Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
588/11.0JACBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: REENVIO PARCIAL
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRISÃO PREVENTIVA. PRAZO MÁXIMO
DECISÃO
Data do Acordão: 09/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA SERTÃ.
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 215, N.º 6, DO C.P.P.
Sumário: I - Atingida uma certa fase processual, a anulação do julgamento, do acórdão condenatório ou, reenvio total ou parcial para novo julgamento, não faz com que se recue para a fase processual anterior, no que concerne à determinação dos prazos máximos de prisão preventiva.

II - A confirmação em sede de recurso ordinário, prevista no n.º 6 do artigo 215.º do CPP, não tem de ser uma condenação definitiva, é acórdão confirmativo de condenação em 1ª instância, embora não tivesse ainda sido objeto de trânsito em julgado. A norma tem em vista apenas um determinado patamar do iter processual e esse foi, sem dúvida, alcançado.

III - a razão de ser da lei é a de que a existência de uma decisão do tribunal de 1ª instância e de um tribunal de 2ª instância, no mesmo sentido, constitui fundamento suficiente para alargar o prazo da prisão preventiva. Alargamento necessário para evitar a extinção automática de uma medida, de natureza cautelar, por efeito da interposição de sucessivos recursos. Tendo em vista ainda que, tendo duas instâncias decidido no mesmo sentido, sai reforçada a probabilidade de acerto, justificando, por isso, o alargamento do prazo da medida de natureza cautelar.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferido despacho a ordenar a imediata libertação do arguido A..., com o seguinte teor:

“Atento o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que antecede, e respetivo dispositivo final, não se pode neste momento concluir continuar a existir o pressuposto previsto no art. 215, n.º 6, do CPP, de a "sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário".

Foi-o entretanto.

Deixou de o ser, deixando de existir tal pressuposto, com a prolação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já que a repetição do julgamento que assim se ordenou, com base em erro notório e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (arts. 410, n.º 2, al. a), e 434, do CPP), se destina a apurar e decidir, novamente, em sede de matéria de facto, e de Direito, dos elementos subjetivos do tipo de homicídio, simples e/ou qualificado (designadamente da "intenção de matar", se foi com dolo direto, necessário ou eventual, e se houve "alteração da decisão inicialmente tomada").

Do novo julgamento e nova decisão a proferir não se podem excluir quaisquer soluções a respeito, incluindo absolutórias e/ou outras.

Por outro lado, o dispositivo final do Acórdão do STJ em causa, implica sempre a ineficácia atual dos efeitos do Acórdão do TRC, quanto ao crime de homicídio, pelo que aquela "confirmação" (AcTRC), deixou, impreterivelmente, de o continuar a ser neste momento.

É esta também a posição de Albuquerque, Paulo Sérgio Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição atualizada, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2008, págs. 595 e 596, para quem, só com "confirmação" eficaz (ainda que inferior, igual ou superior, na pena aplicada) do competente Tribunal da Relação, estando em causa prazos de prisão preventiva muito superiores aos previstos nos números anteriores, "só nesta medida se verifica uma convergência entre o TC e o tribunal de primeira instância no juízo sobre a culpa e a gravidade da pena", e "só nesta medida se verifica uma verdadeira reiteração pelo TR do juízo da primeira instância sobre a culpa e a gravidade da pena".

