Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
370/04.1TBVGS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS FUTUROS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
JUROS
Data do Acordão: 03/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA - AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 496.º , N.º 3; 564.º, N.º 2; 566.º, N.º 3 DO CC
Sumário: 1. A incapacidade permanente parcial é indemnizável por força do disposto no n.º 2 do artigo 564.º, devendo fixar-se a respectiva indemnização em conformidade com o estabelecido no n.º 3 do artigo 566.º, ambos do Código Civil, isto é segundo critérios de equidade.

2. Não são de adoptar fórmulas puristas que levem a determinar matematicamente, e de forma abstracta e mecânica, os montantes indemnizatórios, principalmente quando estão em causa danos futuros com muito longos prazos de previsão. A indemnização tem que ser feita por medida, na pessoa do lesado.

3. A indemnização em dinheiro, relativa a um dano futuro de incapacidade permanente, tem que se traduzir, de alguma forma, num capital susceptível de gerar à vítima um rendimento que tenha por referência o que esta, em virtude daquela incapacidade, poderá deixar de auferir e que se extinga no fim do período de tempo que tiver sido considerado (conjugando-se a idade da vítima com a esperança média de vida, o fim da vida activa ou a idade da reforma), pois será por essa via que se conseguirá reconstituir, tanto quanto possível, a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, artigo 562.º do Código Civil.

4. Resultando o cômputo da indemnização do juízo de equidade, formulado nos termos do n.º 3 do artigo 496.º do Código Civil, deve entender-se que esse é um juízo actualista, pois esse valor é aquele que se considera como correcto no momento em que a questão se decide.

5. Para se formular esse juízo não se recua no tempo, procurando encontrar o montante que na data do acidente, na data da propositura da acção ou na data da citação do réu seria o adequado. Logo, os juros sobre o montante da indemnização por danos não patrimoniais contam-se desde a data da decisão.

Decisão Texto Integral:
B = Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

 

I

A...., intentou, na comarca de Vagos[1], a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra a Companhia de Seguros B..... pedindo a condenação desta no pagamento de uma indemnização de 472.001 €, acrescida de juros contados desde a citação da ré.

Alegou, em síntese, que no dia 4 de Agosto de 2001 ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o seu veículo com a matrícula ZX-00-00, por si conduzido e a viatura de matrícula 00-00-NJ, pertencente e tripulado por C...., cuja responsabilidade civil se encontrava transferida para a ré, por contrato de seguro.

O acidente deu-se porque o 00-00-NJ invadiu a metade esquerda da estrada, considerando o seu sentido de marcha, tendo embatido no ZX-00-00 e também no 04-80-BN, conduzida por D...., que seguia à frente do autor, circulando estes em sentido oposto ao daquele primeiro.

Em virtude do acidente, o autor sofreu lesões, que lhe causaram cerca de 15 meses com incapacidade temporária absoluta para o trabalho e uma IPP de 74%. Por sua vez, a sua viatura sofreu diversos danos.

A ré contestou impugnando a descrição do acidente feita pelo autor, bem como alguns dos danos por este alegados.

Por fim, a ré requereu a intervenção acessória do condutor do 00-00-NJ, C...., em virtude deste conduzir com uma taxa de alcoolemia se 1,34 g/l.

Admitida esta intervenção acessória, o interveniente C... contestou impugnando a versão do acidente apresentada pelo autor na sua petição inicial e atribuindo a culpa exclusiva na produção do acidente ao condutor do 04-80-BN.

O autor replicou e requereu, nos termos do artigo 31.º-B do Código de Processo Civil, a intervenção principal da Companhia de Seguros E....., para quem se encontrava transferida, por contrato de seguro, a responsabilidade civil relativa à circulação do veículo 04-80-BN.

Esta intervenção foi admitida e a interveniente E.... contestou deduzindo a excepção de prescrição do direito que o autor contra si pretende exercer e apresentou ainda defesa por impugnação, concluindo que o acidente se deu por culpa exclusiva do condutor do 00-00-NJ. 

O autor respondeu manifestando-se pela improcedência da excepção deduzida.

Proferiu-se despacho saneador e seleccionou-se a matéria de facto relevante para a decisão da causa, fixando-se a matéria provada e a controvertida.

Realizou-se a audiência de julgamento.

Foi proferida sentença em que se decidiu:

Julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e em consequência:

- absolvo a interveniente Companhia de Seguros E.... do pedido contra si deduzido.

- condeno a Companhia de Seguros B... a pagar ao autor A.... a quantia de € 25.000 (vinte e cinco mil euros), referente à indemnização por danos de natureza não patrimonial, acrescida de juros de mora calculados desde a sentença até integral pagamento; e a quantia de € 52.751,46 (cinquenta e dois mil, setecentos e cinquenta e um mil, quarenta e seis cêntimos) referente à indemnização por danos de natureza patrimonial, acrescida de juros de mora calculados desde a citação.

Os juros serão calculados à taxa de 4% (Portaria nº 263/99, de 12.4 e Portaria nº 291/03, de 8.4).

Inconformado com tal decisão, o autor interpôs recurso, que foi admitido como de apelação e com efeito meramente devolutivo, concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1. Houve erro nas respostas dadas aos quesitos 44.º, 45.º e 46.º da base instrutória, tendo em conta, quer a prova documental que consta dos autos, quer a prova testemunhal produzida e que se encontra nos autos, em depoimentos gravados, em cassete e DVD áudio.

2. Em relação ao quesito 44.º da base instrutória (valor do salário auferido pelo autor), o tribunal recorrido deu a resposta "não provado", com o fundamento de existir discrepância entre os rendimentos declarados pelo autor e aqueles que a testemunha F.....mencionou, considerando, por isso, que não se desse como provado o exacto valor do rendimento auferido pelo autor.

3. Mas há prova documental constante dos autos que implica, só por si, outra resposta ao referido quesito 44.º.

4. O documento de fls. 310 e seguintes (Declaração de Rendimentos de IRS do ano 2000, ano anterior ao acidente), comprova que o A., nesse ano, declarou o rendimento anual de € 11.971,15 (2.400 contos), que corresponde ao salário mensal de € 855,00 (11.971,15 : 14 meses).

5. Estes valores são confirmados pela respectiva nota de liquidação referente ao ano de 2000, junta pelo A., sob doc. 1, com o seu requerimento enviado para o tribunal em 07/07/2005, onde se vê que o A., em 2000, declarou o referido rendimento global de € 11.971,15.

6. Os referidos documentos (declaração de IRS e respectiva nota de liquidação) constituem prova inequívoca de que o A. auferia, pelo menos, os rendimentos ali declarados.

7. A nova "Lei do Seguro Obrigatório" (DL 291/2007, de 21/08, na redacção do DL 153/2008, de 06/08) estatui que " ... o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal" (n.º 7 do art.º 64.º do referido DL 291/2007, de 21/08).

8. Esta norma tem claramente natureza processual e, por isso, é de aplicação imediata e a todos os casos, incluindo o dos presentes autos, pelo que, no mínimo, o rendimento mensal a considerar deveria ser de 855,00 €.

9. Mas não são excluídos outros rendimentos não declarados fiscalmente, sendo certo que ainda vigora o princípio da reconstituição natural constante dos art.ºs 562.º, 564.º e 566.º, n.º 2, todos do Código Civil.

