Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
298/10.6TTFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: PROCESSO DISCIPLINAR
INQUÉRITO
CADUCIDADE DA ACÇÃO DISCIPLINAR
CONTRATO DE TRABALHO
COMISSÃO DE SERVIÇO
FORMA ESCRITA
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 103º, Nº 1, AL. E) E 245º, Nº 2 DO CT/2003; 352º DO CT/2009
Sumário: I – O inquérito prévio a que alude o artº 352º do CT/2009 é um procedimento constituído, no seu essencial, pelo conjunto de actos necessários para se apurar factos com eventual relevo disciplinar, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os mesmos ocorreram e as consequências deles eventualmente decorrentes.

II – Para efeitos da análise do momento da sua conclusão, relevante para efeitos da caducidade do direito de exercício disciplinar, deve ser integrado, apenas, pelas diligências probatórias necessárias ao referido apuramento, sendo de excluir dessa análise um relatório final do instrutor do processo.

III – Para impedir a caducidade daquele direito, havendo inquérito prévio, o empregador dispõe de 30 dias após a conclusão do inquérito para notificar o trabalhador da nota de culpa, ou seja 30 dias a contar da última diligência probatória e não de eventual relatório final do instrutor.

IV – As normas dos artºs 103º, nº 1, al. e) e 245º, nº 2 do CT/2003, ao imporem a forma escrita para o contrato de trabalho em comissão de serviço e a consequência para a sua inobservância, são normas imperativas de conteúdo fixo, fundadas em razões de ordem pública, e não podem ser afastadas por IRCT.

Decisão Texto Integral:   Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

  I. O autor instaurou contra a ré acção, com processo comum, pedindo que: a) o direito exercido pela ré no âmbito do procedimento disciplinar instaurado contra si seja declarado caducado, ou se assim não se entender, declararem-se como não verificadas as infracções disciplinares imputadas, com a consequente anulação da sanção disciplinar que lhe foi aplicada de suspensão de trabalho por vinte dias úteis, com perda de antiguidade e retribuição, devendo a ré restituir-lhe a quantia de € 1.263,42 indevidamente descontada por referência aos vinte dias úteis de suspensão do trabalho com perda de retribuição; b) a condenação da ré a pagar ao autor uma indemnização, nos termos do disposto nos arts. 331º e 128º/1/e do CT/2009, no valor de € 12.634,20; c) a condenação da ré a pagar-lhe as diferença nas gratificações que deveria receber de Comissão de Gratificações e que deixaram de ser liquidadas a partir de 10/05/2010, as quais ascendiam, à data da proposição da acção, a quantia de € 1.175,20; d) a condenação da ré a colocá-lo como chefe de partida, por ser ilegal o abaixamento da sua categoria profissional, quer a título provisório, quer definitivo.

Na sessão julgamento de 23 de Fevereiro de 2011, o autor ampliou o pedido formulado na antecedente alínea c), requerendo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 1.584,33 euros referentes às comissões não pagas pela Comissão de Distribuição de Gratificações até Julho de 2010, em consequência do facto da ré o ter suspendido preventivamente e de o ter sancionado com a sanção de vinte dias de suspensão com perda de vencimento e antiguidade.

Para lá disso, o autor apresentou nessa mesma sessão um novo pedido de condenação da ré a repor o vencimento que o autor auferia antes de lhe ter retirado as funções de chefe de partida, pois que a partir de Janeiro de 2011 a ré reduziu-lhe esse vencimento em € 137,50, justamente com o fundamento de que o autor deixara de exercer aquelas funções.

Alegou, em resumo, que sendo trabalhador subordinado na ré, esta moveu-lhe um procedimento disciplinar no âmbito do qual o suspendeu preventivamente e o sancionou disciplinarmente com vinte dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade; o direito de acção disciplinar da ré relativamente aos factos em causa no procedimento disciplinar estava caducado; não cometeu as infracções disciplinares pelas quais foi sancionado; no decurso da acção disciplinar da ré, esta baixou-lhe a categoria profissional, retirando-lhe o exercício das funções de chefe de partida e passando a cometer-lhe o exercício das funções de pagador, tudo sem o seu consentimento e da ACT; do exercício ilícito da acção disciplinar, bem como do abaixamento da categoria profissional decorreram para o autor os danos melhor descritos na petição inicial e no requerimento de ampliação do pedido, sendo que a indemnização desses danos pressupõe a prévia condenação da ré a pagar-lhe as quantias peticionadas.

As ampliações de pedidos foram admitidas na própria sessão da audiência em que foram deduzidas.


*

Citada e notificada da ampliação de pedidos, a ré contestou, pugnando pela integral improcedência das pretensões formuladas na petição inicial, bem como daquelas que foram apresentadas no requerimento de ampliação.

Alegou, em resumo, que exerceu tempestivamente o poder disciplinar sobre o autor, tendo-o sancionado de forma justa e proporcional por factos com relevo disciplinar que o mesmo cometeu; o autor exercia as funções de chefe de partida em regime de comissão de serviço, sem necessidade de qualquer acordo escrito, pois que é nesse regime e sem necessidade de qualquer acordo desse tipo que o CCT aplicável prevê o exercício das funções de chefe de partida; consequentemente, podia fazer cessar livremente o exercício dessas funções de chefe de partida por parte do autor, o que fez pela forma e com observância do prazo aplicável para o efeito; cessada a comissão de serviço, iniciou, em Janeiro de 2011, a diminuição progressiva de vencimento que o CCT prevê para situações dessa natureza; o autor deixou de receber gratificações da Comissão de Atribuição de Gratificações pela circunstância do mesmo ter sido suspenso do exercício de funções por um prazo com uma duração da qual resulta, nos termos dos dispositivos legais aplicáveis, a suspensão daquela atribuição de gratificações, razão pela qual a ré não deve ser condenada a repor quantias que não tinha originariamente que pagar e que só deixaram de ser pagas pelo facto do autor ter assumido as condutas de relevo disciplinar que motivaram a suspensão de que emergiu aquela suspensão de pagamento de gratificações.


