Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
26/11.9TBMDA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: PROVA PERICIAL
FASE PROCESSUAL
RECLAMAÇÃO
RECURSO
Data do Acordão: 09/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – GUARDA – INST. CENTRAL – SEC. CÍVEL- J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO CONHECIMENTO
Legislação Nacional: ARTºS 485º E 644º DO NCPC.
Sumário: I - O procedimento probatório da prova pericial comporta as fases da sua proposição, da sua admissão, da sua preparação (fixação do objecto da perícia) e da sua produção e assunção, sendo que as reclamações contra o relatório pericial e a decisão que sobre as mesmas recaírem inscrevem-se na fase da produção e assunção.
II - A decisão de indeferimento de uma reclamação apresentada contra um relatório pericial com fundamento na insuficiência deste por alegada ausência de resposta a alguns dos quesitos formulados, por se considerar que o relatório em questão não padece de tal insuficiência, não envolve qualquer rejeição de qualquer meio de prova, especialmente nos casos em que o reclamante não demonstra e não desenvolve qualquer esforço argumentativo no sentido de que existem realmente quesitos formulados e incidindo sobre matéria passível de prova pericial que não foram objecto de resposta no mencionado relatório.

III - Tal decisão de indeferimento também não se conta entre aquelas cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.

Decisão Texto Integral:



Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

Nos autos supra identificados de acção com a forma de processo comum e emergentes de acidente de viação que o autor propôs contra a ré, realizou-se a requerimento do autor uma perícia médico-legal para avaliação do dano corporal em Direito Civil, estando o correspondente relatório documentado a fls. 235 a 240 daqueles autos.

Notificado desse relatório, em 4/12/2014 o autor veio requerer a realização de segunda perícia, tendo tal pretensão sido deferida por decisão de 12/3/2015, embora tenha sido determinado que a mesma seria realizada novamente pelo IML, tendo sido indeferida a pretensão do autor no sentido de que a perícia fosse colegial e com participação, entre outros, de um perito nomeado pelo próprio autor.

O IML realizou a segunda perícia médico-legal para avaliação do dano corporal em Direito Civil, estando o correspondente relatório documentado a fls. 55 a 61 destes autos de apelação autónoma e em separado.

Notificado desse novo relatório, o autor apresentou uma reclamação da qual consta, designadamente, o seguinte (referência Citius …):

Efectivamente, a segunda perícia, foi efectuada por peritos do I.N.M.L., mas diferentes do que haviam efectuado a primeira perícia.

Contudo, o relatório pericial, datado de 17/02/2016, de que agora o A. É notificado, sendo muito semelhante ao relatório efectuado, em 19/08/2014, pelo mesmo I.N.M.L., além de não cumprir o doutamente determinado,

e, não obstante, acrescentar algumas nuances, designadamente, com a indicação da Informação dos Serviços Clínicos da Companhia de Seguros L… (cfr. fls. 5, do relatório pericial),

e menção dos exames complementares de diagnóstico realizados ao A., designadamente “Exame Neurológico” e “Avaliação Psicológica” (cfr. fls. 8, do relatório pericial),

não responde, como se requereu, a cada um dos quesitos formulados.

EFECTIVAMENTE

O segundo relatório pericial, no que aos pontos a atribuir ao sinistrado, concerne, e não obstante, haver elementos novos, segundo os quais, importaria, a nossa ver, a atribuição de maior grau de incapacidade, atribuiu, precisamente, os mesmos pontos do que o relatório anterior, isto é, 7,390 pontos,

com o que o A., não pode, de forma alguma, conformar-se, tanto mais que de tudo quanto é vertido ao longo daquele relatório, tal importaria, em nosso entender e salvo o devido respeito, uma pontuação maior e que não se coadunam, minimamente, com o relatório, da Ex.ª Dr.ª …, também Perita Médico-Legal, Competência em Avaliação do Dano Corporal Atribuída pela Ordem dos Médicos, a qual atribui ao sinistrado 21 (vinte e um) pontos (cfr. doc. 3, da p.i., a fls…).

