Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | ALBERTO RUÇO | ||
| Descritores: | AÇÃO DE PREFERÊNCIA RECONVENÇÃO INDEMNIZAÇÃO POR BENFEITORIAS | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL – JUIZ 3 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGO 266.º N.º 2, AL. B), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
| Sumário: | O Réu demandado como comprador de um imóvel, contra o qual o Autor invoca direito de preferência nessa compra e venda, pode formular um pedido de condenação do Autor a pagar-lhe o valor de benfeitorias que afirma ter realizado no prédio objeto do negócio em causa, ao abrigo da previsão constante da alínea b), do n.º 2, do artigo 266.º do Código Civil. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | *
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, * Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço 1.º Juiz adjunto……… Fernando de Jesus Fonseca Monteiro 2.º Juiz adjunto………. Carlos António Paula Moreira * Recorrente …………………..AA; Recorrido……………………..BB. Melhor identificados nos autos. * I. Relatório a) O presente recurso vem interposto da decisão proferida em sede de despacho saneador, a qual não admitiu o pedido reconvencional deduzido pelo Réu. A decisão impugnada é esta: «Reconvenção Dispõe o artigo 266º do CPC que: “1 - O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. 2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos: a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter”. Compulsada a reconvenção do R. AA o mesmo pede: “-Caso ainda assim se não entenda, deve a reconvenção do Réu AA ser julgada procedente por provada e o Autor condenado a pagar-lhe o valor das benfeitorias descritas na reconvenção, em valor não inferior a €155.219,56, acrescido de juros taxa legal, desde a notificação da reconvenção e até integral pagamento. O pedido reconvencional tem assim natureza subsidiária só sendo de apreciar caso proceda a acção. Pois bem a reconvenção é admissível – para além dos demais casos elencados no artigo 266.º, n.º 2, do CPC – quando o pedido do R. nasce do facto jurídico que serve de fundamento à ação na hipótese de existir identidade, total ou parcial, das causas de pedir, em relação a tal acção e à reconvenção, ou à defesa, ou seja quando ocorre uma questão prejudicial em relação à causa principal, produzindo um efeito impeditivo, modificativo ou extintivo do pedido do A. No caso concreto, sendo o pedido do A. o direito de que se arroga no invocado exercício da preferência sobre a venda de um prédio rústico entre os réus, a pretensão reconvencional deduzida para o caso de procedência da acção (assente em benfeitorias realizadas) não se inscreve na causa de pedir formulada pelo A., nem se dirige a esgrimir como meio de defesa um facto ou acto jurídico que possa impedir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo A., não sendo, portanto, admissível. Pelo que, ao abrigo dos artigos 266º não admito o pedido reconvencional deduzido pelo R Custas da reconvenção a cargo do R. AA.» b) É, pois, desta decisão que vem interposto recurso por parte do Réu, cujas conclusões são as seguintes: «1. Vem o presente recurso da decisão que, em despacho saneador, não admitiu o pedido reconvencional deduzido pelo Réu, aqui Apelante, deduzido a título subsidiário, contra o Autor/Apelado. 2 Porque se o não fizer terá outra acção contra si por parte do Autor. 2. Com tal pedido reconvencional, pretende o Réu/Apelante, que o Autor seja condenado a pagar-lhe o valor das benfeitorias por ele realizadas no prédio pretendido preferir pelo mesmo Autor. 3. O Tribunal recorrido não admitiu o pedido reconvencional deduzido pelo aqui Apelante, fundamentando a sua não admissão desta forma: “No caso concreto, sendo o pedido do A. o direito de que se arroga ao invocado exercício do direito de preferência sobre a venda de um prédio rústico entre os réus, a pretensão reconvencional deduzida para o caso de procedência da acção (assente em benfeitorias realizadas) não se inscreve na causa de pedir formulada pelo A., nem se dirige a esgrimir como meio de defesa um facto ou acto jurídico que possa impedir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo A., não sendo, portanto, admissível.” 4. O Autor/Apelado intentou a presente acção pedindo, além do mais, que lhe seja reconhecido o Direito de Preferência e lhe seja atribuída a propriedade do prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...50, descrito na conservatória do registo predial ... sob a ficha ...88/substituindo-se ao 2º Réu na compra e venda celebrada a 19 de Maio de 2020, por documento particular autenticado lavrado de folhas setenta e seis a folhas oitenta e dois do Livro número dezassete, no escritório da Dra. CC, solicitadora, sito na Av. ..., ... ... ... ...; 5. O aqui Apelante deduziu reconvenção porquanto, após adquirir, por compra, com a Ré DD, o prédio objecto dos autos, foi ele quem realizou benfeitorias no mesmo prédio, de valor avultado, tendo descrito e contabilizado tais benfeitorias que realizou no prédio e pediu, a título subsidiário – em caso de procedência da acção -, fosse o Autor/Apelado condenado a pagar-lhe o valor dessas benfeitorias. 