É o que resulta também dos AcTRC de 23/02/2.011 (processo n.? 1499/08.2PBVIS-G.C1), AcSTJ de 27/09/07 (processo n.º 07P1780), AcSTJ de 30/01/2013 (processo n.º 10/13.8YFLSB) (Resulta deste último: "I - O art. 215, n.º 6, do C. P. Penal, ao dispor que o prazo da prisão preventiva se eleva "para metade da pena que tiver sido fixada", está a reportar-se à pena que o arguido irá, plausivelmente, cumprir no futuro, caso transite em julgado a condenação (ora, no caso concreto, deixou de existir "condenação" no TRC). II - Com efeito, a razão de ser da lei, ao alargar desmesuradamente (nalguns casos) o prazo máximo da prisão preventiva, encontra-se na relativa estabilização da situação prisional que a dupla conforme condenatória faz presumir, mesmo antes do trânsito em julgado da sentença, pois, ou já não há lugar a mais recursos ordinários, ou, havendo-o, só se podem suscitar questões de direito e os factos consideram-se, por regra, definitivamente fixados (ora, deixou de haver "dupla conforme em MC"). III - Essa presumível estabilização da condenação autoriza o prolongamento da prisão preventiva até à altura em que poderia haver o beneficio da liberdade condicional, caso o condenado estivesse no cumprimento da pena. Ora, o cumprimento da pena, quando se executar, far-se-á pela pena única fixada e não por uma das penas parcelares aplicadas ao concurso de infrações" ).

Consequentemente, esgotados todos os prazos previstos no art. 215 do CPP, incluindo aquele previsto no n.º 6 do referido preceito legal, outra alternativa não resta do que, em obediência aos princípios da legalidade e da proporcionalidade, ordenar a cessação da medida de coação da prisão preventiva, e a imediata libertação do arguido, o que assim se determina - arts. 191 e ss., esp. 193 e 215, do CPP.

Sem prejuízo, atentas as elevadíssimas exigências de prevenção do caso concreto, determina-se, consequentemente, ao abrigo dos supra referidos preceitos legais, esp. arts. 198,200, n.º 1, als. b) e d), e 3, do CPP, a proibição de o arguido se ausentar para o estrangeiro, e não contactar, por qualquer meio, com familiares das vítimas e vítimas, e não frequentar lugares em que se encontrem familiares das vítimas e vítimas, bem como a aplicação da obrigação de apresentações periódicas diárias, todos os dias, no posto policial da sua residência, no horário de expediente.

Comunique aos órgãos policiais da residência do arguido e dos ofendidos, para que vigiem as medidas ordenadas.

Diligencie pela não concessão de passaporte e/ou renovações do mesmo ao arguido, informando as entidades competentes.

Diligencie pela inserção da informação e das medidas de coação ordenadas no sistema Chengen, e comunique a mesma aos órgãos policiais dos postos fronteiriços, aos aeroportos e portos.

Notifique o arguido para entregar os passaportes que detenha.

Notifique os ofendidos.

Comunique aos Venerandos Tribunal da Relação de Coimbra e Supremo Tribunal de Justiça.

Cumpra de imediato.

Notifique e proceda-se de imediato. D.N.


***

Destes despacho interpôs recurso o Magistrado do Mº Pº formulando as seguintes conclusões e, que delimitam o objeto:

I - A questão que se coloca no presente recurso é a de saber se, tendo o arguido sido condenado na primeira instância na pena única de 20 anos de prisão pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de um crime de Violência Doméstica (art. 152, nº 1, b) e 2 do CP) e de um crime de Homicídio Qualificado (art. 131 e 132, nº 1, al. i) e j) do CP), a qual é confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, em sede de recurso ordinário, mas em que, também em sede de recurso ordinário, no Supremo Tribunal de Justiça se decide reenviar, parcialmente, o processo para novo julgamento no TRC, por desta última decisão não constar o elemento subjetivo do crime de homicídio qualificado, se encontram esgotados todos os prazos previstos no art. 215 do CPP (incluindo aquele previsto no nº 6 do referido preceito legal), como decidiu o tribunal recorrido, ou se se aplica à situação dos autos os prazos máximos da prisão preventiva do artigo 215, nº 6 do Código de Processo Penal, como defendemos.

II - Dispõe o artigo 215, nº 6 do CPP que "No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada. (...)".

III - A ratio legis deste preceito plasmada na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 109/X, que está na base da Lei nº 48/2007, é clara: "os prazos de prisão preventiva são reduzidos em termos equilibrados, para acentuar o caráter excecional desta medida sem prejudicar os seus fins cautelares. Todavia, no caso de o arguido já tiver sido condenado em duas instâncias sucessivas, o prazo máximo eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada. Embora continue a valer o princípio da presunção de inocência, consagrado no nº 2 do artigo 32 da Constituição, a gravidade dos indícios que militam contra o arguido justifica aí a elevação do prazo."