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Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: a) declarou caducado o direito da ré proceder disciplinarmente contra o autor pelos factos cometidos até 10/12/09 e que estão referidos na decisão disciplinar impugnada; b) anulou a sanção disciplinar de 20 dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade imposta pela ré ao autor; c) condeno a ré restituir ao autor a quantia de € 1.263,42 referida no ponto 67º) dos factos provados; d) condenou a ré a pagar ao autor as diferenças nas gratificações que o autor deveria receber da Comissão de Gratificações e que deixaram de ser liquidadas a partir de 10/05/2010, as quais ascendiam, em Julho de 2010, aos € 1.584, 33 euros referidos no ponto 68º) dos factos provados; e) condenou a ré a colocar o autor como chefe de sala, por ser ilegal o abaixamento da sua categoria profissional, quer a título provisório, quer definitivo; f) condenou a ré a repor ao autor a retribuição correspondente à categoria de chefe de sala e que o mesmo auferia antes lhe de ser retirado o exercício das funções correspondentes a essa categoria. No mais, julgou a acção improcedente.

É desta sentença que, inconformada, a ré vem apelar.

Alegando, concluiu:

[…]

Nas contra-alegações, o autor defende a manutenção do julgado.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto no sentido de se negar provimento ao recurso interposto pela ré.


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II- FUNDAMENTAÇÃO

A. Os Factos:

A sentença final dos autos, baseando-se no despacho que decidiu a matéria de facto enumerou assim factualidade provada:

[…]


*


B. É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.

Decorre do exposto que as questões que importa resolver se podem equacionar da seguinte forma:

- se se verificam as arguidas nulidades da sentença recorrida;

 - se ocorreu ilicitude da sanção disciplinar declarada pela ré ao autor, em virtude da caducidade do direito de aplicar tal sanção;

- na resposta negativa a tal questão, se essa sanção foi justificada;

- no caso de ser ilícita a sanção, se se justificava a condenação da ré a pagar ao autor indemnização;

- se a comissão de serviço do autor nas funções de chefe de sala estava sujeita a forma escrita e se o autor, ao vir invocar a nulidade do regime da comissão de serviço, incorreu em abuso do direito.

Vejamos:

B.1. A questão das nulidades da sentença:

A apelante invoca matérias em que, segundo a mesma, se verifica a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 668,º, nº 1, als. c) e e) do Código de Processo Civil. Na primeira alínea estabelece-se que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (al. c)) e na segunda que o é se o juiz condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Quanto à primeira nulidade, defende que na sentença recorrida se considerou que um relatório final num inquérito prévio/preliminar disciplinar não o integra, mas na matéria de facto provada (ponto 14.°) havia considerado que “A Ré instaurou ao autor, em 21/12/09, processo prévio de inquérito disciplinar no âmbito do qual se elaborou e concluiu, em 12/2/10, o relatório final documentado a fis. 121 a 132, aqui dadas por integralmente reproduzidas”. Daí a alegada nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão.

Ora o que na sentença se disse foi o seguinte:

Importa determinar, pois, quando deve ter-se por concluído o processo prévio de inquérito determinado pela ré.

Na abordagem desta questão deve ter-se sempre bem presente que o inquérito relevante para os efeitos em análise é aquele que se revele necessário para fundamentar a nota de culpa; consequentemente, há-de ser um processo constituído, no seu essencial, pelo conjunto de actos necessários para se apurar factos com eventual relevo disciplinar, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os mesmos ocorreram e as consequências deles eventualmente decorrentes.

O inquérito em questão não se destina, pois, a obter parecer técnico sobre os factos que devem ter-se por indiciados face às diligências probatórias realizadas, sobre o momento em que o detentor do poder disciplinar obteve conhecimento desse factos, sobre o relevo disciplinar desses mesmos factos e respectivo enquadramento jurídico; toda esta ponderação terá que ser feita pelo próprio detentor do poder disciplinar a partir do momento da conclusão das diligências de investigação que entenda levar a efeito no âmbito do inquérito em causa.

Serve quanto acaba de referir-se para se sustentar que o inquérito prévio relevante para os efeitos em análise deve ser integrado, apenas, pelas diligências probatórias necessárias ao referido apuramento, devendo ter-se por concluído logo que concluídas estejam tais diligências.

Não vemos que esta conclusão esteja em contradição com o assinalado facto provado. Antes analisa o que deve considerar-se no inquérito para efeitos de o considerar concluído, quando se trata, como se tratava, de avaliar problemas de caducidade da decisão em face dos disposto no art. 352.º do Código do Trabalho/2009.

Por outro lado, o facto assinalado (ponto 14.º) não define o momento da conclusão do inquérito. Apenas refere que nele foi elaborado e concluído um relatório final em 12/2/2010.

Em todo o caso, haveria contradição entre os fundamentos de facto e a decisão se, após adequada interpretação da matéria de facto estabelecida, a segunda não fosse permitida por aqueles. Todavia, não estaríamos aqui perante a assinalada nulidade, mas antes perante um erro de julgamento (v. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pag. 54).

Pelo que a assinalada nulidade não ocorre.

Noutro segmento de arguição da mesma nulidade, a apelante defende que o “inquérito prévio não demorou 64 dias, conforme consta da fundamentação da sentença, mas apenas 52 dias, conforme se retira do facto provado 14°, pelo que também aqui se crê existir uma nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão.”

Observando a sentença, não encontramos contradição.

Como se percebe da sua fundamentação, os 64 dias assinalados contam-se desde o conhecimento da ré dos factos disciplinares, ou seja em 10/12/2009 (v. factos 80. e 81.) até ao relatório final referido no ponto 14. da matéria de facto, concluído em 12/2/10 – e não das datas assinaladas no mesmo ponto 14.

