Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARVALHO MARTINS | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO CHEQUE PRESCRITO DOCUMENTO PARTICULAR AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 09/13/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COIMBRA – 3º JUÍZO CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.46, 864-A CPC, 458 CC, 52 LUCH | ||
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Sumário: | 1. Prescrita a obrigação cambiária constante do cheque, este poderá continuar a valer como título executivo, enquanto documento particular, assinado pelo devedor, no âmbito das relações credor-originário / devedor-originário e para a execução da respectiva obrigação subjacente ou fundamental, nos termos do art. 46.°, al. c), do CPC, desde que o exequente alegue, no requerimento executivo, a relação causal.
2. O regime previsto no art. 458.° do CC para as declarações unilaterais de reconhecimento de dívida só é válido nas relações estabelecidas entre credor e devedor originários. 3. Assim, quem adquiriu um cheque prescrito por endosso do tomador não pode executá-lo contra o emitente a coberto dos arts. 46.°, al. c), do CPC, e 458.° do CC. 4. A ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido, prevista pelo art. 864°-A do CPC, é subsidiária relativamente à procedência do recurso interposto pela parte contrária. 5. Se o recorrente não obtém vencimento no recurso - como aqui se faz consignar - , antes a decisão é confirmatória da recorrida, embora por fundamentos que não coincidem com os alegados pelo recorrido, não pode este ver aqueles fundamentos apreciados por tribunal superior, faltando-lhe, em consequência, a legitimidade para recorrer. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I - A Causa:
Os Executados P (…) e M (…) deduziram oposição à execução que contra si instaurou P (…) — Arquitectura e Engenharia, Ldª alegando, em síntese, que os cheques dados à execução não constituem título executivo nem enquanto título cambiário, mercê do decurso do prazo de prescrição de seis meses previsto no artigo 52° da Lei Uniforme sobre Cheques e consequente extinção da obrigação cambiária deles constante, nem como documento particular, mercê da inexistência de qualquer relação subjacente entre o Exequente, portador dos cheques por os ter adquirido endosso, e os Executados opoentes, emitentes desses cheques, concluindo que o adquirente por endosso de cheque que haja prescrito não pode usá-lo em qualquer caso como título executivo, com tais fundamentos pedindo se declare a extinção da execução contra si instaurada.
A Exequente contestou a oposição aduzindo que os cheques mantêm a sua natureza de título executivo enquanto documentos particulares uma vez que no requerimento executivo foi invocada a relação causal da emissão desses cheques, consubstanciada na alegação de que os cheques foram entregues pelos Executados/oponentes à Executada (…),para pagamento de uma dívida de obras de construção que esta segunda estava a executar àqueles primeiros, e, depois, foram entregues pela “(…) à Exequente para pagamento de quantias em dívida, concluindo pela improcedência da oposição. Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que:
Pelo exposto, julgo procedente a oposição deduzida por P (…)e M (…) à execução contra si instaurou por P (…) Arquitectura e Engenharia. Ldª e, em consequência, declaro extinta essa execução em relação a eles - prosseguindo em relação à Executada C (…), Ldª - e determino o levantamento da penhora sobre os bens identificados no auto de penhora lavrado em 22.Junho.2010 da titularidade dos Executados Oponentes. Custas pelo Exequente.