ACRESCE QUE

10º

E, pese embora, o I.N.M.L., ter sido notificado para dar resposta aos quesitos enunciados, quer pelo autor, quer pela ré,

11º

como se afere do relatório do I.N.M.L., as Ex.mas Sras. Peritas, não responderam a nenhum dos cinquenta e sete quesitos formulados pelo A., a fls….,

12º

limitando-se, na parte final, daquele relatório, a dizer, simplesmente, “o exame pericial é apresentado na forma de relatório escrito, encontrando-se nele contempladas todas as respostas aos quesitos formulados”,

13º

o que não poderá colher, de forma alguma, dada a disparidade abissal entre o relatório da Ex.ª Dr.ª … e o relatório do INML.

14º

É imperioso, por isso, que as Sras. Peritas atribuam e quantifiquem, tal como foi feito no relatório da Sr.ª Perita Médica Dr.ª… (cfr. doc. 3, da p.i., a fls. 12), a existência de cada uma das lesões sofridas pelo sinistrado – e que são muitas – atribuindo-lhe a respectiva pontuação, o que não se verificou “in casu”.

MAIS

15º

Refere-se naquele Relatório Pericial, sobre o “ESTADO ATUAL”, na alínea “C. EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO”, a realização ao A., dum Exame Neurológico, efectuado pelo Ex.mo Dr. … e duma Avaliação Psicológica, efectuada pela Ex.ª Dr.ª ...

16º

Acontece que, e pese embora o relatório pericial fazer menção àqueles dois exames complementares de diagnóstico, os quais concluíram pela verificação de várias sequelas e/ou lesões relacionados com o traumatismo sofrido pelo A., tais danos não foram devidamente valorados na Tabela, a fls. 10, do relatório,

17º

a par de que, foram usados valores da Tabela Nacional de Incapacidades que, em nosso entender, não contemplam a abrangência das lesões.

18º

Assim é que, confrontando as tabelas referentes ao “Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica-IPG”, nos dois relatórios, do INML, as mesmas apresentam “ipsis verbis”, os mesmos pontos,

19º

o que, salvo o devido respeito, não se podia verificar, até porque, com a realização da 2ª perícia, foram determinados outros danos permanentes e que não foram considerados, aquando da atribuição da incapacidade geral.

20º

E, se é verdade que debruçar-se sobre todos os quesitos formulados (57) leva tempo e trabalho, o futuro do sinistrado/A. e a incapacidade com que ficou e o vai acompanhar durante toda a vida, merecem ser devidamente equacionado.

II – REQUERER:

21º

Face a tudo quanto se deixou expendido, entende o A., salvo o devido respeito, que o relatório pericial, padece das deficiências supra descritas.

22º

Destarte e tendo em consideração o disposto no n.º 1 do art.º 485º do C.P.Civil, o A. RECLAMA da 2ª perícia, porquanto o mesmo padece das seguintes deficiências:

1º) As Sras. Peritas não responderam a nenhum dos cinquenta e sete quesitos formulados pelo A., a fls…;

2º) As Sras. Peritas não atribuem, nem quantificam, a existência de cada uma das lesões sofridas pelo sinistrado, individualmente e de “per si”, dando-lhe a respectiva pontuação;

3º) As. Sras. Peritas na tabela referente ao “Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica-IPG”, não atribuíram a pontuação, referente aos danos constantes do Exame Neurológico e Avaliação Psicológica, efectuado ao A., por força da 2ª perícia.

23º

É, por conseguinte, imprescindível que as Sras. Peritas não se limitem a represtinar o relatório da 1ª perícia, mas respondam cabalmente ao que é questionado para a 2ª perícia e fundamentem as respostas, atribuindo, como é óbvio, o grau de incapacidade parcial e global às lesões, físicas, neurológicas e psicológicas que afectam o sinistrado, pois só assim o relatório pericial, reflectirá a situação do A.

24º

E foi porque o A., se apercebeu daquelas deficiências, que requereu a 2ª perícia, indicando, inclusive, como sua perita, a Ex.ª Dr.ª …, perita médico-legal, com competência em Avaliação do Dano Corporal.