Mas ainda que assim não fosse, repetimos, uma errada subsunção da apreciação jurídica aos factos não constitui a nulidade arguida, mas antes um erro de julgamento
 
Quanto à segunda nulidade, defende a apelante que o “tribunal a quo ao decidir condenar a Recorrente no cumprimento da obrigação de indemnizar por responsabilidade contratual quando o Recorrido apenas peticionara um suposto crédito laboral, acabou por violar o artigo 661.° do Código de Processo Civil, donde decorre uma nulidade da sentença, nos termos do artigo 668.°, n.º 1. alínea e) do Código de Processo Civil”.
Ora, não encontramos verificada esta alegada nulidade.
Na sentença não se condenou em quantidade superior, nem em objecto diverso do pedido.
O autor pediu a condenação da ré no pagamento de determinada quantia referente ao que deixou de receber em virtude da nula ou ilícita sanção de suspensão disciplinar que lhe foi aplicada. E alegou os correspondentes factos.
A sentença operou a condenação pedida, nos seus limites.
A qualificação do direito do autor a tal quantia (da causa de pedir) é uma actividade do tribunal na qual o juiz não está sujeito às alegações das partes, nos termos do disposto no art. 664.º do C. P. Civil.
De resto, em lugar algum encontrarmos nas alegações do autor que este se refira a crédito a retribuição. Por outro lado, o direito a indemnização por violação do contrato de trabalho é ele mesmo, também um crédito laboral, ou seja, emergente de contrato de trabalho (da sua violação).
A sentença não está assim, em qualquer caso, inquinada de nulidades.

B.2. A caducidade do direito de aplicar as sanções:
A 1ª instância considerou que ocorreu a caducidade do direito da ré aplicar sanções disciplinar ao autor.
Com os seguintes fundamentos:
O procedimento disciplinar devia iniciar-se no prazo previsto na cláusula 50ª/1 do CCT aplicável.
No caso em apreço, a ré foi informada, no dia 10/12/09, que o aqui autor teria afirmado a existência de uma relação entre a participação numa greve de 23/6/09 de determinados trabalhadores da ré e uma penalização na classificação desses mesmos trabalhadores decorrente, exactamente, daquela participação – ponto 72º dos factos provados.
Nesse mesmo dia 10/12/09, a ré determinou a instauração de um procedimento prévio de inquérito (fls. 99) – pontos 80º a 82º dos factos provados.
O autor não sustenta a desnecessidade do processo prévio de inquérito.
Aliás, temos para nós que no contexto em que a ré tomou conhecimento de que o autor teria afirmado aquela relação entre a participação na greve de alguns trabalhadores seus e a penalização na classificação dos mesmos se justificava o recurso a esse procedimento prévio de inquérito, designadamente, para se apurar das circunstâncias de tempo e de modo em que teria ocorrido esse alegado comportamento do autor, bem assim como as suas consequências, tendo em vista a eventual dedução de uma nota de culpa contra o autor com uma descrição tanto quanto possível pormenorizada e contextualizada dos factos pelos quais se decidisse proceder disciplinarmente contra o autor.
Consequentemente, há que atentar no regime decorrente do art. 352º do CT/09.
Resulta da aplicação deste normativo a interrupção da contagem do prazo consagrado no art. 329º/2 do CT/09, contanto que o procedimento do inquérito fosse conduzido de forma diligente e a nota de culpa fosse notificada ao trabalhador até 30 dias após a conclusão do mesmo.
Importa determinar, pois, quando deve ter-se por concluído o processo prévio de inquérito determinado pela ré.
Na abordagem desta questão deve ter-se sempre bem presente que o inquérito relevante para os efeitos em análise é aquele que se revele necessário para fundamentar a nota de culpa; consequentemente, há-de ser um processo constituído, no seu essencial, pelo conjunto de actos necessários para se apurar factos com eventual relevo disciplinar, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os mesmos ocorreram e as consequências deles eventualmente decorrentes.
O inquérito em questão não se destina, pois, a obter parecer técnico sobre os factos que devem ter-se por indiciados face às diligências probatórias realizadas, sobre o momento em que o detentor do poder disciplinar obteve conhecimento desse factos, sobre o relevo disciplinar desses mesmos factos e respectivo enquadramento jurídico; toda esta ponderação terá que ser feita pelo próprio detentor do poder disciplinar a partir do momento da conclusão das diligências de investigação que entenda levar a efeito no âmbito do inquérito em causa.
Serve quanto acaba de referir-se para se sustentar que o inquérito prévio relevante para os efeitos em análise deve ser integrado, apenas, pelas diligências probatórias necessárias ao referido apuramento, devendo ter-se por concluído logo que concluídas estejam tais diligências.
(…)
Reportando-nos agora à situação em apreço e tendo por base este nosso entendimento, somos levados a concluir que o inquérito prévio instaurado pela ré se deve ter por concluído no dia 20/1/2010, aquele em que foram realizadas as últimas diligências probatórias – fls. 105 a 120.
A partir de então, dispunha a ré de 30 dias para notificar o autor da nota de culpa, sob pena de não poder beneficiar do regime do citado art. 352º do CT/09.
O autor só foi notificado da nota de culpa em 10 de Março de 2010, logo, já depois de esgotado o referido prazo de 30 dias.
Consequentemente, caducou o direito da ré proceder disciplinarmente contra o autor por todos os factos por este praticados até ao dia 10/12/09, designadamente aqueles pelos quais o autor veio a ser disciplinarmente sancionado pela ré.
Mesmo a não se entender assim e a considerar-se que o relatório final faz parte do processo prévio de inquérito, ainda assim teríamos de concluir no exacto sentido em que acabámos de o fazer, se bem que com outros fundamentos.
Com efeito, para que a ré pudesse beneficiar do regime do art. 352º do CT/09, necessário seria que a mesma conduzisse o inquérito prévio de forma diligente.
Afigura-se-nos que o não fez.
Na verdade, face ao teor da reunião que a administração do Casino da ré teve em 10/12/09 e à informação que na mesma lhes foi transmitida pelos trabalhadores C...e D..., tudo se resumia em saber, face aos próprios termos em que a ré procedeu subsequentemente, se o autor tinha afirmado uma qualquer relação entre a participação em greve de certos trabalhadores da ré e uma penalização na classificação desses trabalhadores, se efectivamente essa relação existiu, se o autor foi por ela responsável, e se o autor violou o dever de confidencialidade relativamente ao conteúdo das reuniões de avaliação.
Para o efeito, a ré inquiriu sete pessoas, sendo que:
a) duas delas foram, exactamente, as pessoas que deram à administração do Casino da ré a notícia subjacente ao procedimento de inquérito – as testemunhas C...e D...;
b) duas outras foram aquelas que das duas primeiras receberam a aludida notícia – as testemunhas E...e F...;
c) outra era o próprio autor.
A inquirição de todas essas pessoas ocorreu em apenas três dias – uma em 29/12, outra em 5/1, e todas as demais em 20/1.
Para a realização dessas diligências a ré levou exactamente 41 dias, sem contabilizar o próprio dia da instauração do processo de inquérito.
Fica sem se perceber a razão pela qual a ré demorou 41 dias para realizar a inquirição de sete pessoas que inquiriu efectivamente em 3 dias, tanto mais quanto é certo que todas as testemunhas inquiridas eram trabalhadores da própria ré e tinham todas o seu domicílio profissional no Casino da ré.
Ao acabado de referir acresce que entre a data da última diligência de prova realizada no inquérito e aquela em que foi elaborado o relatório final do mesmo ocorreram 23 dias, sendo o relatório final constituído por 12 páginas, de tudo resultando que a ré consumiu pouco menos de 2 dias para elaborar cada uma daquelas 12 páginas.
Consideramos, assim, que a ré não imprimiu ao inquérito a diligência que se lhe impunha, levando 64 dias para inquirir sete pessoas que inquiriu em três dias e para elaborar um relatório final de 12 páginas, sendo que os factos com relevo disciplinar que estavam em causa eram a nosso ver de fácil averiguação, interpretação e integração jurídica.
Assim, também com este fundamento se deve concluir no sentido de que a ré não pode beneficiar do regime do citado art. 352º do CT/09.
Consequentemente, caducou o direito da ré proceder disciplinarmente contra o autor por todos os factos por este praticados até ao dia 10/12/09, designadamente aqueles pelos quais o autor veio a ser disciplinarmente sancionado pela ré.