10. Ora se o mínimo a considerar seria o rendimento fiscalmente comprovado, o certo é que foi produzida prova no sentido de que o autor auferia rendimentos superiores aos declarados fiscalmente.

11. Com efeito, o depoimento gravado da testemunha F.... (colega de trabalho do autor) admite que parte dos rendimentos não era declarada para efeitos fiscais.

12. O depoimento da testemunha F.... encontra-se gravado na cassete n.º 1, Lado A entre os n.ºs 1950 e 2370 e Lado B de 002 e 420, conforme assinalado na parte final da acta de audiência de discussão e julgamento do dia 19 de Maio de 2008.

13. Essa testemunha referiu que ganhava 1.000$00/hora (correspondente sensivelmente a 5,00 €) e que trabalhava oito ou mais horas por dia e que era aprendiz mas o A., como era mestre, ganhava pelo menos o dobro.

14. Assim, se a testemunha auferia um rendimento nunca inferior a € 880,00/mês (5,00 €/hora x 8 horas = 40,00€/dia x 22 dias/mês), admitindo que o A. ganhasse pelo menos o dobro, ganharia, pelo menos, € 1. 760,00.

15. Deve, pois, ser alterada a resposta ao quesito 44.º, assim como a respectiva motivação, pois as razões invocadas no auto de resposta a matéria de facto não são suficientes para considerar esse quesito como não provado.

16. O recorrente declarava o salário mensal de € 855,00, mas auferia quantia superior, sendo razoável e equitativo admitir-se que o seu salário ascendesse, em média, a 1.500,00 € por mês.

17. Impõe-se alterar também, em consequência do que antecede, a resposta dada ao quesito 45.º (montantes deixados de auferir pelo A. durante o período de ITA: 418 dias - cfr. resposta dada ao quesito 42.º).

18. Na verdade, auferindo o recorrente, em média, a importância mensal de € 1.500,00 e tendo estado 418 dias com incapacidade temporária absoluta para o trabalho, conclui-se que deixou de ganhar o total de € 24.085,00, incluindo subsídios de férias e de Natal.

19. Em relação ao quesito 46.º, o tribunal recorrido deu como provado que o A. ficou portador de uma incapacidade permanente geral fixável em 36%, dos quais 15% são a título de dano futuro, fundamentando esta resposta no facto do último exame (elaborado em 29/09/2008 pela Perita Dr.ª G....- fls. ... dos autos), ter em consideração a realidade mais recente, ulteriores exames de especialidade e ter sido elaborado à luz das alterações legislativas mais recentes na matéria.

20. Mas o primeiro relatório pericial, elaborado em 16/11/2007 (fls. 384 e seguintes) pelo Perito Dr.H.... , teve por base o exame médico realizado em 06/10/2005 (cfr. fls. 333) e atribuiu ao autor a IPP total de 45% (35% mais 10% de dano futuro).

21. Ora, tendo o acidente de viação dos autos ocorrido em 04/08/2001 e a data da alta clínica em 28/09/2002 (418 dias após o acidente), constata­-se que o referido exame foi realizado em data mais próxima quer do acidente, quer da data da alta definitiva e, por isso, tem em conta a existência de lesões que se aproximam mais da realidade.

22. E, do depoimento da Perita G..., gravado no DVD áudio em 00:00:00 - 00:09:34 do dia 19/11/2009, resulta que a disparidade entre as referidas incapacidades pode estar no facto de os Peritos médicos terem a indicação para aplicar a nova tabela de incapacidades.

23. Refira-se ainda que constam dos autos documentos que demonstram que o autor está incapacitado para o trabalho a 100% (cfr. documentos juntos pelo autor na audiência de julgamento realizada no dia 19/07/2008).

24. Assim, depois de analisados os referidos documentos e depoimento testemunhal, impõe-se corrigir a resposta dada ao quesito 46.º, devendo ficar provado que o A. ficou portador de uma incapacidade permanente geral fixável em 45% (35% mais 10% de dano futuro).

25. Quanto à indemnização por IPP, é certo que o Tribunal não está sujeito a qualquer critério concreto mas apenas à equidade.

26. Porém, no apuramento da indemnização para tal tipo de dano patrimonial (lucro cessante para o futuro), é de ter em conta que o cálculo do capital a antecipar se faz com recurso a tabelas financeiras, embora como indicador, bem como a progressiva baixa da taxa de juro, neste momento inferior a 2%, e ainda a inflação previsível, os ganhos de produtividade e a progressão na carreira.

27. Como tem decidido a jurisprudência, a indemnização destinada a compensar o dano resultante da IPP deve representar um capital que se extinga no fim da vida activa do lesado e que seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.

28. Interessa ainda ter em conta que o fim da vida laboral activa se atinge aos 65 anos, sendo certo que há já decisões judiciais a fixar esse limite em 70 e até 75 anos.

29. É usual o recurso à fórmula matemática constante do Ac. STJ de 05/05/1994 (CJ, ano II, 2.º, pág. 87 e segs.), ajustada nos termos referidos no Ac. Rel. Coimbra de 04/04/1995 (CJ, ano XX, 2.º, pág. 23 e segs.).

30. Assim, considerando que o autor auferia, em média, um salário de € 1.500,00 por mês e os restantes factores disponíveis (idade de 28 anos, a IPP de 45% e a progressiva baixa da taxa de juro, neste momento inferior a 2%, mais adequada à realidade actual), e tendo em conta a inflação previsível, os ganhos de produtividade e a progressão na carreira, encontramos um capital de cerca de € 230.000,00, que será o valor correcto a fixar.

31. Alterada a resposta ao quesito 45°, também a indemnização por ITA deve ser fixada para o valor que ali deve constar, isto é, para 24.085,00 €.

32. Quanto ao valor da indemnização por danos não patrimoniais, o cálculo da sentença recorrida é demasiado exíguo para tão grandes danos.

33. Com efeito, é de atender, sobretudo, às consequências físicas e morais que para o recorrente resultaram do acidente.

34. Da factualidade dada como provada vê-se que foram trágicas as consequências do acidente no estado físico e moral do recorrente:

• Em virtude das lesões sofridas no acidente o autor esteve 418 dias com incapacidade temporária profissional total;

• O autor ficou portador de uma incapacidade permanente geral fixável de 45% (ou, no mínimo de 36%), sendo certo que as sequelas implicam esforços suplementares na realização de actividades que impliquem a realização de esforços;

• As sequelas das fracturas lhe determinam marcha insegura e instável, por incompetência ao nível dos joelhos e o traumatismo vértebro medular determina-lhe raquialgias importantes; as sequelas traduzem-se ainda por marcada atrofia da coxa esquerda com limitação da força de extensão da perna, gonalgias e marcha irregular;

• Sofreu traumatismo crânio-encefálico com perda de conhecimento e sindroma pós-traumático;

• O autor sofreu dores quantificáveis no grau 5, numa escala de sete graus;

• Antes do acidente o autor era saudável, alegre e comunicativo e gostava de praticar desporto, passando a ser triste, desconcentrado e ansioso e deixando de poder praticar desporto;

• Sofreu dois períodos de internamento hospitalar, duas intervenções cirúrgicas com anestesia geral, tratamentos de fisioterapia, tem dificuldade em permanecer de pé e em subir e descer escadas, não pode correr, claudica na marcha e tem muitas dores que se acentuam com as mudanças de tempo;

• As sequelas de que ficou portador levaram o autor a alterar alguns hábitos que tinha, tendo deixado de efectuar desporto e sentindo-se diminuído com a imagem que transmite;

• O autor apresenta várias cicatrizes na coxa esquerda e claudica na marcha, o que lhe determina posições viciosas e dá origem a um dano estético fixável no grau 3, numa escala de 7 graus.

