Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2336/12.9TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CONTRATO PROMESSA
PRINCÍPIO DA BOA FÉ
PERDA DE SINAL
MORA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO
PERDA DE INTERESSE
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 5
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 334, 410, 442, 473, 801, 808 CC
Sumário: 1. - O princípio da boa-fé revela determinadas exigências objetivas de comportamento – de correção, honestidade e lealdade – impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabili­dade, probidade e equilíbrio de conduta, em campos normativos onde podem operar sub-princípios, regras e ditames ou limites objetivos, postulando certos modos de atuação em relação, seja na fase pré-contratual, seja ao longo de toda a execução do programa contratual, seja mesmo, extinto o contrato, na liquidação do relacionamento entre as partes.

2. - A marcação da escritura de compra e venda de imóvel prometido vender para cerca de dois meses e meio após a data acordada, não se mostrando que se tratasse de termo final essencial, coloca a parte que não observa esse prazo em situação de mora, já que a prestação, embora atrasada, ainda é possível (contrato definitivo).

3. - Só o incumprimento definitivo e não a mora desencadeia o mecanismo indemnizatório da perda do sinal (em singelo ou em dobro), que, na falta de convenção em contrário, é a única indemnização pelo incumprimento da promessa.

4. - A parte que invoca perda objetiva de interesse na celebração do contrato prometido tem o ónus da alegação e prova da factualidade de suporte de tal perda objetiva de interesse, que tem de ser aferida segundo um critério de razoabilidade.

5. - Se o promitente comprador, que invoca, infundadamente, ante a mora da contraparte, a perda de interesse na prestação, ocasionando a extinção do contrato e, assim, o incumprimento definitivo e a perda do sinal prestado em dobro, mantinha equipamentos no imóvel objeto da promessa, ali colocados no pressuposto do cumprimento do contrato, e se vê impedido de os retirar, por o promitente vendedor deles se ter apoderado, mudando as fechaduras da moradia e impedindo o acesso à contraparte, tem esta o direito a indemnização pelo valor desses equipamentos, sem que haja enriquecimento sem causa ou abuso do direito da sua parte.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório

P (…), com os sinais dos autos,

intentou ([1]) a presente ação declarativa de condenação – ao tempo sob a forma de processo ordinário – contra

P (…)- Investimentos Imobiliários, Ld.ª”, também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação da R., ante o seu incumprimento do contrato-promessa celebrado e consequente resolução deste pelo A.:

a) A restituir ao A. o sinal pago, em dobro, no valor total de € 40.000,00;

b) A pagar ao A. o valor das benfeitorias feitas por este na casa, no montante de € 36.904,43;

c) A pagar ao A. o valor dos equipamentos por este adquiridos, que se encontravam na casa e de que a R. se apoderou, no valor de € 1.198,00.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

- celebrou com a R. contrato promessa de compra e venda, referente a prédio constituído por uma vivenda em construção, tendo entregue, a título de sinal, o montante de € 20.000,00, sendo que previa fixar ali a sua residência até 31/08/2011;

- por isso, exigiu que a R. lhe entregasse a moradia pronta ataé essa data, o que esta aceitou, tendo ficado a constar do contrato que a escritura de transmissão da propriedade teria lugar até àquela data de 31/08/2011;

- tendo a R. entregue a chave da casa ao A., este introduziu diversas melhorias na casa, constituindo benfeitorias úteis, que lhe aumentam o valor, e adquiriu, do mesmo modo, diversos equipamentos, que ali instalou, tudo anteriormente a 31/08/2011;

- porém, a R. não observou esta data, não tendo a casa pronta, nem estando em condições de outorgar a escritura de compra e venda por falta de licença de habitabilidade;

- por isso, ante tal incumprimento, o A. fez-lhe saber da sua perda de interesse na realização o contrato, exigindo a devolução do sinal em dobro, o pagamento das benfeitorias e dos equipamentos aludidos;

- em resposta, a R. mudou as fechaduras das portas, impedindo a entrada do A. e apoderou-se das benfeitorias e equipamentos que se encontravam no interior;

- a perda de interesse no negócio deveu-se também a um problema familiar que surgiu ao A., impedindo-o de ali residir, em virtude de uma doença rara que surgiu a uma sua filha menor, tendo o médico informado que a menina não podia residir naquela zona, sob pena de agravamento da doença, o que levou o A. a ir residir para Tomar, onde já tinha uma casa;

- o A. comunicou, por carta de 16/11/2011, o incumprimento imputável à contraparte e exigiu a devolução do sinal em dobro e o pagamento das benfeitorias e dos equipamentos mencionados, ao que a R. não acedeu.

A R., citada, contestou, alegando que:

- o A. ficou responsável pela escolha de alguns materiais e instalação de equipamentos na obra, no que incorreu em atrasos, com reflexos nos prazos de execução/conclusão da obra, bem como solicitou alterações que condicionaram esses mesmos prazos, o que impediu a obtenção do pedido de licença de habitabilidade antes de 31/08/2011;

- alertado pela R. para a impossibilidade de cumprir prazos, o A. sempre manifestou interesse no negócio, sendo que, ante as frequentes ausências deste no estrangeiro, o processo bancário sofreu atrasos, só tendo sido aprovado em 11/08/2011, sem o que não seria possível a avaliação do imóvel;

- obtido pela R. o alvará de licença de utilização em 09/11/2011 e marcada a realização da escritura para o dia 15 seguinte, o A. não compareceu, impedindo o cumprimento do contrato;

- após o que, no dia 16/11/2011, o A. notificou a R., por carta com aviso de receção, alegando incumprimento imputável à R. quanto ao prazo da celebração da escritura de compra e venda, ao que esta respondeu, no mesmo dia, que resolveria o negócio perante a falta de comparência do A. à escritura pública.

Concluiu pela sua total absolvição e pela condenação do A., como litigante de má-fé, em multa e indemnização, esta em quantia não inferior a € 5.000,00, acrescida de € 1.500,00 de honorários à mandatária e € 1.101,60 de despesas suportadas.

Replicou o A., alegando que o ritmo das obras era da total responsabilidade da R., que as alterações por si solicitadas não provocaram quaisquer atrasos na construção, bem como que o prazo de 31/08/2011 traduzia condição essencial para o demandante, de que dependia o seu interesse no negócio.

Admitida a intervenção principal provocada da mulher do A., E (…)também com os sinais dos autos, esta fez seus os articulados do A., aceitando o estado dos autos.

Dispensada a audiência prévia e saneados os autos, foram enunciados o objeto do litígio e os temas de prova, sem reclamações.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi depois proferida sentença – datada de 04/06/2015 –, na qual, julgando-se a ação parcialmente procedente, foi a R. condenada no pagamento ao A. da quantia de € 38.103,21 e absolvida do mais peticionado.

Da sentença veio a R., inconformada, interpor o presente recurso, apresentando alegação, culminada com as seguintes

(…)

Pugna, na procedência do recurso, pela revogação da sentença recorrida, com a sua total absolvição ou, assim não se entendendo, pela condenação no montante residual de € 3.798,00 (custo parcial do recuperador de calor, placa de indução e máquina de lavar louça), ou ainda, caso se considere provada toda a factualidade da sentença, pela condenação no montante parcelar aludido de € 26.782,44 ([2]).

O A./Apelado contra-alegou, concluindo pela total improcedência da apelação e confirmação da sentença recorrida.


***

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 234), tendo sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação recursória, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o obecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([3]) –, importa saber ([4]):

a) Se deve a impugnação da decisão de facto proceder, com alteração do quadro fáctico da sentença (pontos 4, 8, 9, 10, todos dos factos dados como provados);

b) Se há incumprimento definitivo do contrato-promessa;

c) Se estão verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa;

d) Se ocorre abuso do direito do promitente inadimplente.