A apelante insurge-se contra os juízos descritos, defendendo que (a) o inquérito prévio/preliminar só deverá considerar-se concluído quando, havendo, for apresentado o relatório do seu instrutor, quando se considera que o inquérito era e foi essencial para a indagação dos factos e formação da decisão de instaurar processo disciplinar e mais ainda quando o instrutor nomeado era advogado externo à empresa; (b) o inquérito só deve considerar-se concluído quando as diligências probatórias tiverem chegado ao conhecimento do empregador, possibilitando-lhe a decisão sobre o exercício do poder disciplinar; (c) não peca por falta de diligência um inquérito instaurado em 21 de Dezembro de 2009 e concluído a 12 de Fevereiro de 2010, quando no decorrer do inquérito foram ouvidas várias testemunhas em vários dias, ocorreram vários dias feriados (semana do Natal e da Passagem de Ano), os trabalhadores ouvidos no seio do inquérito dispõem de horários e folgas diferentes, trabalhando sobretudo durante o período nocturno, instrutor é externo à empresa, com domicílio profissional no Porto, foi elaborado um relatório final de inquérito com a valoração jurídica dos factos, se tratam de assuntos tão importantes como os direitos constitucionais à greve e à igualdade entre os trabalhadores.

Vejamos:

A primeira questão prende-se com o momento em que deve considerar-se concluído o procedimento prévio de inquérito a que alude o art. 352.º do CT/2009, se com a conclusão dos actos com relevo na indagação probatória ou se com um relatório final do instrutor.

O inquérito prévio tem, como resulta da norma legal, um objectivo: fundamentar a nota de culpa. Esta quando é comunicada ao trabalhador há-de conter a descrição dos factos disciplinares que lhe são imputados e, portanto, é razoável que se não apoie em meras suspeitas da sua prática, mas antes em provas com alguma consistência para conduzir a uma sólida acusação.

Portanto, a nosso ver, tal como se defendeu na sentença recorrida, os actos de inquérito relevantes para determinar a sua duração (e a sua cessação) são os que se prendem com a essência do inquérito: a recolha de prova indiciária sobre a prática de infracção disciplinar. Portanto, a nosso ver também, as diligências de inquérito a considerar devem ser exclusivamente as diligências probatórias com relevo para o apuramento dos factos apresentados na nota de culpa ou na resposta a esta.