P (…)Arquitectura e Engenharia Lda, não se conformando com a Sentença proferida nos autos, veio dela interpor recurso de Apelação, alegando e concluindo que:
1° Com o devido respeito e salvo diferente opinião, os factos dados como provados na Sentença merecem aplicação jurídica diferente da proferida pela Meritíssimas juiz a Quo. 2° Assim e desde logo não se atendeu à conduta dos Recorridos que entregaram os cheques totalmente preenchidos e que os mandaram cancelar impossibilitando o seu pagamento invocando para o efeito que os mesmos teriam sido extraviados quando na verdade não houve qualquer extravio. 3° Também não se atendeu ao facto de os Recorridos terem criado falsas expectativas aos Recorrentes, prometendo o pagamento dos mesmos durante um grande período de tempo, tendo posteriormente acabado por não pagar qualquer quantia. 4° O que consubstancia uma clara má fé por parte dos Recorridos, pois sabiam que ao mandarem cancelar os cheques após a sua emissão com a menção de extravio, impossibilitariam que os mesmos fossem pagos ao Recorrente. 5° A Meritíssima Juiz a Quo optou, na nossa modesta opinião, por aplicar determinadas doutrinas ao caso, afastando outras que a nosso ver imporiam a Justiça merecida ao caso em análise. 6° Refere o artigo 458° do Código Civil que se alguém por simples declaração unilateral reconhecer uma dívida, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental desde que tal reconhecimento conste de documento escrito. 7° Os Recorridos, através de um cheque reconheceram uma divida para com a Construtora V(...), divida essa líquida, com valor certo e com data de vencimento. 8° A construtora V(...) transmitiu e nomeou o aqui Recorrente para que este recebesse, em sua vez, o valor divida reconhecido pelos Recorridos, como tal assinou o documento de reconhecimento da divida e entregou-o ao Recorrente para que este se subrogasse aos seus direitos. 9º O recorrente de boa fé, apresentou os cheques a pagamento tendo estes sido devolvidos com a menção de extravio. 10º Existem vários acórdãos e jurisprudência, como os já referidos em matéria de Alegações que apontam no sentido de que os cheques valem como título executivo enquanto documentos particulares desde que preencham os requisitos do artigo 46° do CPC, o que é o caso dos cheques em análise. 11º Tratando-se de documentos particulares onde é reconhecido um valor em dívida, este pode ser transmitido desde que conste de documento escrito. 12° Os cheques mostram-se assinados pelos Recorridos que reconheceram uma dívida perante a Construtora V(...), e esta assina o mesmo documento transmitindo o crédito que possui ao Recorrente que o aceita e se vincula através da sua assinatura. 13º Ao decidir como decidiu a Meritíssima Juiz a Quo além de não ter dado relevância a toda a situação descrita, optando por seguir correntes doutrinais que se adaptarão melhor a outros casos que não este, violou as normas constantes no artigo 46° do CPC, 458° e 453° do Código Civil.
P (…) e M (…) notificados das alegações dos recorrentes, vieram apresentar as suas contra-alegações de Recurso de Apelação interposto e requerer a Ampliação do Objecto de Recurso, nos termos do art. 684º do CPC, por sua vez concluindo que
Face a tudo o exposto, deverá ser dado como provados os seguintes factos:
I. Os cheques com os n. 2445464456, 1545464657 e 9435464659, datados de 20/08/2008, 28/03/2008 e 08/04/2009 respectivamente, no montante de € 5.700,00 cada foram entregues pelos ora recorridos/executados à Construtora (…), que por sua vez endossou ao Exequente: P (…)- e Engenharia, Lda. II. Não existe qualquer relação subjacente entre a exequente e os ora recorridos/executados, encontrando se no domínio das relações mediatas. III. Os cheques 2445464456, 1545464657 e 9445464659, prescreveram a 28/02/2009, 28/03/2009 e 08/04/2009 respectivamente. IV. Os cheques objecto da presente acção executiva foram entregues (…) ao Exequente para substituição da letra n° 5007928870699998850, no montante de € 18. 900,00 tal como resulta do Doc. 3, junto com a oposição à execução e que corresponde aos recibos 104, 105 e 106 da empresa P (…)- Arquitectura e Engenharia, Lda., datados de 05/05/2008. V. A letra com o n.° 5007928870699998850, serviu de título executivo no Processo Nº 3188/08.9TJCBR, e que já se encontra extinta por pagamento integral da dívida exequenda a 18/12/2009. VI. O exequente não ignorava que os cheques foram oferecidos como substituição da letra, tendo agido com dolo, intencionalmente e com consciência, tentado extorquir dinheiro aos ora executados e usado o processo de forma reprovável. VII. A presente acção executiva provocou um decréscimo de 66% do rendimento dos ora recorridos, na sua qualidade de vida, por facto não imputável a estes. VIII. Devido às penhoras massivas sobre a propriedade e o vencimento dos ora executados tiveram de recorrer inúmeras vezes para fazer face aos dispêndios normais do dia-a-dia ao cartão de crédito, pagando juros de 25,99%. IX. Os recorridos viram-se impossibilitados de celebrar a escritura pública do imóvel com hipoteca a favor do imóvel, já que o imóvel se encontra penhorado pela presente acção executiva, impossibilitando-os de prosseguirem com a construção da sua moradia, com prejuízos a nível de pagamento de multas ao empreiteiro e necessidade de renovação de licenças camarárias. X. A decisão judicial sofre de um vício de omissão de pronúncia na condenação do exequente em litigância de má fé. Pelo que, deverão ser condenados cm litigantes de má fé, em montante não inferior a € 73.900,00, por corresponder aos danos directos por estes sofridos. XI — Finalmente, tendo em vista o carácter protelatório do recurso interposto pelo ora recorrente, pede os ora Recorridos, que seja o mesmo condenado em litigância de má fé, nos termos da lei.