35. O recorrente, à data do acidente, tinha apenas 28 anos de idade e, se viver até à idade de 80 anos, tem 52 anos de amargura e de sofrimento.

36. As incapacidades, as dores e as consequências que ficam dos acidentes de viação constituem, em geral, o fim de uma vida saudável e são ofensas ilícitas à personalidade física e moral das pessoas, direito fundamental consagrado constitucionalmente, pelo que o quantum indemnizatório deve constituir uma contrapartida digna e justa que, no caso dos autos, será o valor de € 50.000,00.

37. Quanto aos juros, sobre a indemnização por danos não patrimoniais, em nosso entender, o momento da constituição em mora encontra-se fixado na 2.ª parte do n.º 3 do art.º 805.º do Código Civil: a data da citação.

38. A indemnização por danos não patrimoniais é calculada na petição e reporta-se à data da interpelação (citação), momento em que deveria ser satisfeita; o atraso constitui o devedor em mora e a sanção é o pagamento de juros desde a mora.

39. Não é relevante que a indemnização venha a ser atribuída mais tarde nem se diga que a indemnização foi calculada com base em critérios actuais, ao tempo da decisão, pois os critérios da jurisprudência não evoluem com tanta rapidez.

40. A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os art.ºs 496.º, n.ºs 1 e 3, 562.º, 564.º e 566.º e 805.º, n.º 3, 2.ª parte, todos do Código Civil e 64.º, n.º 7, do DL 291/2007, de 21/08.

Termina dizendo que dando provimento ao recurso, modificando as respostas aos quesitos n.ºs 44.º, dando como provado o salário mensal de 1.500,00 € (ou, no mínimo, de 855,00 €); 45.º, dando-se como provado que deixou de auferir 24.085,00 (ou, no mínimo, 13.620,15 €); e 46.º, dando-se como provada a IPP de 45%; e, em consequência, alterando a douta sentença recorrida quanto às indemnizações por ITA (24.085,00 € ou, no mínimo, 13.620,15 €), IPP (230.000,00 €) e danos não patrimoniais (50.000,00 €) se fará justiça.

A ré interpôs recurso subordinado, que foi admitido, onde formula as seguintes conclusões:

1. A sentença em crise peca por excesso na fixação da compensação por danos morais sofridos pelo Autor/Recorrido;

2. O montante da compensação, relativamente a danos não patrimoniais, "será fixado equitativamente pelo tribunal" tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil;

3. O cálculo do montante da compensação a este título devida ao Autor/Recorrido foi fixado, equitativamente, pelo Meritíssimo Juiz a quo, em € 25.000,00;

4. Esta quantia de € 25.000,00 é excessiva e, portanto, injusta,

5. No caso concreto, a compensação justa pelos danos sofridos pelo Autor/Recorrido não pode nem deve ultrapassar os € 12.500,00;

6. Quanto aos juros sobre a compensação por danos não patrimoniais, consideramos que sobre o montante fixado apenas poderão incidir juros contabilizados desde o trânsito em julgado da decisão ora em crise;

7. Discorda a Recorrente do valor de € 45.000,00, fixado a título de danos patrimoniais pela perda de capacidade aquisitiva do Autor/Recorrido;

8. A perda de capacidade de ganhe e sempre indemnizável de acordo com o prejuízo sofrido pelo lesado por força do caro experimentado e, para quantificação desse prejuízo, a lei manda atender à "diferença na situação patrimonial do lesado mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos" (cfr. artigo 566.º n.º 2 do Código Civil);

9. Facto é que o Autor/Recorrido ficou a padecer de IPP inferior à primeiramente estimada;

10. Atendendo à sua profissão (aplicador de estuques) e à idade limite de 75 anos de vida activa (manifestamente excessiva para este tipo de actividade), atribuída na douta sentença em crise, o montante a fixar-se, a título de perda de rendimentos resultantes da IPP não deverá nunca exceder os € 35.000,00;

11. A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os artigos 483.º, 494.º, 496.º, 564. e 566.º, todos do Código Civil.

Por fim, pede que seja alterada a douta decisão recorrida.

O autor e a ré apresentaram resposta ao recurso da respectiva contra-parte, reafirmando as posições já assumidas.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que, nos termos do preceituado nos artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do Código de Processo Civil, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir, no recurso principal, são as seguintes:

a) se foi correctamente apreciada a prova produzida nos autos quanto aos factos que constam nos quesitos 44.º, 45.º e 46.º da base instrutória;

b) se é adequado o valor das indemnizações fixado relativamente à IPP e à ITA do autor;

c) se é correcto o valor da indemnização estabelecido relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.

d) a partir de que momento devem ser contados os juros de mora que incidem sobre a indemnização dos danos não patrimoniais.

No recurso subordinado tais questões são parcialmente comuns a algumas do recurso principal e consistem nas imediatamente acima referidas sob b), c) e d), com excepção da referente à ITA do autor.

II

1.º

Começar-se-á pelo julgamento da questão de facto, uma vez que ela tem precedência lógica sobre as de direito.

Nos quesitos 44.º a 46.º consta:

44.º- Auferindo (o autor) em média o salário mensal de 1.500 €?

45.º- Durante o período de incapacidade temporária absoluta (o autor) deixou de ganhar o total de € 26.250,00, incluindo subsídios de férias e 13.º mês?

46.º- Após a alta clínica o autor ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 74%?

A estes quesitos a Meritíssima Juíza respondeu:

44.º- não provado.

45.º- provado apenas o que consta de 42.º a 44.º.

46.º e 58.º - provado que o autor ficou portador de uma incapacidade permanente geral fixável de 36%, dos quais 15% são a título de dano futuro, sendo certo que as sequelas implicam esforços suplementares na realização de actividades que impliquem a realização de esforços acrescidos.

Convém lembrar que se perguntava no quesito 42.º se em virtude das lesões sofridas no acidente o autor esteve desde 4 de Agosto de 2001 a 21 de Outubro de 2002 com incapacidade absoluta para o trabalho, no quesito 43.º se o autor era profissional da construção civil (aplicador de estuque) e no quesito 58.º se as consequências das lesões que o autor sofreu representam uma incapacidade parcial permanente de 69%.

Por sua vez ao quesito 42.º a Meritíssima Juíza respondeu provado que em virtude das lesões sofridas no acidente o autor esteve 418 dias com incapacidade temporária profissional total e ao 43.º respondeu provado.

No que se refere à matéria do quesito 44.º, o autor considera que tem que se aplicar o disposto no n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 153/2008, de 6 de Agosto), dado que esta norma tem claramente natureza processual e, por isso, é de aplicação imediata e a todos os casos, incluindo o dos presentes autos.

Esse n.º 7 dispõe que para o apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal.

Tendo o acidente em apreço ocorrido em Agosto de 2001, é evidente que nessa data não estava (nem podia estar) em vigor aquele n.º 7, visto que esta norma figura num diploma que só foi publicado sete anos depois (Agosto de 2008).