6. O tribunal recorrido decidiu que tal pedido não se enquadrava em nenhum dos pressupostos previstos no artigo 266.º do Cód, Proc. Civil para deduzir reconvenção e decidiu pela sua não admissão. 7. Porém, o Apelante, em caso de procedência da acção, ou seja, sendo reconhecido o direito de preferência do Apelado sobre o imóvel em causa nos autos, terá que entregar-lhe o imóvel; imóvel no qual, de boa fé, realizou benfeitorias com as quais despendeu avultada quantia. 8. Nos termos previstos na alínea b), do n.º 2, do artigo 266.º do Cód. Proc. Civil, o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o Autor, sendo a mesma admissível quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; 9. Pelo que deveria o tribunal a quo ter admitido a reconvenção deduzida pelo aqui Apelante. 10. O tribunal recorrido violou o disposto na alínea b), do n.º 2, do artigo 266.º do Cód. Proc. Civil. Requer-se, para instrução do recurso, certidão da Petição inicial, da Contestação com Reconvenção e do despacho saneador. POR TUDO O QUE VEM DITO, e nos melhores de Direito que o douto Venerando Tribunal suprirá, no uso do seu conhecimento oficioso, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se o despacho recorrido que não admitiu a reconvenção e substituindo-o por decisão que admita a reconvenção formulada pelo Apelante, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA» c) Foram produzidas contra-alegações, com as seguintes conclusões: « A. Vem, pelo ora Recorrente, interposto o presente recurso do Despacho Saneador proferido pelo Tribunal a quo, que indeferiu o Pedido Reconvencional deduzido pelo Réu AA, com os seguintes fundamentos: “(…) O pedido reconvencional tem assim natureza subsidiária só sendo de apreciar caso proceda a ação. Pois bem a reconvenção é admissível – para além dos demais casos elencados no artigo 266.º, n.º 2, do CPC – quando o pedido do R. nasce do facto jurídico que serve de fundamento à ação na hipótese de existir identidade, total ou parcial, das causas de pedir, em relação a tal acção e à reconvenção, ou à defesa, ou seja quando ocorre uma questão prejudicial em relação à causa principal, produzindo um efeito impeditivo, modificativo ou extintivo do pedido do A. No caso concreto, sendo o pedido do A. o direito de que se arroga no invocado exercício da preferência sobre a venda de um prédio rústico entre os réus, a pretensão reconvencional deduzida para o caso de procedência da acção (assente em benfeitorias realizadas) não se inscreve na causa de pedir formulada pelo A., nem se dirige a esgrimir como meio de defesa um facto ou acto jurídico que possa impedir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo A., não sendo, portanto, admissível. Pelo que, ao abrigo dos artigos 266º não admito o pedido reconvencional deduzido pelo R2”; B. Alega o ora Recorrente, que deduziu reconvenção porquanto, após adquirir, por compra, com a Ré DD, o prédio objecto dos autos, foi ele quem realizou benfeitorias no mesmo prédio, e pediu, a título subsidiário – em caso de procedência da acção -, fosse o Autor/Apelado condenado a pagar-lhe o valor dessas benfeitorias; C. Que em caso de procedência da acção, ou seja, sendo reconhecido o direito de preferência do Apelado sobre o imóvel em causa nos autos, terá que entregar-lhe o imóvel; D. E que, nos termos previstos na alínea b), do n.º 2, do artigo 266.º do Cód. Proc. Civil, o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o Autor, sendo a mesma admissível quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; E. Pelo que deveria o tribunal a quo ter admitido a reconvenção deduzida pelo aqui Apelante, tendo assim violado o disposto na alínea b), do n.º 2, do artigo 266.º do Cód. Proc. Civil; F. Porém, entende o Recorrido que não lhe assiste qualquer razão; G. O douto Despacho Saneador, ora recorrido, proferido pelo tribunal a quo, não padece de quaisquer vícios; H. Uma vez que a admissibilidade da Reconvenção exige que o pedido reconvencional se funde na mesma causa de pedir, total ou parcialmente, que o pedido do Autor, ou ainda que o pedido reconvencional possa, de algum modo, impedir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo Autor, nos termos do art.