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III – Fundamentação

         A) Da impugnação da decisão de facto

(…)

 B) Matéria de facto

Ante as alterações agora operadas ao que foi decidido na 1.ª instância, é o seguinte o quadro de facto provado a considerar:

«1- O autor e a ré no dia 29 de Outubro de 2010 subscreveram um acordo sob a epígrafe “Contrato Promessa Compra e Venda”, através do qual os primeiros prometeram comprar e a segunda vender uma moradia em construção no terreno urbano sito na Rua (...) , concelho de Leiria, descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 10.477 e inscrito na matriz urbana da freguesia de (...) sob o artº 3243, pelo preço de € 190.000,00.

2- O preço referido em 1 seria pago da seguinte forma:

- Como sinal e princípio de pagamento o autor, naquela data entregaria à ré € 10.000,00;

- Como reforço do sinal e princípio de pagamento entregaria à ré, até 31 de Março de 2011, € 10.000,00;

- O remanescente de € 170.000,00 seria celebrado no dia da escritura de compra e venda a realizar até 31 de Agosto de 2011.

3- Ficou ainda acordado que a I (…) Ldª se obrigaria à marcação da escritura de compra e venda, assim como informar os contraentes com 10 dias de antecedência.

4- No acordo referido em 1 ficou consignado que:

A moradia terá os seguintes acabamentos a escolher pelos compradores:

- Fogão de sala com recuperador até € 1000€

- Churrasqueira no exterior até 400€

- Revestimento de 30 m2 no exterior da casa em azulejo a imitar pedra

- Chão flutuante até € 15,00 (quinze euros)/m2

- Vãos de portas interiores até € 210,00 (duzentos e dez euros) por porta, excepto a da cozinha para a sala (porta dupla de correr).

- Roupeiros € 900,00 (novecentos euros) cada;

- Rodapé € 5,00 (cinco euros)/metro linear;

- Escada interior em ferro, com degraus em madeira e corrimão em ferro, pintado a cor de inox.

EQUIPAMENTOS

- Estores eléctricos a funcionar em todos os quartos;

- Pré-instalação de ar condicionado;

- Pré-instalação de aquecimento a gasóleo;

- Pré-instalação de painéis solares;

- Pré-instalação da aspiração central;

- Pré-instalação de portões eléctricos.

- Iluminação das escadas interiores.

- Iluminação exterior no muro até à garagem.

MATERIAIS A FORNECER PELOS COMPRADORES

- Móveis de cozinha e electrodomésticos;

- Todas as louças sanitárias;

- Todas as torneiras.

5- O autor pagou à ré a quantia global de € 20.000,00 nos termos referidos em 2.

6- O autor previa fixar a sua residência na moradia descrita em 1.

7- Após a subscrição do documento referido em 1, a ré entregou ao autor uma chave da casa para que este instalasse os materiais de cujo fornecimento ficou incumbido nos termos do mesmo documento.

8- O autor adquiriu e instalou, antes do dia 28 de Fevereiro de 2011, na moradia referida em 1, um recuperador de calor 1150H e seus componentes, pelo qual pagou o valor de € 3.600,00.

9- O autor adquiriu e instalou na moradia referida em 1:

a) O aquecimento central da casa e das águas domésticas com os correspondentes equipamentos, incluindo torneiras e acessórios, tendo pago para o efeito o valor de € 15.057,30, no dia 07.11.2011;

b) Os móveis de cozinha em termolaminado, tendo pago para o efeito o valor de € 5.286,00, no dia 09.07.2011;

c) As madeiras do chão, portas, aros e roupeiro, tendo pago para o efeito o valor de € 3.726,90, no dia 15.07.2011;

d) A bancada da cozinha em pedra, no valor de € 2.641,14;

e) Uma banheira de hidromassagem no valor de € 1.274,00;

f) Uma cabine de hidromassagem no valor de € 900,36;

g) 3 sanitas no valor de € 990,00;

h) 3 lavatório no valor de € 930,00;

i) Torneiras de casa de banho e cozinha no valor de € 200,00;

j) Um videoporteiro no valor de € 450,00;

l) Um complemento na instalação eléctrica com diversos equipamentos, lâmpadas, quadros e projectores no valor de € 1.849,51;

m) Uma placa de indução no valor de € 699,00;

n) Uma máquina de lavar louça no valor de € 499,00.

10- Na moradia referida em 1 a R. efetuou trabalhos da sua responsabilidade e, por vezes, o A. solicitou alterações, consoante o seu gosto, nomeadamente no que se refere às instalações sanitárias.

11- No dia 17 de Agosto de 2011, o autor enviou um e-mail para a empresa G (...) e para o representante legal da ré, informando o respectivo modelo e juntando em anexo a certificação da banheira de hidromassagem.

12- O pedido de licença de habitabilidade junto da Câmara Municipal de Leiria, só poderia ser solicitado em conjunto com os certificados das vistorias.

13- No dia 1 de Agosto de 2011, o autor enviou um e-mail ao representante legal da ré do seguinte teor:

Só tive acesso aos emails hoje de manhã porque estive fora do país toda a semana. As cores podem ficar como estão nos desenhos que me enviou. Somente na zona da cozinha a cor vermelha pode seguir até à parede e não com aquele corte que está no desenho.

14- O autor formulou pedido de financiamento com vista à aquisição da moradia referida em 1 junto do B (...) – agência de Leiria, sendo que o mesmo em finais de Julho e princípios de Agosto de 2011 ainda se encontrava a seguir a sua tramitação.

15- No dia 11 de Agosto de 2011, o autor foi informado pela referida agência bancária de que o financiamento havia sido aprovado e que solicitava uma reunião com o mesmo e bem assim a avaliação do imóvel em causa, mas o autor encontrava-se nessa data ausente do país.

16- Após a aprovação do processo bancário é que a instituição respectiva poderia proceder à avaliação do imóvel.

17- No dia 9 de Novembro de 2011 a Câmara Municipal de Leiria emitiu o alvará de utilização nº 540/2011 referente à moradia mencionada em 1.

18- No dia 3 de Novembro de 2011 a entidade bancária referida em 14 enviou um e-mail ao representante legal da ré, do seguinte teor:

Assunto: Marcação de escritura P (…)

Acabei de receber agora a confirmação de que pode ser dia 15 às 10.30 no N (...) .

No entanto, o P (...) levou o processo para a esposa assinar na semana passada e ainda não devolveu, o que me preocupa pois ele vai sair no fim de semana.

Não consegui falar com ele, mas deixei recado na empresa. Espero que ele me devolva o telefonema.

19- A sociedade (…) Ldª comunicou ao autor por carta registada com AR, datada de 3 de Novembro de 2011 de que a escritura de compra e venda referente ao contrato-promessa mencionado em 1 se encontrava marcada para o dia 15 de Novembro, pelas 10 horas e 30 minutos no N (...) em Leiria.

20- No dia referido em 19 a ré esteve presente e tinham sido entregues todos os elementos necessários à elaboração da escritura, mas o autor não compareceu.

21- O autor enviou à ré a carta datada de 16 de Novembro de 2011 do seguinte teor:

Como bem sabem assinámos em 29 de Outubro 2010 um contrato promessa de compra e venda referente a uma moradia ainda em construção (…) cuja escritura deveria ter sido efectuada até dia 31 de Agosto de 2011.

Esta condição, de a escritura ser feita até 31 de Agosto de 2011, foi imposta por nós tendo em conta um projecto de vida de nos fixarmos ali até essa data.

Acontece que os Senhores não só não nos entregaram a casa pronta dentro do prazo, como não marcaram a escritura até à data definida, nem justificaram o atraso.

O atraso na entrega da casa e da realização da escritura, obrigou-nos a alterar o nosso projecto de vida, e decidimos fixar-nos em Tomar.

Face ao que fica dito, nomeadamente de não nos entregarem a casa pronta a habitar dentro do prazo marcado, nem marcaram a respectiva escritura, considerando que devido a esse facto não mantemos já interesse no negócio, e considerando que os Senhores não cumpriram o contrato promessa, entendemos que os Senhores terão de nos devolver o sinal por nós pago em dobro, bem como nos ressarcir do valor das benfeitorias executadas e por nós suportadas e que não são susceptíveis de ser levantadas, e bem assim, permitir-nos o levantamento das benfeitorias por nós suportadas e que são susceptíveis de serem levantadas sem prejuízo para o prédio.