Um relatório produzido pelo instrutor nomeado para o inquérito é quando muito um elemento relativo à ponderação dos factos apurados, um mero parecer, quando muito um acto preparatório ou auxiliar da decisão de emitir nota de culpa.
A lei impõe prazos razoavelmente curtos para o início do procedimento disciplinar a partir do momento em que a infracção disciplinar é conhecida do empregador (ou o quadro de suspeita da mesma). O art. 329.º n.º 2 do CT/2009 estabelece o prazo de sessenta dias para o efeito. Por início do procedimento disciplinar, deve entender-se, em regra, a data da comunicação da nota de culpa, já que é esta que interrompe o assinalado prazo de caducidade de sessenta dias (353.º n.º 3 do CT). Mas pode haver lugar a procedimento prévio de inquérito, nos termos do disposto do art. 352.º (aplicável por analogia aos procedimentos disciplinares que não visem o despedimento) e, neste caso, o prazo de sessenta dias é alargado, uma vez que o dito prazo de 60 dias se tem por interrompido desde que o seu início ocorra dos 30 dias seguintes à suspeita de infracção, o procedimento do inquérito seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada ao trabalhador até 30 dias após a conclusão do mesmo.
Um procedimento disciplinar célere, simplificado, como é o que deve presidir aos procedimentos disciplinares laborais, não se compadece com a possibilidade do mesmo incluir pareceres técnicos, como os relatórios de instrutores (incluindo advogados externos à empresa do empregador), não previstos na lei.
Um instrutor estranho à pessoa do empregador, ou a superior hierárquico com delegação do poder disciplinar, que seja encarregue de instruir o procedimento disciplinar ou de inquérito prévio é um mandatário e não um terceiro independente. Cabe-lhe assumir o papel de instrução do próprio empregador no exercício do poder disciplinar.
Não se compreenderia, assim, que um parecer ou um relatório do próprio empregador para si próprio, enquanto elemento de formação da sua vontade, pudesse integrar o procedimento para efeitos de aferir da apreciação da sua duração no que releva para impedir o decurso dos prazos legais de caducidade ou de prescrição.
Da mesma forma, entrando na análise da segunda questão acima elencada, não é possível considerar, a nosso ver, que inquérito só se deva considerar concluído, se for realizado por instrutor nomeado, quando as diligências probatórias tiverem chegado ao conhecimento do empregador. É o próprio empregador quem por intermédio do instrutor faz a indagação probatória. Por isso, agindo com a diligência que se lhe impõe, ele tem que ter conhecimento dessa indagação em tempo útil, não podendo valer-se da invocação de um desconhecimento dos actos desenvolvidos pelo instrutor.
No caso, verificamos que em 10/12/2009 a ré teve conhecimento do alegado comportamento irregular do autor (facto 80.). Dispunha de sessenta dias a partir daí para instaurar o procedimento disciplinar e comunicar uma nota de culpa (329.º n.º 2 do CT). Optou, no entanto, por instaurar procedimento prévio de inquérito, em 21/12/2009 (facto 82.), o que era apto a interromper aquele prazo de 60 dias. Impunha-se-lhe assim que conduzisse o procedimento do inquérito de forma diligente e a nota de culpa fosse notificada ao trabalhador até 30 dias após a conclusão do mesmo (art. 352.º).
Ora, no decurso do inquérito procedeu a inquirições de eventuais testemunhas (facto 83.), sendo que a última teve lugar em 20/1/2010. De acordo com o nosso entendimento (que acolhe o da 1ª instância) esse foi o último acto relevante do inquérito e a partir de então a ré dispunha de 30 dias para notificar o autor da nota de culpa.
Só o fez, contudo, em 10 de Março de 2010, mais de 30 dias sobre a data de 20/1/2010.
É de concluir, assim, como o fez a 1ª instância que “consequentemente, caducou o direito da ré proceder disciplinarmente contra o autor por todos os factos por este praticados até ao dia 10/12/09, designadamente aqueles pelos quais o autor veio a ser disciplinarmente sancionado pela ré”.
Prejudicada fica, assim, a análise da terceira questão, ou seja, a de que não se verificou falta de diligência na conclusão do inquérito.
Compreendemos e aceitamos, porém, o juízo expresso na sentença recorrida, na parte que se transcreveu. E pelo que acima já dissemos, não podemos aceitar que na justificação de qualquer demora no inquérito se possa incluir a circunstância do instrutor ser um advogado externo à empresa e ter elaborado um relatório final de inquérito.
Improcede, assim, a apelação nesta parte.

B.3. A questão de saber, se se justificava a condenação da ré a pagar ao autor uma indemnização:
Como já ficou dito, o autor pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 1.584,33 referente a comissões não pagas pela Comissão de Distribuição de Gratificações até Julho de 2010, em consequência do facto da ré o ter suspendido preventivamente e de o ter sancionado com a sanção de vinte dias de suspensão com perda de vencimento e antiguidade.
Na sentença recorrida, a propósito, escreveu-se o seguinte:
A ré suspendeu preventivamente o autor e sancionou-o disciplinarmente, tudo no exercício de um direito de acção disciplinar que já estava caducado e que, por isso, foi ilicitamente exercido.
Em consequência da actuação disciplinar ilícita por parte da ré, o autor sofreu efectivamente danos decorrentes das gratificações que teria recebido por atribuição da Comissão de Atribuição de Gratificações, mas que não recebeu pelo facto da ré ter assumido aquela conduta ilícita traduzida na suspensão do autor do exercício de funções, primeiro preventivamente, depois a título de sanção disciplinar, tudo por referência a factos pelos quais a ré já não podia proceder disciplinarmente contra o autor (ponto 68º dos factos provados).
Consequentemente, a ré violou o contrato de trabalho que celebrara com o autor e as normas que o regem em matéria de poder disciplinar, tendo com tal actuação incorrido em responsabilidade contratual, com a consequente obrigação de indemnizar o autor pelos danos decorrentes da sua conduta ilícita – arts. 562º e 564º CC.
Deve a ré pagar ao autor, consequentemente, todas as gratificações que o mesmo teria auferido da Comissão de Atribuição de Gratificações, mas que efectivamente não auferiu pelo facto da ré ter actuado ilicitamente do ponto de vista disciplinar - € 1.584, 33 euros.
A apelante defendeu no recurso ocorrer nulidade da sentença a este respeito, matéria que já apreciámos acima concluindo pela improcedência dessa arguição.
A verdade é que o autor foi muito claro em pedir aquela condenação em resultado do que se configura como um lucro cessante, decorrente da suspensão (preventiva e disciplinar) de trabalho determinada pela ré, considerada ilícita (arts. 97.º e 98.º da petição).

Mas a ré defende, ainda que o pagamento das gratificações em causa não decorria do contrato de trabalho, não era da sua responsabilidade, não estavam reunidos os pressupostos da responsabilidade contratual, em especial a culpa, tendo em conta que provou que não era quem pagava as gratificações.

Afigura-se-nos que não tem razão.

As suspensões de trabalho foram determinadas em momento que se concluiu, como se disse, estar caducado o direito de proceder disciplinarmente. Verifica-se assim a respectiva nulidade.

Sendo assim, a ré ao determinar uma suspensão ilícita do contrato de trabalho violou o direito contratual do autor à ocupação efectiva (129.º n.º 1 al. b) do CT/2009).

Nos termos do art. 798.º do Código Civil, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. A culpa presume-se (799.º do Código Civil) e, no caso, está mesmo demonstrada, pois a ilicitude de suspensão do autor decorre do desrespeito pela ré dos prazos de procedimento disciplinar.

Observado o facto 68., verificamos que se provou que por decorrência da ilícita suspensão, o autor deixou de auferir gratificações a que tinha direito e atribuídas pela Comissão de Distribuição de Gratificações do Casino, ascendendo a € 1.584,33. Ou seja, está estabelecido o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.