º 266º/2 do CPC; I. Ora, in casu, a causa de pedir do Autor, aqui Recorrido, tal como esgrimida na Petição Inicial, encontra fundamento no reconhecimento do Direito de Preferência; J. Já a causa de pedir do pedido reconvencional apresentado pelo Réu AA, aqui Recorrente, encontra fundamento nas alegadas benfeitorias voluptuárias; K. Esse causa de pedir foi ainda configurada, pelo próprio Réu, subsidiariamente, como eventual enriquecimento sem causa do ora Recorrido, caso se verifique a procedência da ação; L. Assim, enquanto a causa de pedir do pedido do Autor se funda no reconhecimento do seu Direito de Preferência, o a causa de pedir do pedido reconvencional do Réu, funda-se no instituto do Enriquecimento sem Causa; M. Ainda que o Recorrente tivesse qualquer direito a ser reembolsado pelas alegadas benfeitorias no imóvel, o que não se concebe nem concede, sempre dirá o Recorrido que deveria estes lançar mão de ação cível autónoma; N. Assim, não assiste qualquer razão ao Recorrente quanto à procedência do pedido reconvencional por si deduzido, por não ser legalmente admissível no âmbito dos presentes autos, nos termos e para os efeitos do art.º 266º/2 do CPC; O. Não cabendo qualquer provimento ao recurso apresentado pela Recorrente, deve o douto Despacho Saneador, proferido pelo Tribunal a quo, ser confirmado, na integra. Termos em que, e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser negado o provimento do Recurso, e, em consequência deve o douto despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo, ser confirmado, na integra, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!» II. Objeto do recurso. O recurso coloca a seguinte questão: Saber se o réu AA, que comprou o prédio à ré DD e é demandado enquanto comprador pelo Autor, porquanto o Autor invoca que tem direito de preferência na compra desse prédio, pode, em caso de procedência do pedido de preferência, formular um pedido de condenação do Autor a pagar-lhe o valor de benfeitorias que afirma ter realizado no prédio objeto do negócio em causa, tudo isto ao abrigo da previsão constante da alínea b), do n.º 2, do artigo 266.º do Cód. Proc. Civil. III. Fundamentação 1 – Recapitulando, o réu AA pretende ser indemnizado das benfeitorias que diz ter feito no prédio que comprou à ré DD, prédio esse que é agora objeto do direito de preferência invocado pelo Autor. O réu invoca a seu favor a alínea b), do n.º 2, do artigo 266.º do Cód. Proc. Civil, onde se determina o seguinte: «2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos: (…); b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida». 2 – Assiste razão ao Réu recorrente. Em primeiro lugar, cumpre observar que o caso dos autos assenta com perfeição na letra da lei, isto é: - O réu é demandado para abrir mão do prédio que comprou a favor do autor preferente e invoca ter feitos benfeitorias no prédio; - Se o pedido proceder o réu é obrigado a entrega o prédio ao réu; - O Réu alega ter feito benfeitorias no prédio e quer ser indemnizado do respetivo valor. - A lei processual diz que a reconvenção é admissível quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida. Em segundo lugar, verificam-se no caso as razões que estão por detrás da norma, ou seja, atender ao interesse do réu que é demandado, permitindo-lhe na própria ação demandar o autor evitando os incómodos de uma nova ação. («A reconvenção oferece vantagens ao réu, porque lhe permite demandar o autor na própria acção que este propôs, poupando-o, portanto, aos incómodos e despesas duma acção autónoma» - Alberto dos Reis. Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, Coimbra editora, 1946, pág. 97.) Em terceiro lugar, não se vislumbra qualquer obstáculo à admissão da reconvenção. As razões invocadas na 1.ª instância são adequadas face à al. a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, mas não é esta a norma aplicável ao caso. (No sentido da admissibilidade da reconvenção nestes casos, ver o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo n.º 2216/22.0T8VRL-A.G1 em cujo sumário se diz que «(…) III - Em termos processuais, sendo solicitado pelos AA aos RR, no exercício do seu pretenso direito legal de preferência, a devolução da coisa vendida, os RR, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 266º nº 2, alínea b) do CPC, têm o direito de exercerem contra os AA, por via Reconvencional, o seu direito a benfeitorias, assim como têm o direito de obterem daqueles o pagamento das despesas relativas à coisa cuja entrega lhes é pedida. IV- A reconvenção pode ser deduzida a título eventual – reconvenção subsidiária -, para o caso de o pedido originário do autor vir a ser julgado procedente.») 3 – Cumpre, pois, revogar a decisão recorrida, admitindo-se a reconvenção. IV. Decisão Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida e admite-se o pedido reconvencional. Custas pelo Autor. * Coimbra, … |