(…)

22- No mesmo dia, a ré enviou ao autor carta registada do seguinte teor:

(…)

Vem, pela presente, e na sequência da não comparência de V. Exa. No 1º Cartório Notarial de Competência Especializada de Leiria, no passado dia 15 de Novembro de 2011, pelas 10.30, local, data e hora agendados para a outorga da respectiva escritura de compra e venda, resolver o contrato-promessa de compra e venda celebrado, por escrito, no passado dia 29 de Outubro de 2010 (…).

Em face do exposto, considera-se desvinculada do contrato promessa de compra e venda identificado em epígrafe, com efeitos a partir da data da recepção desta carta, reservando-se o direito que legalmente assiste de fazer suas as quantias entregues por V. Exa. A título de sinal e princípio de pagamento (…).

23- No período temporal situado entre 29.10.2010 e 16.11.2011 o autor e a interveniente tiveram uma filha à qual foi diagnosticada uma doença rara.

24- Em consequência do facto referido em 23, o autor e a interveniente foram aconselhados a ter uma vida mais calma e perto de assistência hospitalar.

25- O autor e a interveniente, no mesmo período temporal, foram residir para Tomar, onde conseguiram fisioterapia duas vezes por semana para a sua filha menor e posteriormente foram residir para a Áustria.

26- Após a data referida em 22, a ré mudou as fechaduras da moradia referida em 1.».

E foi julgado não provado:

«a) O autor previa fixar a sua residência na moradia referida em 1, o mais tardar até 31.08.2011, pelo que exigiu que a mesma lhe fosse entregue pronta até essa data, o que a ré aceitou;

b) A escolha de materiais, equipamentos e acabamentos por parte do autor nem sempre foi fácil, atempada e adequada aos prazos de execução da obra;

c) Por diversas vezes a ré advertiu o autor relativamente aos timings de execução da obra, tendo em conta a oportunidade das tomadas de decisão por parte do segundo;

d) O autor comprou material no estrangeiro que foi recepcionado muito mais tarde do que o previsto e solicitado;

e) No decorrer da obra, não foram efectuadas as vistorias nos timings previstos de acordo com o plano do projecto, porque o autor atrasou e condicionou a obra com as suas decisões e escolhas;

f) Nos finais da construção da moradia havia rumores de que a interveniente tinha uma proposta de trabalho fora da zona de Leiria, numa empresa de um familiar, o que não foi comunicado à ré;

g) O autor deu conhecimento à ré de num futuro próximo proceder à venda do imóvel objecto do contrato-promessa, a qual foi posta logo de parte pois perderia bastante dinheiro;

h) O médico disse ao autor que a filha não podia residir na zona onde se situa a casa, sob pena de ver agravada a sua doença e que a mesma só podia ter melhorias se fosse viver para o interior do país e longe do mar.».


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C) Da impugnação de direito

1. - Incumprimento definitivo do contrato-promessa

1.1. - Na sentença discorreu-se assim:

«Alega o autor que no contrato promessa celebrado com a ré ficou estipulado que a celebração da escritura de compra e venda seria realizada até ao dia 31.08.2011, termo do prazo em que o autor queria instalar-se na moradia, o que a ré sabia e aceitou.

Não tendo a ré marcado a escritura no prazo assinalado não cumpriu o contrato, o que lhe permite (a ele autor) resolvê-lo.

Há quem entenda que sendo estipulado um prazo certo para a realização do contrato prometido, não poderá haver mora relativa ao contrato-promessa, pois aquele prazo funciona como condição resolutiva, a significar que o não cumprimento atempado leva de imediato ao não cumprimento definitivo. Esta tese, em si mesma, é correcta, mas apenas válida se o prazo estipulado se tratar de um prazo essencial.

A qualificação deste prazo como essencial ou não, depende da interpretação das declarações negociais das partes e da respectiva vontade negocial comum.

Analisadas as cláusulas constantes do contrato-promessa, verificamos que ficou estabelecido que o remanescente do preço, no valor de € 170.000,00 seria celebrado no dia da escritura de compra e venda, a realizar até 31 de Agosto de 2011.

No entanto, este facto só por si, não nos permite concluir que o prazo estabelecido era essencial, designadamente porque não se provou que o autor pretendia fixar a sua residência na moradia em questão, até ao referido dia, tendo exigido que a mesma lhe fosse entregue pronta nessa data, facto que a ré aceitou. Por outro lado, do e-mail descrito no facto 18, podemos até concluir que já em 3 de Novembro de 2011, o autor não havia manifestado, designadamente à entidade bancária que iria financiar tal aquisição, qualquer desinteresse pela concretização do negócio.

Ora, nos casos em que não é estabelecido um prazo para a realização do contrato promessa, ou em que, apesar de ser estabelecido, o mesmo não é considerado um prazo essencial, o incumprimento pode derivar da impossibilidade da prestação (artº 801º), da perda do interesse do credor na prestação em consequência da mora do devedor ou da sua inexecução dentro de prazo razoável que lhe for fixado (artº 808º), ou da recusa peremptória do devedor em cumprir, situações em que não se justifica nova interpelação.

Ora, aquilo que não resulta da factualidade provada, é que a ré tenha recusado inequivocamente cumprir o contrato-promessa, mormente em reacção a qualquer atitude do autor tendente à outorga da escritura de compra e venda.

Muito pelo contrário, aquilo que se encontra demonstrado nos autos é que após a Câmara Municipal de Leiria emitir o alvará de utilização, dia 9 de Novembro de 2011, a sociedade imobiliária que no contrato-promessa ficara com a obrigação de marcar a escritura, a agendou para o daí a poucos dias, não tendo o autor comparecido, no dia, local e hora indicados.

Assim, não existindo recusa inequívoca da ré em cumprir o contrato, nem podendo considerar-se que no mesmo é estabelecido um prazo essencial para a celebração do contrato prometido, o incumprimento definitivo, fundamento da resolução do contrato-promessa, poderia apenas resultar das causas previstas no artº 808º nº 1, isto é, ou perda do interesse do credor na prestação devida, com a demora do devedor, ou não cumprimento pelo devedor no prazo razoável, adicional e peremptório fixado pelo credor.».

Ora, é patente da factualidade provada que inexistiu interpelação admonitória à R. ([5]), tendo o A. optado, diversamente, pelo fundamento de incumprimento (e resolução) resultante da conversão da mora em inadimplemento definitivo por via de “perda de interesse na prestação” (art.º 808.º do CCiv.) ([6]).

Nesta parte, continua a decisão recorrida:

«Relativamente à perda do interesse do autor no cumprimento do contrato-promessa, em consequência da mora da ré, como resulta do nº 2 do artº 808º, a mesma deve ser apreciada objectivamente, a significar que a mesma deve ser justificável à luz de critérios de razoabilidade e senso comum e não em função de caprichos e propósitos meramente subjectivos do credor.

No entanto, pelas razões supra expostas, não concluindo nós pela essencialidade do prazo estabelecido no contrato-promessa, e não se encontrando demonstrada qualquer intimação pela banda do autor no sentido de a ré cumprir o contrato, não podemos concluir que haja sequer mora da ré.

Precisamente, dada a inexistência de mora, não podemos também configurar a possibilidade de resolução do contrato promessa com fundamento na perda do interesse do credor na realização da prestação, que pressupõe que tal perda de interesse seja em consequência da mora do devedor.».

1.2. - Ora, a mora debitoris, o atraso na prestação acordada (e ainda cumprível), por não realizada no prazo convencionado, traduz-se aqui na não realização da escritura de compra e venda no prazo acordado.

Isto é, convencionado para o efeito o dia 31/08/2011, ultrapassada essa data passou a haver mora debitoris, sendo certo que era à empresa imobiliária – nem sequer parte outorgante no contrato promessa celebrado ([7]) –, a sociedade “Cardeira & Costa - Sociedade de Mediação Imobiliária”, que cabia marcar a escritura, a qual realmente marcou, mas apenas para o posterior dia 15/11/2011 (cerca de dois meses e meio depois do prazo convencionado).