25º

Pelo exposto, requerem, muito respeitosamente, a V. Ex.ª, se digne ordenar a notificação das Sras. Peritas Dr.ª … e Dr.ª …, para completarem o relatório por si apresentado, nos termos requeridos.

TERMOS EM QUE e nos melhores de direito, se requer que as Senhoras Peritas se pronunciem sobre todos os quesitos e prestem os adequados esclarecimentos, completando o relatório de fls…, nos termos requeridos.”.

Sobre tal requerimento incidiu o despacho seguidamente transcrito (fls. 28 a 30 destes autos):

Notificado do segundo relatório pericial, veio o autor reclamar da mesma, nos termos do artigo 485º do CPC, constando tal reclamação de fls. 320 ss., por entender que a mesma apresenta as deficiências que enuncia, em virtude das senhoras peritas, segundo refere, não terem respondido cabalmente ao que era questionado e não terem fundamentado as suas respostas.

Nos termos do artigo 485º nº2 do CPC “se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações”.

Por seu turno o nº3 do mesmo preceito legal prevê que “se as reclamações forem atendidas o juiz ordena ao perito que complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado”.

A reclamação é, assim, o meio de reacção contra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição detectadas no relatório e visa levar o perito que o elaborou a completá-lo ou a esclarecê-lo.

No caso em apreço, verifica-se que o autor, notificado da primeira perícia, não concordou com a mesma e, por esse motivo, requereu a realização de segunda perícia, pretendendo que a mesma fosse efectuada por entidade distinta do INML, o que foi indeferido por despacho proferido nos autos, no qual se entendeu ser a esta a entidade com competência para efectuar a 2ª perícia.

Notificado, agora, da segunda perícia o autor vem reclamar, sustentando que ela se limitou a repristinar o relatório da primeira perícia, não respondendo cabalmente ao que era perguntado.

Todavia, acrescenta também o autor que foi porque se apercebeu afinal das mesmas deficiências que agora aponta de novo, que já havia requerido a 2ª perícia.

Analisando, pois, a pretensão do autor, facilmente se constata que, não obstante referir que pretende reclamar da 2ª perícia, o certo e que os motivos invocados não nos conduzem aos fundamentos da reclamação a que alude o citado preceito legal.

Com efeito, nada permite concluir que a perícia levada a efeito pelo INML apresenta quaisquer obscuridades, contradições ou deficiências, ou que não se encontra devidamente fundamentada.

Pelo contrário, é claro, e sem quaisquer contradições ou deficiências, o respectivo relatório e encontra-se fundamentado, naturalmente, com aquilo que é o entendimento de quem a realizou.

Aliás, resulta bem patente da “reclamação” agora apresentada pelo autor e tal como já acontecia quando requereu a realização da 2ª perícia, que não concorda com as conclusões a que chegaram as senhoras peritas e diverge, por isso, do modo como foi realizada a perícia.

Bastará atentar no facto de referir o autor, a dado passo do seu requerimento, que os pontos referidos nas duas perícias não se podiam verificar, que não obstante o relatório fazer menção aos exames complementares de diagnóstico, não valoraram devidamente tais danos, para se concluir que aquilo que vem manifestar é a sua discordância.

Por outro lado, e no que respeita aos quesitos formulados pelo autor e relativamente aos quais alega que não foi dada resposta, é o próprio autor que também refere que no relatório consta que no exame se contemplam as respostas aos vários quesitos formulados.

Destarte, a metodologia para a realização deste tipo de exames é fixada, naturalmente, por quem os faz, neste caso pelos peritos do INML, pelo que não poderá também a discordância em relação à mesma ser objecto de reclamação, porque nesta, repetimos, não está em causa a discordância (o que já foi apreciado na 2ª perícia).

Face ao exposto entendemos não serem de atender as reclamações apresentadas pelo autor, pelo que se indefere o requerido.

Notifique.”.