Na falta de norma transitória, será de aplicação imediata a nova lei processual não só às acções que sejam instauradas posteriormente à sua entrada em vigor, mas também aos actos que houverem de ser praticados nas acções ainda não terminadas[2]. Assim, se o citado n.º 7 do artigo 64.º tiver, como defende o autor, natureza processual, ele aplica-se ao presente processo, mas se a sua natureza for substantiva, já assim não será, face ao princípio estabelecido no artigo 12.º do Código Civil de que a lei só dispõe para o futuro.

Como é sabido, as normas do direito probatório material regulam a admissibilidade dos meios de prova e a força probatória de cada um deles e que, por isso mesmo, estão mais ligadas ao direito material, ao direito substantivo[3]. Este direito está mais próximo da relação jurídica material, tendo por vezes influência decisiva na sorte dela. Por isso algumas das suas disposições são tratadas para certos efeitos (aplicação no tempo e no espaço, etc.) como normas de direito substancial[4].

Já o direito probatório formal regula o modo de produção das provas (meios de prova) em juízo – os actos processuais tendentes à sua utilização (procedimentos probatórios)[5] e também os termos de as assumir ou valorar[6].

Por outro lado, importa ter presente que são normas processuais as relativas aos tipos ou modos e condições da acção (algumas delas), e principalmente relativas aos termos a observar em juízo, na sua propositura e desenvolvimento. Neste último aspecto, o processo indica os requisitos a que deve obedecer o formalismo a observar no seu desenvolvimento em juízo, ou sejam, os respectivos actos e a forma, a ordem e o tempo segundo o qual devem ser praticados (rito processual ou processo em sentido estrito)[7]. Elas regulam todo o percurso da acção até ser proferida a sentença[8].

Sendo assim, logo se conclui que o n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei 291/2007 não tem natureza processual, pois não consiste numa regra relativa à marcha do processo, não se refere ao formalismo a observar no seu desenvolvimento em juízo za processual, pois n7 do artigo 64.º do dl emposegundo o qual devem ser praticados (rito processual ou processo em e não regula o percurso da acção, nem o modo de produção ou de utilização das provas. Trata-se, sim, de uma norma de direito probatório material, que tem natureza substantiva.

Portanto, esse n.º 7 não tem aplicação imediata, o mesmo é dizer que não se pode aplicar ao caso dos autos.

Mas, isso não significa que os documentos juntos aos autos nas folhas 278 e 310 a 314, que se referem ao IRS do autor do ano 2000, não podem ser considerados. Eles serão tomados em conta como já o eram antes de existir uma norma como aquele n.º 7.

Desses documentos resulta que relativamente ao ano de 2000, o autor declarou, em sede de IRS, um total de proveitos de 2.416.100$00[9] (que correspondem a 11.589,01 €) e na liquidação do IRS desse mesmo ano, foi apurado um rendimento global de 11.971,15 €[10] (que correspondem a 2.495.769$00).

Por outro lado, a testemunha F...., que foi a única a ser ouvida ao quesito 44.º, diz que à data do acidente fazia trabalhos conjuntamente com o autor. Refere que este trabalhava na construção civil em gessos projectados. Quanto aos rendimentos que o autor tinha, provenientes do seu trabalho, a testemunha, após uma hesitação inicial, em que afirma que ele ganhava para aí o dobro do que a própria testemunha auferia, acaba depois por repetir a ideia de que o rendimento do autor seria o dobro do seu, pois ele era mestre e a testemunha era ajudante. Como a testemunha ganhava o equivalente a 700 € (na altura ainda circulava o escudo) conclui que o autor ganharia uns 1.300/1.400 €.

A testemunha também diz que ao certo quanto ele (o autor) ganhava não sei.

Não restam, então, dúvidas de que a testemunha não tem um conhecimento directo e seguro do valor dos rendimentos do autor, limitando-se a fazer uma conjectura de qual ele seria, partindo do pressuposto de que este teria o dobro dos seus proveitos. Porém, a veracidade desse pressuposto não está demonstrada, não se podendo ter o mesmo por certo, pois não há prova que sustente a afirmação de que o mestre ganhava o dobro do ajudante.

A prova documental das folhas 278 e 312 não é coincidente com o depoimento de F..... Nessa medida concorda-se com a Meritíssima Juíza, quando afirma que há uma discrepância entre aqueles documentos e este testemunho[11]. Mas, não sendo tais provas contraditórias entre si, pois não se negam ou anulam, e resultando delas uma parte comum, já não se pode acompanhar a conclusão de não provado extraída pela Meritíssima Juíza.

É verdade que o depoimento da testemunha F.... não permite alcançar um patamar de certeza quanto ao rendimento do autor, mas dele não resulta, de modo algum, que tal rendimento era inferior ao que figura na liquidação do IRS. Acresce que os documentos das folhas 278 e 310 a 314 não foram impugnados por qualquer sujeito processual.

Então, face a estas provas, deverá ter-se por assente que o autor tinha um rendimento anual de pelo menos 11.971,15 €.

Nestes termos, a resposta dada pela Meritíssima Juíza ao quesito 44.º deve ser revogada, respondendo-se nessa parte, provado que o autor auferia pelo menos um rendimento anual de 11.971,15 €.

Quanto ao quesito 45.º, como já se deixou dito, a Meritíssima Juíza respondeu provado apenas o que consta de 42.º a 44.º, sendo que se perguntava no quesito 42.º se em virtude das lesões sofridas no acidente o autor esteve desde 4 de Agosto de 2001 a 21 de Outubro de 2002 com incapacidade absoluta para o trabalho e no quesito 43.º se o autor era profissional da construção civil (aplicador de estuque). Ora, ao quesito 42.º respondeu-se provado que em virtude das lesões sofridas no acidente o autor esteve 418 dias com incapacidade temporária profissional total e ao 43.º respondeu-se provado.

Salvo melhor juízo, não se deve alterar esta resposta, pois ela permite, por remissão para o que resultou provado dos quesitos 42.º, 43.º e 44.º, determinar quanto é que o autor deixou de receber no período (418 dias) que esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho. Como é óbvio, para este efeito, ter-se-á em consideração a resposta que acima se deu ao quesito 44.º.

O quesito 46.º foi respondido em conjunto com 58.º (onde se questionava se as consequências das lesões que o autor sofreu representam uma incapacidade parcial permanente de 69%), tendo, relativamente a eles, sido considerado provado que o autor ficou portador de uma incapacidade permanente geral fixável de 36%, dos quais 15% são a título de dano futuro, sendo certo que as sequelas implicam esforços suplementares na realização de actividades que impliquem a realização de esforços acrescidos.

Nos autos foram feitas duas perícias médicas para determinar, nomeadamente, a incapacidade permanente com que o autor ficou. A primeira[12] está datada de 16-11-07 e a segunda[13] de 29-9-08. Aquela concluiu que essa incapacidade é de 45% (35% mais 10% de dano futuro) e esta que ela é de 36% (dos quais 15% são a título de dano futuro).

A Meritíssima Juíza, pelas razões expostas nas folhas 607 e 608, considerou provado que o autor é portador de uma incapacidade permanente geral fixável de 36%, dos quais 15% são a título de dano futuro, ou seja aderiu às conclusões do último dos relatórios

O autor discorda de tal perspectiva por se ter em consideração a realidade mais recente, ulteriores exames de especialidade e ter sido elaborado à luz das alterações legislativas mais recentes na matéria, realçando que o primeiro exame foi realizado em data mais próxima quer do acidente, quer da data da alta definitiva e, por isso, tem em conta a existência de lesões que se aproximam mais da realidade e que do depoimento da Sr.ª Perita G....resulta que a disparidade entre as referidas incapacidades pode estar no facto de os Peritos médicos terem a indicação para aplicar a nova tabela de incapacidades.