Assim, uma coisa é a essencialidade do prazo, que, de per si, a ocorrer/demonstrar-se, pode constituir causa de incumprimento definitivo e consequente opção resolutiva do contrato. E concordamos que, in casu, não se demonstra tal essencialidade (e cabia ao A. demonstrá-la, de acordo com o disposto no art.º 342.º, n,º 1, do CCiv., sendo certo que este não mostrou quaisquer razões válidas para tanto, inexistindo factos que o suportem).

Outra, a mora do devedor no cumprimento da obrigação, no caso o verificado atraso na marcação da escritura de compra e venda, apenas se questionando se tal mora – de si existente – é imediatamente imputável à R. (promitente vendedora) ou, indiretamente, através da sociedade imobiliária, de quem aquela se terá socorrido nas operações tendentes à venda.

Como quer que seja – mesmo admitindo que a sociedade imobiliária era um auxiliar da R., sendo o promitente vendedor quem normalmente contrata imobiliária para angariar cliente e colaborar na realização da venda, caso em que à R. seria imputável a mora na marcação da escritura –, tal mora, de cerca de dois meses e meio, quanto a uma moradia que, quando negociada (promessa), se encontrava ainda em plena construção (o contrato-promessa havia sido celebrado menos de um ano antes, em 29/10/2010), não parece, enquanto tal, suscetível de, objetivamente, levar à perda pelo A. do interesse na prestação.

1.3. - É que, como é consabido, diversa do incumprimento contratual é a situação de simples mora, ficando o devedor constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (art.º 804.º, n.º 2, do CCiv.).

O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que se vinculou (art.º 762.º, n.º 1, do CCiv.), devendo tal realização ser integral, exceto se outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos (cfr. art.º 763.º, n.º 1, do mesmo Cód.).

O momento em que a obrigação deve ser cumprida pode ser fixado por convenção das partes, podendo este prazo convencional ser originário ou subsequente (cfr. art.º 777.º do CCiv.).

O devedor só fica constituído em mora depois de interpelado para cumprir, havendo, porém, mora da sua parte, independentemente de interpelação, quando, designadamente, a obrigação tiver prazo certo (art.º 805.º, n.ºs 1 e 2, do CCiv.) ([8]).

A simples mora debitoris não confere, por regra, mais que um direito indemnizatório (cfr. art.º 804.º, n.º 1, do CCiv.), não pondo em causa a subsistência do vínculo contratual, sendo que nas obrigações pecuniárias a indemnização decorrente da mora do devedor corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (art.º 806.º, n.º 1, do CCiv.), sendo devidos os juros legais, exceto se antes da mora for devido juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diverso do legal (art.º citado, n.º 2).

Porém, pode o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não ser realizada dentro do prazo que razoavelmente seja fixado pelo credor, caso em que se considera não cumprida, em definitivo, a obrigação (art.º 808.º, n.º 1, do CCiv.).

Mas a perda de interesse – o que agora importa – para o credor (aqui A.) deverá ser apreciada objetivamente (art.º 808.º, n.º 2, do CCiv.), pois que se pretende “… evitar que o devedor fique sujeito aos caprichos daquele (credor) ou à perda infundada do interesse na prestação. Atende-se, por conseguinte, ao valor objectivo da prestação, não ao valor da prestação determinado pelo credor, mas à valia da prestação medida (objectivamente) em função do sujeito” ([9]).

Nesta perda “o atraso verificado na prestação implica que esta deixe de ter interesse para o credor”, segundo verificação, não por parâmetros subjetivos, mas de ordem objetiva. “Será, por exemplo, o caso de se contratar um transporte para determinada zona, onde vai ter lugar um evento em que o credor necessita de estar presente, e o devedor atrasa-se por forma a que já não é possível chegar ao local do destino em tempo útil. Nesse caso, é obvio que não é admissível a purgação da mora pela realização tardia da prestação do transporte, podendo o credor legitimamente recusar a prestação e solicitar indemnização pelo incumprimento definitivo” ([10]).

Como refere Mário Júlio de Almeida Costa ([11]), o critério legal da apreciação objetiva “significa que a importância de tal interesse, embora aferida em função da utilidade concreta que a prestação teria para o credor, não se determina de acordo com o seu juízo arbitrário , mas considerando elementos susceptíveis de valoração pelo comum das pessoas. Além disso, exige-se a efectiva perda do interesse do credor e não uma simples diminuição. O caso mais frequente consistirá no desaparecimento da necessidade que a prestação se destinava a satisfazer” ([12]).

1.4. - Ante o que resultou apurado nos autos, e à luz de uma orientação de razoabilidade – aquela que poderia ser acolhida pelo comum das pessoas –, não se vê que no caso dos autos estejamos perante situação de perda efetiva (não uma simples diminuição) do interesse que o A. tinha na prestação (aquisição da moradia em certas condições temporais), tudo ponderado, como se impõe, num quadro de boa-fé, que obriga a que, tanto na celebração como na execução dos contratos – ou até na sua fase de liquidação –, as partes procedam de acordo com a norma de conduta da boa-fé objetiva, postulando um padrão de conduta (com procedimentos honestos, corretos e leais) que não sacrifique inútil ou desnecessariamente os interesses da contraparte, antes se comprometa, na medida do razoável, pelo levar a cabo do programa contratual em termos reciprocamente vantajosos para os contraentes, atento o interesse contratual esperado e prosseguido por cada um deles ([13]).

Com efeito, como visto, o atraso ocorrido não é muito significativo para o âmbito económico/contratual da construção civil em Portugal, e o A. não mostra, como devia, que esse atraso lhe tornou inútil/imprestável a aquisição da moradia, que, por via dessa curta mora, se perdeu o préstimo expectado para ele (e família) em residir naquela casa, de molde a ter perdido o interesse/vantagem/motivo em a adquirir.

Prova-se apenas que o A. e a esposa tiveram uma filha a que foi diagnosticada doença rara, sendo aqueles aconselhados a ter uma vida mais calma e perto de assistência hospitalar, tendo eles optado por ir residir, primeiro, para Tomar, onde conseguiram fisioterapia duas vezes semanais para a filha, e depois para o estrangeiro (Áustria).

Factualidade esta que, de per si, se não bastava, objetivamente, para se poder concluir pela aludida perda de interesse do credor na prestação, nem sequer foi invocada na comunicação de 16/11/2011, onde o A. nada concretizou neste particular, a não ser que a casa não foi entregue no prazo e a escritura não foi marcada na data aprazada (mora) e que tal atraso obrigou à alteração do projeto de vida familiar (sem concretização), com decisão de fixação em Tomar.

Em suma, a situação era de não mais de simples mora, que, como tal, não permitia, de per si, a resolução do contrato e respetivas consequências, designadamente em termos de restituição do sinal em dobro.

 Improcede, por isso, salvo o devido respeito, qualquer argumentação em contrário, entendendo-se ser necessária a verificação de incumprimento definitivo para que seja aplicável o mecanismo indemnizatório da perda de sinal (previsto no art.º 442.º do CCiv.), posto que é conhecida a controvérsia doutrinal e, embora em menor escala, jurisprudencial nesta matéria ([14]).

1.5. - Com efeito, ante a formulação legal vigente, não faltou quem passasse a defender que o campo de aplicação do regime indemnizatório do art.º 442.º do CCiv. era, desde logo, o da simples mora: bastaria a existência da mera mora debitoris para se poder de imediato desencadear os mecanismos indemnizatórios previstos naquele dispositivo legal, designadamente no que concerne ao sinal e ao alternativo aumento do valor da coisa ou direito.

Ora, o aludido Ac. do STJ, de 18/11/1982 (BMJ, 321.º - 387), baseia-se em argumentação de cariz formal (a letra e a especificidade do art.º 442.º, n.º 2, e a alternativa prevista no art.º 801.º, n.º 2, ambos do CC) e racional (a razoabilidade da cumulação do cumprimento tardio com a indemnização pelos danos causados).