É desse despacho que apelou imediatamente o autor, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

Contra-alegou a ré, pugnando pela improcedência da apelação.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 - NCPC), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

1ª) se o presente recurso é admissível;

2ª) se deveria ter sido deferida a reclamação apresentada pelo autor em relação ao relatório da segunda perícia médico-legal para avaliação do dano corporal em Direito Civil que se realizou nos autos.

III – Fundamentação

A) De facto

Os factos provados

Os factos provados e com relevo para a presente decisão são os que emergem do antecedente relatório.

B) De direito

Primeira questão: se o presente recurso é admissível.

Nos termos do art. 644º/1 do NCPC, 1 “Cabe recurso de apelação:

a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;

b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.”.

A decisão recorrida não é passível de integração em qualquer das alíneas da norma acabada de transcrever.

Por seu turno, de entre as diferentes alíneas no nº 2 da mesma norma que consentem apelações autónomas tendo por objecto decisões diversas das enunciadas naquele nº 1, a que foi invocada pelo tribunal recorrido para admitir o recurso foi a da alínea d), na qual se prevê apelações autónomas das decisões de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova.

No caso em apreço, no despacho recorrido não houve admissão ou rejeição de qualquer articulado, restando apurar se o foi algum meio de prova.

Comece por dizer-se, em abstracto, que o procedimento probatório da prova pericial comporta quatro fases distintas, a saber: a da sua proposição, a da sua admissão, a da sua preparação (fixação do objecto da perícia) e a da sua produção e assunção - A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pp. 584 a 586.

Assim, em tese, será nas fases de admissão ou de preparação que será proferida a decisão de admissão ou de rejeição (total ou meramente parcial) da prova pericial.

As reclamações apresentadas pelas partes em relação ao relatório pericial (art. 485º/2 do NCPC) e a decisão que sobre as mesmas recair inserem-se na fase da produção e assunção da prova pericial, logo fora daquelas duas fases em que necessariamente se inscreve a decisão de admissão ou rejeição dessa prova.

Como assim, do ponto vista técnico-jurídico a decisão que conheça daquelas reclamações, acolhendo-as ou denegando-as, não é uma decisão de admissão ou rejeição de um meio de prova susceptível de ser enquadrada no art. 644º/2/d do NCPC.

Por outro lado, o meio de prova requerido pelo autor – a pericial – foi realizada, com o objecto e o âmbito que o autor requereu, tendo sido junto aos autos o correspondente relatório, pelo que não pode afirmar-se que a decisão recorrida que indeferiu a reclamação do autor contra o relatório pericial rejeitou algum meio de prova, seja porque não o tenha admitido absolutamente, seja porque tenha restringido o âmbito ou o objecto correspondente.

O que se passa é, por um lado, o autor discorda da metodologia adoptada pelas senhoras peritas no que concerne às respostas a dar aos quesitos formulados pelas partes, optando as primeiras, contra o pretendido pelo apelante, por não responder de forma autónoma, directa e individualizada a cada um dos quesitos formulados pelas partes, designadamente pelo autor, fazendo decorrer essas respostas dos termos em que se encontra redigido o relatório nas diferentes partes que o integram [Informação (História do Evento, Dados Documentais e Antecedentes), Estado Actual (Queixas, Exame Objectivo e Exames Complementares de Diagnóstico), Discussão e Conclusões], sendo certo que o tribunal recorrido ao admitir a metodologia adoptada pelas senhoras peritas e não acolhendo o pretendido pelo autor nesse âmbito não rejeitou total ou parcialmente o meio de prova requerido pelo autor, nem restringiu os seus objecto e âmbito.

Por outro lado, diverge igualmente o apelante das senhoras peritas quando estas sustentam que todos os quesitos formulados pelas partes encontram respostas no relatório pericial, sem qualquer esforço de demonstração por parte do apelante de que alguns dos quesitos oportunamente formulados não encontram resposta no dito relatório.
O recorrente não fornece um só concreto exemplo de um só quesito que tenha sido formulado e que não encontre resposta no relatório pericial do IML, sendo que, de todo o modo e mesmo sem entrar na discussão de saber se alguns dos quesitos formulados pelo autor eram ou não susceptíveis de prova pericial[1] e da devida resposta por parte das senhoras peritas, mostra-se de todo insustentável a afirmação do recorrente no sentido de que nenhum dos quesitos por si formulado encontra resposta no relatório pericial.
Um exame rápido e comparativo entre os quesitos formulados pelo autor e o relatório pericial permitem um desmentido absoluto de tal afirmação.