É verdade que, como afirma o autor, a Sr.ª Perita G..., nos esclarecimentos prestados na audiência de 19 de Novembro de 2008, disse que para a determinação da incapacidade do autor foi tida em consideração a nova tabela de incapacidades. No entanto, não se vê por que é que os peritos não se podiam socorrer dessa tabela, sendo certo que por essa via é maior a objectividade no exame feito ao sinistrado e nas conclusões que se extraem, pese embora, ainda assim, permaneça nesse campo alguma subjectividade, como salientou a Sr.ª Perita.

Acresce que a Sr.ª Perita depôs com grande convicção e conhecimento da situação clínica do autor, tendo respondido de forma fundamentada a todos os esclarecimentos que lhe foram pedidos. São também inquestionáveis a segurança e a isenção reveladas no seu depoimento. Importa também lembrar que, nessa mesma ocasião, também foi ouvido o Sr. Perito H..., que realizou a primeira perícia, tendo ambos os peritos prestado alguns esclarecimentos acerca dos mesmos factos, resultando do que por eles foi dito a existência de algum consenso.

A Sr.ª Perita esclareceu ainda que tendo realizado a sua perícia algum tempo depois de ter sido feita a primeira, as conclusões a que chegou não são iguais (também) por que a pessoa melhorou nalgumas coisas. E o Sr. Perito H... reforçou essa ideia dizendo que é natural que haja um resultado diferente na avaliação que é feita mais tarde.

É ainda oportuno destacar que a segunda perícia foi feita por dois peritos, enquanto que a primeira só teve a intervenção de um.

Por outro lado, não se vê por que motivo se deve desvalorizar a perícia feita mais recentemente, apenas porque ela está mais afastada no tempo em relação ao acidente e à data da alta definitiva. Na verdade, afigura-se, até, que por estar mais longe desses momentos é mais segura nas suas conclusões, pois estando em causa uma incapacidade definitiva, o decurso do tempo permite ter uma melhor percepção do que é definitivo e do que é temporário.

Portanto, não só não procede a argumentação apresentada pelo autor, como se reafirma a bondade da conclusão extraída pela Meritíssima Juíza, o mesmo é dizer que se não deve alterar a resposta dada ao quesito 46.º.

2.º

Estão provados os seguintes factos:

1. No dia 4 de Agosto de 2001, pelas 19h20m, o autor conduzia o veículo ZX-00-00, pela EN 335, em Vagos, seguindo no sentido Quintãs/Palhaça (al. A).

2. No mesmo sentido de marcha, e à frente do autor circulava o veículo 04-80-BN, conduzido por D.... (al. B).

3. No sentido Palhaça/Quintãs circulava o veículo 00-00-NJ, pertencente e tripulado por C.... (al. C).

4. Nessa ocasião, e em Salgueiro, os veículos ZX, BN e NJ foram intervenientes num acidente de viação (al.D).

5. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula 00-00-NJ havia sido transferida para a ré B... através do contrato de seguro titulado pela apólice nº 678973 (al. E).

6. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de 04-80-BN encontrava-se transferida para a chamada E..., mediante contrato de seguro titulado pela apólice AU-04032081 (al. F).

7. O autor nasceu a 26 de Setembro de 1972 (al G).

8. A ré B...pagou ao autor, a título de adiantamento salariais, o valor de € 3.247,40 (al. H).

9. O autor seguia pela metade direita da via, considerado o sentido Quintãs /Palhaça, a velocidade inferior a 50 Km/h (art.º 1º e 2º).

10. O veículo 04-80-BN circulava à mesma velocidade e pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha (art.º 3º e 4º).

11. Invadiu a metade esquerda da via, considerado o seu sentido de marcha e embateu com a sua frente e lateral esquerda na lateral esquerda do 04-80-BN (art.º 7º e 8º).

12. Seguidamente o NJ foi embater na frente do ZX (art.º 9º).

13. A colisão do NJ com o ZX e com o BN ocorreu na metade direita da estrada, considerando o sentido Quintas/Palhaça (art.º 10º).

14. A estada mede no local 6,80 metros de largura (art.º 11º).

15. Na altura do acidente, o C.... conduzia o veículo 00-00-NJ apresentando uma taxa de alcoolemia de 1,34 gramas/litro (art.º 12º).

16. O local onde ocorreu o acidente configurava uma recta, antecedida de uma curva à direita, atento o sentido Quintãs/Palhaça, sendo o piso em paralelo, com declive para a berma direita, atento o sentido Quintas/Palhaça (art.º 13º e 14º).

17. O autor, em virtude do acidente, sofreu fractura dos ossos da perna direita, fractura dos pratos tibiais esquerdos, fractura do punho direito, traumatismo lombar e traumatismo crânio-encefálico com perda de conhecimento (art.º 21º a 25º).

18. Foi assistido no Hospital de Aveiro, onde ficou internado e onde foi operado aos pratos tibiais à esquerda e foi tratado conservadoramente nas restantes fracturas (art.º 26º).

19. Após a alta hospitalar permaneceu no domicílio em repouso e passou depois a tratamentos ambulatórios nos serviços clínicos da ré B... até à data da alta, locomovendo-se com o auxílio de duas canadianas e fazendo tratamentos de fisioterapia (art.º 27º e 28º).

20. Em exames e consultas médicas o autor gastou € 290,00 e em transportes despendeu €1.239,00 (art.º 29º e 30º).

21. Em virtude do acidente o autor ficou com umas calças e um casco inutilizados (art.º 32º a 34º).

22. O autor tinha adquirido o ZX-00-00 cerca de seis meses antes do acidente acontecer e era ele que o utilizava (art.º 37º a 41º).

23. Em virtude das lesões sofridas no acidente o autor esteve 418 dias com incapacidade temporária profissional total (art.º 42º).

24. O autor era profissional da construção civil (aplicador de estuques) (art.º 43º).

25. O autor tinha um rendimento anual de pelo menos 11.971,15 €.

26. O autor ficou portador de uma incapacidade permanente geral fixável de 36%, dos quais 15% são a título de dano futuro, sendo certo que as sequelas implicam esforços suplementares na realização de actividades que impliquem a realização de esforços acrescidos (art.º 46º e 58º).

27. As sequelas das fracturas lhe determinam marcha insegura e instável, por incompetência ao nível dos joelhos e o traumatismo vertebro medular determina-lhe raquialgias importantes; as sequelas traduzem-se ainda por marcada atrofia da coxa esquerda com limitação da força de extensão da perna, gonalgias e marcha irregular (art.º 47º a 57º).

28. Sofreu traumatismo crânio-encefálico com perda de conhecimento e sindroma pós-traumático (art.º 59º e 60º).

29. O autor sofreu dores quantificáveis no grau 5, numa escala de sete graus (art.º 62º).

30. Antes do acidente o autor era saudável, alegre e comunicativo e gostava de praticar desporto, passando a ser triste, desconcentrado e ansioso e deixando de poder praticar desporto (art.º 63º e 64º).