Trata-se de um prejuízo do autor, de lucro cessante, sendo indiferente para a responsabilidade da ré que esse pagamento fosse normalmente pago por si ou por terceira entidade.
Está assim correcta a sentença recorrida, quando concluiu pela obrigação de indemnizar o autor, nos termos dos arts. 562.º e 564. do Código Civil.
Pelo que improcede a apelação, também nesta parte.

B.4. A questão da comissão de serviço do autor:
O autor pediu, na acção, a condenação da ré a colocá-lo como chefe de partida, por ser ilegal o abaixamento da sua categoria profissional, quer a título provisório, quer definitivo.
A ré defendeu que o autor exercia as funções assinaladas em comissão de serviço e que fez cessar essa comissão, pelo que a alteração de funções daí decorrente foi lícita.
Na sentença seguindo-se o entendimento do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-4-11 (in www.dgsi.pt, proc. 665/09.8TTFUN.L1-4), a propósito de um caso similar com um trabalhador de casino, considerou-se o seguinte, designadamente:
Há que considerar, agora, a pretensão do autor no sentido da ré ser condenada a recolocá-lo a exercer as funções de chefe de sala/partida.
É inequívoco, para nós, que o autor exercia essas funções em comissão de serviço, para o exercício das quais foi convidado verbalmente.
Resulta esse entendimento, antes de mais, dos próprios factos provados, pois que deles resulta exactamente quanto acabou de afirmar-se – pontos 6º e 133º dos factos provados.
Além disso, nesse sentido aponta, também, o disposto na cláusula 7ª/2 do CCT aplicável.
Desta norma resulta, também, que as funções de chefe de sala são exercidas em comissão de serviço.
Importa, agora, determinar se a contratação do aqui autor para o exercício dessas funções estava ou não sujeita à forma escrita imposta pelo art. 103º/1/e do CT/2003 que vigorava à data em que o autor as passou a exercer; na afirmativa, importa determinar quais as consequências decorrentes da inobservância dessa forma imposta por lei.
A figura da comissão de serviço começou por ter consagração no âmbito do contrato individual de trabalho com o DL 404/91, de 16/10, possibilitando a atribuição ao trabalhador de certas funções a título reversível, sem produzir o efeito estabilizador da aquisição da categoria em conformidade com o chamado princípio da irreversibilidade.
Tal como resulta do preâmbulo do referido diploma, o pressuposto que esteve na base da criação deste regime de prestação de trabalho em comissão de serviço assenta na “necessidade de assegurar níveis cada vez mais elevados de qualidade, responsabilidade e dinamismo na gestão das organizações empresariais o que implica soluções adequadas à salvaguarda da elevada e constante lealdade, dedicação e competência em que se traduz a confiança que o exercício de certos cargos exige.”.
Mais tarde, essa mesma figura foi regulamentada no Código do Trabalho de 2003, diploma em vigor à data em que o autor passou a exercer as funções de chefe de sala em comissão de serviço.
Ora, como dispunha o art. 244º desse diploma: “Podem ser exercidos em comissão de serviço os cargos de administração ou equivalentes, de direcção dependentes da administração e as funções de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos, bem como outras, previstas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, cuja natureza também suponha, quanto aos mesmos titulares, especial relação de confiança.”
Este diploma manteve, assim, um regime excepcional de recrutamento para o desempenho de cargos que exigem uma relação especial de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador.
No caso sub judice, o instrumento de regulamentação colectiva aplicável à relação laboral em apreço (CCT entre a Associação Portuguesa das Empresas Concessionárias das Zonas de Jogo e o Sindicato dos Profissionais de Banca dos casinos e Outros, publicado no BTE, 1º série, nº 30, de 15 de Agosto de 1991) alude ao exercício das funções de chefe de sala em regime de comissão de serviço, nos termos do disposto na cláusula 7ª, aí se prevendo que tais funções só podem ser exercidas em regime de comissão de serviço, através de recrutamento livre feito pela entidade patronal, com acordo prévio do interessado, de entre os profissionais das salas de jogos.
Como quer que seja e como resulta do acima exposto, quando o autor iniciou as suas funções de chefe de sala, em regime de comissão de serviço, em Julho de 2005, estavam já em vigor os arts. 103º/1/e 245º CT/03, de cuja conjugação resulta evidente que a convenção estabelecida entre o trabalhador e a entidade patronal, quer quanto à sua forma, quer quanto ao seu conteúdo, tinha de constar de um acordo escrito, assinado por ambas as partes e do qual deviam constar determinadas indicações, nomeadamente o cargo ou funções a desempenhar com menção expressa do regime de comissão de serviço.
Por sua vez, estatuía o nº 2 do mesmo art. 245º que não se considerava sujeito ao regime de comissão de serviço o acordo não escrito ou em que faltasse a menção expressa do regime de comissão de serviço.
Consequentemente, a inobservância desse regime formal tinha efeito idêntico ao recurso à comissão para provimento de cargos que a não admitissem – o empregador não podia pôr termo ao exercício de funções de comissão de serviço por simples declaração unilateral.
Por outro lado, entende-se que a norma do art. 103º/1/e CT/2003 era de natureza imperativa de conteúdo fixo, considerando, também, as razões de ordem pública que também estão subjacentes à exigência legal de forma escrita para determinadas relações contratuais se poderem constituir de forma válida.
Finalmente, deve considerar-se que a forma exigida para o contrato de trabalho em comissão de serviço constitui formalidade ad substantiam – neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Secção Social, 29 Novembro 1999, Processo 774/99, in Colectânea de Jurisprudência on line, Ref. 10207/1999.
Como assim, as disposições dos arts. 103º/1/e e 245º do CT/2003 devem considerar-se imediatamente aplicáveis a todas as comissões de serviço que estivessem em curso à data da entrada em vigor daquelas normas, bem assim como a todas aquelas que se constituíssem depois da sua entrada em vigor, prevalecendo sobre normas de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que estipulassem regime diverso do nelas consagrado, tendo em conta, designadamente, o regime decorrente dos arts. 4º/1 e 533º/1/a CT/2003, bem assim como o disposto no art. 14º/1 da Lei 99/2003, de 27/8.
Como assim, o regime decorrente da cláusula 7ª, nº 1, do CCT entre a Associação Portuguesa das Empresas Concessionárias das Zonas de Jogo e o Sindicato dos Profissionais de Banca dos casinos e Outros, cede perante o regime dos arts. 103º/1/e e 245º do CT/2003, nomeadamente no que toca às exigências formais do contrato de comissão de serviço e às consequências da sua inobservância.
No caso em apreço, dúvidas não há de que a nomeação do autor para o exercício, em comissão de serviço, em Julho de 2005, das funções de chefe de sala não obedeceu à exigência legal do acordo escrito supra mencionado.
Consequentemente, as funções que o autor passou a exercer, desde então, de chefe de sala terão de se considerar exercidas com carácter permanente, uma vez que o regime de comissão de serviços que foi acordado não foi sequer reduzido a escrito.
Por isso, quando a ré decidiu fazer cessar a comissão de serviço já o autor exercia as suas funções, não no referido regime de comissão de serviço, mas a título permanente, face à falta de redução a escrito do acordo de comissão de serviço, sendo certo que a ré devia ter acautelado essa redução a escrito.
Como assim, atenta a imperatividade das normas sobre a proibição da baixa de categoria e diminuição da retribuição sem justificação, nos termos do art. 129º/1/d/e do CT/2009, deve o autor ser reposto no exercício das funções de chefe de sala, bem assim como lhe deve ser reposta integralmente a remuneração que auferia pelo exercício dessas funções.