Assim e apenas a título de exemplo, atente-se em que: os quesitos 1º a 9º, 12º a 15º encontram resposta explícita na parte do relatório pericial referente aos dados documentais; os quesitos 20º, 21º e 26º encontram resposta nos exames complementares de diagnóstico invocados no relatório pericial e ali dados por reproduzidos; os quesitos formulados pelo autor e referentes a cicatrizes que ostenta por causa do acidente a que os autos se reportam (v.g. 25º, 27º a 30º, 33º a 40º, 42º, 43º) encontram resposta na parte do relatório referente ao exame objectivo; os quesito 44º e 52º encontram respostas explícitas no ponto 2 da discussão; os quesitos 45º a 50º encontram resposta explícita nos pontos 3 e 4 da discussão; o quesito 53º encontra resposta no ponto 4 da discussão; os quesitos 54º a 56º encontram resposta na parte do relatório referente aos dados documentais; o quesito 57º encontra resposta nos exames complementares de diagnóstico invocados no relatório pericial e ali dados por reproduzidos.

Por outro, a discordância do tribunal recorrido em relação ao assim sustentado pelo apelante no que respeita à suficiência do relatório pericial, com o significado implícito de que o tribunal recorrido considerou que todos os quesitos formulados pelas partes encontram resposta no dito relatório, sem necessidade de qualquer complementação deste, não envolve qualquer rejeição de qualquer meio de prova, nem restrição do seu objecto e/ou âmbito, sobretudo nos casos como o dos autos em que o recorrente não faz um mínimo esforço demonstrativo de que existem quesitos formulados e incidindo sobre matéria que pode ser objecto de prova pericial que não foram respondidos, podendo e devendo tê-lo sido.

Tudo a significar que as divergências entre o autor e o tribunal recorrido sobre a metodologia adoptada pelas senhoras peritas para responderem aos quesitos apresentados e sobre a suficiência do relatório pericial para resposta aos referenciados quesitos acolhida pelo tribunal, esta última desacompanhada de argumentação tendente a demonstrar o infundamentado daquela suficiência, com o consequente indeferimento da pretensão do autor no sentido da complementação do dito relatório, não envolve qualquer rejeição de qualquer meio de prova que seja enquadrável no art. 644º/2/d do NCPC.


+

Invoca o recorrente, também, o art. 644º/2/h do NCPC segundo o qual que são imediatamente recorríveis as decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.

Através dessa norma, concede o legislador às partes a possibilidade de interposição de recursos intercalares em situações em que a sujeição à regra geral de interposição de um único recurso a final teria por consequência a absoluta inutilidade de uma eventual decisão favorável obtida em sede de impugnação de decisão intercalar a deduzir no recurso a interpor da decisão final.

Como resulta do próprio dispositivo legal em causa, a inutilidade do recurso a final que legitima a sua interposição intercalar imediata tem de ser absoluta, tal como decorre do advérbio “absolutamente” que nele se utiliza.

Por isso mesmo, não basta, para efeitos de admissibilidade imediata do recurso, que se registe uma situação em que a transferência da impugnação para o momento posterior do recurso a interpor da decisão final comporte um risco de inutilização de uma parte do processado, mesmo que nela se inclua a sentença final.

Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa prever que a eventual procedência do recurso naquele momento posterior não terá qualquer reflexo no resultado da acção determinado pela decisão final que subsistirá intocada apesar daquela procedência.

Na verdade, conforme decidido pelo STJ no seu acórdão de 21/5/97 (BMJ 467º, p. 536), “A inutilidade...há-de produzir um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo, não bastando, por isso, uma inu­tilização de actos processuais para justificar a subida imediata do recurso.”.