A esta argumentação pode responder-se que “é impensável um cumprimento tardio sancionado com a mesma indemnização de um incumprimento definitivo” ([15]), ou que, se a lei exige, em relação ao sinal em geral, o incumprimento definitivo, pois que “seria uma sanção excessiva e desproporcionada que um simples atraso no cumprimento (…) legitimasse a outra parte a exigir as sanções correspondentes à perda do sinal ou à sua restituição em dobro”, solução que “além de altamente iníqua, introduziria uma quebra sistemática com o regime da cláusula penal, com a qual o sinal parcialmente se identifica”, visto esta só poder, em geral, ser exigida em caso de incumprimento definitivo, igual solução deve valer para o campo do contrato promessa, onde nada justifica solução diversa, já que “seria absurdo que, por algum dos promitentes não outorgar na data prevista o contrato definitivo – o que pode ser devido, por exemplo, a simples esquecimento – a outra parte pudesse conservar definitivamente o sinal ou exigir a sua restituição em dobro” ([16]).

Ou ainda, como refere outro Autor ([17]), no regime do art.º 442.º, n.º 2, o sinal constitui “antecipada fixação do dano”, “não sendo mais possível ou útil o cumprimento e execução específica”, revestindo o sinal “uma natureza compensatória”, que “pressupõe a extinção do contrato, não sendo, por conseguinte, cumulável com o cumprimento e execução in natura do mesmo”, não sendo, pois, compatível com a mera mora.

Acontece que certa jurisprudência favorável à tese da suficiência da mora (cfr. Acs. do STJ aludidos de 21/01/2003 e de 08/03/2005) assenta a sua argumentação, essencialmente, no atual art.º 442.º, n.º 3, conjugado com o seu n.º 2, do CCiv., aduzindo diversas razões, segue um sector de doutrina autorizada nesse sentido – Antunes Varela, Almeida Costa, Henrique Mesquita e Menezes Cordeiro (cfr. o dito Ac. STJ de 21/01/2003).

Assim é que para Menezes Cordeiro ([18]) e Antunes Varela ([19]) basta a mora, de per si, para desencadear a aplicação dos mecanismos indemnizatórios do n.º 2 do art.º 442.º do CCiv.. Com efeito, refere este último Autor, que, ante a exceção do cumprimento da promessa, com ressalva do disposto no art.º 808.º, “se o contra-direito do faltoso de afastar a sanção mais grave cominada contra o não cumprimento só existe quando não tenha ocorrido qualquer das situações de falta de cumprimento tabeladas no artigo 808.º, é porque a sanção se aplica logo que, nas condições previstas de promessa com tradição da coisa, o faltoso incorre em simples mora”. E logo acrescenta que “o pior é que a solução de ligar à simples mora do promitente vendedor faltoso (com sinal e tradição da coisa) a aplicação imediata da sanção mais grave cominada na lei para o não cumprimento da promessa arrasta consigo a aplicação do mesmo esquema às demais sanções previstas na mesma disposição legal” por se tratar de direitos que, no tocante aos respetivos pressupostos, a lei sujeita a regime idêntico ([20]).

À dita posição doutrinal de suficiência da mora viria a aderir Nuno Manuel Pinto Oliveira ([21]), fundando-se na função do sinal confirmatório (indemnizatória ou compulsória) e considerando dever o aplicador do direito, em caso de dúvida, recorrer a presunções judiciais, conduzindo, por essa via, à presunção de que a cláusula penal e, por analogia, o sinal confirmatório, cumprem uma função, não indemnizatória, mas compulsória – o sinal cumprindo função análoga às das cláusulas penais em sentido estrito.

Em sentido contrário, começando pela jurisprudência, defendeu o já referido Ac. do STJ, de 26/05/1998, que a aplicação das sanções do art.º 442.º, n.º 2, do CCiv. depende do incumprimento definitivo do contrato, pois que: - as expressões ali usadas (deixar de cumprir a obrigação e não cumprimento do contrato) se reportam, por regra, ao incumprimento definitivo e não à simples mora; - as indemnizações aí previstas, designadamente quanto ao sinal, têm natureza compensatória, o que pressupõe a resolução ou extinção do contrato-promessa; - o legislador assim o entendeu, no relatório do DL n.º 236/80, de 18-7, ao manter essas sanções relativamente à resolução do contrato; - a simples mora apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados, nos termos do art.º 804.º, n.º 1, do CCiv.; - essa indemnização deve ser fixada nos termos gerais, o que seria incompatível com aplicação daquelas sanções; - o n.º 3 do art.º 442.º é formal e substancialmente compatível com o pressuposto do incumprimento definitivo, sendo que a exceção do cumprimento só fica afastada nas hipóteses de incumprimento baseado no art.º 808.º do CCiv.; - a ter-se como suficiente a simples mora, não haveria necessidade de consagração da dita exceção de cumprimento, uma vez que sempre seria admissível, na mora, que o devedor oferecesse a prestação ao credor, como meio de purgar a mora existente; - se o legislador quisesse alterar o condicionalismo tradicional do regime sancionatório da falta de cumprimento do contrato-promessa não deixaria de tomar posição expressa na matéria e, a não ser assim, teria de partir-se da ideia de que não consagrou a solução mais acertada nem soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, o que não é de presumir.

A jurisprudência neste sentido vem retomando, no essencial, estes argumentos e funda-se em doutrina, também autorizada, que defende esta posição, mormente Calvão da Silva e Galvão Telles ([22]).

Já Brandão Proença ([23]) defende uma interpretação restritiva (da parte final do n.º 2 do art.º 442.º) e corretiva (do n.º 3 desse artigo), por forma a condicionar a indemnização medida pelo sinal à existência de incumprimento definitivo ou de uma verdadeira impossibilidade.

Neste contexto de alguma obscuridade legal e de controvérsia na doutrina e na jurisprudência, autores houve que vieram defender posições intermédias, ante a polaridade da alternativa entre a mora e o incumprimento definitivo ([24]).

Assim, Almeida Costa ([25]) defende que o regime legal vigente veio adicionar – para além das hipóteses previstas no art.º 808.º do CCiv. – uma nova situação de conversão da mora em incumprimento definitivo, traduzindo-se especificamente na exigência (prevista no art.º 442.º, n.º 2) do sinal ou do aumento de valor da coisa, constituindo tal exigência uma declaração tácita de resolução do contrato.

Por sua vez, Januário Gomes preconiza que se proceda a uma diferenciação entre as duas situações – de conversão da mora em definitivo inadimplemento – consideradas no art.º 808.º do CCiv.: previamente à indemnização de sinal ou de aumento de valor da coisa ou direito exige-se a concessão ao devedor de um prazo suplementar de cumprimento (interpelação admonitória), decorrido o qual tal devedor, perante a opção da contraparte pelo aumento de valor da coisa ou direito, ainda pode cumprir a promessa (exceção do cumprimento), salvo se ocorrer já perda do interesse do credor ([26]), sendo que o funcionamento do sinal ou a alternativa indemnização correspondente ao aumento de valor da coisa pressupõem – ambos eles – o incumprimento definitivo (não, pois, a simples mora).

Menezes Leitão ([27]), por seu lado, partindo do pressuposto de que o art.º 442.º, n.º 3, constitui norma específica sobre o regime do contrato promessa, logo conclui que dele não podem ser extraídas ilações sobre o funcionamento do sinal em geral, este previsto nos art.ºs 442.º, n.ºs 1 e 2, primeira parte, do CCiv.. Por isso, para este Autor, é claro que se, em relação ao sinal em geral, se exige o incumprimento definitivo, pois que seria desproporcionado que a mora pudesse fundamentar as sanções gravosas correspondentes à perda do sinal ou sua restituição em dobro, tal solução também é válida para o contrato promessa, em cuja realidade não deteta algo que pudesse justificar a perda ou restituição em dobro do sinal em caso de simples mora ([28]).