31. Sofreu dois períodos de internamento hospitalar, duas intervenções cirúrgicas com anestesia geral, tratamentos e fisioterapia, tem dificuldades em permanecer de pé e em subir e descer escadas, não pode correr, claudica na marcha e tem muitas dores que se acentuam com as mudanças de tempo (art.º 65º a 67º).

32. As sequelas de que ficou portador levaram o autor a alterar alguns hábitos que tinha, tendo deixado de efectuar desporto e sentindo-se diminuído com a imagem que transmite (art.º 68º e 69º).

33. O autor apresenta várias cicatrizes na coxa esquerda e claudica na marcha, o que lhe determina posições viciosas e dá origem a um dano estético fixável no grau 3, numa escala de 7 graus (art.º 70º).

34. O ZX-00-00 sofreu estragos para cuja reparação seria necessária a utilização de mão-de-obra e a substituição de pelas no valor de € 3.890,62 (art.º 72º).

3.º

Assentes os factos provados, há que determinar a indemnização devida pelos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente geral de 36%, de que ficou a padecer ao autor, questão que é aliás comum ao recurso principal e ao subordinado.

A sentença recorrida fixou esse montante equitativamente, nos termos do disposto no artigo 566.º n.º 3 do Código Civil, em 45.000 €, recorrendo à fórmula mencionada no acórdão desta Relação de 4-4-95[14], tendo para o efeito considerado a idade de 75 anos como limite da vida activa útil e o salário mínimo nacional à data alta (€ 348,01).

O autor salienta que a indemnização destinada a compensar o dano resultante da IPP deve representar um capital que se extinga no fim da vida activa do lesado e que seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho e que se deve ter em conta que o fim da vida laboral activa se atinge aos 65 anos, sendo certo que há já decisões judiciais a fixar esse limite em 70 e até 75 anos.

Por sua vez a ré entende que, tendo presente a profissão do autor, a idade limite de 75 anos de vida activa é manifestamente excessiva.

Nesta parte, ficou provado que:

- em consequências das lesões sofridas, o autor ficou com uma incapacidade permanente geral fixável de 36%, dos quais 15% são a título de dano futuro;

- as sequelas implicam esforços suplementares nas actividades que impliquem a realização de esforços acrescidos;

- o autor era profissional da construção civil (aplicador de estuques);

- o autor tinha um rendimento anual de pelo menos 11.971,15 €;

- o autor nasceu a 26 de Setembro de 1972;

- o acidente ocorreu a 4 de Agosto de 2001 e a alta definitiva ocorreu 418 dias após a data do acidente.  

Para além destes factos, deve igualmente ter-se presente que nada se provou no sentido de que a incapacidade que o autor possui o impede de trabalhar ou que lhe causa uma diminuição dos seus rendimentos profissionais.

Como se diz no Ac. STJ de 7-2-02[15], há que distinguir entre incapacidade fisiológica ou funcional, por um lado, vulgarmente designada por "deficiência"(handicap), e incapacidade para o trabalho ou incapacidade laboral por outro. Na incapacidade fisiológica ou funcional a repercussão negativa da respectiva IPP centrar-se-á apenas numa diminuição de condição física, resistência e capacidade de esforços por parte da A., ora recorrida, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das suas diversas tarefas - maior dispêndio e desgaste físico para a execução das tarefas que do antecedente vinha desempenhando com regularidade - conf., quanto a este ponto, v.g., o Ac do STJ de 5/2/87, in BMJ nº 364º-819. E é precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais do respectivo múnus que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros. O que logo nos remete para a distinção doutrinária entre incapacidade fisiológica ou funcional, por um lado, vulgarmente designada por «deficiência» (handicap) e a incapacidade para o trabalho ou incapacidade laboral por outro. Isto apesar de uma e outra serem igualmente dignas de valorização e consequente indemnização, não obstante as regras gerais do processo indemnizatório - designadamente a chamada teoria da diferença - se ajustarem mais facilmente às situações em que a lesão sofrida haja sido causa de uma efectiva privação da capacidade de ganho - conf. neste sentido, Álvaro Dias, in "Dano Corporal - Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios", Coimbra - Almedina - 2001, págs 255-265. E, dentro desta linha de raciocínio, acrescenta o Ac. STJ de 07-07-2009[16] que essa incapacidade fisiológica ou funcional vai traduzir-se na perda efectiva de rendimentos resultante na diminuição da capacidade para os angariar. Esse corte no orçamento pessoal não pode transformar-se numa quantia correspondente à mensalmente perdida multiplicada pelo número de anos de vida (activa) do lesado. Tal seria irrealista já que a quantia encontrada iria assegurar a percepção de um rendimento muitíssimo superior ao efectivamente perdido.

Por outro lado, como se afirma no já citado Ac. STJ de 7-2-02, há lugar ao arbitramento de indemnização por danos patrimoniais, mesmo que se não haja feito prova de que a lesada, por força de uma IPP de 48%, viesse a sofrer de qualquer diminuição dos seus proventos conjecturais futuros (diminuição da capacidade gera de ganho)[17].

À luz do que se deixa dito, não há dúvida de que a incapacidade de que o autor é portador é indemnizável por força do disposto no n.º 2 do artigo 564.º, devendo fixar-se a respectiva indemnização em conformidade com o estabelecido no n.º 3 do artigo 566.º, ambos do Código Civil, isto é segundo critérios de equidade.

Com este apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa[18], pois julgar segundo a equidade significa dar a um conflito a solução que se entende ser a mais justa, atendendo apenas às características da situação e sem recurso à norma jurídica eventualmente aplicável[19]. Na verdade, equidade é um “termo de procedência latina (aequitas) com o significado etimológico e corrente de “igualdade”, “proporção”, “justiça”, “conveniência”, “moderação”, “indulgência”, é utilizado na linguagem da ética e das ciências jurídicas sobretudo para designar a adequação das leis humanas e do direito às necessidades sociais e às circunstâncias das situações singulares (a equidade é, por assim dizer, a “justiça do caso concreto”, Ac. STJ de 7-7-09[20].

Na procura dessa solução justa, a jurisprudência tem-se socorrido de fórmulas que permitam, com alguma objectividade, alcançar tal Graal. A diversidade de fórmulas utilizadas mostra, por um lado, a firme vontade de encontrar a solução ideal e, por outro lado, ao substituir-se umas por outras, o reconhecimento da imperfeição das que antecedem. Parece, pois, pacífico concluir que não há qualquer fórmula que consiga, com elevado grau de certeza e objectividade, quantificar o dano em apreço. Nessa medida, é, então, pertinente não adoptar fórmulas puristas que levem a determinar matematicamente, e de forma abstracta e mecânica, os montantes indemnizatórios, principalmente quando estão em causa danos futuros com muito longos prazos de previsão[21]. A indemnização tem que ser feita por medida, na pessoa do lesado[22].

Igualmente relevante é a ideia firmada na jurisprudência de que a indemnização em dinheiro, relativa a um dano futuro de incapacidade permanente, tem que se traduzir, de alguma forma, num capital susceptível de gerar à vítima um rendimento que tenha por referência o que esta, em virtude daquela incapacidade, poderá deixar de auferir e que se extinga no fim do período de tempo que tiver sido considerado (conjugando-se a idade da vítima com a esperança média de vida, o fim da vida activa ou a idade da reforma), pois será por essa via que se conseguirá reconstituir, tanto quanto possível, a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, artigo 562.º do Código Civil.

