ao conhecimento, enquanto verdadeiro destinatário da citação, para tornar realidade (qual ´ethos` do Direito) o inerente Direito Fundamental ao contraditório (o direito à defesa por parte do Réu), consagrado na Constituição da República Portuguesa.

4. A esta perspectiva do Réu/recorrente opôs-se o A./recorrido, aduzindo, nomeadamente: para constatar a intempestividade da contestação, basta saber ler e contar, sendo que a Ré C (…) (esposa do Réu V (…)) foi citada por carta registada com aviso de recepção assinado pela própria no dia 27.4.2018; o Réu V (…) foi citado no mesmo dia 27.4.2018 por carta registada com aviso de recepção assinado pela esposa; estas citações foram, pois, efectuadas nos termos do disposto no art.º 228º; atento o disposto nos art.ºs 230º, n.º 1 e art.º 233º, cuja estatuição foi devidamente observada, o Réu facilmente perceberia que se considerava citado no dia em que a sua esposa assinou o aviso de recepção (27.4.2018) e, depois, só tinha que, usando os conhecimentos básicos adquiridos na escola primária, contar trinta dias de calendário a partir daquela data, adicionando-lhe mais cinco dias de dilação; o Réu não leu devidamente a carta dita em II. 1. d), supra, e errou na contagem dos dias para a contestação e, por isso, apresentou-a para além do prazo legal; nada lhe permitia a contagem do prazo a partir do dia 09.5.2018, a contestação foi apresentada no dia 15.6.2018 e, por consequência para além do prazo permitido por lei; acresce que o Réu V (…) não levantou qualquer questão pelo facto de a sua esposa ter recebido a carta para citação e não ilidiu a presunção da sua entrega mencionada no art.º 230º do CPC; a decisão proferida nada tem de inconstitucional, porquanto o Réu não exerceu o seu direito atempadamente, apenas por culpa sua e nunca do Tribunal.

            5. Sem quebra do devido respeito por opinião em contrário, afigura-se evidente que a perspectiva do Réu/recorrente não encontra o menor acolhimento, desde logo, no texto da lei, que não suscita quaisquer dúvidas de interpretação.

            Sobre a interpretação da lei, preceitua o art.º 9º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (n.º 1) mas que não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2), rematando, depois, que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3).   

            Na verdade, muitos textos de lei têm um significado linguístico absolutamente nítido e preciso, apenas consentindo uma única interpretação - as palavras da lei são às vezes tão explícitas e categóricas que não podem exprimir, nem sequer de modo imperfeito ou constrangido, mais do que um só pensamento, pelo que o intérprete deve resignar-se e aceitar o sentido verbal da lei.[6]

Neste caso, o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal.[7]

            6. Não suscitada qualquer questão relativamente à regularidade da citação dos restantes demandados (e, daí, ter ficado prejudicada a reapreciação em torno da devolução, por não ter sido reclamada, da missiva endereçada à 1ª Ré/fls. 63 do processo físico, no contexto da efectivação da diligência complementar e cautelar prevista no art.º 233º[8]; e foi sobre esta problemática que a Mm.ª Juíza a quo veio a citar o acórdão da RC de 11.10.2017-processo n.º 298/14.7T8CLD.C1, publicado no “site” da dgsi[9]), resta, pois, evidenciar e enunciar a factualidade que releva para o objecto do recurso e a resposta que decorre claramente da lei.

            7. Tendo os 1ºs Réus sido citados em 02.5.2018 - em data anterior à citação dos 2ºs Réus -, o prazo para a contestação, de todos os Réus, começou a correr desde a referida data, atento o disposto no art.º 569º, n.º 2[10], ou seja, o Réu/recorrente, citado, na pessoa (ou por intermédio) da sua esposa, em 27.4.2018, beneficiou deste regime.

Actuado o preceituado no art.º 233º do CPC, foi o Réu/recorrente advertido em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa, porquanto foi notificado de que se considerava citado na pessoa e na data da assinatura [pela esposa] do Aviso de Recepção, de que se juntou cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais, bem como de que o prazo para contestar era de 30 dias, acrescido de uma dilação de 5 dias por a citação não ter sido efectuada na sua pessoa, sendo que a falta de contestação importava a confissão dos factos articulados pelo Autor.