Perante os diversos segmentos normativos do art.º 442.º do CCiv., é de concordar que deve distinguir-se entre o que respeita ao sinal em geral e o que tange ao sinal no âmbito do contrato promessa. Tal como deve distinguir-se, quanto à disciplina dos mecanismos indemnizatórios do art.º 442.º, n.º 2, do CCiv., entre as chamadas opções resolutivas e não resolutivas, sem esquecer, neste particular, a necessária diferenciação entre incumprimento definitivo e resolução do contrato.

Quanto ao primeiro aspeto mencionado, parece certo que no art.º 442.º se encontra regulamentação de âmbito geral, atinente, pois, ao sinal em geral – os segmentos que já remontam à versão original do CCiv. de 1966 – e regulamentação específica do contrato promessa. Com efeito, com as alterações efetuadas em matéria de contrato promessa através do DLei n.º 236/80, de 18-07, que também atingiram significativamente o art.º 442.º, se o número 1 deste artigo se manteve inalterado, valendo, pois, como regime genérico do sinal – aplicável, por isso, a contratos promessa e a contratos de outra natureza –, já os números seguintes passaram a conter, a um tempo, regras sobre o sinal aplicáveis a todos os contratos, por um lado, e regras privativas do contrato promessa, por outro lado.

Neste enquadramento, concorda-se que o n.º 1 e o n.º 2, primeira parte – a parte correspondente à versão originária –, do art.º 442.º do CCiv. respeitam ao regime do sinal em geral. Já a parte restante do n.º 2 (a segunda parte, a não correspondente ao texto primitivo) e o n.º 3 do mesmo artigo estabelecem regras de aplicação restrita ao contrato promessa, constituindo regime exclusivo deste, podendo dizer-se, neste sentido, que se trata de regime especial (normação de carácter excecional).

E, assim sendo, haverá de concordar-se também que do regime específico do contrato promessa previsto no n.º 3 do art.º 442.º não poderão ser extraídas conclusões sobre o funcionamento do regime genérico do sinal.

E, quanto ao regime do sinal em geral, que se mantém inalterado, não havia controvérsia no que respeita ao funcionamento do mecanismo do sinal em caso de alguma das partes “deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável” (texto inalterado do n.º 2, primeira parte). Era entendimento uniforme, na doutrina e na jurisprudência, até à entrada em vigor do DLei n.º 236/80, de 18-07, que o mecanismo do sinal (que valia para qualquer contrato) só tinha aplicação em caso de incumprimento definitivo, e não de simples mora.

E, nessa parte, abstraindo das particularidades do regime específico do contrato promessa, também parece líquido que nada justifica, em sede de regime do sinal em geral, que o mecanismo indemnizatório do sinal (da primeira parte do n.º 2 do art.º 442.º) possa valer para a mora – o mero atraso/retardamento no cumprimento, sem que ocorra situação de incumprimento definitivo, não reclama, de qualquer dos lados da relação contratual, o desencadear do mecanismo do sinal.

A mera mora debitoris, podendo e devendo ainda a obrigação ser cumprida, não pode justificar em geral, em todo e qualquer contrato com sinal, a perda desse sinal prestado ou a sua devolução em dobro. A indemnização medida pelo montante do sinal, no âmbito do regime geral deste, surge, assim, quando não estipulada pelas partes para a simples mora, como claramente desproporcionada, excessiva, quando não mesmo gritantemente injusta – pense-se num contrato oneroso em geral em que o montante do sinal prestado corresponda à quase totalidade preço e em que uma das partes cai em mora no cumprimento da obrigação a seu cargo por simples esquecimento ou por curto lapso temporal e sem consequências gravosas para a contraparte, mas querendo e podendo cumprir, caso em que seria injusto ter de indemnizar pela mora, e é disso que se trataria, com tão elevado montante, quando os danos decorrentes desse atraso são incomparavelmente inferiores, e o devedor quer cumprir e o credor, por seu lado, mantém ainda, objetivamente considerado, o seu interesse na prestação em dívida.

A indemnização pela mora deve ser proporcionada ao dano desta decorrente, por forma a repará-lo, e não mais que isso, o que também vale para o campo específico do contrato promessa, inexistindo razões para as coisas se passarem de modo diferente em relação ao mecanismo indemnizatório do sinal, e só esse. De facto, o não comparecer de alguma das partes num contrato promessa no local e data acordada para a celebração do contrato prometido, por motivo que lhe seja imputável – mas que pode ser um simples esquecimento, um adormecer ou perder o comboio –, não pode justificar, só por si, se a parte faltosa ainda pode e quer cumprir, e se a contraparte ainda não perdeu o interesse (objetivamente considerado) no contrato prometido, o imediato desencadear da opção pela indemnização do sinal.

Se o que vem de expor-se vale para o mecanismo indemnizatório do sinal (primeira parte do n.º 2 do art.º 442.º), dentro ou fora do âmbito do contrato promessa, seja qual for o contraente em falta, caso em que se impõe a verificação de situação de incumprimento definitivo, não bastando a simples mora, dúvidas não restam, como antes visto, de não estar demonstrado in casu o incumprimento definitivo da R., não podendo o A. extinguir o contrato.

1.6. - Por outro lado, é certo que a carta do aqui A. de 16/11/2011 – após a falta de comparência deste à escritura designada – já denota declaração perentória de não querer cumprir (recusa de cumprimento), embora imputando à contraparte a responsabilidade pelo inadimplemento.

Situação que equivale ao incumprimento definitivo da promessa, resultado a que também chegou a sentença, o que permitia a resolução do contrato pela R., como esta veio a fazer (declaração de resolução formalizada por carta do mesmo dia 16/11/2011).

Afastado ficou, pois, como também sentenciado, o direito do A. a exigir a devolução do sinal, em singelo ou em dobro.

Trata-se, assim, do montante prestado de € 20.000,00, que a R. fez seu, como compensação pelo incumprimento contratual.

1.7. - Mas, como também dito na sentença, o A., no pressuposto do cumprimento e antes da extinção do vínculo contratual, adquiriu e instalou na moradia diversos equipamentos, em valor quantificado e até relevante, os quais ali ficaram (não puderam ser retirados), impondo-se, nesta parte, uma liquidação da relação contratual, uma vez extinta, à luz da boa-fé.

Nesta parte, pode ler-se na sentença:

«É consabido que o enriquecimento sem causa de in rem verso consiste na obrigação de restituir a que fica sujeito aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem, restituindo a este aquilo com que injustamente se locupletou.

Resulta do disposto nos artºs 473º e 474º do CPC que a obrigação de restituição, com base no instituto em análise, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

a) Que haja um enriquecimento de um património.

b) Que não haja causa justificativa desse enriquecimento.

c) Que esse enriquecimento se tenha operado à custa do empobrecimento de outro património.

d) Que ao empobrecido não seja facultado outro meio para ser indemnizado ou restituído.

(…)

A instalação dos equipamentos supra referidos, custeada pelo autor, traduz-se num enriquecimento do património da ré, já que lhe permitiu equipar a referida moradia, sem com isso despender qualquer quantia.

No que concerne ao (…) requisito (…) obtenção do enriquecimento à custa de quem pede a restituição, como resulta já do supra referido, também se verifica, uma vez que o património do autor, que requer a restituição, ficou empobrecido no valor correspondente aos montantes que despendeu com a aquisição e instalação de tais equipamentos.

Quanto ao (…) requisito ausência de causa justificativa do enriquecimento, (…) como princípio orientador, haverá que, em função de cada caso concreto, fazer um juízo de conformidade do enriquecimento verificado com a ordenação jurídica existente. Assim, caso essa conformidade se verifique, poderá concluir-se que o enriquecimento tem causa justificativa e da mesma forma se, segundo a ordenação jurídica existente o enriquecimento deve pertencer a outrem, o mesmo carece de causa.

A este propósito, estipula o nº 2 do artº 473º que a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que foi indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.

Em qualquer dos casos, nos termos do artº 342º nº 1 incumbirá àquele que pede a restituição alegar e provar a falta de causa (…).

Assim, se a restituição for pedida com base na primeira parte do artº 473º nº 2, aquele que pede a restituição terá que provar que a prestação foi feita com a intenção de cumprir uma obrigação e de que a obrigação não existia. Se a restituição for pedida com base na 2ª parte do mesmo normativo, terá que provar que a causa deixou de existir ou que o resultado se não produziu.