Tomando como boa a metodologia adoptada no Ac. do STJ de 15-6-02 (acima citado), temos que o autor teve alta definitiva (Outubro de 2002) quando tinha 30 anos de idade, tem uma incapacidade permanente geral de 36% e um rendimento anual de 11.971,15 €. Face à inflação dos últimos cinco anos e às taxas de juro e de remuneração praticadas por instituições bancárias e financeiras, considerar-se-á uma taxa de juros de capital de 3%.

Assim, se a sua incapacidade se traduzisse numa perda efectiva de rendimento em proporção igual à daquela, a perda salarial anual do autor seria de (11.971,15 € x 0,36) 4.309,61 €.

Aplicando uma regra de três simples para determinar qual o capital necessário para, ao indicado juro de 3%, se obter o rendimento anual de 4.309,61 €, chega-se ao seguinte resultado:

100 -----------------3

X --------4.309,61 €

Isto é: 4.309,61 x 100/3 = 143.653,66.

Desta forma, encontramos o valor de 143.653,66 €.

Mas, a circunstância da incapacidade não originar uma diminuição efectiva dos rendimentos do trabalho do autor, justifica que àquele valor se desconte ¼[23].

Finalmente, tal como a jurisprudência tem vindo a considerar, a antecipação do recebimento do capital constitui um benefício para quem o recebe, por não ser a mesma coisa receber uma quantia de uma só vez ou recebê-la em diversas parcelas ao longo do tempo. O recebimento da totalidade da indemnização num mesmo momento permite a sua aplicação, de modo a que tal montante gere rendimentos, coisa que não se consegue se se receber o mesmo valor durante 40 anos, em pequenas prestações mensais. Assim, deverá, também por este motivo, proceder-se a uma (segunda) redução de ¼.

Nestes termos, obtemos a quantia de 71.826,83 €, que, como resulta do que se foi dizendo, é meramente indicativa para o juízo de equidade que há que fazer.

A actividade profissional do autor (construção civil) exige, permanentemente, esforços físicos. Significa isso que o esforço que vai ter que fazer e o respectivo sacrifício sentir-se-ão de forma mais intensa do que aconteceria se o autor trabalhasse noutra área, como por exemplo a administrativa. Igualmente relevante é a circunstância de o autor se ver confrontado com tais obstáculos numa primeira etapa da sua vida profissional, visto que teve a alta definitiva quando tinha (somente) 30 anos, faltando assim 35 anos para chegar aos 65 anos, que é a idade em que, dentro da normalidade das coisas, se terminará a vida activa por se poder obter a reforma[24].

Mas, terá ainda que se ter presente que, como oportunamente salienta a Meritíssima Juíza, o capital ainda persistirá no limite da vida laboral e que 15% da IPP que lhe foi (ao autor) atribuída apenas seria a título de dano futuro.

Ponderado tudo quanto antecede, afigura-se como adequado fixar a indemnização devida ao autor, em virtude da sua incapacidade permanente geral, em 66.000 €.

4.º

O autor pretende também que se altere, para 24.085 €, o valor estabelecido na sentença recorrida, relativo à indemnização devida pela incapacidade temporária absoluta que teve em virtude das lesões sofridas.

Nesta parte, verifica-se que na sentença recorrida se concluiu que o valor correspondente às perdas salariais que (o autor) sofreu no período de 418 dias em que esteve com incapacidade temporária profissional total, contabilizadas à luz do salário mínimo vigente à data (DL 313/2000 de 2 Dezembro), considerando-se também o valor dos respectivos subsídios de férias e de Natal, o que perfaz a quantia de € 5.429,24. Acrescentando-se que este montante deverá acrescer A esta quantia ter-se-á que deduzir o valor já pago pela ré, a título de adiantamentos salariais, no valor de € 3.247,40, o que perfaz a quantia € 2.181,84.

O artigo 562.º do Código Civil estabelece o princípio de que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. E, o n.º 2 do artigo 566.º do mesmo diploma, consagra a teoria da diferença, devendo a indemnização ter como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data, se não existissem danos.

No caso dos autos, tendo-se, neste recurso, alterado a resposta ao quesito 44.º, está agora provado que o autor tinha um rendimento anual de pelo menos 11.971,15 €. Consequentemente, é esse o valor a ter como referência, e já não o do salário mínimo nacional vigente à data da alta definitiva, para se determinar a indemnização devida pelos 418 dias em que aquele esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho.

Conjugando estes dois factos com as normas acima citadas, temos que o valor que o autor deixou de receber nesse ano, um mês e 23 dias é de (11.971,15 € + 997,59 € + 764.82 € =) 13.733,56 €. Uma vez que a ré já tinha pago ao autor, a título de adiantamento salariais, o valor de 3.247,40 €, a indemnização devida neste capítulo é de 10.486,16 €.

5.º

No que se refere à indemnização pelos danos não patrimoniais, que é outro dos objectos comuns a ambos os recursos em apreço (o principal e o subordinado), importa lembrar que na sentença recorrida se estabeleceu como sendo equitativa e justa a quantia de € 25.000.

Para o autor esta indemnização deveria ser de 50.000 €. Já a ré defende que tal valor deve ser de 12.500 €.

O artigo 496.º n.º 1 do Código Civil dispõe que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, acrescentando o seu n.º 3 que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º …. Por sua vez, neste artigo 494.º diz-se que quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

Por outro lado, não sendo possível, a reconstituição natural, como normalmente sucede, a indemnização por estes danos é então fixada em dinheiro, nos termos do artigo 566.º n.º 1 do Código Civil.

O dano não patrimonial (também chamado dano moral) é a lesão que se produz em interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária. Assim acontece com as dores físicas ou sofrimentos psicológicos que decorrem para o lesado de um comportamento de outrem, constitutivo deste na obrigação de indemnizar[25].

Nesta acção, com relevância ao nível dos danos não patrimoniais, provou-se que:

- O autor nasceu a 26 de Setembro de 1972.

- Em virtude do acidente, sofreu fractura dos ossos da perna direita, fractura dos pratos tibiais esquerdos, fractura do punho direito, traumatismo lombar e traumatismo crânio-encefálico com perda de conhecimento.

- Foi assistido no Hospital de Aveiro, onde ficou internado e onde foi operado aos pratos tibiais à esquerda e foi tratado conservadoramente nas restantes fracturas.

- Após a alta hospitalar permaneceu no domicílio em repouso e passou depois a tratamentos ambulatórios nos serviços clínicos da ré até à data da alta, locomovendo-se com o auxílio de duas canadianas e fazendo tratamentos de fisioterapia.

- As sequelas das fracturas lhe determinam marcha insegura e instável, por incompetência ao nível dos joelhos e o traumatismo vertebro medular determina-lhe raquialgias importantes.

- As sequelas traduzem-se ainda por marcada atrofia da coxa esquerda com limitação da força de extensão da perna, gonalgias e marcha irregular.

- Sofreu traumatismo crânio-encefálico com perda de conhecimento e sindroma pós-traumático.

- Sofreu dores quantificáveis no grau 5, numa escala de sete graus.

- Antes do acidente o autor era saudável, alegre e comunicativo e gostava de praticar desporto, passando a ser triste, desconcentrado e ansioso e deixando de poder praticar desporto.