P (…) Arquitectura e Engenharia Lda., tendo sido notificada do requerimento da Ampliação do objecto do Recurso apresentado pelos Executados, veio responder à mesma, agora concluindo que
1- Os cheques que servem de título à execução não foram entregues para substituição da letra 2-A execução com base na letra apenas foi extinta em 11-04-2011 3-A letra destinava-se ao pagamento de facturas/quantias diferentes das facturas pagas pelos cheques. 4-O exequente não agiu com dolo nem má fé porque apenas está a exigir o pagamento dos valores que lhe são devidos 5- A Meritíssima Juiz a Quo não deu como provados, e bem, os factos de litigância de má fé do Exequente 6-O pedido de indemnização feito pelos Executados é infundado e ainda que não o fosse não foi fundamentado nem provado 7-O pedido de indemnização contraria-se a si próprio dado que os executados alegam factos descabidos e contraditórios para fundamentar os valores pedidos alem de não fazerem prova dos factos alegados. 8-Caso tenha existido um decréscimo na qualidade de vida dos Executados esta não foi provocada pelo Exequente 9-Se os executados recorreram ao cartão de crédito tendo de pagar juros do mesmos para fazer face a despesas diárias, a responsabilidade não é do exequente dado que se os executados não saberem orientar as remunerações que recebem a título de ordenados para pagamento das suas despesas, esse é um problema exclusivo dos executados e não do exequente. 10-Se os executados não tinham dinheiro para as suas despesas correntes do dia a dia não se entende como queriam fazer uma escritura pública do imóvel e a sua construção. 11-O imóvel objecto da escritura encontrava-se penhorado no processo da letra antes de ter sido penhorado no presente processo, tendo-se mantido a penhora ate integral pagamento 12-A acção executiva é lícita e o exequente não agiu de má fé pelo que a sua conduta não causou quaisquer danos aos executados logo não poderá o Exequente e aqui Recorrente ser condenado como litigante de má fé e obrigado a indemnizar os executados/Recorridos por danos que não lhes causou.
II. Os Fundamentos:
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:
1. A Exequente “P (…) — Arquitectura e Engenharia, Lda é portadora dos seguintes cheques todos eles emitidos pelos Executados P (…) e M (…) à ordem de “Construtora (…), Ldª”; • n.° 2445464456, no valor de 5.700 €, com data de emissão em 20.Agosto.2008; • n.° 1545464657, no valor de 5.700 €, com data de emissão em 20.Setembro.2008; • n.° 9445464659, no valor de 5.700 €, com data de emissão em 30.Setembro.2008; 2. Todos os referidos cheques têm aposto no seu verso os dizeres “Construtora (…), Ld°. O gerente”, seguido de uma assinatura com o nome (…)e “P (…) - Arquitectura e Engenharia, Ldª. A gerência” seguido de uma rubrica; 3. O cheque n.° 2445464456 foi devolvido sem pagamento na Compensação do Banco de Portugal em 22.Agosto.2008; 4. O cheque n.° 1545464657 foi devolvido sem pagamento na Compensação do Banco de Portugal em 24.Setembro.2008; 5. O cheque n.° 9445464659 foi devolvido sem pagamento na Compensação do Banco de Portugal em 2.Outubro.2008; 6. No requerimento executivo, que deu entrada em juízo em 17.Março.2010, alegou o Exequente que “no 20 semestre de 2008, os Executados P (…) e M (…) entregaram à Executada Construtora (…) três cheques (...) no valor de 5.700 € cada. Por sua vez, a Executada Construtora (…) entregou esses cheques à Exequente para pagamento de quantias que se encontravam em dívida. A Exequente aceitou os cheques dado a Executada Construtora (…) lhe ter afiançado que os mesmos eram de pessoas sérias e que lhe tinham sido entregues para pagamento de uma obra. Tendo procedido ao depósito dos mesmos estes foram devolvidos”. Das conclusões apresentadas resulta a seguinte questão:
1. Se os cheques dados a execução como títulos executivos têm validade como documentos particulares?
Apreciando, dizer-se que a acção de cheque prescreve em certo prazo significa que, decorrido esse prazo, deixa de existir o direito de se recorrer aos tribunais para reclamar do não pagamento de um cheque. Prescrita, porém, a acção cambiária, o cheque passa a ter valor de documento particular como quirógrafo; conserva a eficácia como documento particular, à margem da obrigação cambial. Exactamente porque quirógrafo é um título particular de dívida, escrito e assinado só pelo devedor, art. 40º. Da LUCH (Abel Pereira Delgado, LEI UNIFORME SOBRE CHEQUES ANO TADA, 3ª EDIÇÃO (actualizada), LIVRARIA PETRONY, LISBOA, 1980, 1980, pp. 188-189). Figurando os cheques como quirógrafos, a obrigação exigida não é a cartular, mas a causal ou subjacente; os cheques apresentam, então, a natureza de simples documentos particulares e, portanto, sem força bastante para, por si sós, provarem a obrigação de pagar ou restituir as quantias recebidas pelo sacador (Ac. Rel. Porto, de 12-1-1966, in Jur. Rel., 12). O portador do cheque que o não apresente a pagamento em tempo útil, ou não faça verificar a recusa de pagamento nos termos prescritos no art. 40.º, perde a acção cambiária mas conserva as que têm como fundamento a obrigação fundamental e a de não enriquecimento (neste sentido, R. L. J., 65º - 20; LOPES CARDOSO, in Manual da Acção Executiva, 3. ed., págs. 53 e segs.). Adiantando-se, no entanto, que (art. 40º LUCH) se o autor é um endossado, não é sujeito da relação fundamental que motivou a emissão do cheque; portanto, não tem o direito de crédito sobre o emitente, mas apenas sobre o endossante (Ac. S. T. J., de 15-4-1952, in Bol., 30.9-352). Neste contexto, uma declaração unilateral da dívida, em documento escrito e assinado pelo declarante, presume que essa dívida tem uma causa, podendo, contudo, o devedor fazer prova em sentido contrário. Há, assim, uma inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental (Ac. RL, 24-5-2005: CJ, 2005, 3.°-86). Na verdade, uma declaração recognitiva ou confessória de dívida não é apenas aquela que se analisa ou conforma aos termos do n.° 1 do art. 458.° do CC, ou seja, “uma declaração unilateral nua”, sem invocação da respectiva causa. O que justifica essa específica consagração e regulamentação de tal figura é o facto de ela constituir, não um negócio sem causa - como aquela falta de indicação a tal respeito poderia fazer inculcar -, mas um negócio de causa presumida, ou seja, um negócio causal em que apenas se verifica a inversão do ónus da prova, cabendo por isso ao devedor onerado com o encargo demonstrar o contrário, vale dizer, que a causa não existe ou é inválida. Mas assim sendo, nada obsta à vinculativa emissão de uma declaração confessória ou recognitiva de dívida no âmbito de um contrato - com intervenção, portanto, de várias vontades -, com indicação da respectiva causa ou motivo determinante, e tendo designadamente em vista o estabelecimento de um esquema de pagamento - e daí essa intervenção múltipla de vontades. Sem dúvida que a um documento com esse teor assiste força executiva, nos termos do art. 46.°, aIs. b) ou e) do CPC.
Deste modo, em sede de acção executiva e suas condições, importa distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da pretensão exequenda, ou - o que vale o mesmo -, entre exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título (exequibilidade extrínseca) e validade ou eficácia do acto ou negócio nele titulado (exequibilidade intrínseca). A inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar essa função específica, a inexequibilidade da pretensão baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar (Ac. RC, 8.6.2004: Proc. 1700/03.dgsi.Net).
Prescrito um cheque, o portador perdeu o direito de acção cambiária, não podendo utilizá-lo, enquanto título de crédito, como título executivo. Nos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, há que distinguir consoante a obrigação a que se reportam emerge ou não de um negócio jurídico formal. No primeiro caso, uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não poderá constituir título executivo. No segundo caso, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime do reconhecimento unilateral da dívida previsto no art. 458.°, n.° 1, do CC, leva a admitir o cheque prescrito, enquanto documento particular, como título executivo, ao abrigo do art. 46°, al. c), do CPC, desde que a causa da obrigação tenha sido invocada no requerimento inicial da execução. O que também se harmoniza com a distinção que urge estabelecer entre o título e a causa de pedir, pois o título executivo é o documento donde consta a obrigação cuja prestação se pretende obter por via coactiva, enquanto a causa de pedir é o facto que serve de fonte à pretensão processual. É de presumira existência e validade da relação causal, invocada no requerimento executivo, como razão da ordem de pagamento que o cheque prescrito enuncia, sem prejuízo do executado poder afastar tal presunção, através de embargos, onde poderá alegar quaisquer factos que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração (AC. STJ, 29-1-2002: CJ/STJ, 2002, l.°-64).