IV - Tal dispositivo legal consagra um regime de exceção que colhe justificação, por um lado, na gravidade do crime e da pena aplicada, por outro, no elevado grau de certeza que a confirmação da pena aplicada na 1.ª instância, por um tribunal superior, configura - quer quanto à prática do crime e sua autoria, quer quanto à culpa do agente, e visa evitar expedientes meramente dilatórios com vista a provocar a extinção da medida de coação por esgotamento do prazo.

V - É jurisprudência uniforme dos nossos tribunais superiores, que o artigo 215, nº 6 do Código de Processo Penal - não impõe o trânsito em julgado da decisão do tribunal de recurso, já que basta a confirmação por este da condenação, pelo Tribunal da Relação.

VI - Entendemos, pois, que tal preceito tem aplicação no caso sub judice, desde logo, por existir um juízo confirmativo de uma sentença condenatória que preenche, por si, o requisito legal de que depende a elevação do prazo máximo da prisão preventiva.

VII - Ao contrário do que defende o Tribunal Recorrido, com a prolação do Acórdão do STJ não deixou de existir o pressuposto previsto no artigo 215, nº 6 do CPP, ou seja, de a "sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário" pois tal decisão do STJ não revoga os efeitos decorrentes do facto de já ter sido proferida decisão condenatória em 1ª Instância, confirmada pelo Tribunal da Relação, tratando-se de uma mera "não decisão" da questão jurídica e fáctica por parte do STJ, que apenas determina o reenvio parcial do processo para o Tribunal da Relação para novo julgamento, quanto às questões relacionadas com a "modalidade do dolo" com que atuou o arguido.

VIII - Ora, no caso em apreço, tendo a pena de 20 anos de prisão aplicada em 1ª Instância, sido mantida pelo TRC, o prazo de prisão preventiva eleva-se para metade da pena, ou seja, 10 anos, pelo que, estando o arguido preso preventivamente desde 30/08/2011, aquele prazo máximo de prisão preventiva de forma alguma se mostra esgotado (aplicando-se o disposto no artigo 215, nº 6 do CPP).

IX - Não se encontram ultrapassados os prazos máximos de duração da medida de coação de prisão preventiva aplicada ao arguido, pelo que o despacho recorrido deveria ter mantido o respetivo estatuto coativo, ao contrário de ordenar, como ordenou, a cessação da medida de coação da prisão preventiva e a imediata libertação do arguido, nos termos do disposto nos artigos 191 e segs., em especial artigos 193 e 215 do CPP.

X - Mesmo que assim se não entenda, sempre se dirá que a circunstância de não constar, de forma líquida, da matéria de facto dada como assente pelo Tribunal da Relação de Coimbra, o elemento subjetivo do crime de homicídio qualificado, por cuja prática o arguido A ... foi condenado, não pode ter consequências jurídicas para efeitos de deixar de se manter o pressuposto do nº 6 do artigo 215 do Código de Processo Penal, não implicando, pois, como decidiu o despacho recorrido, a ineficácia atual dos efeitos do Acórdão do TRC e a consequente cessação da medida de coação de prisão preventiva e a imediata libertação do arguido.

XI - De facto, face ao acervo factual já dado como provado, resultante de todos os contributos probatórios, ou seja, da confissão do próprio arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, das declarações da assistente, bem como de todos os depoimentos e meios de prova documentais e periciais juntos aos autos, o arguido sempre será condenado, sem margem para dúvidas, no novo Acórdão a proferir pelo crime de Homicídio Qualificado, o que, numa condenação em pena mínima, dentro de uma moldura legal abstrata de 12 a 25 anos de prisão, fixa o prazo mínimo da prisão preventiva em 6 anos.