A apelante, no recurso, vem colocar em causa o entendimento transcrito, essencialmente por considerar que a regulamentação da cl. 7.ª do CCT aplicável não infringe normas imperativas do Código do Trabalho.

E fá-lo enumerando os seguintes argumentos: (a) o artigo 4.° n.° 1 do Código do Trabalho de 2003 permitia que as normas daquele Código pudessem ser afastadas por IRCT, desde que tais normas não fossem absolutamente imperativas, conforme regista a nossa melhor doutrina constante das presentes alegações; (b) os artigos 103.º, n.º 1, alínea e) e 245.°, n.º  2 do Código do Trabalho de 2003 não são normas absolutamente imperativas, pois que delas não resulta expressamente essa característica; (c) os artigos 103.°, n.° 1, alínea e) e 245.°, n.° 2 do Código do Trabalho de 2003 não são também normas relativamente imperativas, pois que não constam do elenco taxativo do artigo 3.°, n.° 3 do Código do Trabalho de 2009, através do qual o legislador veio, por interpretação autêntica, definir quais são, para si, as disposições relativamente imperativas; (d) é o próprio Código do Trabalho de 2003 que permite que o bem jurídico “forma do contrato”, in casu do contrato de trabalho a termo, seja afastado quando o IRCT aplicável regula esta matéria (cfr. artigo 128.° de tal diploma); (e) ainda que fosse exigido o acordo escrito, este existiu, em virtude do IRCT funcionar justamente como acordo escrito, pois que negociado entre representantes do trabalhador e da empresa, sendo que, além do mais. o Recorrido veio aos autos exercer abusivamente o seu direito, em manifesto venire contra factum proprium, actuando ostensivamente contra toda a sua palavra, o seu acordo e os seus actos;  (f) a interpretação do tribunal a quo é inconstitucional, por violação do artigo 56.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa.

Vejamos:

Trata-se de saber se as normas dos art. 103.º, n.º 1, alínea e) e 245.°, n.º  2 do Código do Trabalho de 2003, ao imporem a forma escrita para o contrato de trabalho em comissão de serviço e a consequência para a sua inobservância, prevalecem ou não sobre a cl. 7.ª n.º 1 do CCT identificado na sentença recorrida e que dispõe: “as funções de chefe de sala e adjunto de chefe de sala são consideradas como sendo da exclusiva confiança da entidade patronal; os respectivos titulares são recrutados livremente e em comissão de serviço pelas entidades patronais, com prévio acordo do interessado e nos termos do Regulamento da Carteira Profissional, de entre os profissionais das salas de jogos”.

Ora antes de mais, cumpre dizer que, na nossa leitura, o art. 7.º do CCT nada refere quanto à forma do contrato. Ou seja, por ele próprio não impõe forma, nem a dispensa. A expressão “livremente” não significa que o contrato não seja um contrato formal, sujeito a escrito, quando a lei o imponha. O mesmo advérbio “livremente” é também usado no n.º 2 (“à comissão de serviço acima pode livremente o trabalhador ou entidade patronal pôr termo, mediante comunicação escrita ao outro (…)”) a respeito da cessação da comissão e aí não pode haver dúvidas que não se refere à forma, já que impõe a declaração escrita.

Por isso, diríamos que não encontramos incompatibilidade substancial entre o regime geral previsto no Código do Trabalho para a forma do contrato de comissão de serviço e o previsto na cl. 7.ª do CCT. Ou seja, não vemos que este afaste as assinaladas normas do Código do Trabalho que exigem a forma escrita e, portanto, são aplicáveis as normas deste que imponham a forma escrita.

De todo o modo, quanto à imperatividade sempre diremos o seguinte: o art. 4.º n.º 1 do CT/2003 estabelece que as suas normas podem ser afastadas por IRCT, salvo quando delas resultar o contrário. Por seu turno, o art. 533.º do mesmo CT estabelece que os IRCT não podem contrariar normas legais imperativas.
Aquele art. 4º, n.º 1 permite que as normas deste possam ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, quer em sentido mais favorável aos trabalhadores (in melius), quer em sentido menos favorável (in peius). Mas é necessário, contudo, que da norma em questão do Código não resulte o contrário.
A proibição tanto pode ser absoluta (caso das normas imperativas de conteúdo fixo, que contém valores de ordem pública), como relativa (como é o caso, por exemplo, das normas imperativas-permissivas). Se a lei contiver uma norma imperativa de conteúdo fixo, os instrumentos de regulamentação não podem dispor de forma diferente, independentemente de ser mais ou menos favorável.