No mesmo sentido decidiu esta Relação, no seu acórdão de 14/1/03 (CJ, 2003, tomo 1, p. 10), nos termos do qual um recurso torna-se absolutamente inútil nos casos em que, a ser provido, o recorrente já não pode aproveitar-se da decisão, produzindo a retenção um resultado irreversivelmente oposto ao efeito que se quis alcançar.
Assim, o referido advérbio exige que a inutilidade de que tratamos corresponda ao próprio resultado do recurso, o que não se confunde com a mera possibilidade de anulação ou de inutilização de um certo processado – neste sentido também podem consultar-se os acórdãos do STJ de 14/3/79, BMJ 285.º, p. 242, de 21/7/1987, BMJ 369.°, p. 489, o acórdão da Relação do Porto de 24/5/84, CJ, 1984, tomo III, p. 246, o acórdão da Relação de Lisboa de 29/11/2007, proferido no âmbito do processo n.º 9139/07, o acórdão da Relação de Évora de 6/04/2006, proferido no âmbito do processo n.º 388/06 – 1, e os acórdãos da Relação de Coimbra de 4/12/84, CJ, 1984, tomo V, p. 79, e de 16/11/2011, proferido no âmbito do processo 743/09.3PAMGR – A.C1; sobre esta mesma temática e neste mesmo sentido, por consultar-se na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil – Novo Regime, Almedina, Dezembro de 2007, pp. 182 e 183, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013 p. 159, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, p. 221, Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 2002, p. 86, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, p. 535, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. VI, p. 111, Castro Mendes, Direito Processual Civil, Recursos, edição da AAFDL, 1980, p. 165, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, p. 345, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, Universidade Católica Editora, p. 1070.
Resta acrescentar que a respeito desta mesma questão que se suscitava sobre o regime de subida imediata dos agravos decidiu o Tribunal Constitucional, no seu acórdão de 16/3/93 (BMJ 425.º, p. 142), que a restrição legal à subida imediata dos recursos aos casos de riscos de absoluta inutilidade do recurso a subir diferidamente não ofende o princípio constitucional da igualdade, expressando tal regime uma opção legislativa, baseada na tutela da celeridade processual, que não se pode configurar como injustificada, irrazoável ou arbitrária; sobre esta mesma temática, podem ainda consultar-se os acórdãos do mesmo Tribunal Constitucional nº 474/94, 964/96, 1205/96 e 104/98.

Ora, na situação em apreço, o prosseguimento do processo principal até à decisão final, sem que entretanto se decida definitivamente sobre a (in)suficiência do relatório pericial apresentado por referência ao objecto e âmbito da prova pericial requerida e deferida, não gera para qualquer das partes o risco de ser confrontado com um resultado decisional que permanecerá irreversível mesmo no caso de procedência da impugnação que o autor venha a deduzir contra a rejeição da sua reclamação contra o relatório pericial no recurso a interpor da decisão final.

Procedendo tal impugnação, o efeito directo será o da anulação do despacho que indeferiu a dita reclamação e de todos os termos processuais subsequentes que dele dependam, incluindo a sentença final.

Por isso, o diferimento dessa impugnação para o momento da impugnação da decisão final não gera qualquer risco de tonar a primeira absolutamente inútil.

Tudo para concluir que a divergência recursiva do autor não logra enquadramento em nenhuma das situações tipificadas no art. 644º/2 do NCPC como sendo legitimadoras de apelações autónomas.

Consequentemente, não deve tomar-se conhecimento do recurso, ficando prejudicado o conhecimento da segunda questão.

IV- DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de não tomar conhecimento do objecto do recurso.

Custas pelo apelante.

Coimbra, 27/9/2016.


(Jorge Manuel Loureiro)

(Maria Domingas Simões)

(Jaime Carlos Ferreira)



[1] A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (art. 388º do CC), sendo no mínimo duvidoso que seja passível deste tipo de prova, apenas por exemplo, a matéria que consta dos quesitos 10º, 16º, 17º, 23º.