XII - Mesmo que soçobre a condenação do arguido pela prática do crime de Homicídio Qualificado, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, sempre terá o mesmo que ser condenado pelo crime de Homicídio Voluntário Simples, p. e. p. pelo artigo 131 do CP, punido com pena de prisão de 8 a 16 anos, pelo que o prazo máximo de prisão preventiva, será no mínimo, de 4 anos, por força do disposto no artigo 215, nº 6 do CPP, prazo este que também não se mostra excedido.

XIII - No caso em apreço continuam a verificar-se, de forma acentuada, os requisitos gerais de aplicação da medida de coação de prisão preventiva, previstos no artigo 204 do Código de Processo Penal, aludindo ao perigo real do arguido se colocar em fuga à ação da justiça (não nos primeiros tempos mas depois, quando se aperceber que a prisão é uma hipótese de novo cada vez mais real), bem como ao perigo real de o arguido perturbar de forma grave a ordem e tranquilidade públicas, pelo que se nos afigura que as demais medidas de coação legalmente previstas são manifestamente ineficazes para fazer face aos aludidos perigos.

Afigura-se-nos que o recurso deverá ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido e ordenada a sujeição do arguido à medida de coação de prisão preventiva.

Responde o arguido concluindo:

I - Atendendo ao dispositivo final do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça deixou de existir o pressuposto previsto no artigo 215 n.° 6 do C.P.P., de a "sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário".

2 -A sentença condenatória foi confirmada pelo Tribunal da Relação, mas deixou de o ser com a prolação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

3 - A decisão de reenvio parcial do Supremo Tribunal de Justiça para se apurar e decidir em sede de matéria de facto e de direito retira valor confirmativo ao acórdão do Tribunal da Relação, não podendo subsistir uma decisão condenatória confirmada por um tribunal Superior para efeitos de elevação do prazo da prisão preventiva.

4 - Atendendo a que o arguido se encontrava em prisão preventiva desde 29/08/2011, à data da prolação da decisão do Supremo Tribunal de Justiça - 08/01/2014, encontrava-se esgotado o prazo máximo de dois anos de prisão preventiva previsto no artigo 215 n.° 2.

5 - O despacho recorrido não padece de qualquer vício, devendo ser mantido

Deve ser negado provimento ao recurso.

Nesta Relação, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir:


***

           

            Conhecendo:

            As questões suscitadas no recurso respeitam a:

            - Saber se, decidindo o STJ reenviar, parcialmente, o processo para novo julgamento no TRC para apuramento do elemento subjetivo do crime de homicídio, deixa, ou não, de haver confirmação da sentença condenatória para efeitos do disposto no nº 6 do art. 215 do CPP.


***

Refere o nº 6 do art. 215 do CPP que, “6 - No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada”.

No caso presente não está em causa que a sentença condenatória da primeira instância foi confirmada. E há confirmação mesmo que se atendesse somente à interpretação literal.

            Mas tem-se entendido e veja-se o Ac. do TC n.º 603/2009, in www.tribunalconstitucional.pt., ao referir «A “confirmação” opera quando o tribunal de recurso rejeita o recurso nos termos do artigo 420 do CPP (e, por isso, não altera o julgado) ou aplica pena igual, inferior ou superior à pena da sentença recorrida, visto que, em qualquer desses casos há um juízo confirmativo de uma sentença condenatória que preenche, por si, o requisito legal de que depende a elevação do prazo máximo da prisão preventiva».

            A questão é a de saber se o reenvio parcial pelo STJ invalida ou não aquela confirmação.

            No despacho recorrido entendeu-se que invalida e, o recorrente entende que não.

            Entendemos que a razão assiste ao recorrente.

            A este propósito consignou-se na Exposição de Motivos, da Proposta de Lei n.º 109/X, que está na base da Lei n.º 48/2007, que «Os prazos de prisão preventiva são reduzidos em termos equilibrados, para acentuar o carácter excecional desta medida sem prejudicar os seus fins cautelares. Todavia, no caso de o arguido já ter sido condenado em duas instâncias sucessivas, o prazo máximo eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada. Embora continue a valer o princípio da presunção da inocência, consagrado no n.º 2 do artigo 32 da Constituição, a gravidade dos indícios que militam contra o arguido justifica aí a elevação do prazo».