Ora, quanto a nós, tal como se entendeu na 1.ª instância, as normas que estabelecem a forma para o contrato de trabalho são de natureza e ordem pública. Visam garantir e alcançar a certeza e a segurança jurídicas em matérias nas quais o trabalhador pode estar mais desprotegido. Constituirão normas imperativas de conteúdo fixo, a menos que a mesma lei diga que expressamente que podem ser afastadas por IRCT.

Por isso, entendemos que as normas dos arts. 103.º, n.º 1, alínea e) e 245.°, n.º  2 do Código do Trabalho de 2003, ao imporem a forma escrita para o contrato de trabalho em comissão de serviço e a consequência para a sua inobservância, são normas que não podem ser afastadas por IRCT, uma vez que a lei não o indica expressamente.

Concluindo desta maneira, fica prejudicada a apreciação dos argumentos (c) e (d) acima elencados.

A apelante defende, no entanto, que ainda que fosse exigido o acordo escrito, este existiu, em virtude do IRCT funcionar justamente como acordo escrito.

Mas sem razão, a nosso ver.

O acordo escrito exigido é um acordo individual, entre empregador e trabalhador, e não um acordo colectivo como é o caso dos IRCT.

Por outro lado, sustenta que ainda que se entenda que era legalmente exigido o acordo escrito, ainda assim essa exigência deve ser desconsiderada, no caso, pois se deve entender que o autor “veio aos autos exercer abusivamente o seu direito, em manifesto venire contra factum proprium, actuando ostensivamente contra toda a sua palavra, o seu acordo e os seus actos”.

Sobre esta matéria, pronunciou-se a sentença recorrida do seguinte modo:

O autor encontrava-se numa situação de subordinação em relação à ré, típica de uma relação de trabalho subordinado do tipo da que existia entre o autor e a ré.

Não resulta dos factos provados que o autor tenha contribuído, fosse de que modo fosse, para a falta de observância da forma legal que deveria ter sido respeitada em relação à sua nomeação para o exercício de funções em comissão de serviço.

Também não resulta desses mesmos factos que o autor alguma vez tenha assumido um qualquer comportamento de que pudesse extrair-se a sua renúncia, expressa ou tácita, à arguição da nulidade decorrente da inobservância daquele formalismo legal.

Neste enquadramento, entende-se que os factos provados não permitem concluir no sentido de que o autor incorre em abuso de direito ao pretender prevalecer-se da nulidade formal da sua nomeação em comissão de serviço para o exercício das funções de chefe de sala.

Concordamos com essa apreciação.

A apelante recorta o facto 6. em favor da sua tese do abuso do direito. O facto em causa revela apenas que o autor, “em 01/07/2005, foi convidado verbalmente para exercer em comissão de serviço as funções de “Chefe de Sala” (vulgo Chefe de Partida), na sala de jogos tradicionais (vulgo jogos bancados), o que aceitou, tendo-lhe sido atribuída a respectiva categoria profissional”.
Como na sentença se refere, nada nos autoriza a considerar que o autor contribuiu para a falta de forma escrita, caso em que, sem dúvida, se prevaleceria de um vício por si criado o que excederia manifestamente os limites da boa fé e tornaria ilegítimo o direito que invocou com base nesse vício (art. 334.º do Código Civil). Nem nada nos autoriza a pensar, até, que tivesse praticado actos dos quais se pudesse concluir que, sabendo qual o concreto regime da comissão de serviço, renunciaria à arguição da nulidade pela inobservância de forma.
Não vemos, por isso, que a sua posição, manifestada nos autos, exceda manifestamente os limites da boa fé.
Por isso, também aqui não se reconhece razão à apelante.
Finalmente, a apelante defendeu que a interpretação do tribunal a quo, segundo a qual as normas dos arts. 103.º, n.º 1, alínea e) e 245.°, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003 são imperativas e não podem ser afastadas por IRCT, é inconstitucional, por violação do artigo 56.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa.
O art. 56.° da CRP tem a epígrafe “Direitos da associações sindicais e contratação colectiva”, estabelece no seu n.º 3 que compete às associações sindicais exercer o direito à contratação colectiva e no seu n.º 4 que a “lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas”.
Ora, o afastamento de normas legais imperativas do âmbito da regulamentação colectiva, se fundada em razões de ordem pública, não fere a nosso ver o direito à autonomia contratual colectiva, da mesma forma que não se pode entender que fira o direito à autonomia contratual individual (protegida pelo art. 61.º n.º 1 da CRP). E são justamente razões de ordem pública que determinam, a nosso ver, a imperatividade das normas em causa.

Improcederá, assim e na totalidade, a apelação.
                                                     *
Sumário (a que alude o artigo 713º nº 7 do C.P.C.):
- O inquérito prévio a que alude o art. 352º do CT/2009, é um procedimento constituído, no seu essencial, pelo conjunto de actos necessários para se apurar factos com eventual relevo disciplinar, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os mesmos ocorreram e as consequências deles eventualmente decorrentes;
- Para efeitos da análise do momento da sua conclusão, relevante para efeitos da caducidade do direito de exercício disciplinar, deve ser integrado, apenas, pelas diligências probatórias necessárias ao referido apuramento, sendo de excluir dessa análise um relatório final do instrutor do processo.
- Para impedir a caducidade daquele direito, havendo inquérito prévio, o empregador dispõe de 30 dias após a conclusão do inquérito para notificar o trabalhador da nota de culpa, ou seja 30 dias a contar da última diligência probatória e não de eventual relatório final do instrutor;
- As normas dos art. 103.º, n.º 1, alínea e) e 245.°, n.º  2 do CT/2003, ao imporem a forma escrita para o contrato de trabalho em comissão de serviço e a consequência para a sua inobservância, são normas imperativas de conteúdo fixo, fundadas em razões de ordem pública, e não podem ser afastadas por IRCT.


*

III- DECISÃO

Termos em que se delibera julgar improcedente a apelação.

Custas a cargo da apelante.


*


Azevedo Mendes (Relator)

Felizardo Paiva

Manuela Fialho