É evidente que o Réu recebeu/levantou esta missiva, em 09.5.2018, mas, como dela resulta, com inegável clareza (em conformidade com o texto da lei), o mesmo podia/devia contestar a acção no prazo de 30 dias a contar da citação e o prazo começava a correr desde o termo da dilação, naturalmente, com a faculdade inerente à diversidade de datas de citação (27.4.2018 e 02.5.2018 - e consequente acréscimo temporal), pelo que o período de 35 (30 + 5) dias para a apresentação da contestação iniciou-se a 02.5.2018, e não, e nunca, a 09.5.2018, razão pela qual, aquando da contestação oferecida, por todos os Réus, a 15.6.2018, havia já transcorrido todo aquele período e era indiferente/irrelevante o alongamento previsto no art.º 139º, n.º 5 (porquanto também ultrapassados/consumidos os três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo).  

            8. A lei equipara à citação pessoal a efectuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento (art.º 225º, n.º 4).

A citação de pessoa singular por via postal, na forma prevista no art.º 228º, n.ºs 1 e 2, considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (art.º 230º, n.º 1), devendo ainda, ser enviada, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe, nomeadamente, a data e o modo por que o acto se considera realizado e o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta (art.º 233º).

9. No caso em análise foram cumpridos todos os requisitos para que a citação do 2º Réu/recorrente se considere devidamente efectuada, e nenhuma dúvida existe de que, cumprida a formalidade complementar do acto (de citação) prevista no art.º 233º, a citação (através da carta entregue à 2ª Ré/esposa) se considera realizada na data em que a 2ª Ré a recebeu, sendo evidente que não se trata, pois, de instituir uma “dupla citação” (contrariamente ao que parece ser a posição do Réu/recorrente, que se diz citado na data em que levantou a missiva enviada ao abrigo do disposto no art.º 233º…), mas de prever uma espécie de confirmação da citação oportuna e validamente realizada, em casos de presumível menor segurança e certeza na consumação do efectivo conhecimento pelo Réu dos elementos essenciais do acto.[11]

A indicação feita nessa missiva “de que se considera citado na pessoa e na data da assinatura do Aviso de Recepção de que se junta cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais”, sendo efectivamente junta essa cópia onde constavam as referidas indicações, satisfaz plenamente todos os imperativos legais e constitucionais em matéria de garantias dos direitos de defesa.[12]

Como já decorre do exposto, a recepção da carta registada de advertência, chegada ao conhecimento do destinatário (ou não reclamada), não releva para o início e contagem do prazo, dado que não consubstancia uma “segunda ou dupla citação”, antes uma formalidade complementar e confirmativa.

Ademais, devidamente advertido nos termos do art.º 233º, nada nos diz que Réu/recorrente/citando não haja tomado pleno conhecimento do acto (não ter a citação chegado ao seu conhecimento), além de que, sendo caso disso, sempre poderia ilidir a presunção dos art.ºs 225º, n.º 4 e 230º, n.º 1[13], o que não fez.

10. E como bem se diz na decisão recorrida, aceitar a (aparente) perspectiva do Réu/recorrente, seria subverter totalmente o regime previsto para a citação das pessoas singulares: remetida carta para ambos os cônjuges e conhecido o conteúdo da citação, bastaria não reclamar a carta remetida subsequentemente nos termos do art.º 233º do CPC para assim se gorar a citação...; a citação tem-se por validamente efectuada no dia em que a carta é recepcionada por terceiro, sendo que caberá ao Réu citado em terceira pessoa, aquando da sua primeira intervenção processual, alegar que a citação não chegou ao seu conhecimento, fazendo disso a respectiva prova, circunstância que, nos autos, não se verifica.

Decidiu, assim, a Mm.ª Juíza a quo em conformidade com a realidade e o direito aplicável, só podendo concluir pela intempestividade da contestação.[14]

 11. Naturalmente, a derradeira afirmação do Réu/recorrente - nos termos da qual a decisão recorrida está ferida de legalidade, por violação do art.º 233º do CPC (que na sua essência pretende salvaguardar o princípio do contraditório) e é inconstitucional por violação dos art.ºs 9º e 20º da CRP, impedindo-o de defender legitimamente os seus direitos, fazendo valer as suas razões em juízo - enquadra-se numa prática de invocação a esmo de preceitos constitucionais, muitas das vezes na tentativa de abertura de mais uma via de recurso.[15]

Também aqui se antolha evidente - e, cremos, ficou claramente demonstrado - que não se mostra ofendido o mencionado regime jurídico da lei ordinária, nem tão-pouco os preceitos constitucionais que regulam as tarefas fundamentais do Estado e o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva

O Réu (e os co-Réus) não poderá implicar terceiros (ou instituições) por uma falha que lhe é inteiramente imputável e cujas consequências deverá arcar!

12. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


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III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo Réu/apelante.


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04.6.2019

Fonte Ramos ( Relator)

Maria João Areias

Alberto Ruço


 


[1] Que se referirá adiante.
[2] Quanto aos factos c), d) e e), cf. os documentos de fls. 63, 64/135, 137 verso e 138.
[3] Cf. o documento de fls. 132 verso.
[4] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[5] Ver Portaria nº 275/2013, de 21 de Agosto.
[6] Vide Manuel de Andrade, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, Arménio Amado - Editor, Coimbra, 1987, págs. 28 e 65.
[7] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 58.
[8] Vide Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, vol. 2º, Coimbra editora, 1945, pág. 604 e seguinte e 648 (comentando disposição com alguma similitude do CPC de 1939).

[9] Aresto também subscrito pelo aqui relator, como 2º adjunto, constando do ponto I. do respectivo sumário: «A devolução da carta exigida pelo art.º 233º do CPC - na sequência da recebida por terceira pessoa, nos termos do art.º 228º n.º 2, maxime se esposa do citando e com ele residente-, com a menção “não atendeu”, não afecta a regularidade da citação.»

[10] Normativo que reza o seguinte: “Quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.”
[11] Vide Carlos Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Vol. I, 2ª edição, 2004, Almedina, pág. 231.
[12] Cf., de entre vários, o acórdão da RE de 10.4.2014-processo 783/12.5TBTVR.E1, publicado no “site” da dgsi.
[13] Vide, ainda, José Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 416 (reportando-se - como nas anteriores notas - a idêntica disposição do CPC de 1961).

[14] Cf. ainda, de entre vários, os acórdãos da RP de 25.5.2004-processo 0420472, da RL de 08.01.2019-processo 20541/15.4T8SNT-A.L1-7 [tendo-se aí concluído: «5 - O art.º 230º, n.º 1 do Código de Processo Civil ao presumir que a carta recebida pelo terceiro foi oportunamente entregue ao destinatário e considerando a assinatura do aviso de recepção como o momento em que a citação se considera feita, não faz depender a concretização desta de uma qualquer formalidade essencial posterior (como o envio da carta de advertência), pelo que, assinado o aviso pela pessoa que recebeu a carta, nada mais é necessário para que comece a contar o prazo (com a respectiva dilação) da defesa, sem prejuízo de o citando, para se opor a tal efeito, ter de afastar a presunção de que a carta de citação lhe foi entregue. 6 - A omissão da carta de advertência, porque não inquina a realização da citação ocorrida com a assinatura do aviso de recepção pelo terceiro, não pode determinar a falta de citação para efeitos do disposto nos art.ºs 187º, a) e 188º, n.º 1 do Código de Processo Civil. 7 - Assente que a citação foi efectuada, para que esta Relação pudesse conhecer de qualquer outra eventual irregularidade, com repercussão na validade da citação, era necessário que o embargante/recorrente a tivesse arguido em primeira instância e perante o tribunal recorrido, uma vez que, qualquer que fosse essa nulidade, não é de conhecimento oficioso (cf.º art.º 196º do Código de Processo Civil), impondo-se a sua arguição junto daquela instância.»] e da RE 11.10.2007-processo 1640/07-3 [assim sumariado: «I - Na citação postal, quase pessoal, feita em pessoa em diversa do citando, que se encontre na sua residência ou local de trabalho, deve, o distribuidor postal proceder à identificação do terceiro, advertindo-o expressamente que está obrigado a entregar prontamente a carta ao citando, e de seguida deve a secção enviar ao citando, uma carta registada, informando-o da data e do modo por que se considera realizada a citação, do prazo para deduzir oposição, das cominações em caso de revelia, do destino dado ao duplicado e da identidade da pessoa em quem a citação foi realizada. II - Recebida esta carta de advertência a citação considera-se perfeita e válida ainda que a receptora da primeira carta não tenha cumprido o encargo.»],  publicados no “site” da dgsi, e o já citado acórdão da RE de 10.4.2014-processo 783/12.5TBTVR.E1 [onde também de concluiu: «1 - Mesmo no caso de a citação ser feita em pessoa diversa do citando o prazo para contestar conta-se a partir da citação, e não a partir da notificação efectuada nos termos do art.º 241º do CPC» de 1961, a que corresponde o art.º 233º do CPC de 2013).»].
[15] Cf. o acórdão do STJ de 21.11.2002-processo 02B2634, publicado no “site” da dgsi.