Ora, a aquisição e instalação dos referidos equipamentos foi suportada pelo autor, tendo em vista fixar residência na moradia em questão, o que, como vimos não veio a suceder, pelo que tem o autor o direito ao valor despendido com aqueles equipamentos, no montante global de € 38.103,21.».

1.8. - Dir-se-á que se concorda com esta argumentação do Tribunal recorrido.

O dano da R. (promitente vendedor) é o decorrente do incumprimento do contrato-promessa, para cujo ressarcimento a lei estabelece a perda do sinal em dobro, no caso o recebimento de um total de € 20.000,00.

Com isso ficou reparado esse dano.

Os equipamentos que o A. adquiriu e colocou na moradia em tempo de cumprimento/execução do contrato tinham um escopo definido: ficarem a pertencer-lhe uma vez consumado o contrato definitivo.

Não se tratava, obviamente, de uma liberalidade à R., não mostrando esta qualquer direito a fazer deles, gorado o negócio, propriedade sua, o que não seria de todo justo, salvo o devido respeito.

Donde que nada pareça haver a censurar nesta parte à decisão recorrida, afigurando-se estarem verificados, como evidenciado, os pressupostos do enriquecimento sem causa, sendo a obrigação de restituir medida pelo disposto no art.º 479.º do CCiv..

2. - Enriquecimento sem causa

Porém, invoca a R. errada aplicação desse instituto do enriquecimento sem causa. Todavia, sem razão.

Desde logo, refere que não enriqueceu o seu património com a aquisição e instalação dos equipamentos, pois veio a ter uma perda pela posterior venda do imóvel no valor de € 20.000,00, o que, porém, não prova (e competir-lhe-ia prová-lo, segundo as regras do ónus da alegação e prova).

Depois, refere que o empobrecimento do A. só ocorreu por facto imputável à sua própria conduta. Todavia, já se viu que tal ocorreu em clima de cumprimento contratual, por acordo das partes, vindo o vínculo a quebrar-se, com penalização para o A. (perda do sinal em dobro), nada justificando que fique privado também do que custeou na perspetiva da prometida venda e que nada custou à R., por sua vez, já indemnizada pela quebra do contrato.

Assim, improcedendo os argumentos da R. em contrário, a qual pretende, à custa do A., acumular sinal em dobro – a indemnização legalmente prevista para a quebra do contrato-promessa, a que, por isso, tem direito – e equipamentos por este para si próprio adquiridos (e não para pertença da R., nada justificando que esta os faça seus).

Insiste ainda a R./Recorrente que, à luz do disposto do n.º 1 do art.º 801.º do CCiv. (norma referente à impossibilidade culposa de cumprimento da obrigação), tem causa justificativa para se ter “apoderado dos mencionados equipamentos” ([29]), traduzida no contrato-promessa celebrado e posterior incumprimento definitivo por parte do Recorrido.

Ora, nem o caso é de impossibilidade da obrigação, mas de falta de cumprimento imputável ao devedor, o que afasta a aplicação daquele preceito legal, nem pode olvidar-se o já referido princípio de que, havendo sinal, a indemnização pelo incumprimento da promessa é medida pelo valor do sinal (em singelo ou em dobro, consoante os casos) – cfr. art.º 442.º, n.ºs 2 e 4, do CCiv., posto que nada se estabeleceu em contrário no clausulado do contrato-promessa em litígio.

3. - Abuso do direito

Por fim, esgrime a Apelante com o abuso do direito.

Discorre que a sua condenação no pagamento do valor de € 38.103,21 – o fixado na sentença – pelos equipamentos adquiridos e instalados pelo Recorrido na moradia constitui um abuso de direito, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 334.º do CCiv..

Adianta que a conduta do Recorrido fazia crer que o mesmo não iria incumprir definitivamente o contrato-promessa, assim criando ativamente expectativa legítima na Recorrente de que o negócio se iria concretizar.

E, prevendo o contrato-promessa a escolha de determinados equipamentos a cargo do comprador, seria “tremenda injustiça, violando os princípios da boa-fé e bons costumes”, ter a Recorrente de proceder ao pagamento desses equipamentos pelo custo que aquele entendeu suportar a seu gosto.

Ora, o que se prova é, diversamente, que os equipamentos foram adquiridos e instalados pelo Recorrido – foi este que os comprou e pagou.

A Recorrente não quer abrir mão deles, pretendendo que fiquem para si, com o valor inerente (despendido pelo A. a título de preço respetivo): expressa a Apelante ter “uma causa justificativa de se ter apoderado dos mencionados equipamentos” (cfr. conclusão 14.ª), tendo obstruído ao A. qualquer tentativa de os retirar, privando-o unilateralmente de voltar a entrar no imóvel.

Assim sendo, satisfeita a indemnização pelo incumprimento contratual através do operante mecanismo do sinal em dobro – com a R. a embolsar os € 20.000,00 aludidos –, sendo proibida outra acrescida indemnização pelo inadimplemento, tendo o A. desembolsado, como desembolsou, o preço dos equipamentos, que ficaram para a R./Apelante ([30]), e dos quais esta entende que bem se apoderou, não será justo que ela satisfaça ao A. o que este desembolsou ao adquiri-los (para si, não para a R.), mas que ficaram “apoderados” por outrem?

Pergunta-se: onde está o abuso do direito?

Dir-se-ia que a R. tem razões para ter ficado frustrada pela não realização da compra e venda, em conjuntura imobiliária consabidamente adversa, mas não poderá ela – perdoe-se-nos o desabafo – querer deixar o A. (aliás, tocado, segundo se prova, pelo infortúnio da doença da filha) em posição de injustificado despojamento, ao ponto de ter de arcar com os custos da equipagem da moradia, que não deixou de pertencer à R./Apelante ([31]).

Doutro modo, na prática estaria a R./Apelante a auferir de uma segunda indemnização – de si ilegal –, a da soma do sinal em dobro aos € 38.103,21 do valor dos equipamentos aplicados na moradia e que a valorizam na mesma medida, valor este que se mostra adequadamente contabilizado na sentença, em conformidade com o conjunto da factualidade que resultou provada (cfr. pontos 4, este quanto a materiais a fornecer pelos compradores, e segs., dos factos provados).

Em suma, improcede a apelação.

                                               *

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - O princípio da boa-fé revela determinadas exigências objetivas de comportamento – de correção, honestidade e lealdade – impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabili­dade, probidade e equilíbrio de conduta, em campos normativos onde podem operar sub-princípios, regras e ditames ou limites objetivos, postulando certos modos de atuação em relação, seja na fase pré-contratual, seja ao longo de toda a execução do programa contratual, seja mesmo, extinto o contrato, na liquidação do relacionamento entre as partes.

2. - A marcação da escritura de compra e venda de imóvel prometido vender para cerca de dois meses e meio após a data acordada, não se mostrando que se tratasse de termo final essencial, coloca a parte que não observa esse prazo em situação de mora, já que a prestação, embora atrasada, ainda é possível (contrato definitivo).

3. - Só o incumprimento definitivo e não a mora desencadeia o mecanismo indemnizatório da perda do sinal (em singelo ou em dobro), que, na falta de convenção em contrário, é a única indemnização pelo incumprimento da promessa.

4. - A parte que invoca perda objetiva de interesse na celebração do contrato prometido tem o ónus da alegação e prova da factualidade de suporte de tal perda objetiva de interesse, que tem de ser aferida segundo um critério de razoabilidade.

5. - Se o promitente comprador, que invoca, infundadamente, ante a mora da contraparte, a perda de interesse na prestação, ocasionando a extinção do contrato e, assim, o incumprimento definitivo e a perda do sinal prestado em dobro, mantinha equipamentos no imóvel objeto da promessa, ali colocados no pressuposto do cumprimento do contrato, e se vê impedido de os retirar, por o promitente vendedor deles se ter apoderado, mudando as fechaduras da moradia e impedindo o acesso à contraparte, tem esta o direito a indemnização pelo valor desses equipamentos, sem que haja enriquecimento sem causa ou abuso do direito da sua parte.