            O n.º 6 do art. 215 do Código de Processo Penal, foi introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto e, não tinha qualquer correspondência em disposição anterior.

            No entanto e a propósito de outras normas respeitantes a prazos de prisão preventiva e noção de condenação referiu o Ac. do STJ de 11-07-2002 que, “a anulação do julgamento em consequência de recurso não tem a virtualidade de fazer considerar, para efeitos de contagem de prazo máximo de prisão preventiva do art. 215 do CPP, que ainda não houve condenação em primeira instância”.

            Aí se refere, “Como se refere no Ac. deste STJ de 21-12-1994 (in Col. Jurisp. STJ, , III, 264)… quando ocorra a situação em causa, de interposto recurso, o processo já ultrapassou a fase de inexistência de julgamento na 1ª instância, prevista na al. c)  do nº 1 do art. 215 do CPP e saltou para a imediata, prevista na al. d) do mesmo nº e art., a de inexistência de condenação com transito em julgado”.

Atingida uma certa fase processual, a anulação do julgamento, do acórdão condenatório ou, reenvio total ou parcial para novo julgamento, não faz com que se recue para a fase processual anterior, no que concerne à determinação dos prazos máximos de prisão preventiva.

Seria um entendimento totalmente inaceitável, refere o Ac. do STJ de 1994, citado e remetendo para o Ac. do mesmo Tribunal de 12-08-2001, no proc. 2814/01/5ª S.

Também o Ac. do STJ de 14-05-2008, no proc. 08P1672, refere que, “V - O TC, no seu acórdão n.º 404/2005, de 22-07-2005, Proc. n.º 546/2005 (in DR, II Série, de 31-03-2006), decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do art. 215, n.º 1, al. c), com referência ao n.º 3, do CPP, na interpretação que considera relevante, para efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a sentença condenatória em 1.ª instância, mesmo que em fase de recurso venha a ser anulada por decisão do Tribunal da Relação. Abordando o entendimento de que a anulação da condenação não tem como efeito o regresso ao primeiro limite, defende que esse entendimento, além de se mostrar juridicamente fundado na distinção entre os efeitos da nulidade e da inexistência, se mostra adequado aos objetivos do legislador, pois respeita a intenção de o processo chegar à fase da condenação em 1.ª instância sem ultrapassar 3 anos de prisão preventiva, e não se mostra diretamente violador de qualquer norma ou princípio constitucionais.

VI - Segundo a jurisprudência do TEDH, o período de tempo a considerar como prisão preventiva termina com a decisão, em 1.ª instância, sobre o mérito da acusação, o que está associado ao entendimento de que o que o n.º 3 do art. 5 da CEDH garante é que qualquer pessoa presa ou detida tem direito a ser julgada num prazo razoável. Este julgamento é o julgamento em 1.ª instância. Efetuado este, entra-se já na fase dos recursos e aí a regra que valerá é a do art. 6, n.º 1, sendo sabido que prazo razoável para efeitos do art. 5, n.º 3, é diferente de prazo razoável para efeitos do art. 6, n.º 1.

VII - Também o acórdão do TC n.º 208/2006, de 22-03-2006, Proc. n.º 161/2006 (in DR II Série, de 04-05-2006), versou esta questão e decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do art. 215, n.º 1, al. c), com referência ao n.º 2, do CPP, na interpretação que considera relevante, para efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a decisão condenatória proferida em 1.ª instância, ainda que, em fase de recurso, se venha a determinar a repetição do julgamento em 1.ª instância, a fim de se proceder à documentação de declarações,(sublinhado nosso).