Na relação sub judice o que se evidencia como resultando provado, constituindo o seu núcleo noemático, é que:
A Exequente “P (…) Arquitectura e Engenharia, Lda é portadora dos referenciados cheques todos eles emitidos pelos Executados P (…) e M (…)à ordem de “Construtora (…), Ldª”; (…) No requerimento executivo, que deu entrada em juízo em 17.Março.2010, alegou o Exequente que “no 2º semestre de 2008, os Executados P (…) e M (…) entregaram à Executada Construtora (…) três cheques (...) no valor de 5.700 € cada. Por sua vez, a Executada Construtora (…) entregou esses cheques à Exequente para pagamento de quantias que se encontravam em dívida. A Exequente aceitou os cheques dado a Executada Construtora (…) lhe ter afiançado que os mesmos eram de pessoas sérias e que lhe tinham sido entregues para pagamento de uma obra. Tendo procedido ao depósito dos mesmos, estes foram devolvidos”.
Perante esta constatação, vale por dizer que até mesmo um cheque, cuja ordem de pagamento foi revogada, antes de apresentado a pagamento, não produz efeitos como título executivo. Pode todavia ser considerado documento particular e executivo nos termos dos arts. 458°- 1, do Cód. Civil e 46.°, al. c), do Cód. Proc. Civil. Para tanto, é necessário que a acção executiva seja peticionada, fundamentada e instruída, com base nessa causa executiva, e que se traduz na declaração unilateral de reconhecimento da dívida exequenda (Ac. STJ, de 16.12.2004: Proc. 04B3004.dgsi.Net).
No entanto, o portador de um cheque, prescrito, que o recebeu por endosso do tomador, não pode invocá-lo como título executivo, contra o sacador por ser estranho à relação extracartular (Ac. RP, de 10.1.2005: JTRP00037563.dgsi.Net). Com efeito, o endosso dum cheque só releva enquanto cheque, por estar indissociavelmente a ele ligado (Ac. RE, de 8.3.2001: Col. Jur., 2001, 2.°-249). Nem é necessário que do cheque, enquanto documento particular, conste a razão da ordem de pagamento que enuncia, para se poder afirmar que constitui ou reconhece uma obrigação pecuniária, desde que a causa debendi tenha sido alegada no requerimento inicial da execução. Prescrita a obrigação cambiária constante do cheque, este poderá continuar a valer como título executivo, enquanto documento particular, assinado pelo devedor, no âmbito das relações credor-originário / devedor-originário e para a execução da respectiva obrigação subjacente ou fundamental, nos termos do art. 46.°, al. c), do CPC, desde que o exequente alegue, no requerimento executivo, a relação causal (Ac. STJ, de 29.1.2002, Rev. n.° 4380/01-6.°: Sumários, 1/2002).
Nestes termos, pois que, no âmbito das relações credor originário/devedor originário, e para execução da obrigação fundamental (causal), o cheque prescrito pode valer como título executivo, agora na veste de documento particular assinado pelo devedor. Para isso, no entanto, é necessário que na petição executiva (não na contestação dos embargos à execução) o exequente alegue aquela obrigação e que esta não constitua um negócio jurídico formal. O regime previsto no art. 458.° do CC para as declarações unilaterais de reconhecimento de dívida só é válido nas relações estabelecidas entre credor e devedor originários. Assim, quem adquiriu um cheque prescrito por endosso do tomador não pode executá-lo contra o emitente a coberto dos arts. 46.°, al. c), do CPC, e 458.° do CC (Ac. STJ, de 19.1.2004: Proc. 03A388 1/ITIJ/Net). * Em vertente diferenciada - a pretexto do alegado e concluído pelos recorridos - aprecie-se que, embora o art. 684°-A do Cód. Proc. Civil permita que o recorrido possa ampliar o âmbito do recurso, esta faculdade só é concretizável no caso de pluralidade de fundamentos da acção e de decaimento da parte vencedora nalgum deles, no caso de arguição de nulidade ou no caso de impugnação da decisão recorrida sobre pontos determinados da matéria de facto não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas. O recorrido não pode, pois, lançar mão da faculdade de ampliação do recurso para obter uma decisão absolutamente contrária à pretendida pelo recorrente, pois que, para tanto e posto que em parte vencido, mister se tornava que, ele próprio, interpusesse recurso (Ac. RE, de 2.3.2000: BMJ, 486.°-379).