                                               ***

 V – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pela R./Apelante.

                                               ***

Escrito e revisto pelo relator.

Elaborado em computador.

Coimbra, 16/02/2017

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Em 10/05/2012 (cfr. fls. 19 dos autos em suporte de papel).
([2]) Cfr. aperfeiçoamento do pedido recursório de fls. 259 e seg. (dos autos em suporte de papel), na sequência do despacho do Relator de fls. 240 e v.º.
([3]) Processo instaurado após 01/01/2008, mas antes de 01/09/2013 e decisão recorrida posterior a esta data (cfr. sentença aludida, a fls. 198, bem como art.ºs 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, este por argumento de maioria de razão, e 8.º, todos da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 14-16, Autor que refere que, tratando-se de decisões proferidas a partir de 01/09/2013, portanto, após a entrada em vigor do NCPCiv., em processos instaurados anteriormente, mas não anteriores a 01/01/2008, se segue integralmente, em matéria recursória, o regime do NCPCiv.).
([4]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão das precedentes.
([5]) Fixação ao devedor em mora de um prazo suplementar razoável para cumprimento, sob pena de se considerar definitivamente incumprida a obrigação.
([6]) Como o A. expressamente referiu, na missiva de 16/11/2011 (dia seguinte ao da data marcada para a escritura), “… não mantemos já interesse no negócio” (por invocada não entrega da casa pronta no prazo acordado, isto é, até 31/08/2011). 
([7]) Mas (nele) terceiro “interveniente”, certamente nessa tarefa de mediação imobiliária (cfr. Cláusula 3.ª do contrato), razão pela qual ali se fez constar que “obriga-se a marcar a escritura de compra e venda, assim como, informar os contraentes com 10 dias de antecedência” (cfr. fls. 08).
([8]) Cfr. Luís de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, 6.ª ed., Coimbra, Almedina, 2008, p. 234 (caso denominados de mora ex re).   
([9]) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1986, p. 72.
([10]) Cfr. Menezes Leitão, op. cit., p. 242.
([11]) Direito das Obrigações, 11.ª ed. rev., Almedina, Coimbra, 2008, p. 1054.
([12]) Em nota, o Autor esclarece ainda que “A lei impõe, em síntese, uma perda subjectiva do interesse com justificação objectiva. Daí a insuficiência da simples mudança de vontade do credor ou de um motivo que ele repute fundado, mas que não o seja à luz de uma orientação razoável” (cfr. op. e loc. cits.).
([13]) O princípio da boa-fé revela determinadas exigências objetivas de comportamento – de correção, honestidade e lealdade – impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabilidade, probidade e equilíbrio de conduta, em campos normativos onde podem operar sub-princípios, regras e ditames ou limites objetivos, postulando certos modos de atuação em relação, seja na fase pré-contratual, seja ao longo de toda a execução do programa contratual, seja, por vezes, mesmo após a extinção do contrato.
             ([14]) Assim, não é difícil encontrar acórdãos dos tribunais superiores que se debruçaram sobre a questão, sustentando uns que, no âmbito do contrato promessa, os mecanismos indemnizatórios previstos no art.º 442.º do CCiv. são aplicáveis mesmo no caso de simples mora – cfr., entre outros, os Acs. STJ, de 18/11/1982, BMJ, 321.º - 387, de 15/12/1998, BMJ, 482.º - 243, de 21/01/2003, CJ-Acs. STJ, T. I / 2003, ps. 44 e ss., e de 08/03/2005, CJ-Acs. STJ, T. I / 2005, ps. 120 e ss. –, enquanto outra parte da jurisprudência, fortemente maioritária, vem defendendo ser necessária para o efeito a verificação de incumprimento definitivo – entre muitos outros, vejam-se os Acs. STJ, de 26/05/1998, CJ-Acs. STJ, T. II / 1998, ps. 100 e ss., de 24/06/2004, Proc.º 04B1776 (Cons. Abílio Vasconcelos), de 07/02/2006, Proc.º 05A3670 (Cons. Borges Soeiro), de 05/07/2007, Proc.º 07B1835 (Cons. Oliveira Rocha), e de 10/07/2008, Proc.º 08B1849 (Cons. Alberto Sobrinho), todos estes disponíveis em www.dgsi.pt.
([15]) Brandão Proença, Do incumprimento do contrato-promessa Bilateral, BFD, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer-Correia, Coimbra, 1989, p. 271.
([16]) Sic., Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 241 e s..
([17]) Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Almedina, Coimbra, 2002, p. 297.
([18]) Tribuna da Justiça, n.º 27, Março de 1987, ps. 1-5. Cfr. também A Excepção de Cumprimento do Contrato-promessa, in Estudos de Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1991 (reimpressão), ps. 41 e ss., e O novíssimo regime do contrato-promessa (Comentário às alterações introduzidas no Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 379/86, de 11 de Novembro, in Estudos de Direito Civil, cit., ps. 59 e ss..
([19]) Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 350 e s..
([20]) Ver também, no mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, cit., p. 423.      
([21]) Considerações em Torno do Artigo 442.º do Código Civil. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8.3.2005, Rec. 4379/04, e de 10.3.2005, Rec. 170/05, in Cadernos de Direito Privado n.º 14, Abril/Junho 2006, ps. 76 e ss., mormente p. 83, onde conclui que “os autores das acções julgadas em cada um dos dois arestos dispunham do direito de reclamar a restituição do sinal desde a constituição do devedor (do promitente) em mora” (sic.).
([22]) Direito das Obrigações, 6.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1989, ps. 112 e s. e 137 e ss.. Defende que o mecanismo indemnizatório do sinal pressupõe que haja incumprimento definitivo, e não simples mora, “ e que o contraente agravado comunique ao outro a sua decisão de rescindir o contrato, dando-o como desfeito”, sendo que o sinal representa “a prefixação convencional da indemnização a satisfazer em caso de rescisão do contrato”.
([23]) Op. cit., ps. 305 a 307.
([24]) É o caso de Sousa Ribeiro, em O Campo de Aplicação do Regime Indemnizatório do Artigo 442.º do Código Civil: Incumprimento Definitivo ou Mora?, in BFD – Volume Comemorativo, Coimbra, 2003.
([25]) Contrato-Promessa, Uma Síntese do Regime Vigente, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, ps. 77 a 82, e Direito das Obrigações, 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 433 e ss..
([26]) Cfr. Tribuna da Justiça, n.º 35 (1987), Contrato-Promessa, p. 26, citado por Menezes Leitão, op. cit., p. 241.
([27]) Op. cit., ps. 241 e ss..
([28]) Assim, segundo este Autor, não pode prescindir-se, quanto aos efeitos do sinal (indemnização de sinal), da conversão da mora em incumprimento definitivo nos termos do art.º 808.º do CCiv.. Já quanto à indemnização de aumento de valor, a opção por esta via pode ocorrer antes, ainda no decurso da simples mora, valendo tal opção como renúncia a desencadear o mecanismo do sinal, uma vez verificado o incumprimento definitivo. E conclui nestes termos: “Assim se chega a uma grande harmonia de soluções”, com a indemnização de sinal a pressupor o incumprimento definitivo (art.º 442.º, n.º 2) e a indemnização de aumento de valor, na medida em que ainda admita ulterior cumprimento, a poder ser acionada em caso de simples mora (cfr. p. 243).
([29]) Fê-lo ao mudar as fechaduras da moradia (ponto 26 dos factos provados), impedindo a entrada, a partir daí, ao A. (independentemente do que este lá pudesse ter de seu).
([30]) Repete-se que ela impediu a sua retirada – na parte em que tal fosse possível – ao mudar prontamente as fechaduras da moradia.
([31]) Esta só terá de pagar o equipamento que – mesmo que não escolhido por si – enriquece a sua moradia, com repercussões positivas, naturalmente, no preço da respetiva venda, quando a ela houver lugar (caso não tenha sido já vendida).