VIII - Num caso em que foi proferida decisão condenatória por um tribunal em audiência pública, com produção de prova sujeita a contraditório, numa fase processual, finda a qual se iniciou uma outra – a fase de recurso – na qual se insere a decisão de repetição na 1.ª instância da análise dos meios de prova, aferição das razões da credibilidade e convencimento das fontes, procedendo ao exame crítico das provas e exposição do iter que conduziu à fixação da facticidade naquele sentido e não noutro, é de concluir que houve uma condenação em 1.ª instância, embora não tivesse ainda sido objeto de trânsito em julgado.

IX - Como se diz no acórdão do STJ de 22-12-2003 (Proc. n.º 4499/03 - 5.ª), a al. c) do n.º 1 do art. 215 do CPP não se refere a sentença definitiva (a esse momento processual refere-se a alínea seguinte) nem se preocupa com as vicissitudes por que eventualmente passe, depois de proferida pelo tribunal competente. Tem em vista apenas um determinado patamar do iter processual e esse foi, sem dúvida, alcançado”.

A situação tem a mesma aplicação e entendimento. A confirmação em sede de recurso ordinário, prevista no nº 6, não tem de ser uma condenação definitiva, é acórdão confirmativo de condenação em 1ª instância, embora não tivesse ainda sido objeto de trânsito em julgado. A norma tem em vista apenas um determinado patamar do iter processual e esse foi, sem dúvida, alcançado.

E, em concreto não se encontra jurisprudência para a norma do nº 6 porque a regra é o STJ julgar de direito e em termos definitivos, confirmando ou revogando (total ou parcialmente). A situação em causa, de reenvio, é exceção e de rara verificação.

Também o Ac. desta Rel. Coimbra de13-06-2012, no proc. 104/07.9JBLSB-C.C2, refere: “no momento da aplicação da norma do art. 215 nº 6 a decisão confirmatória ter sido revogada em via de recurso - poderia entender-se que, com a revogação da decisão do tribunal de 2ª instância desapareceu o fundamento da “conformidade”.

No entanto, tal solução levaria desde logo ao absurdo de, quando o fundamento do alargamento do prazo é mais candente, este deixaria, sem mais, de ser possível.

Ora a razão de ser da lei é a de que a existência de uma decisão do tribunal de 1ª instância e de um tribunal de 2ª instância, no mesmo sentido, constitui fundamento suficiente para alargar o prazo da prisão preventiva. Alargamento necessário para evitar a extinção automática de uma medida, de natureza cautelar, por efeito da interposição de sucessivos recursos. Tendo em vista ainda que, tendo duas instâncias decidido no mesmo sentido, sai reforçada a probabilidade de acerto, justificando, por isso, o alargamento do prazo da medida de natureza cautelar.

Trata-se aliás de situação semelhante á de - apesar da “confirmação” da decisão recorrida pelo tribunal da relação – ter sido determinado, em via de recurso, pelo STJ, o reenvio do processo para novo julgamento ou a anulação da decisão recorrida.

Entendendo-se que a decisão da relação, embora sujeita a revisão ou anulada pelo tribunal de recurso, não deixou de existir e produzir efeitos como reapreciação confirmatória da decisão do tribunal de 1ª instância enquanto tal – designadamente para os efeitos de alargamento do prezo de medida de natureza cautelar. Neste sentido, tendo em vista decisão revogada com reenvio para novo julgamento – cfr. Ac. STJ de 27.11.2007, processo 3773/07-5; E tendo em vista o acaso de anulação da sentença – cfr. Ac. STJ de 27.11.2006, processo 05P1834; ambos citados por Vinício Ribeiro CPP Anotado, p. 605, em anotação ao art. 215”.

Face ao exposto entendemos dever ser dado provimento ao recurso e, revogado o despacho recorrido, por não se encontrar ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva previsto no nº 6 do art. 215 do CPP.

            Decisão:

Atentos ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em julgar procedente o recurso interposto pelo magistrado do Mº Pº e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido e ordena-se que seja substituído por outro que, considere não estar ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva previsto no art. 215 nº 6 do CPP.

Sem tributação.

Coimbra, 10 de Setembro de 2012                                    

(Fernando Dias - relator)

(Orlando Gonçalves - adjunto)