Havendo de dizer-se, em qualquer circunstância, que a má fé se traduz, em última análise, na violação do dever de probidade que o art. 264.° do Cód. Proc. Civil, tendo em consideração a maior ou menor intensidade do dolo com que tenha agido a parte, entendido este como a consciência da sua falta de razão e da gravidade das consequências prováveis da sua conduta (Ac. RE, de 17.7.1986 BMJ, 361.°-627). Deste modo, para que a condenação como litigante de má fé do recorrente de origem se verifique à luz do artigo 456.° do Cód. Proc. Civil é necessário que o uso desse meio processual se mostre manifestamente reprovável e que tal recorrente proceda com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade (Ac. STA, de 25.2.1986: BMJ, 354.°-479). O que, aqui, de todo, não acontece. Assim, mesmo que fosse patente a litigância de má fé na 1ª instância (o que, sem dúvida alguma, não acontece, já se apreciou), não pode na fase de recurso conhecer-se de tal actividade, não tendo sido impugnada a decisão nessa parte (Ac. RL, de 24.6.1986: BMJ, 364.°-93l).
Tanto assim que, do mesmo modo, não foram dados como provados - de forma adequada -, factos de litigância de má fé da Exequente, como aqueles que o recorrido expressa pretendendo ver “reapreciada a matéria de facto que sustentou a sentença, mais especificadamente a resposta aos artigos 29.º 30.°, 31.°, 32.°, 33°, 34.°, 35º, 36.°, 37.°, 38.° e 39.°, da oposição à execução, por considerar que estes foram incorrectamente julgados, em virtude de existirem nos autos meios de prova que, sobre estes pontos, impunham que tais factos fossem dados como provados e, em consonância, fosse o ora Recorrente condenado em litigância de má fé”.
E nem podia ser de outra forma, pois que não sai provado que os cheques que servem de título à execução foram entregues para substituição da letra individualizada e que a letra se destinava ao pagamento de facturas/quantias diferentes das facturas pagas pelos cheques. Que a tanto, na sua destacada globalidade, se reconduzem os principais pontos de matéria de facto ínsitos a tais artigos.
Para além disso, configura-se como inultrapassável um recurso quanto à matéria de facto não se destinar, sem mais, a levar os juízes da relação a formular nova convicção quanto aos quesitos com cujas respostas o recorrente não concorda. O recurso tem, antes de mais nada, que demonstrar que as respostas em causa estão erradas, que os meios de prova invocados impunham uma decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Como diz Ribeiro Mendes - Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, Abril de 2009, págs. 50 e 81 -, em Portugal, os recursos ordinários são de revisão ou de reponderação da decisão recorrida, não de reexame; o objecto do recurso é constituído por um pedido que tem por objecto a decisão recorrida. A questão ou litígio sobre que recaiu a decisão impugnada não é, ao menos de forma imediata, objecto do recurso. Só depois da demonstração do erro das respostas é que se verá se elas deviam ter merecido resposta diversa. Como circunstancialmente tal não ocorreu, não se impõe qualquer outro tipo de resposta ou de consignação probatória para além da estatuída.
Ou seja, verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, n.° 1, alíneas b), c) e e) do Cód. Proc. Civil) (Ac. RE, de 22.5.1997: Col. Jur., 1997, 3.°-265).
Querendo, não obstante, tudo isto igualmente significar que a ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido, prevista pelo art. 864°-A do CPC, é subsidiária relativamente à procedência do recurso interposto pela parte contrária. Se o recorrente não obtém vencimento no recurso - como aqui se faz consignar - , antes a decisão é confirmatória da recorrida, embora por fundamentos que não coincidem com os alegados pelo recorrido, não pode este ver aqueles fundamentos apreciados por tribunal superior, faltando-lhe, em consequência, a legitimidade para recorrer (Ac. STJ, de 19.9.2002. Incid. n.° 682/02-7°: Sumários, 9/2002).