- Sofreu dois períodos de internamento hospitalar, duas intervenções cirúrgicas com anestesia geral, tratamentos e fisioterapia, tem dificuldades em permanecer de pé e em subir e descer escadas, não pode correr, claudica na marcha e tem muitas dores que se acentuam com as mudanças de tempo.

- As sequelas de que ficou portador levaram o autor a alterar alguns hábitos que tinha, tendo deixado de efectuar desporto e sentindo-se diminuído com a imagem que transmite.

- Apresenta várias cicatrizes na coxa esquerda e claudica na marcha, o que lhe determina posições viciosas e dá origem a um dano estético fixável no grau 3, numa escala de 7 graus.

Encontramos aqui danos, com alguma gravidade, quer pela sua natureza, quer ao nível da dor, quer da sua duração no tempo e também pelas respectivas consequências. O autor sofreu várias fracturas e traumatismos, foi sujeito a dois internamentos hospitalares e a duas intervenções cirúrgicas, submeteu-se a tratamentos ambulatórios, ficou a claudicar na marcha e com várias cicatrizes na coxa esquerda, teve e tem dores, esteve 418 dias com incapacidade temporária profissional total, tem dificuldade em permanecer de pé, viu-se obrigado a modificar alguns hábitos ao nível da prática de desporto e, de pessoa saudável, alegre e comunicativo passou a triste, desconcentrado e ansioso. Acresce que, à data do acidente o autor estava a cerca de dois meses de fazer 29 anos, o que permite afirmar que ainda era novo. Estamos, pois, sem margem para dúvidas, perante danos que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.

Já quanto à produção do acidente, provou-se que o mesmo se deu quando, seguindo o autor na sua mão de trânsito, o veículo seguro pela ré, que circulava em sentido contrário, lhe foi embater. E o condutor desta viatura apresentava uma taxa de alcoolemia de 1,34 g/l.

Não tendo esse condutor justificado a invasão da faixa de trânsito contrária à sua, deve concluir-se, para os efeitos do artigo 494.º do Código Civil, que a responsabilidade decorrente dessa conduta se funda na mera culpa[26]. Mas, dos factos provados não resulta qualquer uma das circunstâncias previstas na parte final desse artigo 494.º, que justifique que a respectiva indemnização se fixe em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados.

Por último, ter-se-á presente, como referência, o decidido pelo STJ em algumas decisões recente, como as de 18-6-09 no Proc. 1632/01, de 25-6-09 no Proc. 08B3234 e de 24-9-09 no Proc. 09B0037[27], na medida em que, como se diz neste último aresto naturalmente que o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.

Tudo ponderado, conclui-se que esta indemnização deve ser fixada em 27.000 €.

6.º

A última das questões a apreciar, também comum aos dois recursos, consiste em determinar o momento a partir do qual devem ser contados os juros de mora que incidem sobre a indemnização dos danos não patrimoniais.

A Meritíssima Juíza considerou que sobre o montante correspondente aos danos não patrimoniais incidem juros contabilizados desde a presente decisão, uma vez que o montante apurado corresponde ao montante actualizado (cfr. acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 4/2002, de 27 de Junho - “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.”).

Nesta questão o autor defende que a indemnização por danos não patrimoniais é calculada na petição e reporta-se à data da interpelação (citação), momento em que deveria ser satisfeita; o atraso constitui o devedor em mora e a sanção é o pagamento de juros desde a mora. Por isso não é relevante que a indemnização venha a ser atribuída mais tarde nem se diga que a indemnização foi calculada com base em critérios actuais, ao tempo da decisão, pois os critérios da jurisprudência não evoluem com tanta rapidez.

Por sua vez, para a ré, nesta parte, apenas poderão incidir juros contabilizados desde o trânsito em julgado da decisão ora em crise.

No Ac. do STJ 4/2002, de 9-5-02[28] (de uniformização de jurisprudência), decidiu-se que sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.

Ora, o juízo de equidade, formulado nos termos do n.º 3 do artigo 496.º do Código Civil, de que resulta o montante desta indemnização, é um juízo actualista, pois esse valor é aquele que se considera como correcto no momento em que a questão se decide. Para se formular esse juízo não se recua no tempo, procurando encontrar o montante que na data do acidente, na data da propositura da acção ou na data da citação do réu seria o adequado. Como bem se salienta no Ac. STJ de 25-10-07[29], se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado.

Assim, os juros de mora da indemnização relativa aos danos não patrimoniais devem ser contados desde a data da sentença recorrida, como, aliás, nesta se decidiu.

III

Com fundamento no atrás exposto, julga-se:

a) parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor e, em consequência, condena-se a ré a pagar-lhe a indemnização de:

- 66.000 €, relativa à incapacidade permanente geral;

- 10.486,16 €, relativa à incapacidade temporária absoluta;

- 27.000 €, relativa aos danos não patrimoniais.

b) improcedente na restante parte o recurso interposto pelo autor.

c) improcedente o recurso subordinado interposto pela ré.

No mais, matem-se a decisão recorrida.  

Custas da acção e do recurso principal pelo autor e pela ré, na proporção dos seus decaimentos.

Custas do recurso subordinado pela ré.


[1] Em Abril de 2009 o processo foi remetido para o, então criado, Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro, da comarca do Baixo Vouga.
[2] Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 8.ª Edição, pág. 64.
[3] Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª Edição, pág. 581.
[4] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 193.
[5] Manuel de Andrade, obra citada, pág. 193 e 194.
[6] Remédio Marques, obra citada, pág. 581.
[7] Manuel de Andrade, obra citada, pág. 3 e 4.
[8] Pais de Amaral, obra citada, pág. 17.
[9] Cfr. folha 312.
[10] Cfr. folha 278.
[11] Cfr. folha 608.
[12] Cfr. folhas 383 a 387.
[13] Cfr. folhas 552 a 562.
[14] C.J., 1995, Tomo II, pág.26. A fórmula que se encontra neste acórdão está descrita de uma forma mais pormenorizada do que a que figura na decisão em apreço, o que facilita a sua compreensão.
[15] Proc. 01B3985, www.dgsi.pt/jstj.
[16] Proc. 858/05 7 TCGMRS.1, www.dgsi.pt/jstj.
[17] No mesmo sentido veja-se o Ac. STJ de 23-5-02, Proc. 02B1104, www.dgsi.pt/jstj.
[18] Dário de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3.ª Edição, pág. 107.
[19] Ana Prata, Dicionário Jurídico, 5.ª Edição, Vol. I, pág. 600.
[20] Proc. 704/09.9TBNF.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[21] Ac. STJ de 25-6-02 Proc. 02A1321. Neste sentido veja-se também o Ac. do STJ de 6-3-07, Proc. 07A277, ambos em www.dgsi.pt/jstj.
[22] Dário de Almeida, obra citada, pág. 136.
[23] Neste sentido veja-se o Ac. STJ de 6-7-04, Proc. 04A2318, www.dgsi.pt/jstj.
[24] Cfr. artigo 22.º n.º 1 do Decreto-Lei 329/93, de 25 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 9/99, de 8 de Janeiro.
[25] Ana Prata, obra citada, pág. 437.
[26] Culpa em sentido estrito ou negligência, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª Edição, pág. 468.
[27] Podem ser consultadas em www.dgsi.pt/jstj.
[28] Diário da República, I Série A, de 27 de Junho de 2002.
[29] Proc. 07B3026, www.dgsi.pt/jstj.