É que o ónus da prova (342º Código Civil) traduz-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta. Assim, exactamente, pois que todos os elementos considerados deficitários, alegadamente inconsiderados, pelos recorrentes, foram levados em devida conta, na decisão proferida. Acrescendo que a nulidade de omissão de pronúncia prevista na al. d) do n.° 1 do art. 668.° do CPC traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no n.° 2 do art. 660.° do citado Código, e que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras. A expressão «questões», que se lê naqueles preceitos, não abrange os «argumentos» ou «raciocínios», que não integram matéria decisória para o juiz (Ac. STJ, de 30.3.1990, Rec. n.° 2309: AJ, 7.°-90, pág. 22, e ADSTA, 346.°- 1297).
Razões que - no circunstancialismo exposto - atribuem resposta negativa à questão em 1) configurada.
Podendo, assim, concluir-se que:
1. A oposição do executado visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva. 2. Até mesmo um cheque, cuja ordem de pagamento foi revogada, antes de apresentado a pagamento, não produz efeitos como título executivo. Pode todavia ser considerado documento particular e executivo nos termos dos arts. 458°- 1, do Cód. Civil e 46.°, al. c), do Cód. Proc. Civil. Para tanto, é necessário que a acção executiva seja peticionada, fundamentada e instruída, com base nessa causa executiva, e que se traduz na declaração unilateral de reconhecimento da dívida exequenda. 3. No entanto, o portador de um cheque, prescrito, que o recebeu por endosso do tomador, não pode invocá-lo como título executivo, contra o sacador por ser estranho à relação extracartular. 4. Prescrita a obrigação cambiária constante do cheque, este poderá continuar a valer como título executivo, enquanto documento particular, assinado pelo devedor, no âmbito das relações credor-originário / devedor-originário e para a execução da respectiva obrigação subjacente ou fundamental, nos termos do art. 46.°, al. c), do CPC, desde que o exequente alegue, no requerimento executivo, a relação causal. 5. O regime previsto no art. 458.° do CC para as declarações unilaterais de reconhecimento de dívida só é válido nas relações estabelecidas entre credor e devedor originários. Assim, quem adquiriu um cheque prescrito por endosso do tomador não pode executá-lo contra o emitente a coberto dos arts. 46.°, al. c), do CPC, e 458.° do CC. 6. Para que a condenação como litigante de má fé do recorrente de origem se verifique à luz do artigo 456.° do Cód. Proc. Civil é necessário que o uso desse meio processual se mostre manifestamente reprovável e que tal recorrente proceda com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade. O que, aqui, de todo, não acontece. 7. Em Portugal, os recursos ordinários são de revisão ou de reponderação da decisão recorrida, não de reexame; o objecto do recurso é constituído por um pedido que tem por objecto a decisão recorrida. A questão ou litígio sobre que recaiu a decisão impugnada não é, ao menos de forma imediata, objecto do recurso. Só depois da demonstração do erro das respostas é que se verá se elas deviam ter merecido resposta diversa. Como circunstancialmente tal não ocorreu, não se impõe qualquer outro tipo de resposta ou de consignação probatória para além da estatuída. 8. Ou seja, verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade. 9. A expressão «questões», que se lê naqueles preceitos, não abrange os «argumentos» ou «raciocínios», que não integram matéria decisória para o juiz. 10. A ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido, prevista pelo art. 864°-A do CPC, é subsidiária relativamente à procedência do recurso interposto pela parte contrária. Se o recorrente não obtém vencimento no recurso - como aqui se faz consignar - , antes a decisão é confirmatória da recorrida, embora por fundamentos que não coincidem com os alegados pelo recorrido, não pode este ver aqueles fundamentos apreciados por tribunal superior, faltando-lhe, em consequência, a legitimidade para recorrer. O recorrido não pode, pois, lançar mão da faculdade de ampliação do recurso para obter uma decisão absolutamente contrária à pretendida pelo recorrente, pois que, para tanto e posto que em parte vencido, mister se tornava que, ele próprio, interpusesse recurso.
III A Decisão: Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente e recorridos, estes últimos porque requerentes de ampliação do objecto do recurso inconcludente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, individualmente, para cada uma das partes.
Coimbra, 13-09-2011. António Carvalho Martins ( Relator ) Carlos Moreira Moreira do Carmo |